Resumo: trata-se da análise da interferência do poder judiciário (que não é especializado em matéria eleitoral) no processo eleitoral.
Sumário: 1. O papel da Justiça Eleitoral 2. A judicialização das eleições 3. conclusões
Existe verdadeira democracia quando a vontade popular é substituída pela vontade emanada de decisão da Justiça Eleitoral? Noutras palavras, existe verdadeira democracia quando os cidadãos eleitores são substituídos por eleitores togados?
A proposta lançada neste artigo, é discutir, sem diminuir o relevante papel da Justiça Eleitoral para a consolidação do regime democrático no Brasil, as deficiências do aparato instrumental (refiro-me à legislação eleitoral) que, por serem punitivos e não preventivos, mais agridem que evitam deformações do processo eleitoral.
A cidadania é um dos fundamentos do Estado Democrático, tal como preconiza o inciso II, do art.1º, da Constituição da República, regra reforçada pelo parágrafo único do art. 1º da mesma Constituição, que estabelece que o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. Ainda no art. 14, da Constituição republicana, a garantia de que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos.
A soberania é popular, pois o poder tem como característica o fato de pertencer ao povo em sua universalidade, advertindo Fávila Ribeiro[1] que todos os indivíduos que compõem uma nação detêm parcela do poder de autodeterminar-se:
“Se a soberania for subtraída do povo em sua universalidade, sendo assumida por apenas uma ou algumas classes, somente elas são livres, porque podem traçar seu próprio destino e o destino político alheio, ficando os demais segmentos excluídos da soberania a mercê de ocasionais impulsos dadivosos ou de incontroláveis indisposições das camadas dirigentes.”
Assim, a partir de casos concretos é possível verificar que o exagero de recursos e de interpretações de normas eleitorais leva o processo eleitoral a uma perigosa “judicialização das eleições”, onde a força decisória é transferida do povo ao juiz togado, pois a escolha a partir do voto passa a ser passível de anulação e a última escolha passa a ser exclusiva ao Poder Judiciário.
Daí a temática desta discussão: Há deformação da democracia quando o eleito não é empossado, vale dizer, quando a Justiça Eleitoral empossa o segundo colocado ? A inexistência e/ou insuficiência de instrumentos fiscalizatórios adequados, pervertem o regime democrático quando as sanções às deturpações do processo eleitoral são meramente punitivas ? Quem sofre a punição: o povo ou aquele que contribuiu para a perversão do processo eleitoral ? Qual a legitimidade do processo eleitoral quando são eleitos aqueles que sequer possuem o registro de candidatura ? E qual a legitimidade do processo eleitoral quando o deferimento do registro de candidatura é confiado ao Poder Judiciário que se vê conflitante na interpretação da lei ?
1.Brevíssimo histórico da Justiça Eleitoral no Brasil
Se é correto afirmar que o livre exercício do voto surgiu, no Brasil, com os primeiros núcleos de povoadores, logo depois da chegada dos colonizadores portugueses acostumados a eleger os administradores das vilas e cidades que fundavam, não menos certo é afirmar que o verdadeiro resultado das urnas só foi, de fato, verificado, após a criação da Justiça Eleitoral.
As eleições para os administradores locais foram realizadas até a Independência do Brasil, sendo que o primeiro registro histórico data de 1532, quando das eleições para Conselho Municipal da Vila de São Vicente-SP.
Em 19 de junho de 1822 foi publicada a primeira lei eleitoral brasileira, que regulamentava a escolha de uma Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, a qual, eleita após a Proclamação da Independência, elaborou a Constituição do Império, outorgada em 1824.
Com efeito, o processo eleitoral, como conjunto de atos destinados à realização das eleições populares, deve sofrer controle, para que possa refletir a vontade do povo manifestada nas urnas.
São conhecidos três sistemas de controle do processo eleitoral: a) o da verificação dos poderes; b) o do controle por órgão jurisdicional; e c) o eclético.
Pelo sistema da verificação dos poderes, entrega-se aos órgãos legislativos competência para verificar a vontade do corpo eleitoral, conforme afirma Rosah Russomano[2]. Assim, segundo o autor, a prerrogativa parlamentar deixou um dogma fundamental: “cada Câmara seria o único juiz da elegibilidade e da regularidade das eleições de seus próprios membros”.
A justificativa para a adoção de tal sistema está na afirmação da independência do Legislativo e, no Brasil, ele foi adotado até 1930, com a peculiaridade da corrupção que proporcionava, já que os chefes políticos é que decidiam em definitivo sobre a eleição dos membros do Legislativo, visto que não era possível recurso ao Judiciário.
O sistema judicial de controle do processo eleitoral impõe a verificação da legalidade eleitoral mediante a criação de um órgão jurisdicional encarregado dessa delicada missão. A vantagem desse sistema é a imparcialidade, vale dizer, os órgãos do Judiciário, em especial os juízes, possuem garantias para manter independência em relação aos outros Poderes do Estado, o que garante ao processo eleitoral maior imparcialidade e independência nas decisões.
O terceiro sistema de controle do processo eleitoral – o eclético – caracteriza-se pela possibilidade de recurso das decisões do Parlamento, ou de outro órgão instituído para organização e controle regular de eleições, a um Tribunal Especial, composto com pessoas vindas de outros órgãos, inclusive do próprio Poder Judiciário, conforme ensina Paula Filho[3].
Desde a Revolução de 1930, o Brasil adotou o sistema judicial de controle do processo eleitoral, pois, como afirma Clémerson Merlin Cléve[4] “a história política brasileira exigia um processo de controle eleitoral imparcial, desinteressado e apolítico. Apenas o Poder Judiciário poderia satisfazer essas exigências. Daí porque a escolha, por nosso país, do modelo jurisdicional de controle das eleições”.
O Brasil, portanto, é um dos poucos países do mundo que possui um aparato jurídico-administrativo permanentemente voltado para a realização de eleições, e presente em todas as fases do processo, desde o cadastramento dos cidadãos aptos a votar à diplomação dos eleitos, passando pelo julgamento das matérias que envolvem Direito Eleitoral. Criada em 1932 pelo Código Eleitoral, a Justiça Eleitoral passou a ser responsável por todos os trabalhos eleitorais – alistamento, organização das mesas de votação, apuração dos votos, reconhecimento e proclamação dos eleitos, contribuindo para a efetivação do regime democrático no Brasil.
2. Análise de casos: a judicialização das eleições
Seja através do instituto da Reclamação, seja através da interposição de Medida Cautelar ou Recurso Extraordinário em face de decisões inferiores, competirá ao Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição da República, a última palavra sobre a aplicação a questão constitucional envolvendo inúmeros aspectos que circundam o processo eleitoral.
A recente questão da aplicação imediata ou não da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010) é exemplo disso.
Nos autos da reclamação constitucional nº 10.604 – DF, proposta por Joaquim Domingos Roriz, contra acórdão proferido pelo Tribunal Superior Eleitoral nos autos do RO 16660-DF e por ocasião de Acórdão que manteve o indeferimento do registro de candidatura do reclamante pela aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa, o Ministro Ayres Britto julgou improcedente a Reclamação em 08.09.2010.
Versava a reclamação que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao manter indeferimento do registro da candidatura do reclamante ao cargo de governador do Distrito Federal, teria desrespeitado diversas decisões do STF, relacionadas à aplicação do artigo 16 da Constituição, mas o Ministro Relator que os precedentes citados na Reclamação não se aplicam ao caso, pois não trataram especificamente de hipóteses de criação legal de condições de elegibilidade de candidatos a cargos públicos, como o fez a Lei Complementar 135/2010, a Lei da Ficha Limpa.
Claro que em termos Regimentais, o julgamento da reclamação é da competência do Plenário, conforme determina o art. 6o, I, “g”, do RISTF:
“Art. 6o – Também compete ao Plenário: I — processar e julgar originariamente: (…) “g” — a reclamação que vise preservar a competência do Tribunal ou a garantir a autoridade das suas decisões”. Quanto ao Superior Tribunal de Justiça, o julgamento da reclamação compete à Corte Especial, segundo o disposto no art. 11, X, do RISTJ: “Art. 11 – Compete à Corte Especial processar e julgar: (…) X — as reclamações para a preservação de sua competência e garantia de suas decisões.”
Tendo os autos da reclamação distribuído (art. 60 do RISTF) ao ex-Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, outra decisão dele não se esperava que não o da improcedência da reclamação. Porém, sendo certo que as reclamações gozam de prioridade no julgamento pelo Plenário (art. 145, VII, do RISTF), aguarda-se o desfecho célere da questão constitucional que envolve a aplicação imediata ou não da Lei da Ficha Limpa.
No entanto, o fato de que as eleições irão transcorrer indefinidas até o pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal, envolvendo inúmeras candidaturas que são mantidas por conta e risco não só dos próprios candidatos como também de todo o sistema eleitoral, colocando em xeque a vontade soberana dos eleitores manifestada pelo voto, evidencia a importância do problema proposto: o da judicialização das eleições.
Não só quanto a questão da aplicação da Lei da Ficha Limpa, mas tantas outras questões que envolvem o processo eleitoral e que evidenciam que a vontade dos eleitores pode não ser a última e muito menos a soberana.
Partiremos de alguns casos.
2.1 A questão da posse do segundo colocado.
Quando o eleito é cassado e não chega a sequer tomar posse, por corrupção eleitoral, por exemplo, presumem-se duas coisas: a) que o processo eleitoral foi ilegítimo e b) que os órgão de fiscalização falharam em sua missão constitucional.
É a hipótese, por exemplo, de julgamento de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral antes da diplomação, mas depois do resultado do pleito.
O Julgamento da procedência da AIJE antes da diplomação dos eleitos gera a cassação do registro, independentemente do trânsito em julgado da decisão.
“O julgamento de procedência da AIJE anterior à diplomação dos eleitos gera a cassação do registro de candidatura, independentemente de seu trânsito em julgado” (AgR-AI nº 10.963/MT, Rel. Min. Felix Fischer, DJe de 4.8.2009; AgRg-MS nº 3.567/MG, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 12.2.2008).
Isso em muito evidencia que não há instrumentos preventivos suficientes para evitar a corrupção eleitoral, de modo que os instrumentos jurídicos postos à disposição terminam sendo punitivos e utilizados depois que o fato já foi consumado, punindo não só o eleito, mas grande parcela do próprio eleitorado.
A lei eleitoral elenca uma série de instrumentos de fiscalização, a fim de evitar a corrupção eleitoral, mas todos eles, em verdade, são punitivos e não preventivos, permitindo, em alguns casos, a posse do segundo colado no pleito, o que contraria a vontade popular materializada no voto.
Poderíamos citar como exemplos:
a) a obrigatoriedade de registro contábil de todo movimento financeiro da campanha, observando que o uso de recursos financeiros para pagamentos de gastos eleitorais que não provenham da conta específica implica a desaprovação da prestação de contas do partido ou candidato e, comprovado abuso de poder econômico, será cancelado o registro da candidatura ou cassado o diploma, se já houver sido outorgado.
A ausência ou falha da contabilidade da campanha poderá levar, ainda à rejeição das contas de campanha, hipótese em que a Justiça Eleitoral poderá remeter cópia de todo o processo ao Ministério Público Eleitoral para os fins previstos no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, o que significa no ajuizamento de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político. Nesta hipótese, julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou.
b) a proibição de certas práticas (condutas vedadas) aos agentes públicos tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais, tais como: ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária; usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram; ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado; fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público; autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral.
Nesses casos de descumprimento de qualquer das condutas vedadas pelos incisos do caput do art. 73 da Lei Eleitoral, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma.
c) a infringência do disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal que cuida da promoção pessoal. A publicidade não institucional de atos, programas, obras e serviços, aquela que não tem caráter educativo, informativo ou de orientação social (quando na publicidade a evidencia maior é a do agente, pois na publicidade consta nomes, símbolos ou imagens que caracterizam promoção pessoal), configura abuso de autoridade, para os fins do disposto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, ficando o responsável, se candidato, sujeito ao cancelamento do registro ou do diploma.
d) A proibição voltada ao agente, nos três meses que antecederem as eleições, de contratarem, na realização de inaugurações, shows artísticos pagos com recursos públicos, sob pena de o candidato ficar sujeito à cassação do registro ou do diploma.
e) a proibição voltada a qualquer candidato de comparecer, nos 3 meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas, sob pena de sujeitar-se à cassação do registro ou do diploma
Veja-se que em todas estas hipóteses, a intervenção judicial é punitiva, não havendo mecanismos de controle preventivo e apenas sancionador das infrações.
Com isso, fica instituído, no Brasil, o “terceiro turno” das eleições. Agora não mais no campo ideológico e programático de convencimento do eleitor, mas no campo da tese jurídica.
Todos nós aguardamos ansiosos que a Justiça Eleitoral endireite a nossa democracia. Mas porque aguardar o Poder Judiciário: o povo, por si só, é incapaz de dar rumo certo à democracia?
Porque delegar ao Judiciário parcela indelegável da soberania popular ?
É lamentável observar que tenhamos que delegar ao Poder Judiciário aquilo que deveria ser submetido apenas ao crivo do eleitor, cidadão comum e sem toga.
É lamentável que a democracia brasileira tenha que conviver, em muitos casos, com o governo de derrotados nas urnas, daqueles que não tendo sido eleitos pelo povo, foram escolhidos por uma eleição indireta feita pelos eleitores togados.
Quem perdeu a disputa, por mais ilegítima que a disputa tenha sido, perdeu as eleições e só por isso não representa a vontade da maioria.
Por isso, somente nova eleição legitima o processo e não a escolha indireta dos juízes.
Exatamente esse é o objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.222, em curso perante o Supremo Tribunal Federal, ajuizada pelo PSB contra entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, em que o relator é o eminente Ministro Celso de Mello.
Na ADI, o PSB pede que o Supremo dê interpretação conforme a Constituição ao artigo 224 do Código Eleitoral, para que seja convocada nova eleição, direta ou indireta, conforme o disposto no artigo 81 da Constituição, nas hipóteses de cassação de presidente, governador ou prefeito de municípios com eleitorado superior a 200 mil eleitores, eleitos em primeiro ou em segundo turno – caso em que terão obtido mais da metade dos votos, descontados os votos em branco e os nulos.
São citados, na ação, como exemplos, as eleições para o governo da Paraíba em que Cássio Cunha Lima fora cassado pelo TSE, em decisão que mandou empossar o segundo colocado na eleição ao governo em 2006, José Maranhão. Outro exemplo citado foi a decisão pela cassação de Jackson Lago, governador do Maranhão, e a diplomação e posse da segunda colocada, Roseana Sarney. Cita-se, ainda, o caso do governador Mão Santa, do Piauí, eleito em 1998, no segundo turno, e cassado em 2001. Na ocasião, a Justiça Eleitoral declarou nulos os votos do vencedor, que representava mais de 52% dos votos válidos no segundo turno, e determinou a diplomação de Hugo Napoleão, candidato derrotado no pleito.
Em todos os casos, a decisão judicial substitui e desrespeita a vontade do povo e permite a posse dos perdedores
2.2 A questão da judicialização do registro de candidatura
Qual a legitimidade do processo eleitoral quando são eleitos aqueles que sequer possuem o registro de candidatura ?
Vamos partir de alguns casos concretos onde se evidencia e repercute a problemática em relação às eleições majoritárias e em relação às eleições proporcionais.
2.2.1. Na eleição majoritária
O candidato a Chefe do Executivo e a Vice são registrados numa única chapa. Daí o problema.
Imaginemos que qualquer dos dois tenha indeferido seu registro, mas, mesmo assim, pretenda participar do pleito. Imaginemos, ainda, que ao final do processo eleitoral e tendo sido eleito, não consegue convalidar seu registro. O que acontece ? O vice toma posse ? Toma posse o segundo colocado ? Tem que ter novas eleições ?
Depende.
Vigora nas eleições majoritárias o princípio da indivisibilidade da chapa.
Significa dizer que o indeferimento do pedido de registro de candidato a Chefe do Executivo somente não prejudica o registro do vice com ele registrado (regra que também vale no caso de indeferimento do registro do vice em relação à prejudicialidade do registro do Chefe do Executivo) desde que o indeferimento do pedido de registro tenha ocorrido antes das eleições e que haja a devida substituição no prazo legal.
Vale dizer, o partido, após o indeferimento do registro de qualquer da chapa ao cargo majoritário, tem a faculdade de substituir o titular, sem qualquer prejuízo ao outro cujo registro não fora rejeitado. Entretanto, não se valendo da faculdade de substituição do candidato cujo registro foi indeferido, a cassação do registro ou diploma do titular, após o pleito, atinge também o seu vice, perdendo este, também, o seu diploma. A mácula, neste caso, atinge a chapa como um todo. Isso com fundamento no princípio da indivisibilidade da chapa única majoritária, prevista no caput do art. 91 do Código Eleitoral e no § 1º do art. 22 e caput do art. 45 da Resolução-TSE nº 21.608/2004
Tal tese é a que se vê do voto do Ministro Relator Carlos Ayres de Britto no Recurso Especial Eleitoral nº 25.586/SP de 26.10.2006:
“Ora bem, em harmonia com o entendimento desta nossa Corte Superior, o art. 18 da LC nº 64/90 é aplicável aos casos em que o titular da chapa majoritária teve seu registro indeferido antes das eleições. Assim, o partido tem a faculdade de substituir o titular, sem qualquer prejuízo ao vice. Entretanto, a cassação do registro ou diploma do titular, após o pleito, atinge o seu vice, perdendo este, também, o seu diploma, porquanto maculada restou a chapa. Isso com fundamento no princípio da indivisibilidade da chapa única majoritária, prevista no caput do art. 91 do Código Eleitoral e no § 1º do art. 22 e caput do art. 45 da Resolução-TSE nº 21.608/2004.”
No mesmo sentido, diversos outros pronunciamentos do TSE:
“Recurso especial. Eleição 2000. Representação. Conduta vedada. Propaganda institucional (art. 73, VI, b, da Lei no 9.504/97). Quebra do princípio da impessoalidade (art. 74 da Lei no 9.504/97, c.c. o art. 37, § 1º, da Constituição Federal). (…) Tratando-se de conduta vedada, que macula o próprio pleito, havendo relação de subordinação do vice-prefeito ao prefeito, também aquele sofre as conseqüências da decisão (Ac. nº 15.817, 6.6.2000). Recurso conhecido e a que se dá provimento para cassar o diploma do prefeito, estendendo-se a decisão ao vice-prefeito.” (Ac. nº 21.380, de 29.6.2004, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.)
Todavia, a realização de novas eleições está condicionada ao comprometimento de mais da metade dos votos válidos daquela eleição, conforme tem decidido o TSE:
“Recurso especial eleitoral. Ação de investigação judicial eleitoral. Captação ilegal de sufrágio (art. 41-A da Lei no 9.504/97). 1. Sentença que cassou o prefeito e determinou a diplomação do vice. Correção pelo TRE. Possibilidade. Efeito translativo do recurso ordinário. (…) 3. O TSE entende que, nas eleições majoritárias, é aplicável o art. 224 do CE aos casos em que, havendo a incidência do art. 41-A da Lei no 9.504/97, a nulidade atingir mais de metade dos votos. Recursos providos em parte para tornar insubsistente a diplomação do segundo colocado e respectivo vice e determinar que o TRE, nos termos do art. 224 do CE, marque data para a realização de novas eleições.” NE: “(…) O efeito translativo do recurso ordinário, conforme previsto no art. 515, § 1o, do CPC, aplicado subsidiariamente aos processos que tramitam na Justiça Eleitoral, autoriza a correção pelo TRE, de questão atinente a matéria de ordem pública, no caso a subordinação jurídica do vice-prefeito a que decidido em relação ao prefeito.” (Ac. nº 21.169, de 10.6.2003, rel. Min. Ellen Gracie.)
Se, no entanto, o registro for indeferido ou até mesmo cassado antes do pleito, é possível a indicação de substituto ao candidato:
“Nos casos em que há cassação do registro do titular, antes do pleito, o partido tem a faculdade de substituir o candidato. Todavia, se ocorrer a cassação do registro ou do diploma do titular após a eleição – seja fundada em causa personalíssima ou em abuso de poder –, maculada restará a chapa, perdendo o diploma tanto o titular como o vice, mesmo que este último não tenha sido parte no processo, sendo então desnecessária sua participação como litisconsorte. II – Na hipótese de decisão judicial que declarar inelegibilidade, esta só poderá atingir aquele que integrar a relação processual. III – Institutos processuais muitas vezes ganham nova feição no âmbito do Direito Eleitoral, em face dos princípios, normas e características peculiares deste ramo da ciência jurídica.” (Ac. nº 19.541, de 18.12.2001, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.)
Em caso de o partido insistir na candidatura cujo registro foi indeferido, necessário o ajuizamento de medida cautelar para que a votação não seja anulada enquanto não julgada definitivamente a questão pelo TSE. Com isso, dá-se efeito suspensivo a Recurso Eleitoral:
“Medida cautelar. Atribuição. Efeito suspensivo. Recurso especial. Decisão regional. Procedência. Representação. Candidatos a prefeito e vice-prefeito. Art. 73, I, da Lei no 9.504/97. Plausibilidade jurídica do apelo evidenciada. Cautelar deferida”. NE: Candidatos a prefeito e vice-prefeito que tiveram seus registros de candidato deferidos e depois cassados em representação por conduta vedada a agentes públicos ajuizaram medida cautelar em que argumentavam, entre outras questões, com receio de os votos serem computados como nulos por estarem sub judice. O Tribunal deferiu medida cautelar suspendendo os efeitos da decisão, assentando o relator que “(…) o registro não terá seus efeitos diminuídos em função da decisão proferida por aquela Corte até que este Tribunal examine o recurso especial interposto” e que a questão estaria explicitada na Res.-TSE no 21.929, de 1.10.2004” (Ac. nº 1.523, de 2.10.2004, rel. Min. Caputo Bastos.)
2.2.2 Na eleição proporcional
A questão que se coloca é a da possibilidade ou não da contagem dos votos e o aproveitamento, ao menos, para a legenda, daquela candidatura cujo registro tenha sido indeferido pela Justiça Eleitoral.
Há que considerar, para tanto, que a lei eleitoral (art. 175, do CE) considera nulos os votos, quando o candidato para o pleito proporcional, na data da eleição, não tiver seu registro deferido. Mas, por outro lado, o próprio Código Eleitoral ( § 4º do mesmo art. 175) afasta a aplicação da nulidade da votação, computando os votos para a legenda, se o candidato, na data da eleição, tiver uma decisão, mesmo que sub judice, que lhe defira o registro, mesmo que, posteriormente ao pleito, seja modificada a decisão, negando-lhe o registro:
“Recurso contra expedição de diploma. Eleição 2002. Deputado estadual. (…) II – Aplica-se o § 3º do art. 175 do Código Eleitoral, considerando-se nulos os votos, quando o candidato para o pleito proporcional, na data da eleição, não tiver seu registro deferido. Por outro lado, o § 4º do citado artigo afasta a aplicação do § 3º, computando os votos para a legenda, se o candidato, na data da eleição, tiver uma decisão, mesmo que sub judice, que lhe defira o registro, a qual, posteriormente ao pleito, seja modificada, negando-lhe o pedido.” (Ac. nº 638, de 19.8.2004, rel. Min. Peçanha Martins.)
Agora, se o candidato, que manteve sua candidatura por sua conta e risco, mesmo com o registro indeferido, não conseguir, em momento algum, qualquer decisão que lhe seja favorável, os votos por ele obtidos são nulos e desprezados para todos os efeitos, não se computando nem mesmo à coligação:
“(…) Eleição 2002. Acórdão de Tribunal Regional. Nulidade de votos. Candidato inelegível. Matéria de ordem pública. Não-conhecimento. Se o candidato em nenhum momento teve deferido seu registro, é nula, para todos os efeitos, a votação que porventura tenha obtido”. (Ac. nº 3.123, de 28.10.2003, rel. Min. Peçanha Martins.)
Assim: os votos recebidos por candidato que não tenha obtido deferimento do seu registro em nenhuma instância ou que tenha tido seu registro indeferido antes do pleito são nulos para todos os efeitos; Se a decisão que negar o registro ou que o cancelar tiver sido proferida após a realização da eleição, os votos serão computados para o partido do candidato.
“Recurso contra expedição de diploma. Candidato que teve o registro indeferido depois da eleição. Cômputo dos votos obtidos para a coligação. Agravo de instrumento não provido”. (Ac. nº 3.263, de 13.6.2002, rel. Min. Fernando Neves.)
3.Conclusão
Ao contrário do que se tem afirmado, de que o Poder Judiciário não interfere no processo eleitoral, penso – e os casos acima mencionados confirmam minha tese – que há tal interferência.
Interferência que é legítima, do ponto de vista do relevante papel prestado pela Justiça Eleitoral à democratização do país.
Mas uma interferência que abarca todos os momentos da eleição e que, portanto, não se mostra tão restritiva como pretende o §2º, do art.41 da Lei eleitoral.
Interferência que, em muitos aspectos, precisa ser otimizada e melhor qualificada, o que passa, certamente, pela mudança da própria estrutura da Justiça Eleitoral, que há muito clama pela implementação de uma carreira específica na magistratura.
A magistratura eleitoral, específica, qualificada e com competência exclusiva para atuar no processo eleitoral, em muito contribuirá para a celeridade e efetividade da prestação jurisdicional, garantindo-se o bom desempenho desta instituição tão necessária ao cumprimento dos desígnios republicanos e democráticos do país.
Advogado e Professor de Direito Constitucional da Faculdade Dom Bosco de Monte Aprazível. Mestre em Direito Público. Autor de “Direito Eleitoral Municipal”, Edipro, 2008
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