Resumo: O presente estudo parte de uma abordagem doutrinária e jurisprudencial acerca do dito “lançamento por homologação”, com a finalidade de encontrar uma interpretação mais coerente do art. 150, Código Tributário Nacional-CTN, considerando-se a constituição do crédito tributário pelo próprio contribuinte, bem como a inconfundibilidade dos prazos de homologação das atividades do contribuinte pela Administração, de decadência e de prescrição. Assim, o art. 150, CTN, foi analisado mais detidamente, diante da máxima de que toda interpretação começa do texto legal, suporte físico, assim como outros métodos de hermenêutica. Ainda, foram abordadas as consequências e as repercussões jurídicas do decurso de cada prazo, além da análise crítica da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça-STJ.
Palavras-chave: Lançamento por homologação. Objeto. Prescrição. Decadência. Prazo de homologação dos atos do contribuinte.
Abstract: This study begins with a doctrine and jurisprudence approach about the so called “assessment by homologation” in order to find a more consistent interpretation for article 150, National Tax Code-CTN, taking in consideration the formal assessment of a tax credit by the taxpayer as well as the unmistakableness between the period of time for the administrative authority to approve the taxpayer’s activities, Prescription and Lapsing. Hence, the article 150, CTN, was examined more closely with the methods of hermeneutics, among others, first from the idea that all interpretation starts with the legal text, the physical support. Moreover, legal consequences and repercussions of the expiration of each term have been examined besides the critical analysis of the Superior Court of Justice-STJ case law.
Keywords. Assessment by homologation. Object. Prescription. Lapsing. Period of time to approval taxpayer’s activities
Sumário: 1. Introdução. 2. Obrigação tributária e crédito tributário. 3. Atribuição para constituir crédito tributário. 4. Objeto da homologação e suas repercussões – art. 150, CTN. 4.1. Objeto da homologação, art. 150, caput, CTN. 4.2. Extinção do crédito, art. 150, §1º, CTN. 4.3. Interpretação dos §§2º e 3º do art. 150, CTN. 4.4. Prazo para homologação e repercussões jurídicas, §4º, art. 150, CTN. 4.4.1. Decadência. 4.4.2. Prescrição. 4.4.3. Inconfundibilidade do prazo do art. 150, §4º, com o de decadência e o de prescrição. 5. Conclusões. 6. Referências bibliográficas
1 – INTRODUÇÃO
Tradicionalmente, tanto a doutrina quanto a jurisprudência entendiam que existia apenas uma maneira de constituir o crédito tributário, qual seja, por meio de lançamento tributário. Trata-se de um ato de competência exclusiva da Administração Pública, cuja definição está no art. 142 do Código Tributário Nacional.
Todavia, com base na teoria geral do direito, assim como a hermenêutica do direito, os estudos sobre a matéria evoluíram. Hoje, o entendimento majoritário é no sentido de que o ato de constituição do crédito tributário não é de competência exclusiva da Administração, podendo ser também praticado pelo próprio contribuinte nos tributos sujeitos ao chamado “lançamento por homologação”. Isso porque, pelo princípio da causalidade, é inegável que é o próprio contribuinte quem delimita todos os elementos da obrigação tributária e recolhe o valor devido, de acordo com essa apuração. Isto é, o contribuinte constitui o crédito tributário, estando apenas sujeito à futura homologação pela Administração, nos moldes do art. 150, CTN.
Diante deste novo panorama, o presente trabalho enfocou o estudo na interpretação do art. 150, CTN, mais profundamente, pois ela deve necessariamente estar de acordo com a premissa aqui adotada: constituição do crédito tributário pelo contribuinte. Por exemplo, se o contribuinte constituiu todo o tributo devido, não se pode cogitar de um eventual lançamento de ofício, e, consequentemente, o curso do prazo de decadência. Se houve a constituição, por outro lado, mas não recolheu o valor apurado no vencimento, corre o prazo prescricional.
O maior problema está no fato de ter uma constituição parcial e o recolhimento parcial, hipóteses estas que a doutrina e a jurisprudência fazem uma confusão na interpretação do art. 150, CTN. Um dos grandes equívocos identificado, no caso, é a repercussão jurídica do curso de três prazos inconfundíveis: a) prazo para homologação das atividades do contribuinte, b) prazo decadencial, e c) prazo prescricional.
Dessa maneira, o presente estudo, ao analisar detidamente o art. 150, CTN, tenta identificar a natureza dos prazos, assim como as suas consequências jurídicas, abordando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
2 – OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA E CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Historicamente, Feurbach diferenciou, no âmbito penal, o corpus delicti do Tatbestand, sendo este a descrição abstrata do delito e aquele a prova da existência fática do delito. Foi Beling quem aprofundou mais nessa teoria, agregando que somente o legislador poderia exercer essa função “constitutiva” do delito, compreendendo os elementos descritivos e objetivos do delito. A expressão Tatbestand foi adotada no Direito Tributário.
Tatbestand, termo alemão, refere-se à descrição hipotética legal que, concretizada no mundo real, terá Sachverhalt, que é a obrigação tributária.
No Brasil, Geraldo Ataliba distinguiu da seguinte forma: hipótese de incidência para a descrição abstrata legal do fato e fato imponível da ocorrência desta hipótese no mundo fático. A expressão hipótese de incidência já tinha sido utilizada por Becker, com base na teoria de Pontes de Miranda acerca da incidência automática e infalível da norma jurídica. Com relação à expressão fato imponível, também há críticas, pois, considerando-se que não há fato antes da incidência, o termo imponível é inadequado face à já ocorrência da tributação. Outra consideração é que essa expressão liga-se à imposição, compreendendo apenas impostos.
Leciona Pontes de Miranda que, para que um fato empírico se torne jurídico, é indispensável que todo suporte fático necessário exista. Logo, sendo suficiente o suporte fático, existirá fato jurídico, o que não induz à sua validade. Para que este seja válido, o suporte fático não pode ser deficiente, devendo estar presentes todos os seus elementos complementares.
Ricardo Marcondes Martins interpreta a teoria ponteana da seguinte forma: “A norma será inexistente se os elementos nucleares do suporte fático da norma de produção jurídica não estiverem presentes; será inválida na falta dos elementos complementares; e será ineficaz se ausentes os elementos integrativos.”[1].
José Wilson Ferreira Sobrinho, Brandão Machado, Paulo de Barros Carvalho e Marcos Bernardes de Mello, dentre outros, criticam a teoria de incidência infalível e automática das normas jurídicas, sustentando que a incidência da norma só se dará com a participação do homem, todavia, não se convergem sobre o tipo de participação.
Paulo de Barros[2], citando Tércio Sampaio Ferraz que diferenciou os fatos dos eventos, sendo estes as situações existenciais e aqueles um elemento lingüístico capaz de organizar os eventos como realidade, explica que as proposições dos fatos devem assumir enunciado verdadeiro, aquele que expressa o uso de linguagem competente.
Os enunciados factuais podem ser por meio de linguagem descritiva (valor lógico: verdadeiro ou falso); prescritiva (válido ou inválido); e performativo (eficaz ou ineficaz). Esses enunciados devem ser determinativos, pois reclamam a identificação da ocorrência do evento num intervalo de tempo e num ponto do espaço, sem excluir a possibilidade de constituição de conjuntos que recebem, um a um, as ocorrências factuais que venham a suceder (tabular: enumera os indivíduos que o compõem; forma-de-construção: indica nota(s) que o indivíduo precisa ter para pertencer à classe ou ao conjunto).
No direito positivo, o fato (articulação de linguagem organizada) corresponde ao antecedente das normas individuais e concretas, isto é, enunciados denotativos. Já as normas jurídicas gerais e abstratas têm feição predominantemente de enunciados conotativos ou classes, pois são formados com predicados que os enunciados factuais devem conter. Em outros termos, os enunciados conotativos precisam de enunciados denotativos das normas individuais para atingirem a concretude da experiência social.
Para este Autor, eventos se tornam fatos sociais, no momento em que há relevância social, que, por sua vez, se tornam fatos jurídicos, na hipótese em que há linguagem competente juridicizando-o[3].
Em suma, tradicionalmente, entendia-se que a obrigação tributária nascia no momento da verificação do fato descrito em lei no mundo factual, tendo em vista a incidência automática e infalível da lei, sendo que o crédito tributário apenas surgiria com o ato que reconheça o seu acontecimento e a delimita. Já modernamente, entende-se que a obrigação, assim como o crédito tributário, nascem no mesmo momento, qual seja, quando houver a edição do ato que reconheça o acontecimento na vida concreta, isto é, quando houver a vertência deste acontecimento em linguagem competente.
No entanto, para a vida forense, verifica-se que estes entendimentos só se divergem apenas em conferir nomes diferentes às mesmas coisas, pois crédito tributário é obrigação tributária formalizada para os tradicionais e, para os modernos, trata-se de uma das facetas de obrigação (crédito e débito/obrigação), mas se convergem no tocante à aplicação do mesmo regime jurídico. Com efeito, para os tradicionais, há nascimento da obrigação quando da verificação da hipótese legal no mundo empírico e do crédito, quando houver a sua formalização. Já, para os modernos, há nascimento concomitante da obrigação e do crédito, institutos inseparáveis, e no momento da vertência em linguagem competente do acontecimento do fato descrito em lei, dados estes irrelevantes na prática, pois terão, reitera-se, o mesmo regime jurídico.
Assim, na prática, não causará grande repercussão na análise do tributo, visto que os doutrinadores consentem num ponto crucial: a necessidade de constituição do crédito ou, como querem os modernos, a vertência do acontecimento em linguagem competente, por meio de lançamento ou ato de constituição do crédito tributário, para possibilitar a sua cobrança.
Conclui-se, logo, que, independentemente da teoria adotada, não tem como negar a indispensabilidade de ato de constituição do crédito tributário para fins de cobrança do tributo devido, tendo em vista ser essa a exigência inafastável pelo vigente sistema jurídico tributário brasileiro.
3 – ATRIBUIÇÃO PARA CONSTITUIR CRÉDITO TRIBUTÁRIO
O art. 142, Código Tributário Nacional-CTN, determina a atribuição privativa da autoridade administrativa de constituir crédito tributário por meio de lançamento. Assim, muitos sustentavam que o ato de constituição de crédito tributário seria sempre um ato privativo da autoridade administrativa, o que, salvo melhor juízo, não condiz com a realidade.
O ato de lançamento tributário é sim ato privativo da autoridade administrativa como dispõe o referido dispositivo do CTN, contudo, não é o único capaz de constituir crédito tributário, pois pode o sujeito passivo da obrigação tributária fazê-lo.
Há, no nosso sistema jurídico tributário, três formas/procedimentos para constituir crédito tributário: por meio de lançamento de ofício, por declaração e o chamado “lançamento por homologação”. Os dois primeiros são espécies de lançamento propriamente dito, definido no art. 142, CTN, sendo de atribuição privativa da autoridade administrativa, regidos pelos arts. 147 a 149, todos do CTN.
Contudo, o dito “lançamento por homologação”, regido pelo art. 150, CTN, não se trata de lançamento stricto sensu, pois a constituição do crédito é feita pelo próprio sujeito passivo, não se enquadrando no conceito de lançamento do art. 142, CTN. No caso, o sujeito passivo identifica todos os elementos imprescindíveis para o recolhimento antecipado do tributo devido, vertendo em linguagem competente o fato gerador ocorrido no mundo concreto ou, para os tradicionais, formalizando a obrigação tributária.
Aclara Paulo de Barros Carvalho que cabe ao sujeito passivo da obrigação tributária identificar todos os elementos da relação jurídica tributária, constituindo o evento em fato jurídico, sob o fundamento da causalidade jurídica[4].
No mesmo sentido ensina Estevão Horvath, pois reconheceu que há dois institutos inconfundíveis abarcados pelo termo “lançamento”, quais sejam, o praticado pela autoridade administrativa e pelo próprio contribuinte[5].
Destarte, está ultrapassada a ideia de que, no “lançamento por homologação”, há lançamento propriamente dito, considerando a homologação, expressa ou tácita, proferida por autoridade administrativa como lançamento, ato privativo desta autoridade. Isso porque, como sabido, com a homologação da atividade do sujeito passivo há extinção do crédito tributário, como se infere dos arts. 150, §1º, e 156, VII, ambos do CTN, não se confundindo com o momento do seu nascimento, que ocorre com o lançamento ou por ato do sujeito passivo.
Não resta dúvida, dessa maneira, que a constituição do crédito tributário pode-se dar ou por ato administrativo (lançamento de ofício ou por declaração) ou por ato do sujeito passivo da obrigação tributária (“lançamento por homologação”)[6].
Aliás, Superior Tribunal de Justiça-STJ consolidou o seu entendimento neste sentido, ao julgar RE 962.379-RS, em sede de recurso repetitivo, sujeito ao regime do art. 543-C, Código de Processo Civil-CPC[7].
Na verdade, este entendimento já tinha sido assentado no EResp 686.479-RJ, pois havia considerado como ato de constituição do crédito o depósito realizado pelo sujeito passivo, efetuado antes de qualquer ato da Fazenda no sentido de constituição do tributo, objeto de discussão judicial, sendo regido pelo art. 150, CTN [8].
4 – OBJETO DA HOMOLOGAÇÃO E SUAS REPERCUSSÕES – ART. 150, CTN
Feita abordagem acerca da distinção entre obrigação e crédito tributários, bem como de sujeitos que têm atribuição para constituir crédito tributário, cabe agora verificar o objeto da homologação no “lançamento por homologação”, e as suas principais repercussões jurídicas, sob o enfoque no art. 150, CTN.
4.1 – OBJETO DA HOMOLOGAÇÃO, ART. 150, CAPUT, CTN
Primeiramente, deve-se buscar o objeto passível de homologação pela Administração, pois, dependendo desta verificação, terão consequências jurídicas distintas para cada hipótese de não-homologação.
Da leitura do art. 150, caput, CTN[9], pode-se inferir que a autoridade administrativa, no “lançamento por homologação”, tem competência de homologar a atividade exercida pelo sujeito passivo. E o próprio dispositivo revela o conteúdo desta atividade: o dever de “antecipar” o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, que, verdade, não se trata de antecipação, pois está se recolhendo no vencimento aprazado por lei. Entretanto, como a lei usa o termo, apenas para não criar confusão, o presente trabalho manterá o seu uso.
Por questões de lógica e cronológica, antes de efetuar esta antecipação, deve necessariamente o sujeito passivo constituir o próprio crédito tributário, visto que sem essa atividade não terá ele condições de delimitar o valor a ser antecipado.
Ou melhor, o dispositivo legal em questão determina duas atividades que o sujeito passivo deve praticar: apurar o valor devido, em outros termos, constituir o crédito tributário, e antecipar o seu pagamento, tudo isso sem qualquer interferência da Administração. Assim, é forçoso concluir que o objeto da homologação é exatamente estes dois atos que o sujeito passivo está incumbido de praticar. Esta interpretação confere maior efetividade aos termos utilizados pelo legislador, é razoável e lógico, além de estar em total consonância com o sistema jurídico vigente, devendo ela prevalecer.
Entretanto, registra-se que há divergência na doutrina quanto à limitação deste objeto. Entende, por exemplo, Sacha Calmon Navarro Coêlho[10], que o objeto da homologação é apenas o pagamento, equivalendo a sua homologação ao lançamento. No mesmo sentido, Luciano Amaro externa o seu posicionamento[11].
Este sustento, todavia, não deve vingar, tendo em vista a impossibilidade de qualquer interpretação se desvencilhar do que foi efetivamente escrito, ou seja, do suporte físico, no caso, da lei. Como bem leciona Paulo de Barros[12], o direito tem como integrante constitutivo a linguagem, objeto da cultura, que deve ser interpretada para conferir o seu sentido, partindo do texto de lei, o suporte físico dos enunciados prescritivos. Pode-se afirmar, logo, categoricamente, que nenhuma interpretação pode se desligar do suporte físico. O processo de interpretação deve necessariamente começar com o contato com o suporte físico, ou seja, com a leitura do texto legal.
Tendo isso em mente, cabe lembrar novamente, pela sua importância, do teor do caput do art. 150, CTN[13]. O objeto da homologação é a atividade do sujeito passivo, pois o texto utiliza o pronome “a” na locução “expresssamente a homologa”, referindo-se à atividade, e não o pronome “o”, que poderia se referir ao pagamento. Ainda, levando-se em conta que, por questões lógica e cronológica, como já mencionado, não tem como o sujeito passivo antecipar o pagamento antes de qualquer exame da Administração sem antes, constituir o crédito tributário. Não resta outra alternativa a não ser concluir que o objeto de homologação é estes dois atos do sujeito passivo.
Ademais, é neste sentido o entendimento de Estevão Horvath. Explica que cabe ao contribuinte apurar o débito tributário e recolhê-lo, estando essas atividades sujeitas à homologação[14]. Eurico Marcos Diniz de Santi nos ensina que o pagamento antecipado pressupõe a criação da obrigação e a mera entrega de dinheiro ao cofre público não caracteriza pagamento, não extinguindo o crédito nos termos do art. 150, §1º, CTN[15]. Contudo, sustenta que o objeto da homologação é apenas o pagamento[16], o que é incoerente como já foi exaustivamente demonstrado acima. Ainda, Souto Maior Borges já havia se manifestado neste sentido[17].
Arremata-se, assim, que o objeto de homologação, nos tributos sujeitos a “lançamento por homologação”, é: a) constituição do crédito pelo sujeito passivo, e b) pagamento antecipado.
4.2 – EXTINÇÃO DO CRÉDITO, ART. 150, §1º, CTN
Dispõe o §1º do art. 150 do CTN sobre a extinção do crédito no “lançamento por homologação” no momento do pagamento antecipado sob a condição resolutória da ulterior homologação pela Fazenda.
De início, cabe esclarecer que a mencionada condição resolutória é a ulterior não-homologação do lançamento, sob pena de incorrer em incoerência lógica. De fato, não se pode conceber que há implementação de condição resolutória, cuja consequência é a resolução da extinção do crédito, se houver a homologação do lançamento. Ou melhor, não se pode interpretá-lo para concluir que caso a Administração tenha ratificado atividade do sujeito passivo, resolver-se-á a extinção do crédito operada com o pagamento antecipado. Ao contrário, perfaz a condição resolutória se houver a não-homologação, “restabelecendo” o crédito extinto por pagamento, para prosseguir na sua cobrança, sendo esta a única interpretação possível do dispositivo.
Ensina com propriedade Luciano Amaro[18] que há troca de sinais. Ou mantém a condição resolutória, mas de negativa de homologação ou altera para condição suspensiva da ulterior homologação, para conferir uma coerência no dispositivo.
Explica Caio Mario que condição suspensiva é aquela que estatui a inoperância da vontade até a sua implementação, ao passo que a resolutiva confere a aquisição do direito desde logo, produzindo todos os seus efeitos jurídicos, mas, realizada a condição, há extinção do direito[19].
Resta evidente, dessa maneira, que a única interpretação coerente do dispositivo é a que prega que a condição resolutória é a ulterior não homologação da atividade do sujeito passivo pela Fazenda Pública.
Por outro lado, para a melhor análise da causa de extinção prevista no §1º em tela, ele deve ser interpretado conjuntamente com o art. 156, VII, CTN.
Paulo de Barros[20] interpreta estes artigos no sentido de diferir o momento da extinção do crédito para o átimo da homologação. Encampa, assim, a teoria dos “cinco + cinco”, sendo os primeiros cinco anos para a homologação do pagamento e outros cinco, o prazo decadencial.
Em que pese a maestria deste raciocínio, o entendimento mais razoável e consectâneo com o nosso sistema jurídico vigente é a que afirma a possibilidade de curso concomitante dos prazos (decadência e homologação), como será adiante melhor fundamentado, pois são prazos que não se confundem, diferentes, e não há qualquer razão para um excluir o curso do outro.
A premissa adotada para justificar este entendimento é que com o pagamento antecipado, total ou parcial, terá extinção do crédito, constituído por ele, mas sob a condição resolutória. Isso significa que, havendo pagamento em qualquer quantia, o crédito se encontrará extinto em sua totalidade, até o advento da condição resolutória da não-homologação do pagamento, no prazo de cinco anos (art. 150, §4º, CTN).
Diferentemente do ensinamento de Paulo de Barros no sentido de extinção do crédito com a homologação, é o pagamento antecipado que extingue o crédito, pois o §1º, 150, CTN, é expresso neste sentido, não podendo o intérprete criar norma jurídica desvencilhada do texto legal.
Ainda, tendo em mente as duas espécies de condição, reforça o acerto da premissa aqui adotada, no sentido de que o pagamento, total ou parcial, antecipado pelo sujeito passivo extingue o crédito, embora sob condição resolutória da ulterior não-homologação. É, por conseguinte, neste sentido que o art. 156, VII, CTN, deve também ser interpretado: o pagamento antecipado extingue o crédito, mas só com a homologação retirará a sua precariedade de sujeição à condição resolutória.
Extrai-se, assim, que, se não houver qualquer pagamento, não terá extinção do crédito, visto que o §1º do art. 150, CTN, é manifesto, reitera-se, no sentido de que é o pagamento antecipado que extingue o crédito, sob condição resolutória.
E mais, se houver pagamento antecipado extingue o crédito tributário na sua totalidade. Mas se, dentro do prazo de cinco anos, conforme o art. 150, §4º, CTN, houver a não-homologação da atividade do sujeito passivo, por ser o pagamento insuficiente, apenas o montante pago terá extinção, não incidindo a condição resolutória da não-homologação, mas o valor não pago, incidirá, “restabelecendo” o crédito tão-somente nesta dimensão. Havendo apenas pagamento parcial, o valor antecipado será homologado pela Administração, mas resolverá a extinção do crédito no tocante ao valor não recolhido, para prosseguir na sua cobrança, desde que a não-homologação tenha respeitado o prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador (art. 150, §4º, CTN).
Para a melhor visualização, segue o quadro ilustrativo:
Apenas cumpre recordar que são duas as atividades passíveis de homologação (constituição de crédito e antecipação de pagamento), sendo que apenas a não-homologação de uma delas, qual seja, a antecipação de pagamento, constitui condição para resolver a extinção do crédito. Se houver a não-homologação da constituição do crédito, terá outras consequências jurídicas, tais como a ocorrência de decadência tributária, impossibilitando a correção da constituição do crédito realizada pelo sujeito passivo, como será adiante demonstrada, e não de resolver a extinção do crédito.
4.3 – INTERPRETAÇÃO DOS §§ 2º e 3º do art. 150, CTN
No tocante aos §§2º e 3º do art. 150, CTN, não há divergência doutrinária relevante, pois o CTN é coerente no sentido de que é a obrigação tributária que confere a mesma natureza ao seu crédito tributário, e qualquer modificação deste não afeta aquela, como dispõem os seus arts. 139 a 141.
Contudo, não se pode olvidar, como bem lembra Zuudi Sakakihara[21], que o eventual lançamento de ofício deve incidir sobre o remanescente não constituído e não recolhido pelo contribuinte.
Com relação à penalidade, esclarece-se que deve se observar a conduta que enseja a sua aplicação. Se for o não cumprimento da obrigação acessória, deve levar em conta esta conduta omissiva, na sua medida. Ou seja, se a constituição do crédito foi parcial, a multa terá por base o crédito não constituído. Se a conduta for o não pagamento, deve-se considerar o valor não recolhido, em obediência ao princípio da causalidade.
4.4 – PRAZO PARA HOMOLOGAÇÃO E REPERCUSSÕES JURÍDICAS, §4º, ART. 150, CTN
Estabelece o art. 150, §4º, CTN, como prazo residual, o de cinco anos para homologar a atividade do sujeito passivo, a contar da ocorrência do fato gerador, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
De início, cumpre deixar claro que este prazo não se confunde com o de decadência ou de prescrição tributárias, visto que aquele é um lapso legal para que a Administração homologue ou não a atividade do contribuinte, qual seja, de constituir crédito tributário e antecipar o seu pagamento, como já esclarecido, sem se referir ao direito do Estado de constituir crédito ou de executá-lo. Será melhor demonstrada essa diferença mais adiante, sendo suficiente esta breve distinção para desenvolver o raciocínio dos itens seguintes.
Outra observação é que a expressão “definitivamente extinto o crédito” não significa que o pagamento antecipado extingue apenas provisoriamente, mas que não é mais possível implementar a condição resolutória. Destarte, a sujeição à condição resolutória não retira a definitividade da aquisição do direito (extinção do crédito), mas apenas impõe a precariedade no sentido de, se implementada, resolver-se-á esta aquisição.
Por fim, recorda-se que, implementada a homologação expressa e constatada a constituição irregular do crédito, pode a Administração lançar de ofício, dentro do prazo decadencial, nos termos do art. 156, VII, parágrafo único, e art. 149, CTN.
4.4.1 – DECADÊNCIA
Ricardo Lodi Ribeiro[22], depois de lembrar a decadência e a prescrição na teoria geral do direito, define a decadência como direito potestativo do Estado de constituir o crédito tributário em face do contribuinte, tendo em vista a obrigatoriedade de constituição para cobrar o seu crédito. Assim, ocorrendo decadência, restará extinto o direito do Estado de lançar, constituindo uma causa de exclusão e não de extinção do crédito, como estabelece o CTN, pois impede o lançamento, ou seja, a própria constituição do crédito.
No “lançamento por homologação”, o contribuinte tem o dever legal de constituir o crédito tributário, diante da ocorrência do fato gerador/hipótese de incidência descrita no antecedente da norma jurídica tributária, levando-se em consideração que o crédito decorre da obrigação tributária (art. 139, CTN). Na hipótese em que a constituição pelo sujeito passivo se confunde com a exata extensão do fato gerador ocorrido, não há que se cogitar de eventual necessidade de lançamento, e, por consequência, de decadência, pois todo crédito passível de constituição já foi devida e efetivamente constituído pelo sujeito passivo.
Por outro lado, se o sujeito passivo restar inerte, não cumprindo com o seu dever legal de constituir crédito, sem adentrar a matéria atinente à infração legal, nasce para a Administração o dever de constituir o crédito, nos termos do art. 173, CTN[23], sujeitando-se ao prazo decadencial.
Aliás, é neste sentido que STJ entendeu, ao julgar a RE 973.733-SC[24], cujo objeto era verificar o termo inicial do prazo decadencial para a constituição do crédito tributário pelo Fisco nas hipóteses em que o contribuinte não declara, nem efetua o pagamento antecipado do tributo sujeito a lançamento, julgado sob o manto de recurso repetitivo do art. 543-C, CPC. Apenas cabe lembrar que é condição sine qua non a constituição do crédito para ter qualquer recolhimento ou antecipação, pois é impossível ter pagamento de determinado tributo se este não foi formalizado ou constituído. Seria um “pagamento solto”, sem qualquer destino, uma mera transferência de patrimônio, que equivaleria a não-pagamento.
Ainda, no caso de a constituição pelo sujeito passivo não englobar a exata extensão do fato gerador tributário, também nascerá o dever da Administração de constituir o crédito por meio de lançamento de ofício, mas referente a apenas o montante não constituído pelo sujeito passivo, no prazo decadencial de cinco anos, nos termos do art. 173, CTN. A parte constituída, obviamente, seguirá o regime do art. 150, CTN, sem se cogitar de decadência, em tese, pois se a constituição do crédito feita pelo sujeito passivo da obrigação tributária não estiver em conformidade com a legislação, por exemplo, o juízo implicacional está incorreto, deverá o Fisco lançar, corrigindo o erro, no prazo previsto no art. 173, CTN.
Como já reiteradamente colocado, o objeto de homologação consiste em dois atos do contribuinte: constituição do crédito e antecipação do pagamento. A consequência do recolhimento antecipado é a extinção do crédito constituído, sob a condição resolutória da ulterior não-homologação pela Fazenda. Se homologar tácita ou expressamente, a extinção perderá a precariedade de sujeição a essa condição.
Já a homologação da constituição do crédito retira a possibilidade da Administração de corrigir este ato do contribuinte, pois ela o ratificou. Assim, os eventuais erros de apuração, por exemplo, de valor, em que pese a correta delimitação do fato ocorrido, serão tidos como irrelevantes jurídicos, se houver a homologação tácita ou expressa, perdendo o Fisco o direito de constituir o crédito e prosseguir na sua cobrança. Ainda, a não-homologação do ato de constituição do crédito pela Fazenda no prazo previsto no art. 150, §4º, CTN, permite que ela lance o valor não abarcado pelo crédito constituído pelo sujeito passivo da obrigação tributária, obedecido o prazo decadencial do art. 173, CTN.
Como exemplo, pode-se citar a constituição de imposto de importação, por meio de declaração do contribuinte, em que abrange parcialmente (Fato “A”) o fato jurídico tributário (Fato “A”+“B”), todavia, chega a um valor a ser recolhido inferior (R$ 300,00) ao valor devido (R$ 1.000,00), por erro no cálculo e, ainda, recolhe a menor (R$ 100,00) do que o valor apurado. Neste caso, há extinção integral do crédito constituído por existir um pagamento, mas sob a condição resolutória da ulterior não-homologação. A homologação da constituição do crédito impossibilita a Administração de corrigir a constituição com relação ao valor R$ 700,00 e seguir na sua cobrança. Esta correção deverá ser feita conforme o art. 173, CTN. Já a não-homologação do pagamento no prazo do art. 150, CTN, permite ao Fisco seguir na cobrança do valor apurado e não recolhido, R$ 200,00, desde que respeitado o prazo do art. 174, CTN.
Neste caso, cabe frisar que o prazo para constituir o crédito referente ao fato não constituído, o “B”, o prazo decadencial flui conforme o art. 173, CTN, mas a mesma sorte não assiste ao crédito referente aos R$ 700,00. Sobre este valor, incide o regime do art. 150, CTN, pois há atividade do contribuinte passível de homologação e, como cediço, o prazo para homologação do art. 150, §4º, CTN, que é uma causa de extinção do crédito (art. 156, VII, CTN), finda sempre antes do prazo decadencial. Em que pese a coincidência da quantificação do prazo (cinco anos), o termo inicial do prazo do art. 150, §4º, é sempre anterior ao do prazo do art. 173, CTN, fazendo com que termine antes do decurso integral do prazo decadencial.
Há incidência da causa de extinção do crédito, nos termos do art. 156, VII, CTN, antes de alcançar o termo final do prazo decadencial, reduzindo-o. Assim, pode-se afirmar que o termo inicial do prazo decadencial, no caso de não-homologação do ato de constituição do crédito do sujeito passivo, é o previsto no art. 173, CTN, mas o final é o do art. 150, §4º, e art. 156, VII, ambos do CTN.
Por outro lado, não se aplica o art. 150, §§ 1º e 4º, CTN, ao montante não constituído, pois eles pressupõem a existência de atividade do sujeito passivo a ser homologada ou não pela Administração, o que não é verificado na hipótese de constituição parcial do crédito, no que toca à extensão não constituída. Certamente, não há constituição do crédito e, consequentemente, o seu pagamento antecipado, a serem homolgados ou não pela Fazenda, devendo ser constituído primeiramente pela própria Fazenda, em conformidade com a regra geral de decadência do art. 173, CTN, mas, reitera-se, apenas com relação à parte não constituída pelo sujeito passivo.
Para esta hipótese, dessa maneira, é imperioso cindir o crédito, em constituído e não constituído, pois o regime jurídico aplicável a eles não se converge e não há regramento específico para este caso “misto”. De fato, o fenômeno de decadência é atribuído à inércia da Fazenda de constituir crédito e não de homologar ou não a atividade do sujeito passivo, prazos estes que são inconfundíveis.
Vale a citação do ditado popular: Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Uma coisa é o prazo para a Fazenda homologar ou não a atividade do sujeito passivo, cuja inércia acarreta a sua homologação tácita, retirando a precariedade de sujeição à condição resolutória de não-homologação da extinção do crédito, operada pela antecipação de pagamento, integral ou parcial. Outra coisa é o prazo que a Fazenda tem para constituir o crédito tributário, tendo por consequência a extinção do crédito/obrigação tributária pela ocorrência de decadência. Assim, se estivermos diante de crédito constituído pelo sujeito passivo, aplica-se o art. 150, CTN, se não, o art. 173, CTN. Contudo, se o caso for híbrido (constituição parcial pelo sujeito passivo), diante da inexistência de lei para esta hipótese específica, força a cisão do crédito, em constituído (art. 150, CTN) e não constituído (art. 173, CTN).
Infelizmente, a Primeira Seção do STJ abriu a precedência neste ponto, divergindo-se do presente entendimento, pois julgou pela aplicação do art. 150, § 4º, CTN, no caso de pagamento parcial[25]. Ainda, este posicionamento está sendo seguido pelos órgãos do STJ[26].
No entanto, deve, primeiramente, distinguir se houve ou não a constituição do crédito tributário na exata extensão do fato gerador, para fins de verificação de decadência. E, depois, impende analisar se houve ou não a antecipação de pagamento no montante integral, para analisar se implementa ou não a condição resolutória de não-homologação do art. 150, §1º, CTN, sem se cogitar de decadência, pois não terá crédito passível de constituição.
Por fim, segue o quadro ilustrativo para o melhor aclaramento do entendimento ora exposto:
4.4.2 – PRESCRIÇÃO
Ultrapassada a questão de decadência, cabe verificar a ocorrência ou não da prescrição, outra causa de extinção do crédito tributário, nos termos do CTN. Prescrição tributária é instituto que extingue a pretensão do Fisco de cobrança do crédito tributário em decorrência do decurso do prazo legal.
Define o Vittorio Cassone[27] como perda da ação referente a um direito, assim como a sua capacidade defensiva, como consequência do seu não-uso num determinado período de tempo. Todavia, no âmbito tributário, é forçoso entender que ela não só atinge o direito à ação, mas toda a pretensão jurídica, inclusive o próprio crédito, pois o art. 156, CTN, é expresso neste sentido.
Pode-se concluir, dessa forma, que para cogitar de ocorrência ou não de prescrição, deve estar diante de um crédito tributário já constituído, sendo este um presssuposto inafastável.
Assim, no caso, se o contribuinte constituiu e pagou a sua integralidade, não há que se falar em prescrição, pois não resta qualquer crédito para ser cobrado pela Fazenda. Mas, se não pagou nada, a prescrição é verificada nos termos do art. 174, CTN[28].
Por outro lado, se houve a constituição, mas o sujeito passivo recolheu apenas uma parte, não se cogita de decadência, mas de prescrição, em que pese o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência, que é no sentido de analisar a decadência no caso. Isso por uma razão muito simples, o crédito já se encontra constituído por ato do sujeito passivo, prescindindo de um outro ato de constituição.
Na hipótese, a Fazenda, em tese, tem prazo prescricional de cincos anos, contados da constituição definitiva do crédito, mas deve este prazo ser analisado juntamente com o art. 150, §§1º e 4º, CTN em se tratando de hipótese de “lançamento por homologação”. Como já salientado, este último dispõe acerca dos casos de extinção do crédito, estabelecendo que o pagamento antecipado extingue sob condição resolutória da ulterior não-homologação, sendo que o prazo para esta é de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, momento em que terá extinção sem precariedade da sujeição à condição resolutória.
Assim, combinando estes dois dispositivos, conclui-se que, no caso de constituição e com pagamento parcial, embora tenha a Administração o prazo de cinco anos, a contar da constituição definitiva do crédito tributário para propor a ação de cobrança, como há incidência anterior de outra causa de extinção, qual seja, extinção por pagamento antecipado homologado no prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, o curso prescricional se esgota neste momento. A razão deste raciocínio consiste na impossibilidade de reconhecer a existência do direito de cobrar da Fazenda se não há mais crédito a ser cobrado, por estar extinto por pagamento antecipado e homologado pela própria Administração no prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, nos termos do art. 150, CTN.
Ademais, esclarece-se que não há possibilidade lógica de aplicar apenas o art. 174, CTN, no sentido de conferir o prazo de cinco para ação de cobrança, contado da constituição definitiva, para os tributos sujeitos a “lançamento por homologação” com antecipação de pagamento. De fato, o prazo para a homologação vence sempre antes, considerando-se o termo inicial da contagem do prazo de cinco anos, que é a ocorrência do fato gerador.
Por conseguinte, na hipótese de existir pagamento parcial antecipado pelo sujeito passivo, no tributo sujeito a “lançamento por homologação”, o termo inicial do prazo prescricional é a data da constituição definitiva do crédito, mas o final coincide com o da homologação. No final, o prazo prescricional será inferior a cinco anos, pela interpretação concomitante dos arts. 150, §§1º e 4º, e 174, ambos do CTN.
Para a interpretação do quadro abaixo, deve-se pressupor a constituição definitiva do crédito.
4.4.3 – INCONFUNDIBILIDADE DO PRAZO DO ART. 150, §4º, COM O DE DECADÊNCIA E O DE PRESCRIÇÃO
Como já adiantado, o prazo do art. 150, §4º, CTN, não se confunde com o do art. 173, CTN, tampouco com o do art. 174, CTN. É imprescindível distingui-los, pois tanto a doutrina quanto a jurisprudência fazem confusão, o que afeta a coesão do sistema, assim como consequências jurídicas irreversíveis e danosas tanto para a Administração como para os administrados.
O professor Eurico[29], por exemplo, entende que, no caso de aplicação do art. 150, CTN, e houver pagamento, há curso concomitante do prazo decadencial e da homologação, entendimento este, como devido respeito, não deve prevalecer.
O primeiro prazo (art. 150, §4º) é conferido à Administração para homologar ou não a atividade do sujeito passivo, nos tributos sujeitos a “lançamento por homologação”, cuja inércia leva à homologação tácita. Assim, pressupõe a existência de atividade passível de homologação e o pagamento antecipado gera extinção do crédito, sob condição resolutória da ulterior não-homologação.
Com a homologação, expressa ou tácita, declarará a Fazenda o acerto da constituição do crédito (Ex. Antecedente “1” => Consequente “1”) e do pagamento (Ex. Valor “1”), realizados pelo sujeito passivo.
Com relação à homologação da constituição do crédito, esclarece-se que se, no futuro, a Administração se deparar que, na verdade, o contribuinte omitiu uma parte do fato gerador tributário ocorrido, sendo que o Antecedente era “1+2”, mesmo tendo homologado, deverá ela constituir o crédito referente ao Antecedente “2”, desde que respeitado o prazo decadencial do art. 173, CTN, pois, como relação a ele, não houve qualquer atividade passível de homologação, não se sujeitando ao regime do art. 150, CTN.
Logo, surge a pergunta. Qual a consequência jurídica da homologação da constituição do crédito feito pelo sujeito passivo? O que se homologa é o ato do contribuinte, assim, qualquer erro ou vício deste ato restará sanado, tais como a inconsistência existente no Antecedente e/ou no Consequente, ou no seu juízo implicacional. No exemplo acima, se a Administração descobrir que, diante do Antecedente “1”, o Consequente era, na verdade, “2”, não poderá ela querer corrigir este erro no juízo implicacional, pois este ato do contribuinte de conferir a Consequência “1” já foi homologado.
Um exemplo prático. A empresa “A” importou produtos do exterior do País, cuja base de cálculo do imposto de importação era R$ 100.000,00 e alíquota de 10%, e o sujeito passivo define que o imposto devido é R$ 10,00 e paga estes dez reais. Caso haja homologação, não poderá a Fazenda querer cobrar os restantes R$ 9.990,00, pois o crédito estará extinto, nos termos do art. 150, §1º, c/c 156, VII, ambos do CTN.
Outro exemplo. A empresa “A” declara que está importando chinelos e sapatos, mas, na hora de quantificar, omite a importação dos chinelos, considerando apenas os sapatos e recolhe de acordo com essa quantificação. Mesma consequência será atribuída se houver a homologação.
Essas situações não se confundem com aquela em que o contribuinte omite parcialmente a ocorrência do fato gerador, constituindo apenas uma parte. Ocorre esta hipótese quando essa empresa “A” não declara que está importando chinelos, mas apenas sapatos, recolhendo tão-só no tocante a estes. No caso, com relação aos chinelos, não há qualquer ato do contribuinte passível de ser homologado, o que induz a aplicação da regra geral de decadência, pois a Administração deverá, primeiro, constituir o crédito no tocante à importação dos chinelos para, depois, cobrá-lo judicialmente.
Por fim, no que toca à homologação de pagamento, cabe registrar que se houver pagamento mesmo que parcial, terá extinção do crédito, se homologado, conforme o art. 150, §1º, CTN. Assim, se o contribuinte constitui o crédito no valor de R$ 100.000,00, mas paga apenas R$ 10.000,00, e a Administração o homologou, não poderá mais ela cobrar os restantes R$ 90.000,00, pela incidência dos arts. 150, §1º e 156, VII, CTN.
Todavia, se o sujeito passivo constitui o crédito no valor de R$ 100.000,00, mas não recolhe nada, não há extinção do crédito nos termos do art. 150, §1º, CTN, assim, após o vencimento, correrá o prazo prescricional para que a Fazenda cobre judicialmente, nos termos do art. 174, CTN.
Portanto, o prazo do art. 150, §4º, CTN, não pode ser confundido com o da decadência, visto que este é advindo da inércia da Administração de constituir crédito, tendo como consequência a sua extinção, nos termos do art. 156, V, CTN. No mesmo sentido, deve-se distingui-los do prazo prescricional, pois, em que pese a extinção do crédito, conforme o art. 156, V, CTN, a sua causa será a inércia da Administração de executar o crédito.
Pode-se resumir da seguinte maneira:
Conjugando todas as situações, pode-se chegar à seguinte ilustração:
5 – CONCLUSÕES
Em virtude das observações acima, pode-se concluir que:
a) independentemente da teoria adotada acerca da natureza jurídica do ato de constituição do crédito, é impossível negar a indispensabilidade deste ato para fins de cobrança do tributo, sendo este o requisito mais importante na prática;
b) há dois sujeitos que têm atribuição para constituir o crédito tributário: autoridade administrativa (lançamento de ofício e por declaração) e sujeito passivo da obrigação tributária (“lançamento por homologação”);
c) o objeto da homologação no dito “lançamento por homologação” é o ato de constituição de crédito e a antecipação de pagamento, realizados pelo sujeito passivo;
d) a condição resolutória do art. 150, §1º, CTN, consiste na não-homologação do pagamento antecipado pelo sujeito passivo;
e) a extinção do crédito, nos tributos sujeitos a “lançamento por homologação”, opera-se com o pagamento antecipado, mesmo que parcial;
f) a antecipação de pagamento parcial extingue a totalidade do crédito constituído, mas se a Administração não homologar no prazo de cinco anos, conforme o art. 150, §4º, CTN, resolverá a extinção apenas no tocante ao valor não antecipado;
g) conforme os §§ 2º e 3º, art. 150, CTN, é a obrigação tributária que confere a natureza jurídica ao crédito tributário, assim, a modificação deste não afetará aquela, todavia, a alteração daquela refletirá o crédito;
h) a expressão “definitivamente extinto o crédito” do art. 150, §4º, CTN, significa que inexistirá mais a precariedade de sujeição à condição resolutória de não-homologação na extinção do crédito, operada conforme o §1º deste dispositivo;
i) a aplicação do art. 150, CTN, pressupõe a existência de atividade do sujeito passivo a ser homologada ou não pela Administração;
j) o prazo de homologação do art. 150, §4º, CTN, não se confunde com o de decadência (art. 173, CTN) tampouco com o de prescrição (art. 174, CTN), inexistindo qualquer óbice para o curso concomitante;
k) o objeto da inércia do prazo do art. 150, §4º, é a homologação da atividade do contribuinte (constituição do crédito e pagamento antecipado), do prazo do art. 173, CTN, o direito de constituição do crédito da Fazenda, e do art. 174, CTN, o direito de cobrar judicialmente da Fazenda;
l) se o sujeito passivo constitui o crédito, é regido pelo regime do art. 150, CTN. O eventual vício que macule este ato deve ser apurado e lançado o valor não formalizado pelo sujeito passivo, antes da decorrência do prazo de homologação, sob pena de homologação tácita e extinção do crédito. Assim, neste caso, o termo inicial do prazo decadencial é conforme o art. 173, CTN, mas o final coincide com o prazo de homologação do art. 150, §4º, CTN, consistindo sempre num prazo inferior a cinco anos;
m) se o sujeito passivo não constituir o crédito e, consequentemente, não antecipar o pagamento, não haverá qualquer atividade passível de homologação, não incidindo o art. 150, CTN. Aplica-se a regra geral de decadência e de prescrição;
n) se o sujeito passivo constitui apenas parcialmente e antecipa o montante apurado, estas atividades sujeitam-se ao regime do art. 150, CTN. No tocante ao montante não constituído, caberá à Administração fazê-lo, no prazo decadencial do art. 173, CTN;
o) se o sujeito passivo constitui apenas parcialmente, mas não antecipa todo o montante apurado, estas atividades sujeitam-se ao regime do art. 150, CTN. Com relação à parte não constituída, aplica-se o art. 173, CTN, e ao montante não antecipado, mas já constituído pelo sujeito passivo, o prazo prescricional do art. 174, CTN;
p) se o sujeito passivo constitui integralmente e recolhe o seu montante, em tese, correrá o prazo de homologação destas atividades, mas nunca terá a implementação da condição resolutória do art. 150, §1º, CTN;
q) se o sujeito passivo devidamente constitui em conformidade com o fato jurídico tributário, mas não antecipa nada, correrá o prazo prescricional, nos termos do art. 174, CTN; e
r) se o sujeito passivo constitui devidamente consoante o fato jurídico tributário, mas antecipa apenas uma parte, correrá o prazo prescricional, mas findará no termo final do prazo de homologação, diante da interpretação conjunta dos arts. 150 e 174, ambos do CTN.
Procuradora da Fazenda Nacional, Mestranda em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUCSP, Especialista em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo-USP, Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários-IBET
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