O leasing continua suscitando dúvidas e incertezas quanto à incidência ou não do ISS por conta de imprecisões doutrinárias e jurisprudenciais.
Sampaio de Lacerda sustenta que o leasing constitui uma operação financeira[1]. Outros, analisando o conteúdo fático do negócio, afirmam a existência de um fator preponderante, qual seja, a locação de bens móveis, advogando a incidência do ISS[2]. Perfilham esse entendimento, dentre outros, Garcia Hilário[3] e Luiz Mélega[4] para quem o leasing é um caso particular de locação de bens móveis.
No dizer de Arnoldo Wald é um contrato pelo qual uma empresa “desejando utilizar determinado equipamento, ou um certo imóvel, consegue que uma instituição financeira adquira o referido bem, alugando-o ao interessado por prazo certo, admitindo-se que, terminado o prazo locativo, o locatário possa optar entre a devolução do bem, a renovação da locação, ou a compra pelo preço residual fixado no momento inicial do contrato”[5]. Outro não é o entendimento de Paulo Restiffe Neto que enxerga no leasing uma operação financeira “que tem na locação a médio prazo a sua essência, com a eventualidade de transformar-se ao final em venda, em que as importâncias pagas a título de aluguel passam a constituir parte do pagamento do preço estimado, segundo as conveniências do empresário-locatário, isto é, o aluguel converte-se em amortização da dívida que, ao final, pode surgir da efetivação de compra e venda desde o início possibilitada na opção franqueada ao locatário”[6].
Como se sabe, o contrato de leasing, conhecido entre nós como arrendamento mercantil, ostenta característica de ser um contrato peculiar em que há uma pluralidade de obrigações que se interligam, considerados os aspectos da locação, do financiamento e da compra e venda.
Por isso, escrevemos que leasing “é um contrato típico formado com elementos retirados de outros contratos tradicionais como os de locação de bens móveis, de compra e venda a prazo, de mútuo etc. Na forma da Lei nº 6.099/74, é um contrato denominado de “arrendamento mercantil” caracterizando-se como um negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica (arrendadora) e pessoa física ou jurídica (arrendatária) tendo por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta (parágrafo único do art. 1º). Esse contrato envolve, necessariamente, uma operação de financiamento para aquisição do bem pela arrendadora, bem como a opção de compra pelo arrendatário, ao final do prazo contratual, pelo “valor residual”. A exigência de pagamento desse “valor residual” juntamente com as parcelas mensais devidas pelo arrendatário, ao nosso ver, descaracteriza o contrato de leasing”[7].
Em termos de jurisprudência temos:
a) Súmula 138 do STJ: “O ISS incide na operação de arrendamento mercantil de coisas móveis” e
b) RE nº 116121/SP, Rel. Min. Octávio Gallotti, onde restou proclamada que a expressão “locação de bens móveis constante no item 79 da Lista de Serviços Anexa ao DL nº 406/68 (redação da LC nº 56/87) é inconstitucional” (DJ de 25-5-2001).
O item 79 da lista anterior prescrevia: “Locação de bens móveis, inclusive arrendamento mercantil”.
Fácil verificar que o aludido item previa dois tipos de serviços. O primeiro foi declarado inconstitucional pelo STF, enquanto que sobre o segundo, o arrendamento mercantil, não há manifestação da Corte Suprema até a presente data.
Tanto se trata de coisas diversas que o item 3.01 da lista Anexa à LC nº 116/2003, pertinente à locação de bens móveis, foi vetado pelo Executivo em razão de sua inconstitucionalidade pronunciada pelo STF, enquanto que o arrendamento mercantil (leasing) foi contemplado expressamente no item 15.09.
Sendo o leasing um contrato complexo, em que se encontram interligadas as operações de compra e venda, locação e financiamento, não comporta desmembramento das partes que o compõem para sustentar que se trata, por exemplo, de locação de bem móvel, a fim de alijá-lo do campo de tributação do ISS. Como assinalamos no nosso livro, se fôssemos desmembrar “os vários serviços que compõem o item 21.01 da lista, que versa sobre tributação do serviço de exploração da rodovia pedagiada, as confusões, os conflitos de competência impositiva entre diversos municípios seriam intermináveis, a demonstrar que fato gerador complexo não comporta cisão”[8].
Para complicar as coisas, a partir do final de 2006 o STJ, usando de cautela para não invadir esfera de competência da Corte Suprema, passou a sustentar que não poderia aplicar a sua Súmula 138 em relação aos recursos que sustentam a inconstitucionalidade da tributação do arrendamento mercantil, remetendo os processos para o STF[9].
Há risco de a Corte Suprema não apreciar esses recursos encaminhados pelo STJ, porque as decisões de segunda instância estão estribadas no precedente do STF sobre a não-incidência do ISS na locação de bens móveis, o que é diferente do leasing, como vimos.
Por conta desses desencontros os contribuintes continuam em um total clima de insegurança jurídica. Se recolher o imposto, em uma eventual declaração de inconstitucionalidade de sua cobrança poderá vir a ser prejudicado com o efeito prospectivo que venha a ser conferido pela Corte Suprema. Se não o recolher, na eventual declaração de incidência do ISS sobre o leasing, sem efeito prospectivo, poderá ser apenado com multa e juros retroativamente para alcançar tributos não atingidos pela decadência. A cautela está a aconselhar a impugnação judicial da exigência do fisco mediante o depósito da quantia reclamada.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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