Essa questão, que não é nova, continua suscitando divergências na doutrina. Alguns autores de nomeada opõem-se à isenção prevista nos tratados e convenções internacionais em virtude do princípio inserto no art. 151, III, da CF, que veda à União instituir isenções de tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.
Na verdade, esse preceito constitucional veio apenas explicitar o que está implícito, pois é sabido que só pode isentar determinado tributo quem tem o poder de instituir aquele tributo. A faculdade prevista no § 2º, do art. 19 da Constituição Federal de 1969 (§ 2º, do art. 20 da Constituição de 1967) de a União, mediante lei complementar, decretar isenções heterônomas refletia um quadro de anormalidade jurídica em que predominava o centralismo excessivo da União. Retornando o País ao Estado Democrático de Direito, com o advento da Constituição de 1988, bastava tão somente deixar de reproduzir aquela norma da ordem constitucional precedente para que tudo voltasse à normalidade.
Dizer que a União não pode decretar isenção de imposto estadual ou municipal é o mesmo que afirmar que o Estado e o Município não podem decretar isenção de imposto federal. Por isso, a vedação expressa de a União decretar isenção de tributos alheios está a indicar, ao nosso ver, a rejeição das isenções outorgadas pela União no período de anomalia jurídica, por serem incompatíveis com o princípio federativo, que assegura a independência e autonomia dos governos regionais e locais mediante instituição, fiscalização e arrecadação de tributos de sua competência.
Mas, examinemos essa questão mediante interpretação sistemática do ordenamento jurídico.
O princípio inserto no art. 151, III, da CF está voltado para o plano interno em que a União atua como pessoa jurídica de direito público interno.
No plano internacional o Estado Federal Brasileiro é representado pela União, que por sua vez é representado pelo Presidente da República enquanto chefe de Estado, e não, enquanto chefe do Poder Executivo da União. O tratado ou convenção internacional vincula o Estado Federal Brasileiro conferindo aos contribuintes direitos e garantias na forma do § 2º, do art. 5º, da CF:
“§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Proclamando a natureza supra legal dos tratados e convenções internacionais prescreve o art. 98 do CTN:
“Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”.
Esse dispositivo do Código foi recepcionado pela Constituição de 1988, conforme pronunciamento do STF nos autos da ADI nº 1.600-8-DF. O e. Min. Min. Celso de Mello enfrentando questão ligada ao art. 98 do CTN, em seu longo e elucidativo voto declarou:
“Nem se diga, neste ponto, que os tratados internacionais firmados pela União Federal, porque veiculadores de exoneração tributária, em matéria de ICMS, seriam inconstitucionais, em face do que prescreve, em cláusula vedatória, o art. 151, III, da Constituição da República, que proíbe, à União Federal, ‘instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios’.
A vedação constitucional em causa incide sobre a União Federal, enquanto pessoa jurídica de direito público interno, responsável nessa específica condição, pela instauração de uma ordem normativa autônoma meramente parcial, inconfundível com a posição institucional de soberania do Estado Federal brasileiro, que ostenta a qualidade de sujeito de direito internacional público e que constitui, no plano de nossa organização política, a expressão mesma de uma comunidade jurídica global, investida de poder de gerar uma ordem normativa de dimensão nacional, essencialmente diversa, em autoridade, eficácia e aplicabilidade, daquela que se consubstancia nas leis e atos de caráter meramente federal.
Sob tal perspectiva, nada impede que o Estado Federal brasileiro celebre tratados internacionais que veiculem cláusulas de exoneração tributária, em matéria de ICMS, pois a República Federativa do Brasil, ao exercer o seu treaty-making power, estará praticando ato legítimo que se inclui na esfera de suas prerrogativas como pessoa jurídica de direito internacional público, que detém – em face das unidades meramente federadas – o monopólio da soberania e da personalidade internacional”. (Adin 1.600-8-DF, Rel. Min. Sydney Sanches; Rel. para acórdão Min. Nelson Jobim; Trib. Pleno, decisão por maioria de votos, vencidos os Ministros Sydney Sanches, Carlos Velloso e Marco Aurélio; DJ de 20-6-2003, Ata nº 19/2003).
Dessa forma, penso não mais caber discussão a respeito tendo em vista o pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal, intérprete máximo e guardião da Constituição Federal.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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