Invalidação de ato administrativo previdenciário

Resumo: A invalidação de um ato administrativo defeituoso, além de sanar o inconveniente originado pelo ato, concretiza o interesse público. No direito previdenciário, é possível a revisão do ato de concessão de benefício previdenciário, desde que haja vício que o torne contrário à legislação vigente.

Palavras-chave: Invalidação. Ato administrativo. Direito previdenciário.

Abstract: Invalidation of a defective administrative act , and remedy the inconvenience caused by the act, embodies the public interest. In social security law , the review of the social security benefit of granting act is possible, provided there is addiction that makes it contrary to the present legislation.

Keywords: Invalidation . Administrative act . Social security law .

Introdução

O ato jurídico é considerado válido quando há concordância com a norma jurídica aplicável. Nas palavras de Justen Filho (2005, p. 179): “a validade reside na compatibilidade do ato jurídico com o modelo normativo”. A validade pressupõe que certo ato administrativo, inclusive de direito previdenciário, está de acordo com o ordenamento jurídico.

Nesse viés, através da metodologia de pesquisa bibliográfica, considerando a legislação previdenciária e administrativa atual, súmula em vigor e acórdão que versa sobre o tema, o presente objetivo é analisar, em linhas gerais, a invalidação de ato administrativo previdenciário.

1 Aspectos gerais da invalidação dos atos administrativos

A invalidação de determinado ato administrativo ultrapassa o simples descumprimento da norma jurídica. Abrange também o excesso ou desvio de poder e o não atendimento aos princípios gerais do direito (MEIRELLES, 1999). E, ainda, quando há a desobediência aos princípios norteadores da administração pública, elencados no art. 37 da Constituição Federal.

Dessa forma, para atingir o status quo ante, a administração pública invalida o ato ilegal através da aplicação do princípio da autotutela. Autotutela é entendida como a possibilidade de revogação, dentro dos limites da lei, de seus próprios atos, por meio de manifestação unilateral de vontade, bem como decretação de sua nulidade, quando viciados (CUNHA, 2003).

Todavia, a invalidação dos atos administrativos perpassa a esfera da administração pública, sendo de competência também do judiciário. Alguns autores usam o termo anulação para este último caso. Entretanto, neste trabalho, a invalidação e a anulação serão tratados, latu sensu, como sinônimos, visto que o enfoque será dado mais à questão previdenciária do que à especificidades de direito administrativo.

Como dito anteriormente, a invalidação dos atos administrativos ocorre por motivos que vão além do descumprimento da lei. Um destes motivos é o desvio de poder. Este acontece quando o agente realiza função com finalidade diversa da competência de que é titular.

Justen Filho (2005) explica:

“O instituto do desvio de poder se alicerça sobre a existência de destinação determinada para as competências administrativas. Essas competências tem destinação que pode ser mais ampla, mas sempre haverá limite. Haverá vício se uma competência for desnaturada, sendo utilizada para fins diversos daqueles que a norma estabeleceu” (p. 265)

Logo, no desvio de poder também é cabível a invalidação desse ato administrativo, pois embora não se trata diretamente de uma afronta à legislação, configura um uso de competência que não é do agente.

Já no abuso de poder, diversamente do desvio de poder, há uma atuação que excede a competência do agente. Trata-se, também, de agravante do delito praticado no exercício de cargo público.

O abuso de poder vai de encontro ao princípio da proporcionalidade, onde o agente não consegue satisfazer o interesse protegido porque utilizou uma providência não cabível à situação. Ocorre, ainda, quando este praticar ato administrativo deveras oneroso para satisfação deste interesse. Dentre os casos de abuso de poder, têm-se o abuso de autoridade, disciplinado na Lei 4.898/65, ainda em vigor no ordenamento jurídico pátrio.

2 Efeitos da invalidação dos atos administrativos

Embora haja discordância entre os doutrinadores, o entendimento mais difundido refere-se ao fato dos efeitos da invalidação dos atos administrativos retroagirem as origens, invalidando das consequências pretéritas até as que estão por vir. Dessa forma, se operam efeitos ex tunc. O ato nulo não gera direitos ou obrigações para as partes.

Segundo a teoria monista, não há convalidação, ou seja, não é possível sanar a invalidação dos atos administrativos, embora a teoria dualista assevere que existam alguns atos que são sanáveis, no caso de vícios menores.

Neste último caso, por exemplo, pequenos erros formais não anulam certos atos. A partir do princípio de pas de nullité sans grief (não há nulidade sem dano) o atual direito administrativo entende que, se não houver a consumação de lesão a um interesse juridicamente protegido, não restará invalidade jurídica (JUSTEN FILHO, 2005).

3 Ato administrativo de concessão de benefício previdenciário

Quanto a concessão de benefício previdenciário, o ato administrativo que o origina constitui um ato vinculado, onde para sua realização a lei estabelece vários requisitos. Assim, não há liberdade para o administrador, servidor do INSS, divergir das imposições legais.

No caso de omissão no cumprimento de algum requisito, a eficácia do ato administrativo da concessão do benefício previdenciário fica comprometida. Este ato fica passível de anulação ou de correção, para o beneficiário não ter seu direito prejudicado.

A Lei 8.213/91, que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências, assim prevê:

“Art.103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.

Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.

Art.103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

§2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato”.

Como se depreende apenas da leitura da legislação, o direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

Decadência é a extinção do direito pela inatividade de seu titular, quando sua eficácia foi no princípio subordinada à condição de seu exercício dentro de um prazo prefixado, e este se extinguiu sem que esse exercício tivesse sido analisado.

Entretanto, é possível a revisão do ato, desde que haja vício que o converta contrário à legislação pertinente, como no caso do tempo de serviço, que deverá ser comprovado mediante início de prova material e complementado por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente (Súmula nº 149 do STJ).

Dessa maneira, a decisão abaixo do TRF 4:

‘PREVIDENCIÁRIO.DECADÊNCIA INOCORRENTE. RESTABELECIMENTO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ATIVIDADE URBANA. COMPROVAÇÃO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. 1. A Administração Previdenciária pode e deve rever seus próprios atos, desde que eivados de vícios que os tornem ilegais, assegurado o contraditório e a ampla defesa. Súmula nº 473/STF. 2. Em respeito à segurança e estabilidade jurídica, aliada à boa-fé do beneficiário, devem ser convalidados os atos consolidados pelo longo decurso de tempo, representado pelo transcurso de cinco anos previsto no art. 207 do Decreto nº 89.312/84 e art. 54, Lei nº 9.784/99 e, mais recentemente, se ultrapassado o marco de dez anos, previsto no art. 103-A da Lei nº 8.213/91, com a redação imposta pela Lei nº 10.839/04, DOU 06.02.04, originária da MP 138, de 19.11.03, sendo que esta não pode retroagir para alcançar benefícios concedidos anteriormente. Precedentes. 3. Não decorrido o lapso temporal, é possível a revisão do ato, desde que eivado de vício que o torne contrário à legislação regente. 4. A teor do art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios, o tempo de serviço deverá ser comprovado mediante início de prova material e complementado por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente (Súmula nº 149 do STJ). 5. Reconhecido o direito do autor à aposentadoria por tempo de serviço, considerado o tempo até a DER, na forma como previsto nos arts. 53 c/c 29, da Lei nº 8.213/91. 6. Mantida a antecipação dos efeitos da tutela, pois presentes os requisitos previstos no art. 273 do CPC." (TRF 4, REOAC 1999.71.00.025424-1, 5ª T., Rel. Artur César de Souza, DE 07.01.09)

O entendimento de Folmann, em artigo no site Jurisite:

“É notável a diferença na relação previdenciária, pois enquanto o cidadão não provoca a autarquia, não dá vazão ao exercício de seu direito que se considera em constituição. A partir do momento em que o cidadão exerce o direito, e este lhe é concedido de forma equivocada, surge a pretensão para rever o ato e condenar a autarquia a revisar e conceder o benefício efetivamente devido, logo não há de se falar em direito em constituição, porque ele já existe e foi provocado, mas em direito de condenação”. (Acesso em 30 de abril de 2015)

Conclusão

Com a invalidação de um ato administrativo defeituoso, tanto a legislação como os princípios do direito pátrio não saem maculados. A partir do restabelecimento do status quo ante, além de sanar-se o inconveniente em particular, originado pelo ato administrativo defeituoso, mantêm-se a credibilidade da administração pública para com os seus administrados. E ainda, concretiza-se com maior eficiência o objetivo de todo o aparato estatal, que é a busca do interesse público.

No direito previdenciário é possível a revisão do ato de concessão de benefício previdenciário, desde que haja vício que o torne contrário à legislação pertinente, como pode ocorrer no caso da comprovação do tempo de serviço.

 

Referências
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Portal da Legislação, Brasília. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm >. Acesso em: 30 abr. 2015.
CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Dicionário Compacto do direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
FOLMANN, Melissa. Da aplicação da decadência do direito de revisão dos benefícios previdenciários. Disponível em: <http://www.jurisite.com.br/doutrinas/Previdenciaria/doutprevid39.html>. Acesso em: 30 abr. 2015.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: RT, 1999.
TRF 4, REOAC 1999.71.00.025424-1, 5ª T., Rel. Artur César de Souza, DE 07.01.09.

Informações Sobre o Autor

João Carlos Parcianello

Mestre em Desenvolvimento pela UNIJUÍ. Bacharel em Direito pela UNIJUÍ


Equipe Âmbito Jurídico

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