Interseção da teoria capitalista humanista de direito econômico com o direito tributário

Resumo: Vive-se hoje uma realidade jurídica em que se demanda a consagração – por meio da aplicação – dos direitos humanos em todos os ramos do direito. A questão central do trabalho volta-se à indagação de se saber até que ponto hoje em dia doutrina e jurisprudência aceitam a aplicação de normas humanísticas no direito tributário a ponto de se considerar que haja uma interseção entre a teoria capitalista humanista de direito econômico com o direito tributário.[1]

Palavras-chave: Teoria jus-humanista. Capitalismo humanista. Dignidade da pessoa humana. Objeto do direito tributário.

Abstract: We live today in a legal reality that demands the consecration – by application – for human rights in all areas of law. The central question the work back to the question of how far these day doctrine and jurisprudence accept the application of humanistic standards in tax law to the point of considering that there is an intersection between humanistic theory of capitalist economic rights and the right tax.

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Keywords: Jus-humanist theory. Humanistic capitalism. Human dignity. object of taxation law.

Sumário: Introdução. 1. Apresentação da teoria jus-humanista de regência jurídica da economia e do mercado. 1.1. Marco teórico. 1.2. Premissas. 1.3. Metodologia. 2. Inserção da teoria jus-humanista no direito tributário. Conclusão.

Introdução

Há muito vimos nos dedicando ao estudo do direito tributário, área de concentração do mestrado a que estamos filiados, disciplina esta que se encontra marcada historicamente como sendo, talvez ainda, uma das últimas resistências da corrente filosófica jus-positivista, cujos elos dessa corrente já se mostram fragmentados pelo próprio Judiciário em decisões que contemplam os direitos humanos na tributação.

Para nossa grata surpresa, no curso de filosofia I, segundo semestre de 2012, fomos apresentados à teoria jus-humanista de regência jurídica da economia e do mercado, que embasa um novo marco teórico da análise jurídica do capitalismo, qual seja, o capitalismo humanista.

Essa teoria muito nos interessou, porque sendo uma teoria de direito econômico pensamos como poderíamos aplicá-la nas searas do direito tributário, haja vista que o fato econômico interessa às duas disciplinas, na medida de seus objetos de estudo. Assim, pretendemos neste trabalho fazer uma análise das premissas desta nova teoria jurídico-econômica, visando a responder as seguintes indagações: a teoria jus-humanista aplica-se ao direito tributário? Como o Poder Judiciário enxerga o jus-humanismo frente aos comandos normativos das normas tributárias?

Pautamos nossos estudos, principalmente, na obra “O Capitalismo Humanista”, dos professores Ricardo Sayeg e Walter Balera, assim como na obra “Filosofia do Direito Tributário”, do professor Renato Lopes Becho. Procedemos a este corte metodológico porque desejamos testar a hipótese de aplicação do jus-humanismo no direito tributário, assim como o fizeram Balera e Sayeg no direito econômico.

1. Apresentação da teoria jus-humanista de regência jurídica da economia e do mercado.

Desenvolvida pelos professores Ricardo Sayeg e Wagner Balera (2011, p. 17-47), a teoria jus-humanista de regência jurídica da economia e do mercado defende a conciliação entre o capitalismo e os direitos humanos, por isso conhecida como a escola da teoria capitalista humanista.

1.1. Marco teórico

Segundo afirmam esses juristas (BALERA; SAYEG, 2011, p. 25-27), a teoria possui os marcos teóricos na Lei Universal da Fraternidade e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O primeiro encontra esteio no culturalismo cristão que permeia quase todas as sociedades, nos vieses característicos de cada povo. O segundo, na fraternidade inerente aos direitos humanos, no direito natural, que restou por ser positivada em 10.12.1948, na Assembleia Geral da ONU.

A teoria não nega o capitalismo, muito pelo contrário, o admite, porém na concepção humanista, como forma de se atingir a liberdade, igualdade e fraternidade. O capitalismo individualista, segundo as teorias de Adam Smith e David Ricardo, é rejeitado pelo capitalismo humanista.

Como formulação lógico-jurídica da teoria, propõe-se o deslocamento deontológico do capitalismo neoliberal do “ser” para o “dever ser”, consubstanciado nos diretos humanos, senão vejamos:

“[…] o capitalismo precisa ser salvo dos capitalistas neoliberais. Uma resposta deve ser dada a eles, e a melhor resposta é a humanização da economia de mercado, deslocando deontologicamente o capitalismo neoliberal: do seu ser – que corresponde ao estado da natureza, selvagem e desumano – para o seu dever-ser da concretização multidimensional dos direitos humanos mediante a universal dignificação da pessoa humana.”. (BALERA; SAYEG, 2011, p. 25).

1.2. Premissas

Os cultores da teoria jus-naturalista de regência jurídica da economia e do mercado, Ricardo Sayeg e Wagner Balera (2011, p. 29-38), afirmam que a econômica de mercado, nos moldes do capitalismo individualista não tem conseguido garantir a dignidade humana, diante das evidências constatáveis pelas notórias crises econômicas, conflitos e estado de exclusão social.

Diante desse quadro, afirmam que a Lei Universal da Fraternidade inserida no ambiente capitalista é o melhor meio para se atingir a liberdade e a igualdade, e, que, em última análise são essenciais para a busca da democracia e paz no Planeta. A dignidade humana é vista como a metassíntese da economia, da política e do direito, o que faz com que a teoria revisite o direito natural, e o afirme na concepção pós-mordena dos direitos humanos, resgatando a “[…] significativa influência do jusnaturalismo tomista […]” (BALERA; SAYEG, 2011, p. 30).

A premissa da filosofia humanista do Direito Econômico, quanto aos direitos humanos, refuta a ideia neoliberalista de esgotá-los apenas nos direitos de primeira dimensão, nas liberdades negativas, e assume a visão desses direitos no plano da eficácia tomando-os na multidimensionalidade, conforme podemos conferir a seguir:

Logo, no tocante ao capitalismo, que é baseado na liberdade, evidencia-se a missão dos direitos humanos: incidir em sua multidimensionalidade, sob a perspectiva de adensamento, para reconhecê-lo e a ela agregar igualdade e fraternidade […].” (BALERA; SAYEG, 2011, p. 34).

Para a corrente jus-econômica do capitalismo humanista, a premissa é a de que o capitalismo só consegue subsistir se os direitos humanos, em todas as suas dimensões, forem respeitados e contemplados por todos e para todos, tanto na aplicação vertical (Estado-cidadão), quanto na horizontal (cidadão-cidadão), a ponto de não se permitir exclusões sociais. Assim, fazem-se unir, em um só núcleo de afirmação, o espírito capitalista e o espírito da fraternidade. Daí dizerem que os direitos humanos estão encapsulados no intratexto do direito, lançando tal premissa como substancia para a metodologia empregada na formulação da teoria (BALERA; SAYEG, 2011, passim).

1.3. Metodologia

A metodologia utilizada por Sayeg e Balera (2011, p. 39-42) na formulação da teoria do capitalismo-humanista consubstancia-se no Construtivismo Lógico-Semântico a que Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 5) faz referência. Essa metodologia utiliza da filosofia do direito, da teoria geral do direito, da filosofia da linguagem e da semiótica jurídica para interpretar, com todo rigor metodológico-científico, as estruturas lógicas do texto jurídico, nos planos sintático, semântico e pragmático. 

Por meio do construtivismo lógico-semântico, o interprete jus-humanista do direito econômico irá formar o sentido da norma, tendo como pressuposto o intratexto normativo consubstanciado nos direitos humanos, em todas as suas dimensões, em todos os planos constantes do percurso gerador de sentido dos textos jurídicos, quais sejam: plano da expressão do direito positivo, dos conteúdos dos enunciados prescritivos, das proposições deonticamente estruturadas e do plano das significações normativas sistematicamente organizadas (CARVALHO, 2009, p. 181-188).

O interprete jus-econômico do capitalismo humanista, a partir do texto de lei, buscará a significado e o alcance das normas jurídicas econômicas, captando o comando normativo (proibido, permitido e facultado), sempre tento em vista que os direitos humanos estão sempre presentes nos comandos do intratexto jurídico, cuja eficácia jurídica é plena e não meramente programática como a corrente positivista defendia.

Em relação à discussão sobre normas programáticas à luz dos direitos humanos, Thiago Lopes Matsushita (2007, p. 129), em brilhante trabalho publicado sob o título “Análise Reflexiva da Norma Matriz da Ordem Econômica”, descarta qualquer possibilidade de não aplicação das normas constitucionais de diretos humanos sob a alegação de falta de eficácia por ausência de norma infraconstitucional que lhes regulem as aplicações, senão vejamos:

Essa profusão de garantias e direitos, principalmente, aqueles estatuídos no Título II da Constituição Federal (Dos direitos e garantias fundamentais) […] fez com que alguns operadores do Direito imputassem àquelas normas, que não são de fácil realização, que elas fossem encaradas como normas programáticas. Note-se que o conceito de norma programática é um conceito criado pela doutrina, é uma invenção doutrinária. A Constituição não diz em nenhum dispositivo que tais normas sejam apenas e tão-somente um programa.” […]

O que deveria ficar claro é que em nenhum momento o constituinte originário retira da norma constitucional seu efeito ou sua eficácia, a título de ser uma norma apenas e tão-somente programática. Esse tipo de construção doutrinária pode ser uma saída para o poder público se justificar ante sua omissão injustificada na consagração dos direitos fundamentais de segunda e terceira gerações. O que parece claro é que os direitos fundamentais auto-aplicáveis por excelência, não são apenas os direitos fundamentais de primeira geração que são as liberdades. Sendo assim, tem-se que estudar e aplicar as normas constitucionais como sendo normas constitucionais que são.” […]

Daí porque sustentamos que o cunho humanista no capitalismo constitucional brasileiro lhe impinge ditames de conformidade com uma perspectiva política, social e cultural, que em última ratio são direitos humanos de terceira geração e, via de consequência (sic), direitos fundamentais efetivos que não admitem ser esvaziados à categoria de normas programáticas”. (MATSUSHITA, 2007, p. 90-92 e 129).

Uma vez apresentada, em linhas gerais, a teoria jus-econômica do capitalismo humanista, passemos a dissertar um pouco sobre os direitos humanos como corrente jusfilosófica, para depois então tentarmos responder às indagações formuladas.

2. Inserção da teoria jus-humanista no direito tributário.

Em Renato Lopes Becho (2009, p. 226 e 262 a 263), a doutrina dos direitos humanos surge com toda força após a Segunda Guerra Mundial, palco das atrocidades do regime nazista, reafirmando a importância do direito relacionado com a ética e a moral, passando a teoria dos valores a ocupar preponderância para o conhecimento do sistema jurídico, renovado com novos mecanismos protetivos do homem. Nesse contexto, o direito deixou de ser visto apenas como instrumento de controle social por parte do Estado, passando a sociedade a controlar o Estado. Essa revolução legal se traduz na “[…] doutrina dos direitos humanos, que levou ao pós-positivismo e ao neoconstitucionalismo”.

Apenas para deixar consignado, mas sem nos aprofundar no assunto, por não ser objeto específico do presente trabalho, a doutrina ainda não formou consenso sobre a terminologia desta corrente filosófica. Uns a chamam de direitos humanos, outros de neoconstitucionalismo e outros de pós-positivismo. Na linha do Professor Renato Lopes Becho (2009, p.243), adotamos a terminologia de direitos humanos para doutrina explicada acima. Quanto ao neoconstitucionalismo, entendemos, conforme Becho, como a doutrina que “[…] não apenas coloca a Constituição em posição de superioridade com relação às demais leis, protege o Texto Constitucional das alterações comuns havidas na legislação, como também preenche a Constituição com textos indeterminados e que visam a um objetivo maior: a posição sobranceira dos direitos humanos” (BECHO, 2009, p. 262).

Em Becho (2009, p. 262 e 263), a doutrina dos direitos humanos sustenta que o direito é o conjunto de normas que objetiva e tem como finalidade, acima de tudo, a proteção universal do homem. Sua característica principal é a síntese do direito natural e o direito positivo, viabilizando a união entre essas doutrinas e preservando o que elas têm de melhor, ou seja: o valor do direito natural e a técnica positivista, respectivamente. A doutrina dos direitos humanos resgatou o direito natural na sua acepção de valorativo, fazendo ressurgir a visão kantiana de que a liberdade é o primeiro princípio jurídico universal. Assim, para Becho, a dogmática dos direitos humanos não nega o positivismo jurídico, mas avança no sentido de dar outro enfoque na positivação da norma jurídica, alcançável pela interpretação das diversas fontes do direito, partindo sempre da premissa de que o cientista e o operador do direito devem optar pela possibilidade interpretativa que melhor aplique os valores protetivos do homem. A escola dos direitos humanos confere às decisões judiciais firmes dos tribunais o atributo de fonte de direito, colocando o Poder Judiciário no lugar que lhe é devido em face do Poder Legislativo. Quanto à exigência da universalidade, como elemento de afirmação da dogmática em bases científicas, os positivistas se calam, diante da criação e pleno funcionamento do Tribunal Penal Internacional, como demonstração concreta da universalidade dos direitos humanos. A universalidade aqui é empregada não como o atributo de existência ou validade em todos os lugares do globo, mas sim como um atributo da capacidade de transplantar os direitos humanos para qualquer lugar do mundo.

Em Lourival Vilanova (2003, p. 424) os direitos humanos não podem ser desfeitos pelo legislador, seja ordinário ou originário. Sua afirmação fundamenta-se na teoria do estado-social-democrático de direito, que como qualquer modalidade histórica de Estado de direito fundamenta-se na tese dos direitos humanos. Lembra-nos que não é qualquer Estado jurídico que é Estado de direito, sendo característico deste a repartição do exercício do poder visando em última análise a garantir o exercício dos direitos humanos. Ensina-nos que o Estado de Direito pressupõe, entre outros atributos, (i) a supremacia material e (ii) formal da Constituição, sendo que a material, qualquer Estado a tem, uma vez que não existe Estado sem Constituição ou sem leis constitucionais ratione materiae, e a formal como aquela que confere às normas constitucionais o caráter de “superlegalidade”.

Sob o prisma da teoria das classes, Lourival Vilanova (2003, p. 426) norteia-nos com a afirmativa de que os direitos humanos são direitos subjetivos básicos que não retiram fundamento de validade do ordenamento jurídico em vigor, que é mutante em função do poder político que se altera, mas sim de uma ordem jurídica objetiva universalmente válida.

Nesse contexto, é que Ricardo Sayeg e Wagner Balera (2011, p. 46) afirmam que o ordenamento jurídico brasileiro é dirigido pelo vetor da dignidade da pessoa humana, como concretização dos direitos humanos na forma multidimensional, sendimentado, inclusive, na forma federativa do Estado brasileiro, senão vejamos:

Para tratamento interno quanto aos direitos humanos, a competência federativa, por sua vez, em que pese não restar explícita em nossa Carta Magna, é implicitamente evidente. Tal competência não é propriamente legislativa, já que os direitos humanos têm natureza de direito inato e preexistente, anterior à própria outorga da competência constitucional. De fato, os direitos humanos não necessitam nem pressupõem positivação, uma providência dispensável, mero esforço formal.”. (BALERA; SAYEG, 2011, p. 46-47).

Pelo exposto, e ainda com escólio nas ideias de Sayeg e Balera (2011, p. 47), sendo os direitos humanos inatos e preexistentes à ordem jurídica positiva, a competência é na verdade executiva, sendo que sua concretização deve ser inafastável da organização do Estado, tratando-se, por via da consequência, de competência comum entre os nossos Entes Federativos.

Para responder as nossas indagações – se a teoria jus-humanista aplica-se ao direito tributário e como o Poder Judiciário enxerga o jus-humanismo frente aos comandos normativos das normas tributárias – partimos do pressuposto de que a ciência do direito tem por objeto de estudo o ordenamento jurídico e que o direito é uno. Tal unicidade do direito, entretanto, exige que se divida a ciência jurídica em disciplinas didáticas, por exemplo o direito econômico, direito tributário etc., para melhor se entender e explicar o fenômeno jurídico.

Renato Lopes Becho (2009, p. 106) distingue a ciência jurídica da didática do direito. Em sua visão, a ciência jurídica se ocupa dos critérios para o conhecimento e cumprimento do direito, referente às leis, às disposições hierárquicas e ao conflito aparente de normas postas no sistema. A didática jurídica abrange todos os instrumentos à disposição dos docentes para melhor explicar e ensinar o fenômeno jurídico.

A disciplina do direito econômico tem por objeto “[…] regulamentar as medidas econômicas referentes às relações e interesses individuais e coletivos harmonizando-as – pelo princípio da ‘economicidade’ – com a ideologia adotada na ordem jurídica […]” (SOUZA, 1980, p. 3, apud, BECHO, 2011, p. 52).

Já, o direito tributário, na visão positivista (tradicional) tem por objeto o tributo, e somente o tributo, senão vejamos posicionamento o insigne jurista baiano Aliomar Baleeiro:

“[…] o Direito Fiscal, sinônimo de Direito Tributário, aplica-se contemporaneamente e a despeito de qualquer contra-indicação (sic) etimológica ao campo restrito das receitas de caráter compulsório. Regula precipuamente as relações jurídicas entre o Fisco, como sujeito ativo, e o contribuinte, ou terceiros como sujeitos passivos.”. (BALEEIRO, 1977, p. 7).

Entretanto, doutrina de vanguarda, utilizando fundamentação jusfilosófica, como base na máxima liberdade kantiana e na norma fundamental kelseniana (BECHO, 2009, p. 341-351) pensa de maneira diferente, sinalizando, por meio da concretização dos direitos humanos, que o objeto do direito tributário deve assumir a perspectiva do contribuinte e não do tributo, senão vejamos:

Cada vez mais, na atualidade, a discussão ético-subjetiva passa a interessar ao direito, em uma reação tipicamente humanista no terreno tributário, antes dominado por um positivismo exacerbado. Destacamos a solidariedade social como fator de decisão tributária, movida principalmente pelos valores, focando a norma posta apenas em plano secundário. Aliás, a aplicação da solidariedade social à tributação é hoje uma importante vertente de pesquisa, compondo uma verdadeira escola (linha de estudo) […].”. (BECHO, 2011, p. 356).

Vivemos o apogeu dos direitos humanos, conforme alguém já teria dito. A corrente jusfilosófica pós-positivista faz com que o exegeta-aplicador do direito não mais se sirva, apenas, do império da lei, mas também dos valores dos direitos humanos contidos na ordem objetiva aceita por todos, mesmo antes de se transformarem em direitos subjetivos, positivados pela Constituição Federal.

Pensamos que o hoje o direito tributário não mais se esgota no fenômeno jurídico-tributário da subsunção, que enxerga o juiz como um autômato, um órgão avalorativo, que deve apenas verificar se o fato se subsome à norma, segundo visão positivista.

Podemos verificar, então, sob o prisma do fenômeno jurídico, enquanto “[…] tudo aquilo que nos é imediatamente dado […]” (HESSEN, 1946, p. 37), a existência de uma zona de interseção entre o direito econômico e o direito tributário, que se resume na dignificação do ser humano, que é fulcral aos direitos humanos. Já não mais se aplica a visão positivista, cuja perspectiva se esgota na subsunção do fato à lei, mas pela aplicação efetiva da teoria dos valores, que nos é dada também como fenômeno jurídico, pela ordem valorativa objetiva que precede a positivação dos direitos humanos como direitos subjetivos.

Em verdadeiro lance inovador, Renato Lopes Becho (2009, 324) vislumbra que o pós-positivismo ou os direitos humanos unem o positivismo à parcela valorativa do direito natural, assim como apresenta, como síntese de Kelsen e de Kant as seguinte “[…] máxima ou norma fundamental: cumpra-se a Constituição de modo que o seu cumprimento possa coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal”. Suas convicções são firmadas nos direitos humanos, visto como filosofia pós-positivista, que possibilita uma nova abordagem para o estudo do direito tributário, diante da evidência de que a “[…] concepção humanista do direito atual é, em resumo, a fundamentação da ordem jurídica pelos valores que protegem os seres humanos”, utilizando suas palavras (BECHO, 2009, p. XIV- XVII). Esses valores estão positivados por meio dos princípios que irradiam efeitos por todo o sistema jurídico, incluindo o direito tributário. Por isso que Becho (2009, 2011, p. 147 a 148) nos ensina que a teoria pós-positivista é aquela que utiliza do texto de lei, da interpretação e da jurisprudência, para atingir o sentido e o alcance das normas jurídicas nas suas modalidades deônticas (proibido, permitido ou facultado).

Eis uma decisão firme e exemplar do Egrégio STJ que declara vivermos a era do pós-positivismo, como a corrente filosófica que consagra a aplicação dos direitos humanos, em patamares superiores à regra infraconstitucionais:

REsp 567873 / MG. RECURSO ESPECIAL. 2003/0151040-1 Ministro LUIZ FUX (1122).PRIMEIRA TURMA. JULGAMENTO EM 10/02/2004. DJ 25/02/2004 p. 120. RSTJ vol. 182 p. 134. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. ISENÇÃO NA COMPRA DE AUTOMÓVEIS. DEFICIENTE FÍSICO IMPOSSIBILITADO DE DIRIGIR. AÇÃO AFIRMATIVA. LEI 8.989/95 ALTERADA PELA LEI Nº 10.754/2003. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEX MITIOR….

2. Consectário de um país que ostenta uma Carta Constitucional cujo preâmbulo promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, promessas alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, é o de que não se pode admitir sejam os direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência, relegados a um plano diverso daquele que o coloca na eminência das mais belas garantias constitucionais. …

4. Como de sabença, as ações afirmativas, fundadas em princípios legitimadores dos interesses humanos reabre o diálogo pós-positivista entre o direito e a ética, tornando efetivos os princípios constitucionais da isonomia e da proteção da dignidade da pessoa humana, cânones que remontam às mais antigas declarações Universais dos Direitos do Homem. Enfim, é a proteção da própria humanidade, centro que hoje ilumina o universo jurídico, após a tão decantada e aplaudida mudança de paradigmas do sistema jurídico, que abandonando a igualização dos direitos optou, axiologicamente, pela busca da justiça e pela pessoalização das situações consagradas na ordem jurídica. …

8. In casu, prepondera o princípio da proteção aos deficientes, ante os desfavores sociais de que tais pessoas são vítimas. A fortiori, a problemática da integração social dos deficientes deve ser examinada prioritariamente, maxime porque os interesses sociais mais relevantes devem prevalecer sobre os interesses econômicos menos significantes.

9. Imperioso destacar que a Lei nº 8.989/95, com a nova redação dada pela Lei nº 10.754/2003, é mais abrangente e beneficia aquelas pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legala pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003), vedando-se, conferir-lhes na solução de seus pleitos, interpretação deveras literal que conflite com as normas gerais, obstando a salutar retroatividade da lei mais benéfica. (Lex Mitior).

10. O CTN, por ter status de Lei Complementar, não distingue os casos de aplicabilidade da lei mais benéfica ao contribuinte, o que do art. 1º, § 1º, da Lei 8.989/95, afasta a  interpretação literal incidindo a isenção de IPI com as alterações introduzidas pela novel Lei 10.754, de 31.10.2003, aos fatos futuros e pretéritos por força do princípio da retroatividade da lex mitior consagrado no art. 106 do CTN.

11. Deveras, o ordenamento jurídico, principalmente na era do pós-positivismo, assenta como técnica de aplicação do direito à luz do contexto social que: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". (Art. 5º LICC).

12. Recurso especial provido para conceder à recorrente a isenção do IPI nos termos do art. 1º, § 1º, da Lei nº 8.989/95, com a novel redação dada pela Lei 10.754, de 31.10.2003, na aquisição de automóvel a ser dirigido, em seu prol, por outrem.” (grifos nossos)

Pela jurisprudência colacionada, vemos que na visão pós-positivista, os direitos humanos surgem com toda força de eficácia jurídica, com fundamento na ordem jurídica objetiva, de aceitação geral, que precede a positivação constitucional desses direitos. O império da lei foi suplantado pelo império dos direito humanos, tendo a dignidade da pessoa humana como centro de maior valor do ordenamento jurídico.

Nesse diapasão, fazemos uma correlação entre a teoria do capitalismo humanista de Ricardo Sayeg e Wagner Balera e direito tributário. Afirmamos que os direitos humanos são o elemento jurídico que caracteriza a interseção do direito econômico humanista no direito tributário (direito tributário humanista, porque não?), que hoje vê o contribuinte como centro de suas atenções.

Sob essa perspectiva, Renato Lopes Becho (2009, p. 342) defende que hoje surge uma nova concepção para o direito tributário, qual seja: a centrada no contribuinte, e não mais no tributo. Em suas sábias palavras:

“[…] nos direitos humanos o homem substitui a norma jurídica como maior referência do direito, no direito tributário esse homem recebe o rótulo de contribuinte (lato sensu) […]”.

Na atualidade, a afirmação de que o direito cria suas próprias realidades tem que ser sopesadas com uma importante condicional: o direito cria sua própria realidade desde que respeite o ser humano acima de tudo, notadamente com sua diversidade. É dizer: o direito cria sua própria realidade, desde que essa realidade normativa esteja em consonância com os valores supremos do ordenamento jurídico, a partir da máxima da liberdade, nos termos expressos por Kant […].”. (BECHO, 2009, p. 342).

Assim, as afirmativas de Balera e Sayeg (2011, passim) de que os Direitos Humanos estão inseridos no intratexto do direito positivo aplicam-se também ao direito tributário, mesmo, porque, conforme afirma Thiago Matsushita (2007, passim) o art. 5º, §1º, afasta qualquer alegação de que os direitos humanos são normas programáticas, dependentes de lei que lhes deem eficácia jurídica.

Na esteira do Thiago Matsushita, pensamos que o § 1º, do art. 5º, da CF, prescreve, no altiplano valorativo do nosso ordenamento jurídico, que todas as normas a serem construídas pelos cientistas e aplicadores do direito pressupõem como elemento de validade a dignificação da pessoa humana, sumo dos direitos humanos, senão vejamos:

Art. 5º, da CF/88 – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[…]

§1ºas normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”.

Por tudo que aqui dissemos, passamos à conclusão do nosso trabalho, onde consignaremos os caminhos possíveis para as respostas às nossas indagações.

CONCLUSÃO

Os vetores das respostas às nossas indagações passam pela máxima da liberdade kantiana e pela norma fundamental kelseniana de forma associada, assim como, pela teoria dos valores, que contemplam os direitos humanos como valor objetivo preexistente e subjetivo constitucional, inserido no intratexto de todas as normas do ordenamento jurídico, tanto em nível geral e abstrato, quanto individual e concreto.

Quanto à primeira indagação por nós lançada, verificamos que a teoria jus-humanista de regência jurídica da economia e do mercado, ou simplesmente teoria jurídica econômica do capitalismo humanista, possui interseção com o direito tributário da atualidade, porque sua metodologia e premissas deságuam em algo que é comum às duas disciplinas, qual seja: a dignidade da pessoa humana.

O direito tributário da atualidade, consagrado pela corrente pós-positivista tanto em nível doutrinário quanto jurisprudencial, tem a dignidade da pessoa do contribuinte como um valor supremo a ser preservado. O poder Judiciário e o Poder Legislativo têm se mostrado atualizados com a doutrina dos direitos humanos no âmbito do direito tributário. O primeiro pela produção de suas normas individuais e concretas, muitas vezes deixando de dar eficácia jurídica a normas válidas no sistema, visando a preservar a dignidade da pessoa humana e, por conseguinte, a do contribuinte. O Poder Legislativo, através da edição dos códigos da defesa dos contribuintes (nas três esferas federativas) também vem demonstrando a nova face do direito tributário, voltada para o contribuinte e não apenas para o tributo.

 No que tange à segunda indagação – Como o Poder Judiciário enxerga o jus-humanismo frente aos comandos normativos das normas tributárias – em parte já respondemos acima, mas apenas para enfatizar, o Poder Judiciário já não mais se contenta com as respostas positivistas, avalorativas. Cada vez mais vemos decisões perpassando a teoria dos valores, com fundamento nos direitos humanos, culminando com as decisões que dignificam a pessoa humana.

 

Referências
BALEEIRO, Aliomar de Andrade. Direito Tributário Brasileiro. 9ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1977.
BECHO, Renato Lopes. Filosofia do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009.
__________. Lições de Direito Tributário. Teoria geral e constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011.
__________. Tributação Deve Respeitar Direitos Humanos. Consultor Jurídico, 2009. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2009-jul-27/tributacaorespeitar-limites-impostos-pelos-direitos-humanos>. Acesso em: 09 de maio 2012.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial N.º 1.148.444-MG (2009/0014382-6)._Disponível_em:_http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=1148444&b=ACOR.Acesso em: 30 jul. 2010.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009.
HESSEN, Johannes. Filosofia dos valores. Tradução L. Cabral de Moncada. São Paulo: Saraiva & Cia Editores, 1946.
SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. O capitalismo Humanista. São Paulo: Petrópolis: KBR, 2011.
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito econômico. São Paulo: Saraiva, 1980.
MATSUSHITA,_Thiago_Lopes._Análise_Reflxiva_da_Norma_Matriz_da_Ordem_Econômica._Disponível_em:_http://www.pucsp.br/capitalismohumanista/downloads/analise_reflexiva_da_norma_matriz_da_ordem_economica.pdf_Acesso em: 16 de novembro de 2012.
VILANOVA, Lourival. Escritos Jurídicos e Filosóficos. Vol. I. São Paulo: Axis Mundi: 2003.
Notas:
[1] Trabalho orientado pelo Professor Doutor Renato Lopes Becho. Graduação em Direito pela U.F.M.G. (1990), mestrado em Direito PUC/SP (1997), doutorado em Direito pela PUC/SP (2000) e Livre-docência em Direito pela USP (2008). Professor assistente doutor da PUC/SP e juiz federal.

Informações Sobre o Autor

Carlos Alberto Alves Sampaio

Juiz substituto do Tribunal de Impostos e Taxas – TIT/SP. Representante fiscal da SEFAZ-SP no TIT/SP, de 2000 a 2010. Especialista em direito tributário pela Escola Superior da PGE/SP. Especialista em direito tributário pela USP. Mestrando em direito tributário pela PUC/SP.


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Equipe Âmbito Jurídico

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