Resumo: O princípio da precaução, enquanto princípio do Direito Ambiental, deverá ser aplicado às situações de ameaça de danos graves e/ou irreversíveis cientificamente incertos. A existência de incerteza científica com relação à potencialidade dos danos ambientais decorrentes da introdução de novas atividades econômicas no meio ambiente é o que justifica a necessidade de sua aplicação. Nas ações judiciais ambientais, a inversão do ônus da prova é utilizada como regra de julgamento em prol do meio ambiente impondo ao causador do dano ambiental o ônus de provar que sua conduta não causou lesão ao meio ambiente. Pela aplicação do princípio da precaução, inverte-se o ônus probatório para que o potencial causador do dano prove que sua atividade não causará dano ambiental grave ou irreversível, ou ainda, que não causará dano de difícil reparação.
Palavras-chaves: Meio ambiente ecologicamente equilibrado – Incerteza científica – Princípio da Precaução – Inversão do ônus da prova – Processo ambiental.
Abstract: The precautionary principle, a principle of Environmental Law, must be applied to situations of threat of serious damage and / or irreversible scientifically uncertain. The existence of scientific uncertainty with respect to the potential environmental damage from the introduction new economic activities in the environment is what justifies the need for application of the precautionary principle. In the environmental actions, the reversal of the burden of proof is used as a rule of judgement in favour of the environment imposing the damage to the environmental burden to prove that his conduct did not cause damage to the environment. For the application of the precautionary principle reverses the burden is evidence that the potential for the damage proved that their activity does not cause serious or irreversible environmental damage, or which does not cause damage difficult to repair.
Keywords: Environment ecologically balanced – Uncertainty scientific – Principle of Precaution – Reversing the burden of proof – Case environment.
Sumário: 1. Introdução; 2. Ônus da Prova em Matéria Ambiental com fundamento no princípio da Precaução; 2.1. Ônus da Prova no Código de Processo Civil; 2.2. Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus Probatório; 3. Inversão do Ônus da Prova; 3.1. Inversão do Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor; 3.2. Inversão do Ônus da Prova nas Demandas Ambientais; 4. Inversão do Ônus da Prova com fundamento no Princípio Da Precaução; 5. Considerações Finais; 6. Referências
1. INTRODUÇÃO
Seja qual for o processo, é função do órgão jurisdicional valorar juridicamente os fatos que norteiam a lide, de modo que ante a ausência de determinado fato, o julgador se valerá de outros objetos, que, de acordo com Carnelutti (1999, p. 307) são as provas.
Para Carnelluti a expressão “prova” não terá um único significado dentro da linguagem jurídica: ora é objeto que serve para o conhecimento de um fato, ora é o próprio conhecimento obtido através do objeto. Aduz ainda este mesmo autor que:
“Não só no processo como também fora dele devem ser valorados juridicamente os fatos, as provas não servem somente para o processo; em geral, a atividade jurídica, e não só a atividade judicial se desenvolve por meio de provas. Por isso, assim como o estudo das provas não é próprio unicamente da ciência do direito processual” (1999, p. 308).
Pelo sistema de apreciação das provas, a lei estabelece as hipóteses em que o juiz pode considerar que determinado fato foi provado ou não, ou seja, cada prova tem seu valor dentro do ordenamento jurídico. Assim, o juiz deve firmar sua convicção diante das provas produzidas. A esse respeito Freddie Didier afirma o seguinte:
“O juiz é soberanamente livre quanto à indagação da verdade e apreciação das provas. A consciência do juiz não está vinculada a qualquer regra legal, quer no tocante à espécie de prova, quer no tocante à sua avaliação. Esse sistema ainda sobrevive nos julgamentos do júri popular.” (2007, p. 68)
O sistema brasileiro de apreciação das provas adotado pelo art. 131 do Código de Processo Civil, teve forte influência das idéias iluministas do século XVII, segundo o qual a apreciação das provas deve obedecer algumas regras no que se refere à convicção, condicionando-se sempre (1) aos fatos nos quais se fundamenta a relação jurídica posta em juízo, (2) às provas destes aduzidas dentro do processo, (3) as regras legais acerca das provas, (4) as máximas de experiência, (4) ao livre convencimento motivado de modo que a valoração da prova tenha por base critérios racionais, (5) ao princípio do contraditório e do duplo grau de jurisdição.
Pelo disposto no art. 131 do CPC, adotam-se o que a doutrina processual denomina de sistema persuasivo de valoração da prova além das regras legais de apreciação – estas últimas na maioria das vezes ficam “embutidas” na legislação material e processual, fazendo com que dentro do ordenamento jurídico pátrio, haja uma espécie de sistema temperado de valoração da prova, fazendo prevalecer, na realidade, o livre convencimento motivado.
Isto significa que apesar de existirem mandamentos legais sobre a valoração da prova dentro do processo, estes não interferem na livre apreciação do conjunto probatório; ou seja, as normas atinentes às provas apenas norteiam a apreciação de provas pelo magistrado, de modo a mitigar ao máximo a existência de decisões arbitrárias baseadas apenas em impressões pessoais do julgador.
No ordenamento jurídico pátrio, há o instituto da inversão do ônus da prova, que está expressamente previsto no art. 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor.
No entanto, há entendimentos doutrinários no sentido de não restringir sua aplicação apenas às relações amparadas pela lei consumerista, vez que, se admite a inversão do ônus da prova também nas ações de responsabilidade civil ambiental, sendo este o objeto do presente trabalho.
No Direito Ambiental sabemos que o objetivo maior é o de que não se deve chegar necessariamente à concretização do dano ambiental para que, por conseqüência, haja a responsabilização do agente, até porque, em se tratando de meio ambiente, o mais importante é impedir que o dano ambiental aconteça (FARIAS, 2007, p. 966).
O art. 225 da Constituição Federal impõe como obrigação do Poder Público e da coletividade proteger e defender o meio ambiente, preservando-o para as presentes e futuras gerações, garantindo a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, que possui portanto, natureza jurídica de bem difuso, pertencente a todos os seres humanos indistintamente.
Dada a sua natureza jurídica difusa, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado tem sua proteção assegurada tanto pelo Direito Constitucional quanto pelo Direito Internacional, o que se justifica porque os ecossistemas, os recursos naturais, enfim, todo o ambiente global não se restringe às fronteiras estabelecidas pelos países:
“No fundo, o meio ambiente é um conceito que desconhece os fenômenos das fronteiras, realidades essas que foram determinadas por critérios históricos e políticos, e que se expressam em definições jurídicas de delimitações dos espaços do Universo, denominadas fronteiras. Na verdade, ventos e correntes marítimas não respeitam linhas divisórias fixadas em terra ou nos espaços aquáticos ou aéreos, por critérios humanos, nem as aves migratórias ou os habitantes dos mares e oceanos necessitam de passaportes para atravessar fronteiras, as quais foram delimitadas, em função dos homens” (SOARES in MORAES: 2005 p. 2138).
Para atender aos objetivos exigidos pelo art. 225 da Carta Magna, especialmente no que se refere à proteção do meio ambiente em face das atividades potencialmente causadoras de dano ambiental, foi proposto o princípio da precaução a ser aplicado sempre que houver incerteza cientifica sobre os efeitos que determinada atividade econômica causará ao meio ambiente.
Já a inversão do ônus probatório é instrumento “emprestado” pelo Direito Consumerista, estando previsto expressamente no art. 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, mas que possui aplicação subsidiária às demandas ambientais com fundamento no princípio da precaução, o qual serve de respaldo para a inversão do ônus da prova em favor do meio ambiente sempre que houver incerteza científica acerca dos efeitos nocivos advindos da exploração de determinadas atividades econômicas.
Assim, o presente trabalho trata da aplicabilidade do instituto da inversão do ônus da prova nas demandas ambientais com fundamento no princípio da precaução, o que significa que este princípio será utilizado como fundamento para a inversão do ônus apenas quando houver incerteza científica.
2. ÔNUS DA PROVA.
Dentro da relação processual, cabe tanto ao autor da ação, quanto ao réu quando a contesta, aduzir fatos que justifiquem a pretensão do primeiro e a resistência do outro. Entretanto, às partes não caberá apenas alegar os fatos, deverá fazer prova deles para que o juiz possa certificar-se da veracidade do direito alegado.
Humberto Theodoro Júnior (2007, p. 472) diz que se pode conceituar a prova sob dois aspectos: o primeiro, objetivo, que é a forma de demonstração de determinado fato, seja por meio de documentos, testemunhas, exame pericial, etc.; e, sob um segundo aspecto, subjetivo, que é a convicção formada pelo julgador acerca do fato que a prova demonstrou.
Considerando que no processo civil a sorte da causa depende do interesse e diligência da parte no tocante à comprovação do direito alegado, o instituto do ônus da prova tem extrema relevância, visto que se trata da conduta processual exigida para que a verdade alegada em juízo seja admitida pelo juiz influenciando na decisão.
Ônus é “aquilo que sobrecarrega, carga, peso; encargo ou obrigação pesada de cumprimento difícil ou desagradável. ” Ônus da prova é o mandamento legal contido no art. 333 do Código de Processo Civil que determina que às partes caberá a prova de suas alegações.
Arruda Alvim (2003, p. 493) classifica o ônus como perfeito e imperfeito. Perfeito será quando ocorrer uma conseqüência jurídica danosa advinda do descumprimento de uma atividade processual, como quando a parte sucumbente deixa de recorrer e há a consolidação dos efeitos da coisa julgada. O ônus será imperfeito quando o dano for provável, embora não necessário. É o que ocorre quando a parte não consegue provar, e ao final, àquela prova que deixou de ser produzida é feita pelo seu adversário e lhe aproveita.
Distinção importante também a respeito do assunto é entre ônus e obrigação. Esta última, quando cumprida, em geral traz benefícios à parte contrária do obrigado, tanto que, ante a sua omissão, poderá o sujeito passivo ser coercitivamente obrigado ao cumprimento pelo sujeito ativo da relação jurídica. A obrigação de fazer/abster-se pode também ser convertida em obrigação pecuniária, enquanto no ônus não há essa possibilidade.
Já no que se refere ao ônus a parte que não cumpri-lo apenas sofrerá as possíveis conseqüências negativas advindas do não desincumbir-se do encargo de provar, ou ainda, poderá até essa parte que não provar o que normalmente a faria perder o direito, mas seu adversário mesmo sem querer, prova àquele fato do qual dependerá o direito da parte que não conseguiu provar, isto lhe aproveitará.
Outra distinção importante é entre a prova e a contraprova, esta última que recai sobre o fato que a prova pretende demonstrar. A contraprova é aquela que o réu contesta o fato constitutivo aduzido pelo autor, fato este que deverá ter sido provado. A contraprova deve se referir ao fato constitutivo do autor e não opor-se apenas à prova. Assim, se o autor produz prova testemunhal ou documental, o réu deverá opor contraprova que ateste o contrário do conteúdo das provas aduzidas pelo autor.
Por outro lado, se o réu não contesta o fato constitutivo do direito do autor mas demonstra que existem fatos que modificam ou extinguem o direito, não há necessidade de contraprova, visto que não houve contestação ao fato constitutivo.
Com efeito, a contestação deve ser especificada quanto aos fatos alegados na inicial, podendo requerer a produção de provas ou contraprovas que comprovem a existência dos fatos alegados pelo autor.
Há situações em que o ônus da prova pode ser conferido à parte adversa, e não àquela parte que alegou os fatos pendentes de comprovação: é a hipótese de inversão do ônus probatório.
2.1. Ônus da prova no Código de Processo Civil
O Código de Processo Civil adotou, em sede de ônus probatório, a teoria estática do ônus da prova, segundo a qual ao autor cabe provar os fatos constitutivos de seu direito, enquanto que, ao réu caberá provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele determinado direito, nos termos do art. 333 daquele diploma legal. É o que a doutrina processual denomina de “ônus da prova”.
O ônus da prova é a atribuição conferida às partes de comprovar a veracidade das suas alegações. É regra de julgamento de aplicação subsidiária, posto que, auxilia o magistrado no momento da decisão, ou seja, caberá ao Juiz proferir decisão contra a parte que tinha o ônus de provar e não se desincumbiu do seu encargo.
Para Arruda Alvim:
“As regras do ônus da prova destinam-se aos litigantes do ponto de vista de como se devem comportar, à luz das expectativas (ônus) que o processo lhes enseja, por causa da atividade probatória. O juiz, como é imparcial, não deve influir na conduta dos litigantes, salvo se, excepcionalmente, tiver de decidir o incidente de inversão do ônus da prova (art. 333, parágrafo único) o que deverá fazer, mesmo que não haja impugnação, pois de nulidade se trata”. (2003, p. 493)
O referido parágrafo único do art. 333 permite que as partes distribuam o ônus da prova mediante convenção formada antes ou no curso do processo; entretanto, essa convenção não pode recair sobre direito indisponível ou tornar excessivamente difícil a uma das partes o exercício do seu direito. É o que dispõe inclusive o art. 51, VI, do CDC, acerca da nulidade de convenção quando esta impõe ao consumidor o ônus de provar suas alegações, que examinaremos mais adiante.
Segundo o art. 333, parágrafo 1º, inciso I do Código de Processo Civil, quando o bem for indisponível, não é permitida a convenção principalmente porque seria uma ofensa à ordem jurídica, visto que, se tratando de bens e direitos indisponíveis o sujeito não poderá dispor, e, por outro lado, a própria legislação elenca as hipóteses nas quais se permite a modificação no status do referido bem.
De acordo com o inciso II do parágrafo 1º do dispositivo citado, a possibilidade de convenção que torne muito difícil à parte o exercício do seu direito, também seria uma violação à ordem jurídica, tendo em vista que a convenção que dificulta à parte provar equivaleria a admitir que a parte estivesse transigindo em um direito legitimamente seu por meio de convenções. Assim, a parte poderá até transigir, mas de um modo que não obste o exercício do seu direito.
Pela redação do art. 333, incisos I e II, o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. O que significa que não havendo cumprimento e inexistindo nos autos quaisquer outros elementos que comprovem o direito, essa parte será perdedora; se o réu nega a autoria do fato e o autor não prova o contrário, o juiz obrigatoriamente, absolverá esse réu.
Segundo entendimento de Marinoni e Arenhart (2007, p. 262/265) a regra contida no art. 333 do CPC dirige-se também ao juiz na formação do seu convencimento, isto é, a regra do ônus da prova tem o objetivo de viabilizar a decisão do juiz em caso de dúvida, dando ao julgador a possibilidade de decidir.
Por outro lado, não é permitido ao juiz indicar quais os fatos que as partes deverão provar, salvo na hipótese de inversão do ônus probatório; cabe ao juiz é fixar os pontos controvertidos, sobre os quais deverá ater-se a produção de provas, e, quando entender que determinada prova é impertinente ou inútil, denegá-la. Contudo, o juiz poderá de ofício ordenar a produção de provas que entenda indispensáveis ao esclarecimento dos fatos, sem o objetivo de favorecer quaisquer das partes.
A regra de distribuição do ônus da prova tem fundamento lógico: o autor deve provar o que constitui seu direito, mas não é obrigado a manifestar-se sobre possíveis fatos que impeçam a constituição, modificação ou extinção do direito, incumbência do réu.
Para Marinoni e Arenhart, a regra do art. 333 objetiva “iluminar o juiz que chega ao final do procedimento sem se convencer sobre como os fatos se passaram”. A regra do ônus da prova servirá para o juiz definir o mérito da demanda, quando este se encontra ainda em dúvida. Caso o juiz entenda que as partes não se desincumbiram de seus ônus, poderá determinar produção de provas de ofício. Por outro lado, se não houver dúvida, não há necessidade de aplicação da regra do ônus da prova como regra de decisão, porque essa regra só importa quando a dúvida persiste.
Para estes autores, a regra do ônus da prova pode ser dirigida ao juiz apenas quando há dúvida da qual decorre que o juiz só poderá decidir depois de ter passado pela fase de convicção. Nessa fase, antes inclusive de ter chegado a uma situação de dúvida, o juiz deve considerar a natureza dos fatos aduzidos pelas partes e a quem incumbirá a prova.
Em algumas situações o direito alegado exige o convencimento judicial que passa a se formar a partir da verossimilhança do direito sustentado pelo autor. Nesses casos, o juiz ante a ausência de prova não chegará a um estado de dúvida que seria esclarecida com a aplicação da regra do ônus da prova como regra de decisão, julgando improcedente o pedido pelo motivo da parte não ter se desincumbido de provar.
Quando o juiz vê-se diante do caso que exige a verossimilhança da alegação, não há estado de dúvida; há sim convicção de que há verossimilhança ou não na alegação.
É o que ocorre, por exemplo, “ nos casos das lesões pré-natais, quando não há racionalidade em exigir do autor, para a procedência da ação ressarcitória, a prova de que a doença do recém- nascido deriva do acidente que a sua mãe sofreu quando em gestação”. (MARINONI e ARENHART, 2007, p. 264)
A regra do ônus da prova, embora importe na formação do convencimento, pode ser relativizada diante de certas situações de direito substancial, isso porque, para que o juiz decida deve passar por uma fase de descoberta, através do qual o juiz precisa saber qual é o objeto a ser descoberto. Isto é, o convencimento do juiz só pode ser pensando diante do caso concreto, visto que, ele só pode se dizer convencido quando tem ciência de onde o objeto do seu conhecimento tem possibilidade de ser descoberto.
Não há como se exigir um convencimento uniforme para todas as situações; o convencimento varia de acordo com o direito material, razão pela qual o ônus da prova também não pode ser visto no mesmo modo, sem considerar a dificuldade de convicção do caso em exame.
Apenas mediante a análise do caso concreto se forma a convicção que pode ser de certeza ou de verossimilhança.
2.2.Teoria da distribuição dinâmica do ônus probatório
Apesar da adoção da teoria estática consagrada no art. 333 do Código de Processo Civil, até hoje utilizada como regra geral, nem sempre autor e/ou réu têm condições de se desincumbir do seu encargo de provar; muitas vezes vêem-se diante de uma prova impossível de ser produzida, terminando o juiz por proferir uma decisão injusta.
A teoria estática acima aludida vem se mostrando insatisfatória, dando lugar à teoria da distribuição dinâmica do ônus probatório, segundo a qual a maneira mais acertada e justa de provar o direito alegado pela parte seria atribuir o ônus da prova não a quem alega, mas a quem tem condições de produzi-la de acordo com o caso concreto. Isso se justifica porque nem sempre o autor ou o réu tem condições de se desincumbir do ônus de provar o que alega, muitas vezes ficando diante da chamada “prova diabólica”, que a expressão utilizada pela Doutrina para designar a prova muito difícil ou impossível de ser produzida pela parte.
A teoria da distribuição dinâmica do ônus probatório, inclusive adotada no Anteprojeto do Código de Processo Coletivo, segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2007, p. 303), tem respaldo nos princípios da adaptabilidade do procedimento ao caso concreto, da igualdade (art. 5º, caput, CF), da solidariedade com o órgão judicial (arts. 339,340,342,345, 355 do CPC), da lealdade e da boa-fé (arts. 14,16,17,180 e 125, III, CPC), no princípio do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF), no devido processo legal (art. Art. 5º, XIV, CF) e ainda no princípio da cooperação intersubjetiva[1]. Neste norte, a regra contida no art. 333 do CPC deve ser analisada à luz dos princípios supracitados.
O Código de Processo Civil não tem disposição expressa adotando a distribuição dinâmica do ônus da prova, sendo esta teoria, uma construção eminentemente doutrinária.
Por outro lado, tanto o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processo Coletivo elaborado em conjunto pelos programas de pós-graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Universidade Estácio de Sá quanto àquele elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil acolheram a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, embora com redações diferentes. Neste último, em seu art. 11, parágrafo 1º, que diz o seguinte: “O ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração”.
O momento mais conveniente para distribuição dinâmica do onus probandi deverá ser feita pelo magistrado antes da instrução do feito, dando tempo e oportunidade para que a parte a que foi determinado o ônus probatório tenha condições de desincumbir-se do seu encargo.
3. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Dentro do microssistema do Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova decorre dos princípios da veracidade e da não-abusividade da publicidade, assim como do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.
A inversão do ônus da prova está positivada no Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, inciso VIII, e constitui-se de verdadeira aplicação da teoria distribuição dinâmica do ônus probatório. Por esta regra que autoriza a inversão do ônus da prova nas relações de consumo o magistrado deverá redistribuir o ônus probatório em duas situações: (1º) quando for verossímil a alegação do consumidor, segundo as regras ordinárias de experiência; (2º) quando o consumidor for hipossuficiente.
3.1. Inversão do ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor
A regra constante do art. 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, que autoriza em determinadas situações a inversão do ônus da prova, transferindo-o do consumidor para o fornecedor o encargo probatório, não exime o consumidor do encargo de provar o fato constitutivo do direito por ele alegado, até porque a inversão do ônus da prova no direito do consumidor não é sempre automática.
A lei condiciona a inversão a determinados requisitos, quais sejam: a verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor – requisitos estes que serão verificados pelo julgador para decidir se haverá ou não inversão. Essa verificação, por sua vez, deve ser feita com base no mínimo de material probatório que deverá existir precipuamente no processo que ateste um requisito ou outro.
Nas demandas consumeristas caberá ao fornecedor provar não a desconstituição do direito do consumidor, mas, provar tudo aquilo que possa excluir a sua responsabilidade (caso fortuito, culpa exclusiva da vítima, inexistência de nexo de causalidade, etc.). Se por acaso, o autor não se desincumbe de provar o dano que afirma ter sofrido ou não traz ao processo sequer indícios que corroborem suas alegações, será impossível ao magistrado aplicar a regra de inversão do ônus da prova em desfavor do réu, caso contrário, se estaria a impor ônus impossível a este último.
Já a sistemática prevista no art. 38 do Código de Defesa do Consumidor trata da inversão do ônus da prova sobre a veracidade da publicidade de forma diversa. Na hipótese do art. 38 do Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova não depende de ato discricionário do juiz, é obrigatória. A inversão do ônus da prova na publicidade significa que ao fornecedor compete informar os dados técnicos, científicos e fáticos veiculados na mensagem publicitária, de acordo com o disposto no art. 36, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem os patrocina.
O ônus da prova em matéria de publicidade se mostra mais difícil porque em geral a matéria veiculada tem uma abrangência difusa, não podendo precisar quais os consumidores atingidos. No entanto, apesar da inversão pelo art. 38 ser obrigatória, o julgador deve, se preenchidos os requisitos do art. 6º, VIII, inverter o ônus da prova quando a alegação do consumidor for verossímil ou quando este for hipossuficiente; a exemplo de quando o consumidor não consegue provar o nexo causal ou mesmo o dano.
A inversão do ônus da prova pelo art. 38, independe, portanto, de manifestação judicial. Vejamos o seguinte entendimento:
“Ainda que hipoteticamente se admita que a inversão do ônus da prova nos termos do art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor depende de prévia declaração judicial de que assim se fará, não há como igualmente entender no tocante ao ônus probatório em matéria publicitária que o art. 38 incisivamente faz recair sobre quem a patrocina, sem condicioná-lo ao critério do juiz. Entender que o juiz, no caso do art. 38 deve decidir previamente que o patrocinador da publicidade tem o ônus da prova do fato constitutivo de seu direito e ao réu do fato impeditivo, modificativo do direito do autor, impondo num e noutro caso o insustentável entendimento de que o juiz deve previamente proclamar que dará exato cumprimento ao que dispõe o art. 38 do Código de Defesa do Consumidor e o art. 333 do Código de Processo Civil”. (TJSP 150 9ª Câm. Civil: Ap. Cível nº 255.461-2-6-São Paulo: rel. des. Aldo Magalhães; j. 6.4.95; v.u. in AASP nº 1911,9 a 15.8.95, p. 222-j.).
Dissemos em linhas anteriores que o art. 333, parágrafo único do Código de Processo Civil autoriza a distribuição do ônus da prova de forma diversa daquela estipulada no caput e incisos I e II do mesmo artigo, no entanto, o ônus só poderá ser distribuído de modo diferente se não recair sobre direito indisponível da parte ou tornar excessivamente difícil a uma das partes a comprovação do seu direito; nestas hipóteses, qualquer convenção em contrário, é nula.
O art. 51 do Código de Defesa do Consumidor não proíbe a convenção acerca do ônus da prova, mas considera nula àquela que traga prejuízo ao consumidor. Assim, é vedada a inversão do ônus probatório quando esta inversão ocorrer em prejuízo do consumidor.
Um bom exemplo de cláusula proibitiva da inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor está presente no art. 12, parágrafo 3º e art. 14, parágrafo 3º do Código de Defesa do Consumidor, o qual determina que para haver exclusão da responsabilidade do fornecedor indenizar o dano advindo de acidente de consumo é preciso que o fornecedor prove uma das excludentes legais. Nessa hipótese, como o ônus da prova está atribuído ao fornecedor por norma de ordem pública, não pode ser derrogado por convenção das partes. Outro exemplo se encontra no art. 46 do Código de Defesa do Consumidor, na cláusula que transfere ao consumidor o ônus de provar que não ficou esclarecido pelo fornecedor sobre o conteúdo do contrato.
Há também situações em que o fornecedor atribui ao consumidor por cláusula constante em contrato de adesão, o ônus de provar os fatos que dizem respeito à atividade do próprio fornecedor, p.ex., quando há cláusula contratual dizendo que o consumidor recebeu e assinou o contrato sem manifestar qualquer reclamação.
3.2. Inversão do ônus da prova nas demandas ambientais
Nas demandas ambientais, a inversão do ônus da prova consubstancia-se na imposição ao autor do dano potencial para que este prove, com anterioridade, que a implantação de sua atividade não causará degradação significativa ao meio ambiente.
No Brasil, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, prevê em seu art. 14, parágrafo 1º, a aplicação da responsabilidade objetiva.
Admite-se a inversão do ônus probatório nas demandas ambientais por aplicação subsidiária do art. 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor c/c com o art. 117 deste mesmo Diploma Legal, e, especialmente, em alusão aos princípios da prevenção e da precaução.
Em se tratando de tutela do meio ambiente o princípio da precaução determina que diante de situações de incerteza científica a respeito dos danos ambientais que possam ser causados pela implementação de determinada atividade econômica, devem ser tomadas medidas de precaução, no sentido de minimizar os riscos provenientes dessa atividade, para que o risco não se transforme em dano ambiental.
Já dentro do Direito Processual, o princípio da precaução atua nas demandas judiciais sejam estas individuais ou coletivas, quando houver a necessidade de tutelar os bens ambientais e sempre que houver hipossuficiência técnica acerca dos efeitos nocivos advindos da exploração de determinadas atividades econômicas, servindo de respaldo para a inversão do ônus da prova em favor do meio ambiente.
4. INVERSAO DO ONUS DA PROVA EM MATÉRIA AMBIENTAL COM FUNDAMENTO NO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO.
Em termos históricos, o princípio da precaução tem origem nos Tratados Internacionais, de onde se destaca sua expansão e relevância entre os países integrantes da União Européia, já que é princípio integrante do seu conteúdo normativo.
De acordo com o que determina o Tratado da Comunidade Européia, Tratado de Maastrich, em seu art. 174, 2,
“A política da Comunidade no domínio do meio ambiente terá por objetivo atingir um nível de proteção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade. Basear-se-á nos princípios da precaução e da ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador” (BORGES, 2005, p. 532).
Em 1989 e 1990 a Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa consagrou o princípio da precaução como princípio geral da política ambiental, o qual teve seu marco principal na Declaração do Rio de Janeiro, através do princípio 15, no âmbito da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento.
A Convenção das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, assinada em 05 de junho de 1992 na Cidade do Rio de Janeiro é considerada como marco inicial do reconhecimento do princípio da precaução, de onde se extrai o Princípio 15 da Declaração do Rio, o qual, dando o conceito comumente adotado para este princípio, refere-se a ele da seguinte forma:
“Com o fim de proteger o Meio Ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”
Com efeito, em se tratando de defesa do meio ambiente, o princípio da precaução tem aplicação ampla visto que se atua no momento anterior ao “conhecimento, identificação e mensurabilidade do risco”; a precaução deve ser aplicada de forma precípua, ou seja, desde o processo decisório, por intermédio de medidas preventivas, com o objetivo de evitar um dano previsível ou provável, ou, ainda, que o dano não seja provável nem previsível, mas, na hipótese de haver incerteza científica, deve-se aplicar o princípio da precaução, o que significa que basta a incerteza quanto à verificação do risco ambiental, o qual não precisa nem ser conhecido.
Diante da possibilidade de instalação de determinada atividade econômica em que haja incerteza científica acerca dos efeitos desta instalação, deve-se aplicar o princípio da precaução.
Cabe-nos aqui esclarecer o que seja atividade potencialmente causadora de dano ambiental. Segundo o art. 3º da Lei 6.938/81, considera-se atividade potencialmente causadora de dano ambiental toda e qualquer atividade que altere as propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, e que tais alterações sejam causadas por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam a saúde, a segurança e o bem-estar da população, as atividades sociais e econômicas, a biota, as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente e a qualidade dos recursos ambientais.
Conforme dito anteriormente, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente estabeleceu em seu artigo 14, § 1º que a responsabilidade civil pelos danos causados ao meio ambiente será objetiva, sendo suficiente apenas a existência dos requisitos indispensáveis que impliquem na responsabilização civil: ação lesiva, existência do dano e nexo de causalidade, para atribuição do dever de reparação.
Assim, comprovada a lesão ambiental, torna-se indispensável que se estabeleça uma relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano dele proveniente. Para tanto, basta que se demonstre a existência do dano sobre o qual o exercício de uma atividade perigosa exerceu uma influência decisiva. Nesse particular, vale ressaltar que, mesmo que a conduta do agente não seja ilícita, se dessa atividade resultar algum dano ao meio ambiente, haverá responsabilização por dano ambiental.
Como os danos em geral, os danos ambientais podem ter natureza moral ou patrimonial. Saliente-se aqui a questão social acerca do dano ambiental tendo em vista que este representa a lesão a um direito difuso, um bem imaterial, incorpóreo, autônomo, de garantia constitucional para uso comum do povo.
A reparação do dano ambiental compõe-se de dois elementos: a reparação in natura do estado anterior do bem ambiental afetado, e a reparação pecuniária, ou seja, a restituição em dinheiro. Assim, segundo a legislação pátria, quando não for possível o retorno ao estado inicial, recairá sobre o poluidor a condenação de um quantum pecuniário, suficiente para recomposição efetiva e direta do meio ambiente lesado.
Todavia, nem todo dano se indeniza. Face à impossibilidade muitas vezes de reparação do dano ambiental, a pena pecuniária mostra-se insatisfatória, visto que não tem o condão de recuperar, por exemplo, um ecossistema destruído ou de ressuscitar uma espécie já extinta.
A inversão do ônus da prova em matéria ambiental tem importante papel nas ações de responsabilidade civil ambiental especialmente no tocante à concessão de liminares em sede de Tutelas de Urgência ou em Mandado de Segurança com fundamento no princípio da precaução. Nesse sentido, vejamos o seguinte julgado:
“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ACAO CIVIL PUBLICA. LIMINAR PARA CESSACAO DE ATIVIDADE NOCIVA AO MEIO AMBIENTE. LIMINAR IMPONDO PRAZO A EMPRESA FRIGORIFICA PARA CESSACAO DE ATIVIDADE POLUENTE, SOB PENA DE MULTA DIARIA, ARRIMADA EM VEEMENTES ELEMENTOS DE CONVICCAO COLETADOS EM INQUERITO CIVIL PUBLICO. DECISAO QUE SE JUSTIFICA CABALMENTE, TANTO PELOS FATOS NELA CONSIDERADOS, QUANTO PELO DIREITO APLICAVEL (ART. 12 DA LEI 7.347/85). PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PRECAUCAO, DADA A FREQUENTE IRREPARABILIDADE DO DANO AMBIENTAL. AGRAVO DESPROVIDO.” (Agravo de Instrumento Nº 70004725651, Primeira Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Uhlein, Julgado em 21/11/2002).
A inversão do ônus de provar com fulcro no princípio da precaução é regra de direito material que determina que sempre que houver incerteza científica acerca da atividade econômica a ser implementada, deve-se, em homenagem a este princípio, inverter o ônus probatório para que o potencial poluidor prove que sua atividade não causará dano ao meio ambiente.
Marcelo Abelha Rodrigues (2003, p. 208/211) diz que tal inversão é regra principiológica do Direito Ambiental já reconhecida pelo provável poluidor desde que assume o risco da atividade econômica. Assim, diz este autor que, nos casos em que há “hipossuficiência científica”, a inversão do ônus da prova com fundamento no princípio da precaução pode ser aplicada em qualquer ação judicial que verse sobre responsabilidade civil ambiental, devendo o julgador determinar essa inversão preferencialmente desde o despacho saneador.
O ônus da prova nas ações ambientais é, em regra, do poluidor que tem todas as prerrogativas constitucionais asseguradas no art. 5º, incisos LIV, LV e LVI da Constituição Federal. Entretanto, apesar de titular de tais prerrogativas, havendo lesão ou ameaça a direito material de natureza ambiental o poluidor já sabe desde o início que é obrigado a provar tudo o que for possível e interessante para o desfecho da questão, não podendo ao final da ação alegar cerceamento do direito de defesa até porque sabia quais eram as regras diante de todo o regramento do processo ambiental.
“Evidentemente, o juiz, na sentença, somente vai socorrer-se das regras relativas ao ônus da prova se houver o denominado non liquet quanto à prova, ou seja, se o fato não se encontrar provado. Em síntese, só quando não houver a prova é que o juiz deve observar quem tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu; estando provado o fato, essa prova se incorpora ao processo sendo irrelevante indagar sobre quem a produziu “(FIORILLO, 2007, p. 98-99).
Inverte-se o ônus da prova nas demandas ambientais primeiro porque o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é de responsabilidade e interesse público, até pela sua natureza jurídica de bem difuso, pertencente a todos de forma indistinta, bem como, porque a responsabilidade sobre os danos causados é objetiva, de acordo com o disposto no art. 14 da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, independendo de comprovação de culpa do agente: basta que se prove o dano e o nexo de causalidade, para que haja responsabilização do agente.
Na prática, a inversão do ônus da prova com fundamento no princípio da precaução respalda na maioria das vezes a concessão de liminares para suspensão de atividades que estão sendo desenvolvidas sem a realização de Prévio Estudo de Impacto Ambiental, que é o instrumento hábil para avaliação prévia dos riscos ambientais, previsto inclusive pela Constituição Federal.
As liminares nesses casos são necessárias para antecipar os efeitos da decisão de mérito, não sendo, pois, uma antecipação da própria decisão; antecipa-se alguns dos efeitos de forma fática para viabilizar o resguardo dos bens ambientais.
Fiorillo (2007, p. 100) aponta como características das liminares em matéria ambiental: a urgência, porque nas demandas ambientais necessariamente deve se provar a mora processual em desfavor do meio ambiente, para que o Judiciário conceda a medida de forma rápida e eficaz; cognição sumária, porque a análise e decisão sobre o caso deverá ser feita superficialmente apontando apenas os juízos de probabilidade e verossimilhança, observado o disposto no art. 93, IX da Constituição Federal; provisoriedade, porque nas demandas ambientais as medidas liminares são em regra provisórias, pressupondo uma decisão definitiva posterior que somente ocorrerá ao fim do devido processo legal; revogabilidade, porque tais medidas podem ser cassadas a qualquer tempo, mediante outra decisão contrária, dada a sua característica de provisoriedade.
Por todo o exposto, fica claro que a aplicação do princípio da precaução traz ínsita a necessidade de inversão do ônus probatório nas demandas ambientais quando houver incerteza científica sobre os possíveis danos ambientais advindos da instalação de determinadas atividades econômicas, para que o provável causador do dano prove, com antecipação, que sua atividade não degradará o meio ambiente, ou, mesmo que ocorra, provar que esta degradação ambiental não causará dano grave ou irreversível.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Código de Processo Civil adotou a teoria estática do ônus da prova, segundo a qual ao autor cabe provar os fatos constitutivos de seu direito, enquanto que, ao réu caberá provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele determinado direito. É o que a doutrina processual denomina de “ônus da prova”.
No entanto, há situações em que o ônus da prova pode ser invertido, conferindo à parte adversa a incumbência de provar os fatos pendentes de comprovação, retirando da parte que alegou os fatos esse ônus: é a hipótese de inversão do ônus probatório.
O Código de Defesa do Consumidor admite a inversão do ônus da prova como um dos instrumentos de defesa do consumidor positivado no art. 6º, inciso VIII. A inversão do ônus da prova é regra de julgamento que autoriza o Magistrado a atribuir à parte que detém melhores condições o ônus de produzir as provas necessárias para o deslinde da questão.
Nas ações judiciais ambientais, a inversão do ônus da prova é utilizada como regra de julgamento em prol do meio ambiente: repressivamente impõe ao causador do dano ambiental o ônus de provar que sua conduta não causou o dano ambiental. Preventivamente, e em aplicação ao princípio da precaução, inverte-se o ônus probatório para que o potencial causador do dano prove nas atividades em que paire incerteza científica, que sua atividade não causará dano ambiental grave ou irreversível, ou ainda, que não causará dano de difícil reparação.
Cumpre ressaltarmos que a aplicação do instituto da inversão do ônus da prova segue os mesmos requisitos exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor, quais sejam, hipossuficiência, ou verossimilhança da alegação. A hipossuficiência pode ser técnica, econômica, científica; no entanto, apenas no caso de haver hipossuficiência científica é que a inversão será respaldada pelo princípio da precaução.
Portanto, inicialmente, se trabalhávamos com a inversão do ônus da prova como regra de julgamento à disposição do magistrado nas ações de responsabilidade civil ambiental, onde havia já a concretização do dano, pela aplicação do princípio da precaução vamos mais além: há a imposição da inversão do ônus da prova como regra de julgamento em prol do meio ambiente até quando houver incerteza científica sobre o dano, ainda na fase prévia de instalação da atividade econômica para que o empreendedor prove desde o início, que sua atividade não causará dano ambiental.
Graduada em Direito (2006) e Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas – FACISA (2008). Advogada da Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas – FACISA (2008-2011). Mestre em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG (2011). Doutoranda em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG (2011- atual). Professora dos cursos de Administração e Direito da Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas – FACISA. Atualmente, realiza pesquisas nas áreas de Direito e Política Ambiental, Educação Ambiental, Gestão de Recursos Hídricos e Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) para conservação do semiárido. Advogada militante e consultora ambiental
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