Interceptação telefônica a luz do ordenamento jurídico brasileiro após o advento da Lei 9296/96

Resumo: A Constituição Federal de 1988 previu a inviolabilidade das comunicações telefônicas, salvo nos casos de investigação de crimes e devidamente autorizada pelo juiz. Tal norma necessitava de regulamentação, a qual foi feita pela lei 9296/96. A partir do advento dessa lei, tornou-se possível a interceptação telefônica quando houver indícios de participação em crime punido com pena de reclusão e não houver outro meio de prova para se chegar a autoria e materialidade da infração. Parte da doutrina critica alguns dispositivos da lei, existindo inclusive uma Ação Direta de Inconstitucionalidade face ao artigo 5º, que possibilita a produção da prova determinada de ofício pelo juiz. Entretanto até a presente data a lei tem sido acolhida pelos Tribunais e as interceptações que obedecem seus dispositivos estão sendo consideradas provas válidas na persecução penal.


Palavras-chave: Interceptação telefônica, sigilo, inviolabilidade,  Lei 9296/96.


Sumário: 1. Conceitos dos meios de quebra de sigilo 2. Necessidade de autorização Judicial 3. Interceptação do fluxo de comunicações de dados de sistema de informática e telemática. 4. Cabimento da interceptação telefônica 5. Decretação de ofício da interceptação telefônica 6.Prazo para interceptação telefônica 7. Violação de conversa telefônica com advogado 8. Consideração finais.


1.INTRODUÇÃO


A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XII, trouxe a inviolabilidade das comunicações telegráficas de dados e das comunicações telefônicas, sendo possível, excepcionalmente, a interceptação da comunicação telefônica, mediante autorização judicial, quando se tratar de investigação criminal ou instrução processual penal, nos moldes estabelecidos em lei própria.


De 1988 até 1996 a interceptação telefônica não era possível, já que não havia lei que regulamentava o citado inciso, sendo inclusive declarado não recepcionado pela Carta Magna o art. 57, II da Lei n.º 4117/62 (Código Brasileiro de telecomunicações) que versava sobre o tema.


Com o advento da Lei 9296/1996, que regulamentou inciso XII do art.5º da CF/88, tornou-se possível a interceptação telefônica desde que realizadas dentro dos parâmetros e procedimentos desta lei.


É claro que se tratando da violação de uma garantia fundamental, mesmo regulamentada por lei própria, é mister, a luz dos princípios da dignidade da pessoa humana, do princípio do estado de inocência,  do respeito à intimidade e vida privada e  do devido processo legal, um juízo de proporcionalidade ante aos casos em que se pretenda a interceptação telefônica para que não seja suprimido o Estado Democrático de Direito.


Conforme salienta Rodrigo C. R. Pinho[1], o indivíduo precisa ter segurança de que toda s as suas comunicações pessoais, tanto as feitas por cartas como as realizadas por telegramas ou telefonemas não serão interceptadas por outras pessoas. O mesmo autor, citando Ada Pellegrini Grinover, enfatiza a dúplice tutela do dispositivo constitucional em voga, quais sejam, a liberdade de manifestação do pensamento e do segredo como expressão do direito a intimidade das pessoas.


Ante a sensibilidade do tema, se faz necessário a análise das autorizações trazidas pela lei 9296/96 para a realização do meio de prova em questão, para se compreender como devem se dar as interceptações, de forma a obedecer os princípios constitucionais, sem perder de vista a eficácia e efetividade da persecução penal.


2. CONCEITOS


Antes de adentrarmos aos ditames da lei e as divergências aí existentes, é necessário conceituarmos, de acordo com maior parte da doutrina, as diferentes formas de violação às comunicações.


As formas de captação de conversa de dividem em três: gravação clandestina, gravação ambiental e interceptação telefônica em sentido amplo, sendo esta dividida em interceptação telefônica em sentido estrito e escuta telefônica.


A gravação clandestina ou gravação telefônica é aquela captação de conversa, via telefone, efetuada por um dos interlocutores, sem a ciência ou consentimento do outro. Esta hipótese não é alcançada pela lei 9296/96, vez que não é realizada por um terceiro estranho à conversa. Aqui não se verifica a figura criminosa do art.10[2] da Lei de Interceptações Telefônicas, mas a divulgação da gravação pode significar afronta ao inciso X do artigo 5º da Constituição Federal de 1988[3], e sujeitar o autor da gravação ao dever de reparação do dano no âmbito civil.


A gravação ambiental, se diferencia das demais por que não se dá via telefone, mas por algum meio eletrônico capaz de gravar conversa ou imagem em determinado ambiente, de forma aberta, presencial. Aqui se discute a validade desta prova quando feita sem o consentimento dos interlocutores, pois violaria o direito a intimidade e a vida privada. É importante frisar que seria possível a gravação ambiental nos casos de legítima defesa, por exemplo, no crime de concussão, em que a vítima grava a exigência do autor do delito, com fito de se proteger do possível abuso cometido pelo servidor que poderia vir a prejudicar a vítima.


Vale ressaltar, ainda, que a gravação ambiental poderá ser realizada se houver a devida autorização judicial e desde que se trate de investigação envolvendo organizações criminosas, conforme preceitua o art.2, inciso IV, da lei 9034/95, in verbis:


“Art. 2o Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:” (Redação dada pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)


A Interceptação telefônica em sentido estrito é a captação da conversa realizada por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores, e a escuta telefônica é a captação da conversa, feita por um terceiro, com o consentimento de apenas um dos interlocutores. Essas formas de obtenção de prova são possíveis desde que obedeçam os preceitos da lei 9296/96.


3. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL


Já na norma constitucional há a exigência de autorização judicial, entretanto a lei 9296/96 trouxe a expressão “juiz competente da ação principal”, ou seja, alargou a garantia constitucional, restringindo a autoridade judicial que pode autorizar a interceptação.


Questiona-se acerca da licitude da prova determinada por um juiz, a princípio competente, mas que depois se declara incompetente para a condução do feito, por exemplo, se durante as investigações entendeu-se que a competência seria de um juiz federal, mas a posteriori verificou-se a necessidade de declinação da competência a um juiz estadual, seria válida a interceptação telefônica determinada pelo juiz federal?


O Pretório Excelso, provocado a se manifestar sobre o tema decidiu, no hábeas corpus n.º 81260, que é lícita a prova autorizada por juiz que depois se declina incompetente, vejamos:


“Interceptação telefônica: exigência de autorização do “juiz competente da ação principal” (L. 9296/96, art. 1º): inteligência. 1. Se se cuida de obter a autorização para a interceptação telefônica no curso de processo penal, não suscita dúvidas a regra de competência do art. 1º da L. 9296/96: só ao juiz da ação penal condenatória – e que dirige toda a instrução -, caberá deferir a medida cautelar incidente. 2. Quando, no entanto, a interceptação telefônica constituir medida cautelar preventiva, ainda no curso das investigações criminais , a mesma norma de competência há de ser entendida e aplicada com temperamentos, para não resultar em absurdos patentes: aí, o ponto de partida à determinação da competência para a ordem judicial de interceptação – não podendo ser o fato imputado, que só a denúncia, eventual e futura, precisará -, haverá de ser o fato suspeitado, objeto dos procedimentos investigatórios em curso. 3. Não induz à ilicitude da prova resultante da interceptação telefônica que a autorização provenha de Juiz Federal – aparentemente competente, à vista do objeto das investigações policiais em curso, ao tempo da decisão – que, posteriormente, se haja declarado incompetente , à vista do andamento delas.”


Nesse sentido é o artigo 567 do Código de Processo Penal quando dita que a incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, ou seja, os atos de caráter probatório devem permanecer quando da remessa do processo ao juiz competente.


Insta observar que a própria Constituição excepciona duas situações em que não é necessária a autorização judicial para a interceptação telefônica: no estado de defesa (art.136, §1º, I, c) e no estado de sítio (art.139, III).


Atualmente se discute quanto a possibilidade de interceptação telefônica pelo Ministério Público, ou seja, adentra-se naquela discussão acerca da possibilidade de investigação pelo órgão ministerial.


O alcance dessa celeuma extrapola os objetivos deste trabalho, uma vez, que a lei 9296/96 permite que o julgador autorize a interceptação telefônica após requerimento do Ministério Público, porém, ao que se retira da análise do sistema processual penal e constitucional de organização e distribuição de atribuições, a diligencia, como regra, compete à Polícia Civil.


3.1 – Autorização de interceptação telefônica por Comissão Parlamentar de Inquérito 


A Constituição Federal, em seu artigo 58, §3º[4], outorga às comissões parlamentares de inquérito poderes investigatórios próprios das autoridades judiciais, entretanto deve-se entender esses poderes investigativos de forma restritiva, já que no ordenamento jurídico brasileiro existe a denominada reserva de jurisdição, que é a expressa previsão constitucional de competência exclusiva dos órgãos do Poder Judiciário.


Alexandre de Moraes exemplifica com clareza solar o que foi dito acima:


“Quando o texto constitucional prevê no art.5º,XI, a possibilidade de invasão domiciliar durante o dia, por determinação judicial, ou ainda, quando no art. 5º, XII, permite a interceptação telefônica, por ordem judicial, expressamente reservou a prática desses atos constritivos da liberdade individual aos órgãos do Poder Judiciário. Nessas hipóteses, as CPIs carecem de competência constitucional para a prática desses atos, devendo solicitar ao órgão jurisdicional competente”[5].


Portanto, às comissões não é dado o poder de determinar a interceptação telefônica, sob pena de nulidade da prova produzida e sua exclusão do processo.


4. INTERCEPTAÇÃO DO FLUXO DE COMUNICAÇÕES NO SISTEMA DE INFORMATICA E TELEMÁTICA.


A Lei 9296/96, em seu artigo 1º, parágrafo único, estendeu sua aplicação às interceptações de fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. 


A Carta Magna permitiu apenas a violação das informações transmitidas via telefone, pois, expressamente atribuiu a possibilidade ao “último caso”, qual seja, os dados e comunicações telefônicas. Nesse sentido manifesta-se Ricardo Rabonese, citado por Rangel (2000, p.64):


“É sabido que a veiculação em informática e telemática não somente veicula conversações, mas também dados sigilosos em sua maioria, e, neste caso em prol do próprio comando constitucional, preservar-se-ia o direito à intimidade do indivíduo”.


Nota-se grande celeuma sobre o tema, tanto que quanto ao mérito o STF não deu seu pronunciamento final, mas indeferiu o pedido de medida cautelar para suspensão do citado dispositivo:


“Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafo único do art. 1º e art. 10 da Lei n. 9.296, de 24-7-1996. Alegação de ofensa aos incisos XII e LVI do art. 5º, da Constituição Federal, ao instituir a possibilidade de interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. Relevantes os fundamentos da ação proposta. Inocorrência de periculum in mora a justificar a suspensão da vigência do dispositivo impugnado. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida. Medida cautelar indeferida.” (ADI 1.488-MC, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 7-11-96, DJ de 26-11-99)


Não obstante a recomendação de interpretar-se restritivamente as normas constitucionais que limitam direitos, depreende-se da suso citada decisão que, por enquanto, admite-se a interceptação da comunicação de dados em sistemas de informática e telematica, até porque, são espécies da comunicação telefônica, vez que necessitam desse meio para se produzirem.


Luiz Flávio Gomes[6], embora não entenda os fluxos de telemática e informática como espécies da comunicação telefonia, admite a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 1º: parágrafo único em questão é absolutamente legítimo, inquestionavelmente constitucional. Estão regidas pela Lei n.º 9296/96 tanto as comunicações telefônicas, como as comunicações telematicas (independentes da telefonia) .


Portanto, vê-se que embora pareça claro no texto constitucional que a lei superveniente somente poderia tratar da interceptação telefônica, grande parte da doutrina e o Supremo Tribunal Federal considera constitucional o parágrafo único do artigo 1º, admitindo como lícita a violação de dados de telematica e informática nos moldes da lei 9296/92.


5- CABIMENTO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA


A Lei 9296/96, em seu artigo 2º, traz as hipóteses em que não será admitida a interceptação telefônica. De maneira mais didática, citaremos, a contrario sensu da maneira trazida na lei, quais são os requisitos que permitem a produção da prova pela interceptação telefônica: quando houver indícios razoáveis da autoria e participação da infração penal; nos casos em que a prova não puder ser feita por outros modos, e se o fato investigado for punido com pena de reclusão.


Além dos pressupostos legais há os pressupostos constitucionais, quais sejam; que a interceptação se dê em investigação criminal ou em instrução processual penal, ou seja, processo de natureza cível, trabalhista dentre outros não é possível a interceptação telefônica; e o outro requisito é a necessidade de autorização judicial, a qual já tratamos no item 2.


Conforme sustenta Rangel (2000, p.67) as hipóteses em que a interceptação é possível, trazidas pela lei, deixaram de ser exceção e passaram a ser a regra, tendo conteúdo muito abstrato, deixando grande margem de discricionariedade ao julgador:


“Conforme se observa, o referido dispositivo, não obstante já nos dois primeiros incisos propiciar um elevado e desaconselhável grau de discricionariedade ao Estado-Jurisdição para o deferimento deste tipo de prova, em seu inciso III consagra uma arbitrária inversão da natureza legal desta lei.”


Não obstante a respeitada opinião do doutrinador acima citado, seguido por nomes como Antonio Magalhães Gomes Filho e Lenio Streck que entende desproporcional a interceptação em todo e qualquer crime punido com reclusão, o STF entende que com o advento da lei 9296/96, é perfeitamente possível a interceptação telefônica, ou seja, trata-se de um lei constitucional formal e materialmente.


5.1- Teoria do encontro fortuito de provas quanto ao fato investigado.


Exige-se, para que se possa proceder a interceptação telefônica que o crime seja punido com pena de reclusão, entretanto, se ao investigar crime punido com reclusão obtém-se de forma fortuita provas de um crime punido com pena de detenção, correlato ao crime para o qual foi autorizada a interceptação, essas provas devem ser consideradas válidas, pois é impossível em escuta interceptada separar as conversas em razão dos fatos a serem apenados de forma mais grave ou mais branda.


Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Recurso Ordinário e Hábeas Corpus n.º 13.274, RS (2002/0104866-6), relatado pelo Ministro Gilson Dipp em 10 de agosto de 2003, se segue:


“XII. Se, no curso da escuta telefônica – deferida para a apuração de delitos punidos exclusivamente com reclusão – são descobertos outros crimes conexos com aqueles, punidos com detenção, não há porque excluí-los da denúncia, diante da possibilidade de existirem outras provas hábeis a embasar eventual condenação.


XIII. Não se pode aceitar a precipitada exclusão desses crimes, pois cabe ao Juiz da causa, ao prolatar a sentença, avaliar a existência dessas provas e decidir sobre condenação, se for o caso, sob pena de configurar-se uma absolvição sumária do acusado, sem motivação para tanto.”


5.1.1 – Teoria do encontro fortuito de provas quanto ao autor do delito.


Reza o parágrafo único do artigo 2º da lei ora analisada que “em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.”


Percebe-se que a objetivo da norma, mais uma vez, é evitar abusos da autoridade, proteger a liberdade de comunicação do cidadão dando segurança de que sua intimidade está protegida. Ocorre que há situações em que se está investigando certa pessoa e por meio da interceptação descobre-se crime praticado por outra pessoa alheia aquela primeira investigação autorizada pela juiz da causa de maneira certa e determinada.


Conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, quanto a possibilidade de aceitação da prova quando descobre-se fato criminoso punido com detenção, de forma fortuita, é também possível a utilização da prova contra aquele que não fora anteriormente especificado como objeto/sujeito da investigação.


Corrobora com essa premissa o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que as garantias constitucionais não podem servir de escudo protetivo à prática de crimes.


Outro argumento favorável à possibilidade da utilização da prova contra pessoa não identificada na autorização judicial é a parte final do artigo 2º da lei 9296/96, pois embora tenha sido descoberta prova contra pessoa não identificada, é manifestamente impossível especificá-la antes do conhecimento de que se trata de pessoa envolvida em crime. Aqui o Estado não pode deixar de exercer o direito de punir através do devido processo legal com base em formalidades, pois, vige no Processo Penal a busca pela verdade material.


Portanto, não seria prova ilícita aquela interceptação autorizada para determinada pessoa diferente daquele futuro réu contra o qual se utilizará a prova, desde que tenha sido fortuitamente descoberto o delito e seu autor.


6. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA


O artigo 3º da lei 9296/96 reza:


A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz de ofício ou a requerimento:


I – da autoridade policial, na investigação criminal;


 II- do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.”


Quanto às possibilidades de decretação mediante provocação (da autoridade policial ou do Ministério Público) o legislador seguiu o sistema processual penal acusatório, porém, no que tange a possibilidade de decretação de ofício pelo juiz, vislumbra-se a figura de um juiz imparcial, pois se ele é o competente para a causa, conforme reza o artigo 1º, como pode sem provocação do órgão acusador ou do órgão investigador diligenciar no sentido de colher provas contra o indiciado?


Tendo em vista o desrespeito ao sistema processual pátrio, foi ajuizada Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3450) pelo Procurador Geral da República face deste dispositivo, mas ainda não houve julgamento. Embora não se saiba qual será o resultado da ADI 3450, o STF já se pronunciou contrário à figura do juiz que produz provas de oficio quando julgou procedente a ADI 1.570-2, que questionava a possibilidade de realização de prova pessoalmente pelo juiz, prevista no artigo 3º da Lei 9034/1995.


Isto posto, enquanto não é julgada a ADI 3450, está em vigor o referido artigo 3º da lei 9296/96, mas de acordo com o posicionamento majoritário da doutrina e o julgamento da ADI 1.570-2, provavelmente será declarado inconstitucional a parte que autoriza o juiz a determinar a interceptação telefônica de ofício.


É relevante destacar que o novel artigo156[7] do Código de Processo Penal, trouxe em seu inciso I, a possibilidade de o juiz ordenar a produção de prova mesmo antes de iniciada a Ação Penal, ou seja, a figura do juiz inquisitor foi regulamentada pelo dispositivo em questão, fortalecendo, assim, a corrente que defende a constitucionalidade do artigo terceiro caput da lei 9296/96.


7. PRAZO PARA REALIZAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO


A decisão do juiz que autoriza a interceptação deve ser fundamentada, indicando a maneira de execução e o prazo de realização da diligencia, que pode ser de até 15 dias, prorrogável por novos 15 dias, quantas vezes for necessário, desde que indispensável este meio de prova para a investigação.


O artigo 5º, não traz quantas vezes pode ser renovada a diligencia, mas também não veda o número infinito de renovações, desde que cada autorização seja dada por apenas 15 dias.


A Jurisprudência também não limita a quantidade de vezes, até porque as grandes operações investigativas podem durar dois ou três anos, e se não fosse possível à renovação da interceptação telefônica restariam prejudicas inúmeras ações da polícia que obtiveram êxito.


Nesse diapasão vejamos o que decidiu o STF no Hábeas Corpus 83515/RS- Rio Grande do Sul, relatado pelo Ministro Nelson Jobim, em 16/09/2004, publicado em 04/03/2005:


“É possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da L. 9.296/96.”


Parte da doutrina critica a o número excessivo de renovações, argüindo que  estaria sendo atribuído um grande poder ao juiz, já que durante as primeiras interceptações, caso não houvesse encontrado provas de autoria e materialidade do crime, com certeza inúmeras situações íntimas já haveriam sido devassadas.


Outro argumento para se criticar a indeterminação de prazo para realização desse meio de prova é o fato de que o próprio estado de defesa[8], que é uma situação extraordinária, transitória e que durante sua vigência pode-se violar algumas garantias constitucionais, tem prazo determinado de trinta dias prorrogáveis por mais um período de trinta dias, então não poderia a interceptação telefônica, realizada em momento de normalidade, ocorrer por período incerto.


Entretanto tal argumento não pode prosperar pois o Estado de defesa é decretado pelo Presidente da República utilizando-se de um juízo político e sem a necessidade da ocorrência de nenhum crime; enquanto a interceptação telefônica é medida decretada por autoridade judiciária realizando um juízo jurídico e tem como pressuposto a prática de um crime punido com reclusão.


8. VIOLAÇÃO DE CONVERSA TELEFONICA COM ADVOGADO


Devemos ressaltar que não há possibilidade da interceptação telefônica entre o cliente (investigado) e seu advogado, pois o sigilo profissional do advogado no exercício da profissão é inerente ao próprio princípio do devido processo legal e portanto inviolável. O Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB dispõe com clareza sobre o tema em seu artigo 7º, II, vejamos:


Art.7º São direitos do advogado;


II- ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônica ou afins, salvo caso de busca e apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB”. (Grifo nosso)


Portanto, se tratando de função essencial a justiça, as comunicações do advogado são invioláveis, mas, caso o advogado seja suspeito, e aí não estaria na figura de defensor, mas de co-autor ou partícipe da provável infração penal, nada impede a interceptação telefônica, pois o sigilo diz respeito aos atos de defesa próprios do exercício da profissão.


9. CONSIDERAÇÕES FINAIS


São inúmeras as polemicas despertadas pela possibilidade de violação às comunicações telefônicas, entretanto o fato de haver lei regulamentando o tema já traz segurança jurídica aos jurisdicionados e também capacidade investigativa aos órgãos competentes.


Ficou evidenciado que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça tem primado pela necessidade de se combater o crime, dando operabilidade a interceptação telefônica. Tal posicionamento jurisprudencial por vezes diverge da doutrina garantista que vê na lei 9296/96 falhas que a eivam de total inconstitucionalidade pois permite a quebra desarrazoada de alguns direitos e garantias constitucionais.


Não se pode negar a existência de alguns pecadilhos na lei, mas, neste período em que o crime está cada vez mais organizado e o Estado cada vez mais caótico, há que se pesar, isto é, usar o princípio da proporcionalidade e admitir certas quebras de garantias com o fim de punir aqueles que violam os bens mais valiosos protegidos pela constituição e pela legislação penal, sem é claro adentrarmos em um direito processual de emergência ou simbólico( Direito penal de 3º velocidade ou direito penal do Inimigo).


Admitir a interceptação telefônica é um anseio da sociedade, que não mais admite a impunidade ante a tantos acontecimentos estarrecedores protagonizados tanto pelos criminosos menos favorecidos, mas principalmente  pelos infratores mais abastados. Portanto, há que se pautar sob a proporcionalidade e razoabilidade e diante do caso concreto perceber que mais vale a punição do criminoso do que o risco de se violar a comunicação de um inocente.


 


Referências

BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto:Vade Mecum RT – 3.ed.rev.,ampl. E atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.2267p.

BRASIL. Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. Regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5° da Constituição Federal. Vade Mecum RT – 3.ed.rev.,ampl. E atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.2267p

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Hábeas Corpus n.º 81260. Impetrante: Shiro Naruse. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Relator Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento 14 de novembro de 2001. Publicação DJ 19.04.2002. <http://www.stf.gov.br/> Acesso em 25/08/2008

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário e Hábeas Corpus n.º 13.274, RS (2002/0104866-6), Recorrente: Juarez Marin. Recorrido: Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Julgamento em 10 de agosto de 2003. relatado pelo Ministro Gilson Dipp. Publicado em 29/09/2003. < http://www.stj.jus.br/> Acesso em 26/08/2008.

BRASIL. Código de Processo Penal. Organizadora Anne Joyce Angher.1.ed.São Paulo: Rideel, 2006.

CURSO LEGISLAÇÃO ESPECIAL PENAL E PROCESSUAL PENAL – LFG, 2008, São Paulo. Professor Renato Brasileiro.

FERNANDES, J. Técnicas de Estudo e Pesquisa. Goiânia: Kelps, 2002. 314 p.

GOMES, Luiz Flávio.; SERVINI, Raúl. Interceptações Telefônicas, São Paulo, Ed. RT, 1997.

MORAES, A. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2005. 892 p.

PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais. 7. ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

RANGEL,Ricardo Melchior de Barros. A prova ilícita e a interceptação telefônica no direito processual brasileiro. Rio de Janeiro:Forense, 2000, 88 p.


Notas:

* Trabalho Orientadora Profa. Ms. Helca de Sousa Nascimento – Axioma Jurídico

[1] PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais. 7. ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.111.

[2] Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

[3] Art.5, X  da CF/88.  São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

[4] Art.58, §3º. As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes próprios das autoridades judiciais, alem de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público para que promova a responsabilidade civil e criminal dos infratores.

[5] MORAES, A. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2005.p.387.

[6] GOMES, L.F.; SERVINI,R. Interceptações Telefônicas, São Paulo, Ed. RT, 1997, P.176

[7] Art.156 A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém facultado ao juiz de ofício: I -ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida.

[8] CF/88, Art.136 O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.

§1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes (…)

§2º O tempo de duração do estado de defesa não será superior a tinta dias podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação.

Informações Sobre o Autor

Waldemar Antonio Tassara Júnior

Advogado em Goiás, Servidor Público do Estado de Goiás – Assistente de Gestão Administrativa- lotado na Procuradoria Geral de Estado de Goiás, Pós-graduado em Direito Processual – pela Universidade de Rio Verde – FESURV – 2008


Equipe Âmbito Jurídico

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