A Constituição de 1988 cindiu o antigo imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos que era de competência impositiva estadual. Ficou inserida na competência tributária dos Municípios a transmissão inter vivos e a título oneroso de bens imóveis e de direitos a eles relativos, sem a tradicional limitação de alíquota máxima pelo Senado Federal. Outrossim, foi atribuída competência impositiva aos Estados-membros o imposto sobre a transmissão causa mortis, bem como sobre a transmissão inter vivos, a título gracioso, de quaisquer bens ou direitos, conferindo-se competência ao Senado Federal para fixação de alíquotas máximas.
No que se refere ao imposto estadual houve nítida ampliação de sua base de incidência, pois passou a incidir sobre a transmissão causa mortis de bens de qualquer natureza, assim como sobre a transmissão inter vivos, a título gratuito, desses bens, tudo conforme dispõe o art. 155, I, da CF.
O Senado Federal fixou a alíquota máxima desse imposto em 8%, conforme Resolução nº 9, de 5-5-1991, diante da competência que lhe foi conferida pelo art. 155, § 1º, IV, da CF.
O objetivo desse artigo é o de saber se em face do disposto no § 1º, do art. 145, da CF, da Resolução nº 9 do Senado Federal e da jurisprudência o ITCMD pode ou não ter alíquotas progressivas.
Em tese, a progressividade pode fundar-se, tanto no valor do quinhão que cada herdeiro receber, como em relação à distância das vocações hereditárias, de sorte a onerar com alíquotas maiores os herdeiros mais distantes dessa vocação hereditária.
Passemos ao exame do tema.
Dispõe o § 1º, do art. 145 da CF:
“Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir
À luz da doutrina clássica, que adotava a divisão de impostos em impostos de natureza real e de natureza pessoal, firmou-se a jurisprudência no sentido de que imposto de natureza real não pode variar em razão da presumível capacidade contributiva do sujeito passivo (RE nº 234.105, Rel. Min. Carlos Velloso, Informativo STF, de 14-4-1999). No que tange ao ITBI, o STF editou a Súmula 656 considerando inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas com base no valor venal do imóvel.
No exame desse tema é preciso atentar para os seguintes fatos:
a) Não há lei classificando os impostos em reais e pessoais;
b) Não há mais nitidez na classificação da doutrina antiga que elegia como protótipos de imposto de natureza real o IPTU e o ITR, ao passo que, o imposto de renda das pessoas físicas era tido como protótipo de imposto de natureza pessoal. O exame das legislações tributárias federal e municipal revela que o legislador não mais se atém à classificação doutrinária. A própria Súmula 539 do STF[1] é indicativa de que a legislação do IPTU pode levar em conta os aspectos subjetivos do contribuinte para atenuar a carga tributária.
c) Imposto de natureza real ou pessoal pouco importa, o fato é que a obrigação de pagar o imposto é sempre de natureza pessoal. Por isso, a Constituição Federal faz alusão a “capacidade econômica do contribuinte” que outra coisa não é senão aquilo que a doutrina chama de capacidade contributiva.
O Senado Federal, também, entendeu não haver vedação constitucional à tributação progressiva do ITCMD ao fixar a alíquota máxima em 8% e facultar à legislação estadual a instituição de alíquotas progressivas em função do quinhão que cada herdeiro receber (arts. 1º e 2º, da Resolução nº 9, de 5-5-1991).
O mais importante, contudo, é que o STF está sinalizando mudança de entendimento nessa matéria, ou seja, de que nos impostos de natureza real não são relevantes os aspectos subjetivos do contribuinte para dosar a carga tributária.
Aliás, apenas o exame detido de todos os aspectos do fato gerador da obrigação tributária possibilitará a identificação da natureza real ou pessoal do imposto.
A Corte Suprema está julgando atualmente o RE nº 562.045/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski no qual foi reconhecida a existência de repercussão geral[2]. Contra o voto do Relator que entendia descabível a progressividade do ITCMD quatro votos já foram proferidos em sentido contrário (Ministros Eros Grau, Menezes de Direito, Carmen Lucia e Joaquim Barbosa), encontrando os autos com vista para o Min. Carlos Britto.
A classificação doutrinária em impostos reais e pessoais tem o sentido de mera recomendação ao legislador que de há muito a desprezou, tendo em vista que os impostos deixaram a neutralidade, servindo como instrumento de distribuição da justiça social e de intervenção estatal.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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