Cobrança de ISS dos serviços públicos notariais e de registro

Resumo: O presente artigo tem como intuito analisar a constitucionalidade da cobrança do Imposto sobre Serviços – ISS sobre os emolumentos notariais e de registro determinada pela Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.

Palavras-chaves: ISS – serviços – públicos – notariais – registros

Sumário: Introdução. 1 – Natureza jurídica dos serviços notariais e de registro. 2 – Natureza jurídica dos emolumentos. 3 – ISS e lei complementar. 4 – Inconstitucionalidade do ISS. Conclusão. Bibliografia

INTRODUÇÃO.

O presente trabalho tem como objetivo principal analisar a constitucionalidade da cobrança do Imposto sobre Serviços – ISS sobre os emolumentos notariais e de registro determinada pela Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. A referida lei dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências, tornando cogente o ISS sobre os emolumentos auferidos pelos atos praticados pelas serventias notariais e registrais.

A fim de esclarecer o tema em questão, inicialmente, será apresentada a natureza jurídica dos serviços notariais e de registro, bem como a natureza jurídica dos emolumentos cobrados em função dos serviços prestados pelos tabeliães e oficiais de registro. Será, ainda, examinado o Imposto sobre Serviços – ISS em seu aspecto geral: natureza jurídica, seu fato gerador e sua base de cálculo.

Ademais, serão indicados os efeitos da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 no que concerne aos emolumentos registrais e notariais, elucidando a polêmica questão acerca da constitucionalidade da cobrança do Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre os emolumentos oriundos dos atos praticados pelos notários e registradores.

Por fim, será exposto o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal – STF a respeito da constitucionalidade da incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre as atividades notariais e registrais ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 3.089, ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg).

Vale observar que o presente trabalho não tem o objetivo de encerrar a polêmica em questão. Mas, apenas incentivar o debate de todos os interessados, especialmente, dos titulares de serventias notariais e de registro.

1 – NATUREZA JURÍDICA DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO.

A fim de analisar a cobrança do Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre os emolumentos pagos pelos atos praticados nas serventias notariais e registrais, necessário se faz, inicialmente, apresentar a natureza jurídica dos serviços notariais e de registro. O estudo da natureza jurídica tem como objetivo esclarecer a constitucionalidade ou não da cobrança do Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre os emolumentos.

De acordo com o artigo 236 da Constituição Federal de 1988, os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, conforme abaixo:

“Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. (Regulamento)

§ 1º – Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º – Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º – O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.” (grifo nosso).

Ademais, a Lei n. 8.935/04, a qual regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro, mais conhecida como a Lei dos cartórios, conceitua que os serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Define, ainda, que notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.

O exercício dessa função é delegado pelo Poder Público a um particular. Por esta razão, tais serviços são chamados também de serviços extrajudiciais, ou seja, não fazem parte das funções típicas do Poder Judiciário. Note-se que, os serviços notariais e de registro são de natureza pública, mesmo sendo exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

 Corroborando tal entendimento, cita-se o posicionamento do professor Walter Ceneviva1, o qual afirma que “notários e registradores são profissionais do direito, mas praticantes de serviço do interesse público decorrente das garantias de estabilidade e de comprovação do direito resultantes de sua atuação”.

Outrossim, analisando acerca da natureza jurídica da atividade notarial, a autora Juliana de Oliveira Xavier Ribeiro2, faz um levantamento histórico, constatando que “os serventuários de cartórios eram considerados servidores públicos, isto é, pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos”. A autora acrescenta, ainda que “o constituinte de 1988 optou pelo exercício em caráter privado, por delegação do serviço público das atividades extrajudiciais notariais e de registro”.

Corroborando tal entendimento, cita-se a ADI 1378 MC/ES, tendo como Relator o Min. Celso de Mello (DJ de 30.05.97, p. 23175), na qual o mesmo esclarece que “a atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime jurídico de direito público”.

Neste aspecto, interessante mencionar o acórdão da Corte Suprema:

 “Ementa: CONSTITUCIONAL. INTERPRETAÇÃO DO ART. 236, PAR. 1., DA CF, E DA LEI 8.935, DE 18.11.1994, ARTS. 22, 28 E 37. 1. O NOVO SISTEMA NACIONAL DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS IMPOSTO PELA LEI 8.935, DE 18.11.1994, COM BASE NO ART. 236, PAR. 1., DA CF, NÃO OUTORGOU PLENA AUTONOMIA AOS SERVIDORES DOS CHAMADOS OFICIOS EXTRAJUDICIAIS EM RELAÇÃO AO PODER JUDICIARIO, PELO QUE CONTINUAM SUBMETIDOS A AMPLA FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DOS SEUS SERVIÇOS PELO REFERIDO PODER. (…) 3. O TEXTO DA CARTA MAIOR IMPÕE QUE OS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO SEJAM EXECUTADOS EM REGIME DE CARATER PRIVADO, POREM, POR DELEGAÇÃO DO PODER PUBLICO, SEM QUE TENHA IMPLICADO NA AMPLA TRANSFORMAÇÃO PRETENDIDA PELOS IMPETRANTES, ISTO E, DE TEREM SE TRANSMUDADOS EM SERVIÇOS PUBLICOS CONCEDIDOS PELA UNIÃO FEDERAL, A SEREM PRESTADOS POR AGENTES PURAMENTE PRIVADOS, SEM SUBORDINAÇÃO A CONTROLES DE FISCALIZAÇÃO E RESPONSABILIDADES PERANTE O PODER JUDICIARIO. (…)”. (grifo nosso). (ROMS 7730 / RS ; RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 1996/0061180-7; Fonte DJ DATA:27/10/1997 PG:54720 Relator Min. JOSÉ DELGADO; Data da Decisão 01/09/1997; Órgão Julgador T1 – PRIMEIRA TURMA)

Neste caso, importante, observar, ainda que “a administração pública atribui atividade própria a um ente, denominado delegatário. Estes são particulares que, ao desempenhar funções que caberiam ao Estado, colaboram com a administração pública, sem se enquadrar na definição de servidor público”, conforme esclarece a autora acima citada. Portanto, desta forma, os titulares das serventias notariais e registrais são agentes públicos inseridos na categoria de particulares em colaboração com o Poder Público.

Discorrendo melhor sobre a natureza dos titulares das serventias notariais e de registro, segue abaixo o aresto, proveniente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

“Ementa: (…) I – AS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PELOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO ESTÃO SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, DE MODO QUE, EM QUE PESE À CONDIÇÃO DE PRESTADOR DE SERVIÇO EXERCIDO EM CARÁTER PRIVADO, POR DELEGAÇÃO DO PODER PÚBLICO, CONFORME PREVISÃO DO ART. 236 DA CF, NÃO PODEM OS CARTÓRIOS SE FURTAR AO CUMPRIMENTO DAS NORMAS RELATIVAS A DIREITO DO CONSUMIDOR. ADEMAIS, A RELAÇÃO DE SUBORDINAÇÃO DOS OFÍCIOS EXTRAJUDICIAIS À FISCALIZAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NADA TEM A VER COM A RELAÇÃO DE MERCADO QUE MANTÊM ENQUANTO PRESTADORES DE SERVIÇOS.(…) Decisão: CONHECER DO RECURSO E A ELE NEGAR PROVIMENTO. UNÂNIME.” Classe do Processo : APELAÇÃO CÍVEL 20000110427153APC DF ; Registro do Acordão Número : 157783; Data de Julgamento : 09/05/2002 ; Órgão Julgador : 3ª Turma Cível ; Relator : WELLINGTON MEDEIROS ; Publicação no DJU: 21/08/2002 Pág. : 87 (até 31/12/1993 na Seção 2, a partir de 01/01/1994 na Seção 3)

Ademais, de acordo com os autores Lair da Silva Loureiro Filho e Claudia Regina Magalhães Loureiro3, “o titular desses serviços é um delegado do Poder Público. Delegação é um instituto de direito administrativo, consistindo na transferência de atribuições de um órgão (no caso o Poder Público) para outro”.

A respeito do assunto, o professor Walter Ceneviva4, na sua famosa obra Lei dos Registros Públicos Comentada, esclarece que “o titular da serventia de registros ou de notas é agente público: atua o poder do Estado, razão porque este o sujeita a fiscalização e controle segundo métodos da própria administração, mesmo sendo exercente de atividade com caráter privado”.

Além disso, a própria Lei dos Emolumentos, Lei n. 10.169/00 (que regula o §2º do art. 236 da Constituição Federal, mediante o estabelecimento de normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro), em seu artigo 2º confirma a natureza pública desses serviços, legitimando de vez tal entendimento.

“Art. 2º  Para a fixação do valor dos emolumentos, a Lei dos Estados e do Distrito Federal levará em conta a natureza pública e o caráter social dos serviços notariais e de registro, atendidas ainda as seguintes regras: (grifo nosso).

I – os valores dos emolumentos constarão de tabelas e serão expressos em moeda corrente do País;

II – os atos comuns aos vários tipos de serviços notariais e de registro serão remunerados por emolumentos específicos, fixados para cada espécie de ato;

III – os atos específicos de cada serviço serão classificados em:

a) atos relativos a situações jurídicas, sem conteúdo financeiro, cujos emolumentos atenderão às peculiaridades socioeconômicas de cada região;

b) atos relativos a situações jurídicas, com conteúdo financeiro, cujos emolumentos serão fixados mediante a observância de faixas que estabeleçam valores mínimos e máximos, nas quais enquadrar-se-á o valor constante do documento apresentado aos serviços notariais e de registro.

Parágrafo único. Nos casos em que, por força de lei, devam ser utilizados valores decorrentes de avaliação judicial ou fiscal, estes serão os valores considerados para os fins do disposto na alínea b do inciso III deste artigo.”

2 – NATUREZA JURÍDICA DOS EMOLUMENTOS.

Outra polêmica é a respeito da natureza jurídica dos emolumentos. Considera-se emolumento a retribuição pecuniária cobrada por atos praticados pelo notário e pelo registrador, no âmbito de suas respectivas competências, e têm como fato gerador a prática de atos pelos titulares. Sendo que o valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados, conforme parágrafo único do art. 1˚ da Lei n. 10.169/00.

Sobre o assunto, importante esclarecer que a remuneração dos notários e registradores não é feita diretamente pelo Estado. Os serviços são remunerados pelos particulares que os utilizam, pagando pelos atos requeridos, os emolumentos. Entende-se, portanto, por emolumentos dos notários e registradores, a remuneração desses profissionais paga diretamente pelos usuários dos respectivos serviços prestados.

Desta forma, o emolumento, enquanto prestação desses serviços, é considerado pela doutrina e jurisprudência como tributo, mais especificamente como pertencente à categoria de taxas. Sobre o assunto, a autora Juliana Ribeiro5, afirma que:

“O artigo 77 do CTN ressalta que as taxas têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. As taxas pelo exercício regular do poder de polícia são denominadas taxa de polícia, enquanto as taxas devidas pela utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição, qualificam-se como taca de serviço. Importante ressaltar que os emolumentos sãs taxas de serviço. Sendo assim, os emolumentos retribuem a utilização efetiva ou potencial do serviço notarial e de registro, que tem natureza de serviço público específico (prestado em unidades autônomas) e divisível (suscetível de utilização, separadamente, por parte de cada usuário), prestado ao contribuinte”. (grifo nosso).

Destaca-se que o Supremo Tribunal Federal já proferiu seu entendimento no sentido de que os emolumentos (art. 236, § 2º da CF e Lei Federal nº 10.169, de 29.12.2000) têm a natureza tributária de taxa. Na ADI 1378 MC/ES (Relator o Min. Celso de Mello – DJ de 30.05.97, p. 23175) conta, de forma clara, o atual posicionamento acerca da natureza juridica dos emolumentos recebidos pelos notários e registradores:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CUSTAS JUDICIAIS E EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS – NATUREZA TRIBUTÁRIA (TAXA) – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em conseqüência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade. Precedentes. Doutrina. (STF – ADIn 1.378-5 – TP – Rel. Min. Celso de Mello – DJU 23.05.1997) JCF.236”. (grifo nosso).

Depois de verificar que os serviços notariais e registrais, exercidos por esses profissionais do direito, que são considerados agentes públicos, possuem natureza pública; e que a natureza dos emolumentos tem natureza de taxa de serviço público, adentraremos, no próximo capítulo: a questão da incidência do ISS sobre os emolumentos analisando a Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, bem como a posição jurisprudencial e doutrinária.

3 – ISS E LEI COMPLEMENTAR.

O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza consiste em espécie do gênero tributo. De acordo com o artigo 3º do Código Tributário Nacional – Lei Federal n. 5.172/66, tributo é “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. O ISS está devidamente previsto no artigo 156 da Carta Magna:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993).” (grifo nosso).

O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa à Lei Complementar 116/2003, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador. Sobre esse aspecto, leciona Aliomar Baleeiro6:

“Constitui fato gerador do Imposto de Serviços de Qualquer Natureza, a prestação desses serviços, previstos em lei complementar, por pessoa física ou jurídica de Direito Privado, com estabelecimento fixo, ou sem ele, desde que tal atividade não configure, por si só, fato gerador de imposto de competência da União ou dos Estados. Assim, o tributo abrange também quem presta os serviços como itinerante ou a domicílio de outrem. Lei complementar especificará os serviços tributáveis pelo imposto municipal”.

 A prestação de serviços, por pessoa física ou jurídica, previstos expressamente na lista anexa da referida lei complementar acarreta a incidência do ISS. Ademais, não poderá ser fato gerador de impostos dos Estados ou da União, conforme enfatiza o autor Ricardo Cunha Chimenti7:

“O fato gerador do ISS é a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço de qualquer natureza, enumerados em lei complementar de caráter nacional, desde que tais serviços não estejam compreendidos na competência dos Estados. Ou seja, somente pode ser cobrado ISS daqueles serviços (físicos ou intelectuais) previstos na lista que acompanha a legislação pertinente e que não estejam compreendidos na área do ICMS”.

De acordo com o artigo 7º, da Lei Complementar n. 116/03, a base de cálculo é o preço do serviço prestado. E instituição, neste caso, é de competência dos municípios. As alíquotas máximas e mínimas serão fixadas através de lei complementar, a qual abordará sobre as isenções, incentivos e benefícios fiscais, além da não incidência dos serviços para o exterior. Sobre tal aspecto o professor acima mencionado explica que:

“As alíquotas são fixadas pelo Município competente para a instituição do imposto, mas os inciso I, II e III do § 3º do art. 156 da Lei Maior, com a redação da Emenda Constitucional n. 37/2002, autorizam que lei complementar federal fixe as alíquotas máximas e mínimas do ISS, exclua de sua incidência exportações de serviços para o exterior e regule a forma como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Enquanto não for editada a lei complementar em relação a alíquota mínima de 2%, nos termos do art. 88 do ADCT, devendo ser respeitado o princípio da anterioridade.”

Nos termos da lei o ISS até 31.07.2003 foi regido pelo DL 406/1968 e alterações posteriores. A partir de 01.08.2003, o ISS passou a ser regido pela Lei Complementar 116/2003. Neste caso, contribuinte é o prestador do serviço.

Vale destacar que o serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos itens I a XXII do art. 3 da Lei Complementar 116/2003. Anteriormente a edição da LC 116/2003, o STJ manifestou entendimento jurisprudencial que o local de recolhimento do ISS é onde são prestados os serviços.

A Emenda Constitucional 37/2002, em seu artigo 3, incluiu o artigo 88 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, fixando a alíquota mínima do ISS em 2% (dois por cento), a partir da data da publicação da Emenda (13.06.2002). A alíquota mínima poderá ser reduzida para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968. A alíquota máxima de incidência do ISS foi fixada em 5% pelo art. 8, II,  da Lei Complementar 116/2003.

Ocorre que, a Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 (sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal) ao entrar em vigor trouxe profundas alterações nas serventias notariais e de registro, ao incluir, em sua lista, os serviços por eles prestados como fato gerador (hipótese de incidência) do Imposto Sobre Serviços (ISS):

“Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.

§ 1o O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País.

§ 2o Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.

§ 3o O imposto de que trata esta Lei Complementar incide ainda sobre os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço.

§ 4o A incidência do imposto não depende da denominação dada ao serviço prestado.”

Note-se que a referida lei menciona serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão. Desta forma, os serviços notariais e de registro estariam excluídos dessa lista, por serem serviços exercidos por meio de particulares através da delegação, conforme acima já explanado.

Com o intuito de melhor entendimento sobre o tema em questão, necessário se faz analisar a natureza jurídica do Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza (ISS), que está devidamente definido na Carta Magna em seu artigo 156, III:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993).” (grifo nosso).

 Considerando tal dispositivo legal, foi editada a Lei Complementar nº 116/03, na qual contém uma lista trazendo mais de 230 espécies de serviços que, após a entrada em vigor da lei, podem ser objeto de incidência do Imposto Sobre Serviços, por parte dos Municípios. Dentre as novas espécies de serviços, encontram-se os serviços notariais e de registro nos itens 21 e 21.1 da mencionada lista anexa à Lei Complementar objeto de análise:

“Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.

21 – Serviços de registros públicos, cartorários e notariais.

21.01 – Serviços de registros públicos, cartorários e notariais.” (grifo nosso)

Acerca do Imposto Sobre Serviços Aires F. Barreto8 apresenta um brilhante estudo detalhando as premissas desse imposto de extrema importância para uma melhor compreensão sobre o tema em questão:

“…já se pode conceituar serviço tributável pelo Município como sendo “o desempenho de atividade economicamente apreciável, sem subordinação, produtiva de utilidade para outrem, sob regime de direito privado, com fito de remuneração, não compreendido na competência de outra esfera de governo.

Decompondo as cláusulas desse conceito, tem-se:

a) desempenho de atividade: trata-se de um comportamento humano; do desenvolvimento de um esforço pessoal traduzido num ato ou conjunto de atos;

b) economicamente apreciável: de alguma forma, a atividade configuradora do serviço tributável há de ser apreciável economicamente. Deve ter um conteúdo ou significação econômica. Se se tratar de uma atividade sem valor, sem nenhum conteúdo econômico, sem nenhuma expressão mensurável, embora corresponda ao conceito de serviço, não será serviço tributável;

c) produtiva de utilidade: o resultado ou objeto da atividade é útil e, por isso, desejável, querido pelo destinatário. O comportamento do prestador tende a suprir ou preencher uma carência, deficiência, lacuna ou falta sentida pelo destinatário. O comportamento vem produzir a utilidade carente. Tal utilidade pode ser material ou não. A circunstância do resultado do comportamento ser material ou imaterial é irrelevante. O que importa é ter sido obtido como fruto do esforço humano de alguém;

d) para outrem: o tomador do serviço é sujeito essencial à figura da prestação de serviços. Não se pode cogitar de prestação de serviços sem que haja destinatário. Sempre que houver “prestação”, alguém “prestará” a outro. Um sujeito será prestador e outro será tomador ou destinatário. Para que se cogite de prestação de serviço, é forçoso que alguém seja o produtor e outrem, o consumidor;

e) sem subordinação: quando houver subordinação do prestador ao tomador do serviço, configura-se relação de emprego, contrato de trabalho (ou relação institucional de serviço público). Essa situação está excluída do conceito de serviço tributável, embora se integre no conceito amplo e genérico de serviço. A prestação do serviço tributável é só aquela objeto de contrato não trabalhista ou estatutário. Só quando o desempenho do prestador se faz em caráter autônomo, há prestação de serviço tributável;

f) sob regime de direito privado: é evidente que, se a prestação de um serviço se der sob regime de direito público, o próprio serviço passa a se qualificar como público, incidindo, sobre ele pois, o regime da imunidade a impostos. Há de prevalecer o princípio da autonomia de vontade, com a conseqüente autonomia contratual: isto exclui da definição toda prestação de serviço público. Deveras, o serviço há de ser objeto de um contrato a que livremente aderiram prestador e tomador. A isonomia entre ambos, na relação contratual, é essencial à denotação do serviço tributável. O contrato engendra obrigação de fazer, em oposição à obrigação de dar. O prestador do serviço ao assumir obrigação de fazer torna-se devedor, pelo contrato de prestação de serviço, de um determinado comportamento, consistente em praticar um ato ou uma série de atos (atividade), ou realizar uma tarefa da qual pode resultar uma vantagem para o tomador do serviço;

g) com fito de remuneração: o serviço tributável é prestado com o fito de obtenção de contrapartida equilibrada ou vantajosa, direta ou indireta. Seja atual ou futura, a remuneração é o móvel do prestador. É à sua vista que o prestador se dispõe à atividade em que o serviço se consubstancia. Tal remuneração, que pode ser direta ou não, é o correspectivo do cunho econômico do próprio serviço prestado;

h) não compreendido na competência de outra esfera de governo: o campo de incidência do ISS está balizado pela outorga de competência para tributar certos serviços ao Estado e ao Distrito Federal.”

Ao ensinar sobre a natureza jurídica do Imposto Sobre Serviços, em parecer encomendado pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), o professor Roque Antônio Carrazza9, explica que:

“Com estas breves anotações, desejamos pôr em destaque o perfil jurídico do ISS, tributo de competência municipal, já se encontra desenhado, com retoques à perfeição, no próprio Texto Magno. Deveras, ela traçou, com grande riqueza de pormenores, o contorno desta figura o legislador ordinário, ao instituí-la, não poderá superar uma série de limites constitucionais”.

Neste caso, o Imposto Sobre Serviços – ISS tem matriz constitucional, não podendo dele se afastar, sob pena de estar eivado de inconstitucionalidade. Como ocorre no caso da inserção dos serviços notariais e de registro nos itens 21 e 21.1 conforme acima indicados.

O ilustre professor aprofunda tal análise no sentido de que o Imposto Sobre Serviços, por sua própria natureza jurídica, apenas incide em prestações de serviços de direito privado, seja esta material ou imaterial, afastando, portanto, os serviços notariais e de registro, pois como já visto acima, esses serviços são de natureza pública, embora exercidos por particulares delegados pelo Poder Público para exercer tal função. Desta forma, tais serviços não podem estar incluídos na incidência do ISS, que conforme enfatizado pelo professor trata-se de prestação de serviços privados. No referido parecer o professor questiona:

“Mas que serviços podem ser alcançados pelo ISS?

Como demonstra Elizabeth Nazar Carrazza, podem ser alcançados pelo ISS, os serviços prestados – por particulares, empresas privadas, empresas públicas ou sociedade de economia mista – sob o regime de Direito Privado. Impede notar que só por amos à brevidade é que escrevemos que “podem ser alcançados pelo ISS os serviços prestados”. Na realidade, alcançáveis pelo ISS são as pessoas, físicas ou jurídicas, que prestam serviços, a terceiro, sob o regime de Direito Privado. (…).

Portanto, o serviço sobre o qual pode incidir o imposto em exame é o colocado in commercium (no mundo dos negócios), sendo submetido, em sua prestação, ao regime de direito privado, que se caracteriza pela autonomia da vontade e pela igualdade das partes contratantes. Essa idéia é suficientemente lata, de modo a albergar toda e qualquer prestação de utilidade, assim material (v.g., uma obra de engenharia), que imaterial (p. ex., os serviços prestados por profissionais liberais stricto sensu), que não tipifique serviço público”.

Portanto, é certo que o Imposto Sobre Serviço só incide sobre o regime jurídico de direito privado, não aplicando ao direito público, não sendo atingidos os serviços notariais e de registro, por serem de natureza pública.

Além disso, deve-se levar em consideração que existe uma imunidade recíproca entre os entes federados a respeito de tributação, não podendo, portanto, o município cobrar imposto sobre um serviço público desenvolvido pelo Estado membro ou pelo Distrito Federal, conforme ensinamentos do Professor Osiris de Azevedo Lopes Filho10 em seu parecer proferido a pedido da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg):

“Em harmonia constitucional, o art. 150, inciso VI, alínea “a” da C.F., afirma a isonomia de tratamento entre as pessoas políticas constitucionais, ao determinar a impossibilidade, pelo princípio da imunidade recíproca, de a União, os Estados, Distrito Federal e os Municípios “instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros.” A rigor, seria desnecessária a explicação realizada. É que o poder de tributar, supõe a supremacia do ente tributante sobre o tributado. Adotada a Federação como forma de estruturação do Estado Brasileiro, impossível a exigência recíproca de impostos. A isonomia de tratamento entra os entes federados decorrente da instituição federativa impossibilita haja a superioridade de um ente federativo sobre o outro. Tem-se assim, que carece o Município, bem como o Distrito Federal, de poder para exigir ISS da União e de Estado-Membro da Federação. A imunidade recíproca é extensiva “às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas atividades ou às delas decorrentes” (art. 150, § 2º da C.F.) e não se aplica “ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel (art. 150, § 2º, da C.F.)” (grifo nosso).

Acerca da discussão em questão, o autor acrescenta, ainda que:

“Resulta da dicção constitucional que a atuação estatal na prestação de serviços públicos não é suscetível à incidência de impostos. Com relação às entidades que se destacam da estrutura centralizada do estado, para ganhar agilidade e eficácia na prestação de serviços típicos do Poder Público – as autarquias e as fundações criadas e mantidas pelo Estado – a imunidade é condicionada, posto que somente abrange o patrimônio, a renda e os serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou delas decorrentes, e desde que não estejam relacionadas com a exploração de atividade econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços e tarifas pelo usuários.

Assim, se o fato gerador in abstracto for uma autuação estatal, o tributo correspondente será taxa ou contribuição; pó impossibilidade constitucional, jamais será imposto. Portanto, a prestação de serviço público, típica à autuação estatal, não pode configurar fato gerador, ai incluído o ISS” (grifo nosso).  

Desta maneira, considerando a natureza jurídica do Imposto Sobre Serviços – ISS, que atua fundamentalmente nas relações de direito privado, tal imposto não pode ser aplicado sobre um serviço público, mesmo que esse serviço seja exercido por um particular por delegação do Poder Público, pois não será descaracterizada a sua natureza de atividade pública, pois são vinculados e específicos.

O que se verifica é que as taxas são espécies tributárias destinadas, especificamente, a remunerar o serviço público que cabe ao Estado prestar. Por este fato, são classificadas como tributos vinculados, que dependem de uma prestação do Estado, embora realizadas mediante delegação, para que sejam exigidos. Diferentemente é o regime típico dos impostos, que têm por hipótese de incidência fatos que não guardam qualquer relação com a prestação de serviços públicos. Portanto, a Lei Complementar nº 116/03 é eivada de inconstitucionalidade que macula sua perfeita aplicação e observância pelas legislações locais.

Em função desse novo diploma legal, incluindo os serviços notariais e de registro como fato gerador (hipótese de incidência) do Imposto Sobre Serviços (ISS), cada município reformulou suas legislações a fim de buscar a autuação das serventias, as quais, em sua defesa, alegam a imunidade tributária recíproca, prevista na Constituição Federal, sendo iniciada uma guerra jurídica que culminou no enfrentamento perante o Supremo Tribunal Federal, decidindo pela constitucionalidade da cobrança do imposto, que será analisado no próximo capítulo.

4 – INCONSTITUCIONALIDADE DO ISS.

Ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 3.089, ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), o Supremo Tribunal Federal – STF decidiu, por 10 votos a 01, que é constitucional a cobrança do ISS sobre os serviços prestados por cartórios.

A votação, iniciada em abril de 2007, foi encerrada com 10 votos a um afirmando ser constitucional o item da Lei Complementar nº 116, de 2003, segundo o qual os serviços notariais e de registros exercidos pelo delegado sofrem incidência do ISS.

Sobre o assunto, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg) esclarecia que os serviços notariais e registrais são serviços de natureza pública, prestado em regime de concessão pelo Estado, e sua tributação pelas prefeituras implicaria a quebra do pacto federativo.

O único voto em favor da inconstitucionalidade foi o relator da ação, Carlos Britto. De acordo com o ministro, serviço notarial é de natureza pública, mas exercido em caráter privado. Os outros ministros alegam que a atividade é apenas delegada pelo Estado, sendo permitida a tributação. O ministro Joaquim Barbosa destacou que o serviço dessas serventias não é diferente de outros serviços prestados por meio de concessão, como o fornecimento de energia, telefonia, gás encanado ou concessões de rodovias.

Outrossim, o ministro Sepúlveda Pertence, já aposentado, foi o primeiro a votar pela constitucionalidade da cobrança, ainda em setembro de 2006, quando a questão começou a ser discutida no Plenário do Supremo. Ele enfatizou que o serviço notarial e de registro é uma atividade estatal delegada, mas, enquanto atividade privada, é um serviço sobre o qual nada impede a incidência do ISS. Afastou ainda o argumento segundo o qual “um imposto não poderia incidir sobre uma taxa”. “Se levarmos às últimas conseqüências tal alegação, então os titulares de serventias não terão que pagar IR”.

O ministro Joaquim Barbosa, segundo a votar pela constitucionalidade da cobrança, em abril de 2007, assegurou que nada impede a cobrança do ISS sobre uma atividade explorada economicamente por particular. Também acompanharam esse entendimento a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha e os ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Gilmar Mendes. Ao finalizarem o julgamento da ação, os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ellen Gracie aderiram ao entendimento da maioria.

De acordo com o advogado Omar Augusto Leite Melo11, os efeitos dessa decisão são:

“Art. 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/99:

“A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

Portanto, nenhum outro órgão judiciário poderá proferir decisão contrária ao entendimento do STF, o que imprime segurança aos Municípios para tributarem os serviços notariais e de registro.”

Com a inserção dos serviços notariais e de registro na lista de serviços tributados pelo ISS com a Lei Complementar nº 116, de 2003, iniciou-se uma batalha judicial com centenas de ações e muitas liminares contra a cobrança.

Ao analisar a questão da constitucionalidade ou não dos itens 21 e 21.1 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar n. 116, de 31 de julho de 2003, o Procurador- Geral da República, Cláudio Fonteles12 esclarece em parecer que:

“De acordo com clássica divisão dos tributos em vinculados e não vinculados, conforme os ensinamentos de GERALDO ATALIBA, as taxas são tributos vinculados a um serviço público ou ao exercício do poder de polícia. Por outro lado, os impostos, na dicção do art. 16 do CTN, são tributos cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. Com essas considerações, afere-se prontamente que sobre os serviços públicos notariais e de registro somente poderá incidir a taxa de serviço, restando impossibilitada a cobrança de imposto, sob pena de violação frontal à norma constitucional do art. 145, § 2o, da CRF/88. Deveras, se as taxas não podem ter base de cálculo própria de impostos, a recíproca se faz verdadeira, não se podendo também instituir impostos vinculados a um serviço público específico e divisível, como é o caso do serviço de registros públicos, cartorários e notariais.

Nesse sentido, a incidência do ISS sobre serviços já tributados por meio de taxa, ou seja, a estipulação para o ISS de hipótese de incidência idêntica à das taxas cobradas pela prestação dos serviços notariais, configura violação clara ao princípio da intangibilidade do fato gerador pré-tributado por meio de taxa. É dizer, a norma ora impugnada, ao permitir a utilização, como base para o cálculo do ISS, dos serviços notariais e registrais, já tributados mediante taxa de serviço, institui inegável bis in idem tributário, uma vez que tanto o ISS quanto os emolumentos terão a mesma hipótese de incidência.

Portanto, conclui-se que os itens 21 e 21.1 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar no 116, de 31 de julho de 2003 são inconstitucionais, por violação direta aos artigos 145, II e § 2o, 150, VI, “a” e 236, caput, da Constituição da República.

 Ante o exposto, o parecer é pela procedência do pedido, para declarar a inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.1 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar no 116, de 31 de julho de 2003.” (grifo nosso).

Desta forma, destaca-se que a inclusão dos serviços notariais e de registro na Lista anexa à Lei Complementar n. 116/03, e a conseqüente incidência do ISS sobre os atos praticados pelos titulares dessas serventias, é eivada de inconstitucionalidade, por possuírem imunidade tributária, configurando em uma tributação totalmente indevida.

O professor Àlvaro Melo Filho13 em seu artigo intitulado “ISS sobre emolumentos notariais e registrais – Equívocos e injuridicidades da incidência” leciona que:

“Impende deixar claro, ainda, que os emolumentos não se confundem com “tarifa, preço ou pedágio” (§ 3º do art. 1º da LC nº 116/03), até porque sua fixação ou quantificação resulta de lei, de cada unidade federativa, no exercício de competência concorrente, para atendimento das peculiaridades locais; ou seja, não é tarifa, nem preço, nem pedágio, dado que, nestas hipóteses, é o valor cobrado pela prestação de serviços públicos por empresas públicas, sociedades de economia mista, empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos. Os ofícios notariais e registrais não são empresa pública ou privada e nem sociedade de economia mista, mas titularizados por pessoas físicas responsáveis por aqueles serviços, inviabilizando, também por esta ótica, sua inclusão na lista definidora do ISS anexa à LC nº 116/03”. (grifo nosso).

O professor acrescenta, ainda, a respeito da inconstitucionalidade da cobrança do ISS sobre os atos praticados por notário e registradores, concluindo que:

“Diante das observações feitas, deflui-se e conclui-se, sem o mais mínimo malabarismo exegético contorcionista, sobretudo quando a mens legis não dá azo a interpretação diversa, que delegação e emolumentos são expressões alheias e inexistentes no § 3º do art. 1º da LC nº 116/03; conseqüentemente, refogem à órbita de incidência do ISS, sendo, assim, insustentável a mantença do item 21.01 da nova Lista de Serviços anexa àquele diploma legal, por afrontar postulados e normas constitucionais, malferir a legislação infra-legal aplicável, ofender a doutrina e atropelar a jurisprudência sobre a matéria aqui examinada.

Enfim, como preleciona Konrad Hesse, “todos os interesses momentâneos – ainda quando realizados – não logram compensar o incalculável ganho resultante do comprovado respeito à Constituição”, especialmente quando, o apontado item 21.01, da tão realçada Lista de Serviços da LC nº 116/03, classifica-se como hipótese tributária abusiva, visivelmente írrita, insubsistente, nula e desvestida de qualquer validade e consistência jurídicas, e, portanto, insusceptível de produzir quaisquer efeitos jurídicos.”

Ultrapassada essa discussão a respeito da inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 116/03, outra se torna importante quando se considera que tal lei seja constitucional: notadamente quanto à base de cálculo do tributo que deve ser cobrado sobre tais serviços.

A Lei n. 8.935/94, a Lei dos Notários e Registradores, é a base legal que define a função, responsabilidades e serviços delegados. Esses particulares delegados, conforme estabelece a referida lei, possuem independência administrativa, tanto que podem contratar tantas pessoas quantas forem necessárias para o fiel cumprimento das suas atividades.

Entretanto, os titulares das serventias não podem transferir a responsabilidade, a qual sempre será pessoal do tabelião ou registrador, o qual preencheu uma série de requisitos (ingresso por concurso público, nacionalidade brasileira, capacidade civil, etc.) para desempenhar a função e, se subordina a uma série de controles e fiscalizações, caracterizando a pessoalidade do serviço prestado, não podendo ser considerado como uma atividade empresarial, dada as peculiaridades que envolvem a função evidentemente personalíssima.

De acordo com a Lei Complementar n. 116/2003 a alíquota máxima adotada é de até 5%, aderindo como base de cálculo a receita bruta auferida em caso de pessoas jurídicas. Em relação às pessoas físicas, as quais exercem trabalho pessoal a lei manteve alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho, tendo em vista a vigência do Artigo 9º, § 1º, do Decreto-Lei 406/68, que não foi revogado pela LC 116.

Ora, como acima exaustivamente explicitado, os tabeliães, notários e registradores públicos estão sujeitos, como pessoas físicas, ao IR das receitas que auferem, não podendo suportar novo imposto que utilize a mesma base de cálculo, por ocasionar evidente bi-tributação.

Desta forma, é inegável a bi-tributação ao utilizar a base de cálculo que já é utilizada para tributação da pessoa física dos tabeliães e oficiais de registros, bem como a inconstitucional os itens 21 e 21.1 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/03, de 31 de julho de 2003, por violação aos artigos 145, II e § 2º, 150, VI, “a” e 236, caput, da Constituição Federal.

CONCLUSÃO.

Os serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, conforme estabelece o artigo 1º da Lei dos Notários e Registradores (Lei n. 8.935/94).

A referida lei, em seu artigo 3º, define que Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.

Verifica-se, portanto, que os serviços notariais e de registro são considerados serviços públicos exercidos em caráter privado através de delegação pelo Poder Público, de acordo com o que estabelece o artigo 236, caput da Carta Magna.

Para a realização dos atos efetuados pelos tabeliães e registradores, os interessados ao ato têm que pagar os emolumentos, e não a impostos sobre serviço. Os emolumentos possuem natureza de taxa. E esta, por força do artigo 145, § 2º não pode ter base de cálculo própria de imposto, e este não pode ter base de cálculo de taxa. A cobrança, neste caso, configura bis in idem tributário, uma vez que os serviços prestados pelas serventias notariais e de registro já são tributados mediante taxa.

Ademais, a imunidade recíproca, estabelecida no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal, veda à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal instituir e cobrar impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros.

Outrossim, considerando a natureza jurídica do Imposto Sobre Serviços – ISS, que atua fundamentalmente nas relações de direito privado, tal imposto não pode ser aplicado sobre um serviço público, mesmo que esse serviço seja exercido por um particular por delegação do Poder Público, pois não será descaracterizada a sua natureza de atividade pública, pois são vinculados e específicos.

Portanto, conclui-se que os itens 21 e 21.1 da lista de serviços anexa à Lei complementar n. 116/03 são inconstitucionais por evidente violação aos art. 145, II e § 2º, 150, VI, “a” e 236, caput, da Carta Magna.

 

Bibliografia.
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RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Direito Notarial e Registral. Rio de janeiro: Elsevier, 2008.
 
Notas:
1 CENEVIVA, Walter. Lei dos Notários e dos Registradores Comentada. 6. ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 23.
2 RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Direito Notarial e Registral. Rio de janeiro: Elsevier, 2008, p. 3.
3 LOUREIRO FILHO, Lair da Silva; LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães. Notas e Registros Públicos. 2. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 3.
4 CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. 18. ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p.56.
5 RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Direito Notarial e Registral. Rio de janeiro: Elsevier, 2008, p. 13.
6 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. 10. Ed. Re. E atual. por Flávio Bauer Novelii. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 291.
7 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Direito Tributário. 8. Ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 172.
8 BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na Lei, Dialética, São Paulo: 2003, p. 35-36.
9 Extraído fragmento do parecer constante na Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) n. 3.089 ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg).
10 Parecer proferido pelo Professor Osiris de Azevedo Lopes Filho solicitado pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) n. 3.089.
11 Autor do Livro “ISS sobre cartórios”. Informação extraída do site http://www.ssparaiso.mg.gov.br/novo/arquivos/ISS_SOBRE_CARTORIOS.pdf. Acesso em 14. mai. 2009.
12 Parecer da Procuradoria Geral da República – ADIN 3.089 extraído do site http://www.irib.org.br/notas_noti/boletimel1038.asp. Acesso em 15. mai. 2009.
13 Professor de Direito Registral Imobiliário – Graduação e Pós-graduação da UFC.  Mestre e  Livre-Docente em Direito. Advogado. Autor de 35 livros jurídicos. Extraído do site http://www.irib.org.br/notas_noti/boletimel1038.asp. Acesso em 05. jun. 2009.

Informações Sobre o Autor

Luisa Helena Cardoso Chaves

advogada, pós-graduada em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV. Possui, ainda, especialização em Curso Regular pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (2008), aperfeiçoamento em Direito da Tecnologia da Informação pela Fundação Getúlio Vargas – RJ (2008) e aperfeiçoamento em Propriedade Intelectual pela Fundação Getúlio Vargas – RJ (2006).

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