O
primeiro registro histórico que se tem de loteria no Brasil data de 1784,
quando foi realizada a primeira extração de “loteria de bilhetes”, tendo por
objetivo a obtenção de fundos para a construção do prédio da Câmara de Vila
Rica, hoje Ouro Preto, em
Minas Gerais.
Loteria,
que tem sua origem no vocábulo italiano lotteria,
significa, segundo o professor Aurélio Buarque de Holanda, “toda espécie de
jogo de azar em que se tiram à sorte prêmios aos quais correspondem bilhetes
numerados”.
Os
requisitos para que se configure um jogo como loteria são:
a existência de determinado valor a título de prêmio, a ocorrência de um
sorteio para definir-se o “ganhador” deste prêmio, representando-se cada uma
das pessoas participante por meio de um ou mais bilhetes, e o fato de este
prêmio ter sua origem na contribuição de pessoas que pretendem concorrer ao
prêmio pela aquisição de bilhetes que darão origem ao valor a ser sorteado.
No
âmbito legal, a definição de loteria deve ser feita por lei federal, posto que
a competência
legislativa sobre loterias, que desde a Constituição de 1891, pertence à União,
foi mantida inalterada no corpo da vigente Carta Magna de 1988, em seu art. 22,
XX, abaixo transcrito.
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar
sobre:
omissis
XX – sistemas de consórcios e sorteios.”
Apesar de claro que loterias encontram-se abrangidas na
terminologia sorteios, utilizada pela Constituição Federal, houve quem
propugnasse de forma diversa, submetendo essa questão à apreciação do Poder
Judiciário, momento em que este reafirmou o conceito, já pacífico, de que as
loterias encontram-se abarcadas no dispositivo da Constituição Federal de 1988
que reserva como matéria de competência privativa da União legislar sobre
sorteios. Nesse sentido transcreve-se Acórdão do STJ.
“Processual – Mandado de Segurança – Ato Judicial – Loteria
– Apreensão de Cartelas – Autorização em Lei Municipal –
Ilicitude – Controle Concentrado de Constitucionalidade.
I
– Os municípios não podem autorizar loterias e sorteios, pois a
legislação sobre esta matéria é de competência privativa da União (Constituição
da República, art. 22, XX).
II
– O controle difuso da constitucionalidade de leis e atos normativos insere-se
na competência de todos os juízes, integrantes do Poder Judiciário.
(STJ,
1ª Turma, votação unânime, Rel. Min. Humberto Gomes de
Barros, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 6308/MG, DJ 04/03/96) (grifo
inexistente no texto original)
No
âmbito legal, o conceito de loteria é dado pelo art. 40, parágrafo único,
abaixo transcrito, do Decreto-lei n.º6.259, de 10 de
fevereiro de 1944, que “dispõe sobre o serviço de loterias e dá outras
providências”.
“Parágrafo
único. Seja qual for a sua denominação e processo de sorteio adotado,
considera-se loteria tôda operação, jôgo ou aposta para a obtenção de um prêmio em dinheiro ou
em bens de outra natureza, mediante a colocação de bilhetes, listas, cupões,
vales, papéis, manuscritos, sinais, símbolos, ou qualquer outra meio de
distribuição de números e designação de jogadores ou apostadores.”
Ou
seja, no conceito legal, tal como no conceito popular, somente configura-se
loteria quando ocorre um sorteio entre mais de um jogador ou apostador,
independentemente do mecanismo para identificação deste, que pode ser feita por
meio de bilhetes, listas, cupões, vales, papéis, manuscritos, sinais, símbolos
ou qualquer outra forma.
Em
relação às máquinas “caça-níqueis”, o que se presencia é essencialmente
diverso, visto que se trata de diversão eletrônica na qual interagem somente o
jogador e a máquina, sem a presença de qualquer outra pessoa, não se
configurando, por conseguinte, como loteria.
O
Decreto-lei n.º6.259, de 10 de fevereiro de 1944, a primeira norma a
tratar de loterias, autorizava os Governos da União e dos Estados a explorar,
diretamente ou mediante concessão, os serviços de loteria, tendo regulado as
condições e o funcionamento destes serviços, norma que, com alterações,
continua até hoje em vigor.
O
Decreto-lei n.º6.259/44 estabeleceu a exclusividade da
exploração dos serviços de loteria pela União e pelos Estados, tendo previsto
que esta exploração poderia dar-se por meio de concessão a pessoas de
comprovada idoneidade moral e financeira, conforme arts.
1º a 4º, abaixos transcritos.
“Art. 1º O serviço de loteria, federal ou estadual,
executar-se-á, em todo o território do país, de acôrdo
com as disposições ddo presente Decreto-lei.
Art.
2º Os Governos da União e dos Estados poderão atribuir a
exploração do serviço de loteria a concessionários de comprovada idoneidade
moral e financeira.
Art.
3º A concessão ou exploração lotérica, como derrogação das normas do Direito
Penal, que proíbem o jôgo de azar, emanará sempre da
União, por autorização direta quanto à loteria federal, ou mediante decreto de
ratificação quanto às loterias estaduais.
Parágrafo
único. O Govêrno Federal decretará a nulidade de
loteria ratificada, no caso de transgressão de qualquer das suas cláusulas.
Art.
4º Sòmente a União e os Estados
poderão explorar ou conceder serviço de loteria, vedada àquela e a estes mais de
uma exploração ou concessão lotérica.”
Posteriormente,
o Decreto-lei n.º 204, de 27 de fevereiro de 1967, em
seus artigos 1º e 33, abaixo transcritos, tornou as loteria serviços
exclusivos, não suscetíveis de concessão, tendo extinguido a possibilidade, em
seu artigo 32, também abaixo transcrito, de criação de novas loterias
estaduais, e vedado, em relação às loterias estaduais já existentes, a
alteração e ou criação de novas séries.
“Art. 1º. A exploração de loteria, como
derrogação excepcional das normas do Direito Penal, constitui serviço público
exclusivo da União não suscetível de concessão e só será permitida nos termos
do presente Decreto-lei.
Art.
32. Mantida a situação atual, na forma do disposto no presente Decreto-lei, não
mais será permitida a criação de loterias estaduais.
§1º
As loterias estaduais atualmente existentes não poderão aumentar as suas
emissões ficando limitadas às quantidades de bilhetes e séries em vigor na data
da publicação dêste Decreto-lei.
§2º
A soma das despesas administrativas de execução de todos os serviços de cada
loteria estadual não poderá ultrapassar de 5% da receita bruta dos planos
executados.
Art.
33. No que não colidir com os têrmos do presente
Decreto-lei, as loterias estaduais continuarão regidas pelo Decreto-lei n.º 6.259, de 10 de fevereiro de 1944.
Por
conseguinte, após a promulgação do Decreto-lei n.º 204/67,
a criação de novas modalidades de loteria somente apresenta-se legalmente
possível, por meio de lei ordinária federal, cautela que foi observada em todas
as modalidades de jogos lotéricos atualmente explorados pela Caixa Econômica
Federal-CEF, conforme se demonstra a seguir.
A
loteria federal foi criada pelo próprio Decreto-lei n.º 204,
de 27 de fevereiro de 1967; a loteria esportiva foi instituída pelo Decreto-lei
n.º 594, de 27 de maio de 1969; os concursos de prognósticos (quina, sena, supersena, megasena, lotomania) foram criados pela Lei Federal n.º 6.717, de 12
de novembro de 1979; a exploração de corridas de cavalo por meio de apostas foi
criada pela Lei Federal n.º 7.291, de 19 de dezembro de 1984 e, por último, a
loteria instantânea foi criada pelo Decreto Federal n.º 99.268, de 31 de maio
de 1990, como modalidade de Loteria Federal, visto que se apresenta como
variação da tradicional loteria de bilhetes já regida pelos Decretos-lei n.º
204-67 e 6.259/44.
Como
após a promulgação do Decreto-lei n.º 204/67 a criação
de novas modalidades de loteria somente passou a ser possível por meio de lei
ordinária federal, e dada a inexistência de qualquer lei federal definindo como
loteria o jogo efetuado pelas máquinas “caça-níquel”, apresenta-se legal a sua
exploração, posto que o Decreto-lei n.º6.259/44, no caput do art. 40, abaixo
transcrito, conceitua como contravenção penal a loteria de qualquer espécie – conceito
que não abarca as máquinas caça-níqueis – não autorizada ou ratificada
expressamente pelo Governo Federal.
“Art.
40. Constitui jôgo de azar passível de repressão
penal, a loteria de qualquer espécie não autorizada ou ratificada expressamente
pelo Governo Federal.”
Nesse
sentido, transcreve-se parte do voto proferido no julgamento da Apelação-Crime n.º 296005360, no qual a Terceira Câmara Criminal do
Tribunal de Alçadas do Estado Rio Grande do Sul reconheceu que esses jogos
eletrônicos não se apresentam com quaisquer feições de loteria, sendo apenas
jogos recreativos.
“…As máquinas apreendidas para perícia já foram alvo
de diversas investigações em outros feitos sendo submetidas a exames técnicos,
cujos laudos estão acostados aos autos às fls. 38/56, 57/65, 66/78, 69/75,
87/104, 109/120, convergindo todos a conclusão unânime de que as referidas
máquinas possuem fins recreativos, face a aleatoriedade das vitórias e derrotas
que proporciona, impossibilitando ganhos ou perdas em valores exagerados.
Induvidosamente
a exploração dos jogos dessas máquinas não caracteriza contravenção penal.
A
apreensão tem fundamento na medida em eu os objetos apreendidos tenham alguma
relação com o fato delituoso a ser elucidado, pois assim proporcionaria à
autoridade maiores subsídios no esclarecimento dos fatos. Nesse sentido é a
letra da lei, bastando ver o teor dos incisos do art. 240 do Código de Processo
Penal.
No caso em tela os objetos apreendidos manifestamente não caracterizam
contravenção penal, já tendo sido alvo de investigações minuciosas,
documentadas em laudos técnicos, de forma que não se vislumbra razões para que
as máquinas fiquem em poder da autoridade policial, face a
desnecessidade de outra perícia.”
Por
conseguinte, enquanto não definidas, por lei federal, as máquinas
“caça-níqueis” como loteria, apresenta-se a exploração destas
albergada pelo Princípio do Exercício da Livre Atividade Econômica,
inexistindo qualquer feição de ocorrência de contravenção penal.
Consultor Tributário, ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás e sócio da Dênerson Rosa & Associados Consultoria Tributária.
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