Resumo: A intervenção de terceiros é largamente utilizada no direto processual civil, tendo regramento específico no Código de Processo Civil. No processo do trabalho sempre houve, e ainda há, controvérsia sobre a possibilidade de se adotar o referido instituto. Após a EC 45, que alargou a competência do trabalho, abrangendo todas as demandas decorrentes da relação de trabalho, muitos dos argumentos contrários à aplicação da intervenção de terceiros na Justiça do Trabalho perderam força, porém ainda persiste controvérsia em torno da compatibilidade do instituto perante a seara Juslaboral.
Palavras-chave: Direito Processual do Trabalho. Intervenção de Terceiros.
Sumário: Introdução; 1. Intervenção de Terceiros no Processo do Trabalho; 1.1- Assistência; 1.2- Nomeação à autoria; 1.3- Oposição; 1.4-Denunciação da lide; 1.5-Chamamento ao processo; Conclusão.
INTRODUÇÃO
No direito processual brasileiro vigora o princípio da singularidade, segundo o qual somente compõem os polos da relação jurídica processual autor e réu, chamado na seara Juslaboral reclamante e reclamada. Entretanto, nos casos expressamente previstos na legislação, há possibilidade da intervenção de outras pessoas no processo.[1]
Candido Rangel Dinamarco conceitua a intervenção de terceiros como o ingresso de um sujeito, como parte, em processo pendente entre outros.[2]
Nesta esteira, terceiro é rigorosamente toda pessoa que não seja parte do processo e será terceiro somente até que intervenha no processo, pois ao intervir converte-se em parte.
O que justifica a existência do instituto é a proximidade entre certos terceiros e o objeto da causa de pedir, podendo-se prever, de algum modo, que o julgamento da ação projetará algum efeito indireto sobre sua esfera de direito.[3]
Frise-se que o interesse do terceiro há de ser jurídico e não meramente econômico para autorizar o seu ingresso na lide.
A doutrina divide a intervenção de terceiros em duas subespécies: a) a espontânea ou voluntária (assistência e oposição); e b) a provocada ou coacta (denunciação da lide; chamamento ao processo; e nomeação à autoria.).[4]
A intervenção de terceiros está prevista nos artigos 46 a 80 do Código de Processo Civil.
Sempre houve controvérsia se seria aplicável o instituto da intervenção de terceiros no processo do trabalho. A corrente contrária à sua aplicação justificava como principal óbice ao terceiro adentrar à lide o fato de que a competência da Justiça do Trabalho estava limitada às lides de entre empregado e empregador, ou seja, relação de emprego.
Com o advento da EC/45, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho, passando a conferir jurisdição no julgamento das ações decorrentes das relações de trabalho (inciso I do artigo 114)[5], bem como de outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho (inciso IX do artigo 114), resta indene de dúvidas que a intervenção de terceiros é aplicada subsidiariamente ao processo do trabalho, nos termos do artigo 769 da CLT.
Entrementes, em razão das peculiaridades do processo do trabalho, a intervenção de terceiros não é admitida nas ações que correm perante o rito sumaríssimo. A razão desta limitação decorre da Lei 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais, aplicada subsidiariamente ao processo do trabalho, onde em seu artigo 10 impossibilita a intervenção de terceiros.[6]
Já quando o processo estiver diante o rito ordinário, apesar de existir controvérsia sobre o tema, entendemos pela possibilidade da intervenção de terceiros, tomando como base legal o artigo 114, incisos I e IX, da Constituição Federal e artigo 769 da CLT.
1. Intervenção de terceiros no Processo do Trabalho.
É possível que terceiro integre relação jurídica de processo que tramita na Justiça do Trabalho, desde que o processo corra sob o rito ordinário e o terceiro esteja enquadrado em uma das figuras jurídicas previstas no CPC, a saber: assistência, nomeação à autoria, oposição, denunciação da lide ou chamamento ao processo.
1.1- Assistência.
A assistência está prevista nos artigos 50 a 55 do CPC, sendo que o artigo 50 discorre sobre o conceito desta figura jurídica, in verbis:
“Pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas, poderá intervir no processo para assisti-la.”
Neste diapasão, o assistente atua na lide como auxiliar da parte assistida, que é a parte principal do processo, podendo, nos casos de revelia, ser considerado o gestor de negócios do assistido.
Ademais, o ingresso do assistente não altera o processo, pois ele se limita a aderir à pretensão da parte principal.[7]
Importante ressaltar que a disputa de interesses não abrange o assistente, pois o mérito tem o mesmo contorno com a assistência ou sem ela. Desta feita, a assistência não impede que o assistido reconheça a procedência da ação, desista da ação ou transija sobre direitos controvertidos.
Percebe-se, assim, o caráter acessório da assistência, pois terminando o processo por qualquer ato da parte principal, cessa a intervenção do assistente.
Na seara Juslaboral é pacífico o entendimento pela aplicação da assistência no processo do trabalho, sendo, inclusive, objeto da redação da Súmula 82 do TST, ipisis liteiris:
“ASSISTÊNCIA. A intervenção assistencial, simples ou adesiva, só é admissível se demonstrado o interesse jurídico e não o meramente econômico.”
Mauro Schiavi, após ressaltar que não são muitas as hipóteses de ocorrência de assistência no processo do trabalho, cita como exemplos: 1) o sócio que ingressa como assistente para ajudar a empresa; 2) a empresa do mesmo grupo econômico que assiste outra empresa do grupo; e 3) o empregador que ingressa como assistente em ação coletiva promovida pelo sindicato em que este figura como substituto processual.[8]
Por fim, Sérgio Pinto Martins assevera que a hipótese mais comum de assistência no processo do trabalho é a que envolve a participação do sindicato, assistindo o empregado em juízo.[9]
1.2-Nomeação à autoria.
Os artigos 62 a 69 do CPC discorrem sobre a nomeação à autoria, sendo que o artigo 62 realiza interpretação autêntica do instituto, no sentido de que “aquele que detiver a coisa em nome alheio, sendo-lhe demandada em nome próprio, deverá nomear à autoria o proprietário ou possuidor”.
A oportunidade de nomear à autoria, nos termos do artigo 64 do CPC, é no prazo de resposta.
Sua aplicação no processo do trabalho é bastante restrita, mas de grande valia, eis que possibilita, vg., que a pessoa física que ocupe cargo de gerência em determinada empresa e é demandada em nome próprio pelo reclamante, possa nomear a autoria à pessoa jurídica que contratou o trabalhador, impedindo que o processo seja extinto sem julgamento do mérito e que seja ajuizada outra ação em face do verdadeiro empregador.
A doutrina coaduna do mesmo entendimento, ex vi:
“A nosso ver, a nomeação à autoria, embora de difícil ocorrência no Processo do Trabalho, não é com ele incompatível. O referido instituto pode ser compatibilizado com o Processo do Trabalho (art. 769, da CLT), inclusive para beneficiar o próprio reclamante, mesmo sem a necessidade de extinção prematura do processo em razão da ilegitimidade. Muitas vezes o autor postula verbas trabalhistas em face do reclamado que não é o empregador e este em defesa indica quem é o verdadeiro empregador. Desse modo, uma vez havendo concordância do reclamante ou até se estiver convencido o juiz, este poderá determinar o acertamento do pólo passivo, sem precisar extinguir o processo por ilegitimidade ad causam do demandado.”[10]
Constata-se, então, que a nomeação à autoria pode dar celeridade ao processo do trabalho, pois impede a extinção prematura do processo, abrindo-se a possibilidade de que seja corrigido o polo passivo da demanda.
1.3-Oposição.
A oposição pode ser aviada até a prolação da sentença por quem pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre que controvertem autor e réu. Está prevista nos artigos 56 a 61 do CPC e existem várias possibilidades em que podem ser utilizadas no processo do trabalho, evitando que seja ajuizada mais uma lide pelo opoente, que requer a coisa ou o direito da primeira demanda.
O primeiro exemplo diz respeito aos instrumentos de trabalho. Reclamante e reclamado discutem acerca da propriedade de certo maquinário, porém este bem da vida pertence a um terceiro, que poderá intervir na lide como oponente.[11]
O segundo exemplo é sobre o direito de invenção. Empregado e empregador discutem direitos sobre invenção de determinado produto de empregado no curso do contrato de trabalho, quando terceiro se julga com direitos sobre a invenção.[12]
O terceiro caso reside na possibilidade de discussão acerca de remuneração decorrente do labor do reclamante, quando terceiro intervêm discorrendo que faz jus a parcela remuneratória objeto da lide, vez que houve força de trabalho em conjunto com o reclamante.[13]
O quarto caso que abre a possibilidade da utilização do instituto da oposição está no exemplo do sindicato que ajuíza ação pleiteando o recebimento de contribuição sindical e outro sindicato apresenta oposição, afirmando que a contribuição sindical lhe deve ser revertida, por ser o legítimo representante da categoria.[14]
Destarte, a prática de oposição na Justiça do Trabalho pode auxiliar a redução das lides, bem como de sua complexidade, o que resulta em uma maior segurança jurídica para os jurisdicionados.
No entanto, é objeto de debate na doutrina a aplicação ou não da oposição no dissídio coletivo de natureza econômica.
Sérgio Pinto Martins posiciona-se pela possibilidade de oposição, discorrendo que:
“cabe oposição em dissídio coletivo, o oponente deverá fazer seu pedido, atendendo aos requisitos do art. 282. A oposição é distribuída por dependência, devendo os opostos serem citados pessoalmente ou por seus advogados para contestar a ação na audiência que for designada.”[15]
De outro lado, Mauro Schiavi aponta pela impossibilidade da figura da oposição em dissídio coletivo de natureza econômica, sob o argumento de que:
“no estágio atual da competência da Justiça do Trabalho, não cabe mais a oposição em dissídio coletivo, pois se houver controvérsias sobre a representação da categoria, deve o sindicato oponente postular ação declaratória junto à Justiça do Trabalho, no primeiro grau de jurisdição, e pretender a suspensão do dissídio coletivo enquanto tramitar a ação declaratória, por meio de medida cautelar, podendo o relator do dissídio coletivo, se entender cabível, suspender o processo até a decisão da ação declaratória, nos termos do art. 265 do CPC.”
Neste diapasão, a repartição de competências entre a Vara do Trabalho e o TRT realmente impede que seja deferido o pedido de oposição em dissídio coletivo de natureza econômica, razão pela qual entendemos ser impossível o seu deferimento.
1.4-Denunciação da lide.
A denunciação da lide vem prevista nos artigos 70 a 76 do CPC e assegura, basicamente, o direto de regresso do demandado em caso de eventual condenação.
O momento de sua oferta é na inicial, se o denunciante for o reclamante, e na defesa, caso o denunciante seja o reclamado.
A doutrina aborda que apesar de o caput do artigo 70 do CPC asseverar a obrigatoriedade da denunciação da lide nas hipóteses dos incisos II e II[16], se o réu não ofertar o requerimento da denunciação da lide, este não perderá o direito de regresso, mediante ação autônoma posterior. Acrescenta, ainda, que entendimento contrário violaria o acesso à justiça, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.[17]
No âmbito do processo do trabalho o instituto possui amplitude bastante reduzida quando comparado com o processo civil, não sendo aplicável os incisos I e II do artigo 70 da CLT, por se tratar de tema estranho à relação de trabalho.
Impende ressaltar que o TST ao cancelar a OJ 227 da SBDI-1, manifestou-se pela possibilidade de denunciação à lide no âmbito da Justiça do Trabalho.[18]
Nesta esteira, há possibilidade de denunciação da lide nas ações reparatórias de danos morais e patrimoniais, quando o empregador possui contrato de seguro para arcar com estes gastos, momento em que poderá denunciar a lide à seguradora.[19]
Ou então, caso a empresa tenha algum prejuízo decorrente de fato do príncipe, cujo o obreiro pleiteie o ressarcimento, cabe à empresa denunciar à lide ao Poder Publico.[20]
1.5-Chamamento ao processo
No chamamento ao processo o co-responsável pela dívida invoca, no processo, a presença dos demais responsáveis ao pagamento que pode surgir em eventual condenação.
Possui previsão legal nos artigos 77 a 80 do CPC.
O cabimento do chamamento ao processo na seara Juslaboral é deveras interessante para o reclamante, que possuirá mais pessoas responsáveis ao pagamento de eventual condenação, sendo totalmente compatível com o processo do trabalho.
Mauro Schiavi aponta que pode ocorrer o chamamento ao processo do sócio, quando a empresa está insolvente; ou da empresa do mesmo grupo econômico; do subempreiteiro, quando a demanda é proposta em face do empreiteiro principal; da empresa tomadora de serviços, quando se postula o vínculo de emprego em face de cooperativa; ou, ainda, da empresa prestadora, quando se postulam verbas trabalhistas em face da tomadora de serviços nos casos de terceirização.[21]
Wagner Giglio traz em sua obra outra interessante oportunidade de chamamento ao processo, quando o empregador é uma sociedade de fato ou um condomínio irregular, quando todos os sócios ou condôminos poderão ser chamados à lide.[22]
CONCLUSÃO
A intervenção de terceiros, mormente após a Emenda Constitucional n.º 45, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho, desde que respeitadas as limitações em face de sua menor abrangência em comparação com o direito processual civil, onde é pleno, é totalmente compatível com os procedimentos da seara Juslaboral, vez que diminui o número de lides e resulta em maior efetividade da jurisdição, sem abrir mão da segurança jurídica.
Neste diapasão, como a Lei 9.099/95, aplicada subsidiariamente ao processo do trabalho, nos termos do artigo 769 da CLT, impede a aplicação do instituto da intervenção de terceiro no rito sumaríssimo, resta a possibilidade de utilizar os benefícios desta figura jurídica no rito ordinário da Justiça do Trabalho.
Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP
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