Foi o santista e
jornalista Saulo Ramos que, escrevendo na “Folha”, na véspera dos 40 anos da
renúncia de Janio, conta o erro jurídico a que foi
levado o renunciante presidente e que lhe custou o sonho de ser um ditador
tropical. Renunciou – e este é um ato unilateral de vontade, que não
exige apreciação pelo Congresso.
O plano era que, enquanto
convocados os deputados e senadores para apreciação do ato, o povo o exigisse
no poder. E ele, como seu ídolo De Gaulle,
assumisse fortalecido. E Mansur, renunciou quando
aceitou a posse do vice sem que tivesse pedido licença? Só nessa condição
poderia ter sido legitimado o veto às catracas de Pestana. Como voltou, não
abriu mão do cargo – e o veto é ilegal. Ou teríamos dois prefeitos.
Como se vê, erro jurídico
não é privilégio do prefeito Mansur, o vicentino, que
pode perder o cargo pela ausência sem licença: já existe ação neste sentido. O
ex-prefeito Justo não cometeria o erro, nunca perdeu uma demanda – porque tinha
ao seu lado um consultor jurídico, o secretário Écio Lescreck. Mas agora, temos do outro lado a maior empresa de
transporte coletivo do mundo. É briga de leão, que não há de temer a Justiça.
O pecado dos advogados de Janio fez com que Auro de Moura Andrade, Presidente do
Senado, declarasse, ato contínuo, a vacância do cargo.
E como o vice João Goulart estava na China, empossasse Ranieri Mazzili na Presidência da República. Após resistência dos
militares e dos “podres poderes” da velha oligarquia – aliada dos
norte-americanos -, o vice, que havia sido ministro do Vargas populista, tomou
posse.
Foi possível crescer com a
democracia popular de Jango, que seria derrubado pelos gorilas de 64 – forças
que já haviam derrubado Vargas e tentado remover Juscelino, na “Rebelião de Aragarças”, em 1950. E o que é a história: tomariam o poder
com um presidente eleito e reeleito!
Após renunciar querendo
ficar, Janio passou alguns dias no aprazível Guarujá
e embarcou para a Inglaterra. Voltaria, não faltando tempo, ainda, para algumas
das estrepolias deste marcante matogrosessense
de Vila Maria – onde tinha uma casinha, dizia. Inclusive a de concorrer em
eleições pelo antípoda PTB – e, em outra, derrotar Fernando Henrique nas
eleições à Prefeitura paulistana, em 1985. Isto após uma vida de meteórica
ascensão nos patamares da República.
Saibamos, o meteoro janista teve pés de barro: seu primeiro cargo, o de
vereador, só foi possível com a cassação dos comunistas em 1948, eleitos para
as câmaras municipais, com grande expressão, em todo o país. Foi um ato
arbitrário do Governo Dutra no início da “Guerra Fria”, mais uma “pérola” da
direita em favor da desorganização social e da catástrofe nacional e
mundial, como de costume da política do tacape.
Mas voltando a Santos, Mansur, o vicentino, prefeito daqui, viajou sem pedir
licença do cargo, como sempre fez – desde o tempo em que incompatibilizava com
a vice e doce Elisa, no primeiro mandato. Nunca permitiu que ela assumisse, como não permitiu Papa. Contam, inclusive,
pessoas que estavam lá, que sabendo que Elisa ocupara seu gabinete, em uma
destas ausências, determinou expressamente por telefone que ela não assinasse
nada, pois ela não era prefeita e sim vice. Logo, artigo 82 do Código Civil
nele: faltou o “agente capaz” ao pseudo-veto!
Portanto, o prefeito sabe
da ilegalidade do pseudo-veto,
mas está tentando salvá-lo: poderia ele, no exercício do cargo, dividi-lo com
seu vice, sem que tivesse se afastado? Papa não poderia assumir um
cargo ocupado, o de prefeito, e nem assinar atos – e sequer deixou de ser
secretário. Mansur utilizou a inexperiência e passou
a “cruz” do veto às catracas “no colo” do vice. E Papa assumiu essa situação,
provavelmente autorizado por seu líder Oswaldo Justo, que não fez as antigas
consultas a Écio.
Aconteceu que Mansur, o vicentino, desejou ficar mais na Europa e era
preciso assinar o veto ao Projeto de Lei de Ademir Pestana, que recolocavam as
catracas no meio do ônibus – havia o prazo de 15 dias. Ou se inviabilizaria o
mesmo sistema já implantado em toda a Baixada Santista pela mesma empresa, a
retirada do cobrador com a redução de custos – e a empresa reclamaria. E Mansur mandou Papa assinar, mesmo sem ser prefeito, pois o
titular estava ausente, se dizia em “férias” que não marcou e nem pediu à
Câmara, como determina a Lei Orgânica.
O vice assinaria, ainda,
um pseudo-decreto, o 3.758,
garantindo a retirada do cobrador em 12% das linhas. Ferindo, entre outras, as
normas que preservam a saúde do trabalhador, pois o módulo que o motorista tem
que operar fica a 135º do banco de direção. Mantendo também o chiqueirinho, as
catracas na porta que mataram Claudia Celico há 15
anos – e tem causado acidentes diários -, em 60 a 70% dos coletivos.
Papa assinou um documento
feito às pressas com data errada – é datado do dia 11 de junho e o Projeto só
foi aprovado no dia 18. Determinando uma ilegalidade, como autorizar a
circulação de ônibus sem cobrador (a lei proíbe a dupla função do motorista).
Assinando como “vice-prefeito no exercício do cargo”, sem dizer que cargo era
esse, por óbvio. Os argumentos do pseudo-veto eram
ainda piores: “inconstitucionalidade” – interpretaram o artigo errado da LO, o
58 em vez do 151 – e “interesse público”, o que
sugeriu ser uma brincadeira. Como, se a população clamava e clama na imprensa
contra o chiqueirinho, com abaixo assinados de mais de 5 mil pessoas?
A ilegalidade do veto e do
decreto foi arguida pela Ação Popular do vereador
Ademir Pestana, através do advogado Mauricio Cury – com argumentos no Código
Civil e em Hely Lopes Meirelles, entre 36 páginas de
farta argumentação. Apesar do eminente mestre e constitucionalista Eleutério
Dutra, diretor jurídico da Câmara, ter opinião divergente – entre outros
mestres favoráveis -, como o mestre Denis Fiúza e a maioria dos notáveis
consultados, venceram estes últimos: ingressamos com a Ação Popular em defesa
de direitos populares, com a imediata concessão de liminar pelo Juiz José
Victor Teixeira de Freitas, suspendendo os efeitos do veto e do decreto -–
determinando-se, a partir daí, a imediata sanção da Lei.
Vencido o prazo para que a
sanção fosse feita pelo prefeito, manda a lei manda seja ela promulgada pelo
Presidente da Câmara. Ao que se negou Jama, assim
como o vice Barbosa – que embora dissesse que era “do morro” e se dispusesse a
fazê-lo, publicamente, retraiu-se e não o fez. Neste período de desobediência
legal, a Prefeitura recorreu em defesa da concessionária, ausentes os
benefícios dos atos da empresa em relação às catracas, caracterizando a defesa
de interesses privados. E obteve a suspensão da liminar no Tribunal, a tempo.
Que fiquem os chiqueirinhos!
O juiz Márcio Martins
Bonilha levou em conta o perigo (“periculum in
mora”) da empresa, caso se devolvessem as
catracas ao lugar original, sem levar em conta o “periculum”
dos usuários diáriamente acidentados. E suspendeu a
liminar. O Governo Municipal, então, anunciou no seu Diário Oficial: “Justiça
reconhece legalidade dos atos do vice-prefeito”, pervertendo os fatos: não era
bem assim.
O Governo argumentou que o
artigo 56 não obrigava ao pedido de licença antes de 15 dias de ausência do
Prefeito. Sim, mas também não passa o cargo. Como não podemos ter dois
titulares, um aqui outro viajando – a “modernidade” ainda não atingiu o Direito
Público -, como obtivemos certidão de que o prefeito não pediu licença à
Câmara, talvez estejamos, com nossa ação em defesa do interesse popular,
criando uma jurisprudência inédita no país. Não há outro caminho na análise do
mérito, em nosso entendimento, senão a anulação de todos os atos do vice.
Diante de tal quadro, o
vereador Ademir Pestana, está animado com o amplo apoio popular de seu projeto,
ultrapassando as expectativas mais otimistas, típicas do enfrentamento das
questões concretas e diretas do dia a dia do cidadão urbano. Consciente das
ilegalidades da atitude empresarial aceita pelo Governo, está questionando a
empresa na Delegacia do Consumidor, no Ministério Público do Trabalho, por
infrações ao Código de Trânsito Brasileiro (artigo 28), além do Código
Brasileiro de Operações, entre outras denúncias – inclusive as fraudes nas
demissões dos trabalhadores da empresa.
Diga-se de passagem: os
antigos cobradores e atuais “apoiadores do usuário” nos pontos de ônibus, de
jalecos amarelos, vendem passagens para o transporte local e intermunicipal.
Mas estão em nossa planilha de custos, nós os pagamos. E isso é ilegal. Mas
ilegalidade pouca é bobagem.
E mais: maquilagem de produto, na
manutenção do preço com redução do serviço, Lei estadual de 1985 (4953)
proibindo o “chiqueirinho”, do deputado José Cicote –
relator Nelson Fabiano – fazem parte de um exaustivo relato de infrações
admitidas. O poder de razão há de ter expressão – ou será inviável a
sociedade assentada no Direito, quando admitirmos que todos são
iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros, como na fábula de Orwell, em função do poder e da propriedade.
jornalista, historiador pós-graduado e quintanista de Direito, diretor jurídico do Diretório Central dos Estudantes da Unisantos.
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