ISS. Regime tributário da sociedade uniprofissional sob modalidade jurídica de sociedade limitada


As sociedades de profissionais legalmente regulamentadas continuam gozando do regime de tributação fixa do ISS por força do § 3º, do art. 9º, do Decreto-lei nº 406/68 mantido pela Lei Complementar nº 116/2003. São as chamadas sociedades uniprofissionais – SUPs – , isto é, aquelas constituídas por profissionais que desempenham a mesma atividade intelectual de forma pessoal e respondendo por seus atos. São os casos de sociedades formadas por médicos, engenheiros, advogados, economistas, contadores etc.


O fisco de São Paulo vem promovendo o desenquadramento, com efeito retroativo,  dessas sociedades quando elas são compostas por sócios pertencentes a especialidades diferentes, ainda que integrantes do mesmo ramo do conhecimento científico.


Assim, para o fisco paulistano não pode um engenheiro civil associar-se com um engenheiro industrial, sob pena de descaracterização da sociedade uniprofissional.


Se isso fosse correto um advogado criminalista não poderia associar-se com um advogado tributarista. Esse procedimento do fisco paulistano não encontra amparo na jurisprudência do E. TJESP que não distingue as diversas modalidades de uma mesma área de conhecimento científico para fins tributários[1].


Outrossim, a constituição da sociedade uniprofissional sob a modalidade jurídica de sociedade limitada (art. 1.052 do CC) com registro de seu ato constitutivo na Junta Comercial, também, não é motivo para, por si só, descaracterizar a sociedade simples (art. 997 do CC), favorecida pelo regime de tributação por alíquota fixa.


Com exceção da Ordem dos Advogados do Brasil, que não permite a constituição de sociedade de advogados sob a forma de limitada, os Conselhos Regionais dos demais profissionais liberais não vedam esse procedimento.


O importante é que a sociedade profissional, simples ou limitada, seja formada por sócios da mesma habilitação profissional (inscritos no mesmo órgão fiscalizador da profissão)  que prestam serviços, de forma pessoal, responsabilizando-se pelos seus atos, sem assumir caráter empresarial.


Nesse sentido é a jurisprudência do STJ:


“Ementa


PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ISSQN. ART. 9°, §3°, DO DECRETO-LEI N.406/68. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL. RECOLHIMENTO POR QUOTA FIXA. AUSÊNCIA DE CARÁTER EMPRESARIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. INOCORRÊNCIA.


1. A divergência jurisprudencial, ensejadora de conhecimento do recurso especial pela alínea “c”, deve ser devidamente demonstrada, conforme as exigências do parágrafo único do art. 541 do CPC, c/c o art. 255, e seus parágrafos, do RISTJ.


2. À demonstração do dissídio jurisprudencial, impõe indispensável revelar soluções encontradas pelo decisum embargado e paradigma tiveram por base as mesmas premissas fáticas e jurídicas, havendo entre elas similitude de circunstâncias, sendo insuficiente para esse fim a mera transcrição de ementas (precedentes: REsp n.º425.467 – MT, Relator Ministro FERNANDO GONÇALVES, Quarta Turma, DJ de 05/09/2005; REsp n.º 703.081 – CE, Relator Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJ de 22/08/2005; AgRg no REsp n.º 463.305 – PR, Relatora Ministra DENISE ARRUDA, Primeira Turma, DJ de 08/06/2005).3. Ademais, o recurso especial interposto com esteio na alínea “c” é cabível quando a corte de origem tiver atribuído à lei federal interpretação diferente da conferida por outro tribunal, haja vista que a finalidade é justamente possibilitar a uniformização da jurisprudência dos tribunais acerca da interpretação da lei federal.4. In casu, o Município recorrente aduz que: “O acórdão oriundo da SEGUNDA CÂMARA ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE RONDÔNIA, cuja decisão se dera por unanimidade de votos, entendeu que às sociedades civis uniprofissionais, com caráter empresarial, frise-se, gozam do privilégio previsto no Art. 9°, §3°, do Decreto-Lei Federal N° 406/68 (…) Já o acórdão paradigma oriundo da SEGUNDA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, A UNANIMIDADE, assentara o entendimento segundo o qual têm direito ao tratamento diferençado ao recolhimento do tributo ISSQN as sociedades civis uniprofissionais, cujo objeto contratual se destina à prestação de serviço especializado, com responsabilidade social e sem caráter empresarial.”. 5. Ocorre que, diferentemente do alegado, o acórdão recorrido entende que é cabível o recolhimento do ISS mediante alíquota fixa justamente por não ser a sociedade requerente uma sociedade com finalidade empresarial, coadunando-se com a jurisprudência do STJ,senão vejamos:”Com efeito, a sociedade simples constituída por sócios de profissões legalmente regulamentadas, ainda que sob a modalidade jurídica de sociedade limitada, não perde a sua condição de sociedade de profissionais, dada a natureza e forma de prestação de serviços profissionais, não podendo, portanto, ser considerada sociedade empresária pelo simples fato de ser sociedade limitada. É exatamente o caso da apelada. Extrai-se do contrato social que a sociedade é composta por dois médicos e seu objeto é a exploração, por conta própria, do ramo de clínica médica e cirurgia de oftalmologia e anestesia. Como frisado na sentença, apesar de registrada na Junta Comercial, a apelada tem características de uma sociedade simples, porquanto formada por apenas dois sócios, ambos desempenhando a mesma atividade intelectual de forma pessoal e respondendo por seus atos. Diante desses elementos, entendo que a sociedade simples limitada, desprovida de elemento de empresa, atende plenamente às disposições do Decreto-lei n. 406/68, e, em relação ao ISS, devem ser tributadas em valor fixo, segundo a quantidade de profissionais que nela atuam. (…) Assim, verificada que a apelada preenche os requisitos das sociedades uniprofissionais, uma vez que assim caracteriza-se toda aquela sociedade formada por profissionais liberais que atuam na mesma área, legalmente habilitados nos órgãos fiscalizadores do exercício da profissão e que se destinam à prestação de serviços por meio do trabalho pessoal dos seus sócios, desde que não haja finalidade empresarial, impõe-se a manutenção da sentença que lhe garantiu o direito de recolher o ISS mediante alíquota fixa, em conformidade com o Decreto-lei n. 406/68, bem como em compensar a quantia paga a maior.” 6. Agravo Regimental desprovido”. (AgRg no Resp nº 1.205.175 – RO (2010/0145557-0), Rel. Min. Luiz Fux, DJe: 16/11/2010).O registro do ato constitutivo da SUP na Junta Comercial só descaracteriza a tributação pelo regime de alíquota fixa se a sociedade revestir caráter empresarial, isto é, se os sócios passarem a atuar como empresários. O conceito de empresário está expresso no art. 966 do Código Civil:

“Art. 966 – Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.


Parágrafo único – Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”.


Por expressa previsão do parágrafo único estão excluídos do conceito de empresário os exercentes de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, salvo se o exercício da profissão constituir-se em elemento da atividade organizada em empresa. É o  caso, por exemplo, de um farmacêutico que a par de aviar as receitas médicas mantém um estabelecimento destinado a comercializar remédios. Outro exemplo: um médico mantém comercialmente um SPA onde exerce, também, a sua profissão de médico para atender os freqüentadores do SPA. A presença de auxiliares ou colaboradores igualmente não descaracteriza a SUP. Essas pessoas limitam-se a exercer uma atividade-meio para que os sócios, profissionais legalmente regulamentados, possam prestar o serviço especializado (atividade-fim). Parece patente que a colaboração de terceiros a título de atividade-meio para atingir a atividade-fim não descaracteriza os serviços de natureza pessoal executados pelos sócios que assumem a responsabilidade pela prestação de tais serviços.


Notas:


[1] Ap. Civ. c/ Revisão nº 509.500-5/1-00, Rel. Des. Eulálio Porto, j. em 8-5-2008; Ap. MS c/ Revisão nº 563.951.5/4-00, Rel. Des. Yoshiaki Ichihara, j. em 27-7-2006.

 


Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


Equipe Âmbito Jurídico

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