IPTU progressivo no tempo: sanção administrativa

Resumo: O presente trabalho versa sobre o Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo no tempo, abordando inicialmente o contexto das cidades brasileiras,  posteriormente é discutida a natureza jurídica da modalidade do imposto em comento, asseverando que o mesmo tem caráter sancionatório, como punição ao cometimento de ilícito, possuindo um caráter tributário secundário, residual. Analisando o IPTU progressivo previsto no Estatuto das cidades, atribuindo a este natureza axiológica de sanção, e demonstrando que sua aplicabilidade decorre do descumprimento de um imperativo legal e constitucional.

Palavras chaves: função social. IPTU. Progressividade. Sanção. Constituição Federal

Abstract: This paper deals with the Property Tax and Urban Land progressive over time, initially addressing the context of Brazilian cities, is subsequently discussed the legal nature of the tax form under discussion, asserting that it has character sanctions as punishment for committing unlawful , having a character tributary secondary residual. Analyzing the progressive property tax provided for in the Statute of cities by providing the axiological nature of sanction, and demonstrating that its applicability arises from the breach of a legal and constitutional imperative.

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Keywords: social function. Taxes. Progressivity. Sanction. Constitution

Introdução.

A ocupação desordenada das cidades, fruto da inercia do poder do público, e da crescente migração de pessoas das zonas rurais para as zonas urbanas, a retenção especulativa de terrenos urbanos e o processo de “expulsão” dos grupos hipossuficientes para zonas periféricas dos centros urbanos, por contribuírem de forma decisiva para o aumento da demanda e principalmente dos custos dos serviços urbanos, são processos que devem ser regulamentados, e ordenados pelo Poder Público, merecendo atenção especial, pois interferem diretamente na efetivação das funções basilares deste.

A legislação pátria possui diversos dispositivos que versam sobre as questões fundiárias, merecendo inclusive, atenção Constitucional, diante da importância da temática, posto que sem moradia, que depende da posse ou propriedade de um imóvel, a dignidade da pessoa humana, cláusula pétrea, direito fundamental que deve ser garantido a todos não pode ter efetividade.

Diante da crescente e irreversível expansão das zonas urbanas, urge uma disciplina, em prol do bem da coletividade e dos próprios proprietários, ou mesmo é imperioso que seja atribuída efetividade e eficiência as normas já vigentes, pois ter a norma e não aplica-la é tão pernicioso quanto não a tê-la. Respeitar a função social da propriedade é, nos dias de hoje, uma demonstração de cidadania, além de ser um saudável exemplo para todos, pois se foi o tempo em que o direito de propriedade era absoluto, sendo hoje, na atual conjuntura sócio-política de máxima efetivação dos direitos coletivos e sociais, algo bastante relativo devendo ser mitigado quando não atendida os princípios fundamentais que regem o Estado Democrático de Direito.

O crescimento acentuado e acelerado da ocupação dos espaços urbanos, coloca a sociedade em confronto, em especial aqueles que fazem uso irregular e ilegal da propriedade afrontando  as premissas legais que ordenam a utilização real desses espaços, diante desse contexto tais premissas legais adquirem maior relevância, sendo preponderante o respeito às mesmas como forma de ordenar e melhor aproveitar os poucos espaços urbanos existente, no intuito de construir cidade cada vez mais sustentáveis, ordenadas, e que promovam uma qualidade de vida condizente com o necessário para cada grupo humano. Assim sendo é imperioso que os gestores públicos utilizem os recursos sancionatórios previsto em lei para a função social da propriedade seja efetivada. Portanto a utilização efetiva do IPTU progressivo como sanção para obrigar o proprietário de imóveis urbanos subutilizados a dar uma finalidade real, e útil ao imóvel é uma obrigação dos poder público municipal, não podendo este, furta-se do uso de tal mecanismo.

Portanto a forma e o processo de desenvolvimento das cidades brasileiras, além do contexto e ranço cultural compõem um cenário propicio à especulação imobiliária, bem como ao mal uso da propriedade, e os direitos inerentes a essa, tal assertiva encontra respaldo na lição de Milton Santos, verbis:

“As cidades são grandes porque há especulação e vice-versa; há especulação porque há espaços vazios e vice-versa; porque há vazios as cidades são grandes. O modelo rodoviário urbano é fator de crescimento disperso e do espraiamento da cidade. Havendo especulação, há criação mercantil da escassez e o problema do acesso à terra e à habitação se acentua. Mas o défict de residências também leva à especulação e os dois juntos conduzem à periferização da população mais pobre e, de novo, ao aumento do tamanho urbano. As carências em serviços alimentam a especulação, pela valorização diferencial das diversas frações do território urbano.”

É de suma importância ressaltar que a Constituição Federal brasileira traz expressamente regras de política urbana, dentre as quais trazendo três sanções para aquele que insiste em descumprir princípio tão importante: a obrigação de parcelar, utilizar ou edificar, o IPTU progressivo no tempo e a desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública.

No entanto existem divergências doutrinárias quanto à natureza jurídica do IPTU progressivo, se fiscal, extrafiscal ou mesmo sanção. O presente artigo analisará o IPTU progressivo previsto no Estatuto das cidades, atribuindo a este natureza axiológica de sanção, e demonstrando que sua aplicabilidade decorre do descumprimento de um imperativo constitucional e infraconstitucional.

IPTU PROGRESSIVO

O IPTU progressivo no tempo é regulamento no ordenamento jurídico pátrio quando da promulgação da lei 10.721 de 2010, sendo que havia previsão expressa da sua utilização nos artigos 156 §1°, 182 §4° inciso II da Constituição Federal. Na lei  denominada Estatuto das Cidades, dada a importância deste instrumento, ele está previsto numa seção própria, que específica os critérios que devem ser respeitados para sua aplicação , in verbis:

“Seção III

Do IPTU progressivo no tempo

Art. 7o Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5o desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5o do art. 5o desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

§ 1o O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5o desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.

§ 2o Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8o.

§ 3o É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo.”

Analisando o artigo alhures fica evidente que para que haja a aplicação do IPTU progressivo, que é gênero do IPTU, que é o imposto predial territorial urbano, que tem caráter fiscal, sendo a competência para cobrança do município como preceitua a Constituição Federal no artigo 156, verbis:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I – propriedade predial e territorial urbana;

II – transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

 § 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:

I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e

II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.”

Pela inteligência do artigo supramencionado, em especial do §1°, infere-se que a  possível imposição do Imposto progressivo só ocorrerá se o imóvel, sobre o qual ele incidir, não estiver atendendo a função social da propriedade, que é prevista no artigo 5°, inciso XXIII, da Constituição Federal, pela posição topográfica de tal premissa legal e por está ter caráter geral, sendo uma imposição que visa o benefício coletivo, de toda à sociedade, frente a um direito que é individual e por vezes mal utilizado gerando prejuízos, ou seja, estar inserida no título da carta Magna que versa sobre os direitos e garantias fundamentais, compreende-se que ela tem caráter pétreo, e portanto tem maior relevância sobre outros dispostos legais infraconstitucionais, ou mesmo constitucionais como o direito à propriedade, posto que o sopesamento de tais princípios levaram indubitavelmente a conclusão que a função social da propriedade “regula” e limita  o direito de propriedade, tanto que possui atribuição  mitigadora do direito do proprietário gozar, usar e dispor do seu bem imóvel como bem prouver, pois para que o proprietário possa ter pleno direito sobre sua propriedade deve atender a função social, dando ao seu imóvel além da utilidade privada, uma utilidade social que venha a contribuir para a coletividade. Assim sendo a função social é limitadora do uso dado aos imóveis, sendo impositiva a sua atenção.

Ademais pelo exposto no atirgo 7° do Estatuto da Cidade fica evidente que o poder público municipal só pode lançar mão do IPTU progressivo quando não forem atendidos os prazos e ditames do artigo 5° do próprio estatuto, evidenciando o caráter sancionatório do gênero ora comentado.

Evidente que o fato gerador da cobrança do IPTU, que é ter a propriedade do imóvel em território urbano, não é o mesmo fato gerador da cobrança do IPTU progressivo, a simples propriedade, e até mesmo a posse e  domínio útil do imóvel, no caso do locatário, gera a obrigação de pagar o referido imposto, contudo a não  utilização do mesmo em acordo com o que preceitua a função social da propriedade  é que possibilita, ou melhor, pode vir a obrigar o município a instituir a cobrança do IPTU na modalidade progressiva no tempo, portanto é evidente o caráter sancionatório do imposto cobrado da forma que está instituído no Estatuto das Cidades, visto que para sua cobrança possa ser realizada existe a necessidade primordial de descumprimento da função social da propriedade, ou seja, o proprietário do imóvel, na sua utilização, está cometendo um ilícito, desrespeitando um mandamento constitucional, o que por si impõem que o poder público adote medidas para sanar e punir.

Alguns doutrinadores afirmam que não se pode conceber o IPTU progressivo no tempo como sanção, justificando  que de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, tal fato não é possível, pela leitura do artigo 3º do Código Tributário Nacional. Diz a regra do referido artigo que tributo é prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, portanto é evidente a vedação cobrança de tributo tendo como fato gerador um ato ilícito, contudo da leitura do Estatuto da cidade, corroborada com o estudo da temática, fica evidente a que para cobrança do IPTU progressivo é necessário que o proprietário do imóvel não atenda a função social da propriedade, assim sendo é mister a não atenção a um preceito constitucional para que a sanção seja aplicada.

A sanção por excelência, pelo menos no âmbito do direito administrativo tributário, é a multa, que geralmente traz uma penalidade de cunho patrimonial. O ilícito administrativo tributário, é o comportamento que resulta da inobservância de uma norma tributária, de seu inadimplemento, na situação do IPTU progressivo, não existe um ilícito tributário, mas sim um ilícito administrativo, decorrente da não observância de um ditame constitucional, regulamentado por legislação infraconstitucional, essencialmente a modalidade progressiva no tempo do IPTU não decorre do não pagamento do tributo, pois nesse caso é aplicada multa e juros, por isso é inegável o viés punitivo do instituto em comento. A sanção é imposta mediante a não atribuição de função social ao imóvel urbano, situação essa contrária ao que propugna a Constituição pátria. Portanto dado o fato temporal, que é ser proprietário de um imóvel (hipótese de incidência), deve ser a prestação (pagamento do imposto), se o contribuinte inadimplir a obrigação de pagá-lo, sua sanção será a multa, e isso tudo nada tem a ver com o cumprimento ou não da função social da propriedade. Como sabemos, a propriedade obriga seu dominus a cumprir sua função social, e sua inobservância é também ato ilícito, mas não ensejará uma multa tributária como à vista acima, mas sim a aplicação de sanções administrativas com caráter punitivo, com o intuito de fazer com que o proprietário do imóvel adimpla com suas obrigações sociais, decorrente da relação de domínio sobre o bem. Como esboçado em linhas anteriores, o caráter essencial do IPTU progressivo no tempo é punitivo, sendo que este só pode ser aplicado quando as medidas anteriores, legalmente previstas, não surtirem o efeito almejado, qual seja a efetivação da função social da propriedade do imóvel urbano, portanto é evidente a natureza sancionatória do instituto em comento.

Examinando com afinco e de maneira ampla, correlacionando diferentes ramos do direito, que possam contribuir para elucidar qual a natureza jurídica do IPTU progressivo no tempo, temos que o ilícito de não cumprir com a função social da propriedade urbana está completamente fora da hipótese de incidência norma jurídico-tributária, pois para a cobrança de do IPTU a hipótese de incidência configura-se quando o cidadão é proprietário de imóvel no território urbano durante o período de um exercício fiscal. Assim reside afastada a possibilidade de enquadramento do IPTU progressivo no tempo na categoria de tributo, mesmo que considerando que quando dá sua aplicação na modalidade em comento tenha função de tributo extrafiscal,  dada que sua hipótese de incidência ser o descumprimento à um dispositivo legal que propugna que toda propriedade deve atender a função social, caso não o faça devem ser implementadas as medidas previstas em lei para impor ao proprietário que utilize a sua propriedade segundo a conceituação da função social atribuída a ela, buscando a sua efetivação na sociedade.

É mister salientar que a previsão normativa abstrata não pode contemplar uma conduta ilícita, pois o que se tributa é a conduta lícita de ser proprietário de bem; a ilicitude está no fato jurídico constitucional administrativo de não cumprimento da função social da propriedade, e este sim, pode estar eivado de toda sorte de ilicitudes, como qualquer outro ato ilícito tem que ser combativo com um medida saneadora,  que neste caso é o IPTU progressivo

 A hipótese de incidência do IPTU já está realizada, pouco importando que no mundo físico haja a ilicitude de descumprir a função social da propriedade. Neste primeiro momento, a alíquota do IPTU está normal, com sua função fiscal; num momento posterior, seu aumento progressivo no tempo tem caráter sancionatório, mas não o imposto em si, portanto o imposto em si não é sanção, mas sua modalidade progressiva é.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O aumento progressivo no tempo da alíquota funciona como uma intervenção indireta por parte do Estado no direito de propriedade. O imposto ganha ares de sanção, mas a ilicitude não está na sua hipótese de incidência, e sim no fato jurídico tributário.

O que acontece é que no IPTU, a alíquota do imposto é majorada como sanção a ato ilícito com fundamento em um dos princípios constitucionais.

A propósito, o precioso escólio de José Afonso da Silva:

“Essas observações não retiram a importância do texto constitucional sobre a matéria, mesmo porque ele não é excludente de uma política nacional de desenvolvimento urbano nos moldes suscitados. Releva ainda sua importância o ter previsto um instrumento básico da execução, pelos Municípios, da política de desenvolvimento urbano com os objetivos fixados no art. 182.”

Não há criação de um novo tributo sancionatório, até porque este seria ilegal, padecendo de vicio na sua origem. Trata-se de situação de aplicação de um modalidade do imposto, que essência não tem natureza jurídica de tributo, como um instrumento sancionatório a disposição da administração municipal para que está possa buscar o cumprimento da função social da propriedade por parto do munícipes proprietários de imóveis urbanos.

 O poder público municipal poderá aplicar as sanções previstas pelo estatuto das cidades que é uma norma regulamentadora de um dispositivo constitucional para a conduta omissiva de não dar à propriedade função social.

O fato de o ilícito ser relevante para majorar a alíquota de um imposto sobre o patrimônio mostra como a propriedade e sua função social são importantes na ordem constitucional brasileira, quer como direitos fundamentais, quer como bases da nossa ordem econômica e social, e de forma reflexa como promotora da dignidade da pessoal humano, preceito basilar do direito pátrio. Por fim é de bom alvitre que as nossas cidades, através de seus administradores e de uma politica pública efetiva e planejada, adotem os princípios constitucionais como norteadores da sua atuação, dando efetividade aos mesmo, e percebendo que a sua não atenção pode gerar danos não só espaciais, mas principalmente sociais. A observância dos dispositivos constitucionais que versam sobre a temática do ordenamento do uso dos espaços urbanos tem por objetivo torna os lugares mais aprazíveis para a vida em sociedade.

 

Referências bibliográficas:
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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31ª Edição. São Paulo: Malheiros,2010.
RODRIGUES, Gesiel de Souza. IPTU progressivo e a função social da propriedade: requisito constitucional para fixação da exação fiscal progressiva. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, no 101. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=406> Acesso em: 26  dez. 2012.
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SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. 3 ed. São Paulo: Hucitec Editora, 1996.

Informações Sobre o Autor

Rafael Adeodato Garrido

Licenciado em História – UNEB, professor de História, Acadêmico de Direito na Universidade do Estado da Bahia (UNEB).


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Equipe Âmbito Jurídico

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