Legitimidade ativa do sindicato para ação coletiva e eficácia da sentença coletiva: análise de caso

Resumo: O presente artigo tem por escopo analisar as espécies de direitos transindividuais, a legitimidade ativa dos sindicatos para a propositura de ação coletiva e a eficácia da sentença coletiva, por meio de um caso concreto.

Palavras-Chaves: Ação Coletiva. Legitimidade Ativa. Sindicato. Eficácia da Sentença Coletiva

Abstract: This article intends to analyze the kinds of trans-individual rights, the active legitimacy of the workers unions for the filing of class action and the effectiveness of the collective decision, in accordance to a practical case.

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Keywords: Class Action. Active Legitimacy. Workers Union. Effectiveness of the Collective Decision

Sumário: Introdução. 1. Breve síntese do caso em análise. 2. Fundamentos jurídicos do acórdão. 2.1. A qualificação dos direitos transindividuais. 2.2. A legitimidade ativa dos sindicatos. 2.3. A eficácia da sentença coletiva. Conclusão. Referências.

Introdução

O presente trabalho consiste na análise do acordão prolatado quando do julgamento do Recurso Especial 1.243.386 – RS, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, assim ementado:

“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA AJUIZADA POR SINDICATO. SOJA TRANSGÊNICA. COBRANÇA DE ROYALTIES. LIMINAR REVOGADA NO JULGAMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO DA AÇÃO COLETIVA. LEGITIMIDADE DO SINDICATO. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. EFICÁCIA DA DECISÃO. LIMITAÇÃO À CIRCUNSCRIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR. 1. O alegado direito à utilização, por agricultores, de sementes geneticamente modificadas de soja, nos termos da Lei de Cultivares, e a discussão acerca da inaplicabilidade da Lei de Patentes à espécie, consubstancia causa transindividual, com pedidos que buscam tutela de direitos coletivos em sentido estrito, e de direitos individuais homogêneos, de modo que nada se pode opor à discussão da matéria pela via da ação coletiva. 2. Há relevância social na discussão dos royalties cobrados pela venda de soja geneticamente modificada, uma vez que o respectivo pagamento necessariamente gera impacto no preço final do produto ao mercado. 3. A exigência de pertinência temática para que se admita a legitimidade de sindicatos na propositura de ações coletivas é mitigada pelo conteúdo do art. 8º, II, da CF, consoante a jurisprudência do STF. Para a Corte Suprema, o objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do 'writ', exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido nas atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio, da classe. Precedente. 4. A Corte Especial do STJ já decidiu ser válida a limitação territorial disciplinada pelo art. 16 da LACP, com a redação dada pelo art. 2-A da Lei 9.494/97. Precedente. Recentemente, contudo, a matéria permaneceu em debate. 5. A distinção, defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de autoridade da sentença, torna inóqua a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador. 6. O art. 2º-A da Lei 9.494/94 restringe territorialmente a substituição processual nas hipóteses de ações propostas por entidades associativas, na defesa de interesses e direitos dos seus associados. A presente ação não foi proposta exclusivamente para a defesa dos interesses trabalhistas dos associados da entidade. Ela foi ajuizada objetivando tutelar, de maneira ampla, os direitos de todos os produtores rurais que laboram com sementes transgênicas de Soja RR, ou seja, foi ajuizada no interesse de toda a categoria profissional. Referida atuação é possível e vem sendo corroborada pela jurisprudência do STF. A limitação do art. 2-A, da Lei nº 9.494/97, portanto, não se aplica. 7. Recursos especiais conhecidos. Recurso da Monsanto improvido. Recurso dos Sindicatos provido”. (REsp 1243386/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 26/06/2012).

A decisão que passaremos a tecer nossos comentários trata-se de um acórdão derivado de um Recurso Especial interposto pelo Sindicato Rural de Passo Fundo Sertão e Santiago e Sindicato Rural de Passo Fundo, objetivando impugnar acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento de agravo de instrumento, bem como interposto por Monsanto do Brasil Ltda.

1 – Breve síntese do caso em análise

Segundo se depreende do acórdão ora em comento, a ação coletiva ajuizada pelos Sindicatos recorrentes refere-se à manipulação genética da Soja promovida pela empresa Monsanto, que criou a semente transgênica "Soja Round-up Ready" (conhecida como "Soja RR"). A Monsanto, visando obter proteção patentária ao processo de criação das sementes, constituiu um sistema de cobrança baseado em royalties, taxas tecnológicas e indenizações pela utilização das sementes. Os Sindicatos, por outro lado, entendem que a questão teria de ser analisada sob a ótica da Lei de Cultivares, não pela Lei de Patentes. Dessa forma, seria permitido aos Sindicatos, independentemente do pagamento de qualquer taxa à Monsanto, titular da tecnologia, a reserva de sementes para replantio, a venda de produtos como alimento e, quanto a pequenos produtores rurais, a multiplicação de sementes para doação ou troca. Nesse sentido, os Sindicatos propuseram ação coletiva objetivando o reconhecimento do direito dos pequenos, médios e grandes sojicultores brasileiros, de reservar o produto de cultivares de soja transgênica, para replantio em seus campos de cultivo e o direito de vender essa produção como alimento ou matéria-prima, sem pagar a título de royalties, taxa tecnológica ou indenização.

Os Sindicatos, autores da demanda, formularam, ainda, pedido de medida liminar "inaudita altera parte" para que (i) fosse determinado o depósito judicial das taxas tecnológicas e indenizações que, pelo sistema criado pela Monsanto, eram retidas pelos adquirentes da Soja RR e pagos a ela, diretamente, em valor equivalente a 2% do preço de aquisição; e (ii) a publicação de edital no Diário Oficial e em jornais de ampla circulação, alertando os compradores para que promovessem o depósito dessa taxa em juízo.

Referida media liminar foi concedida e posteriormente reconsiderada em parte, a fim de determinar que o depósito das taxas tecnológicas e indenizações se limitasse a 1%, e que pudesse ser promovido pela Monsanto.

Foi interposto agravo de instrumento pela Monsanto arguindo, entre os pedidos, descabimento da ação coletiva para a defesa dos direitos em discussão, bem como a ilegitimidade dos Sindicatos para postular direitos em nome de todos os sojicultores brasileiros. Ementa no seguinte sentido:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO COLETIVA. COBRANÇA DE ROYALTIES. SOJA TRANSGÊNICA. CABIMENTO DA AÇÃO COLETIVA. DIREITOS COLETIVOS STRICTO SENSU E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. A inicial da ação coletiva congrega pedidos baseados em direitos coletivos stricto sensu (aqueles que não se pode apontar o titular específico, transindividuais, indivisíveis, mas que podem ser apontados um grupo detentor, bem definido por uma mesma relação entre seus participantes e o violador) e em direitos individuais homogêneos, cabíveis, em tese, a cada um dos demandantes em valor e especificação diferenciada, passíveis de postulação individual portanto, mas que admitem, sem dúvida, análise conjunta, porquanto decorrentes de situação idêntica e que aconselha uma mesma decisão a todos os casos. LEGITIMIDADE ATIVA PARA PROPOSITURA DA AÇÃO COLETIVA. REPRESENTAÇÃO ADEQUADA. As autoras amoldam-se às entidades definidas no art. 5º da Lei 8347/85 e no art. 82 do Código de Defesa do Consumidor, sendo partes legítimas para propor a ação coletiva. MÉRITO RECURSAL. TUTELA CAUTELAR DEFERIDA EM PRIMEIRO GRAU. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA TANTO. REFORMA DA DECISÃO. Ausente a verossimilhança do direito, mormente quando analisada a jurisprudência desta Corte quanto à matéria em debate, é de ser indeferida a tutela cautelar. Ademais, mesmo que se aceitasse toda a argumentação referente à presença do fumus boni iuris, a situação não se alteraria quanto à ausência do periculum in mora e da existência de risco de ocorrência de danos de incerta ou difícil reparação, que embasaram o deferimento do efeito suspensivo. PUBLICAÇÃO DE EDITAL DE PROPOSITURA DA DEMANDA COLETIVA. ART. 94 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PUBLICAÇÃO EM ÓRGÃO OFICIAL. PUBLICAÇÃO EM VEÍCULOS DE INFORMAÇÃO PARTICULARES SOB RESPONSABILIDADE E INTERESSE DOS DEMANDANTES. ALCANCE DAS DECISÕES PROFERIDAS NO FEITO. IRRELEVÂNCIA DA ABRANGÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO SINDICAL. RELEVÂNCIA DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL DO ÓRGÃO PROLATOR DAS DECISÕES. ART. 16 DA LEI 7347/85. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA LIMITAÇÃO QUANDO DAS PUBLICAÇÕES. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.” (Agravo de Instrumento Nº 70029816055, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 10/06/2009).

No recurso especial interposto pelos Sindicatos alegou-se violação os artigos 103, II e III do Código de Defesa do Consumidor, discutindo-se a eficácia erga omnes da decisão judicial. Por outro lado, no recurso especial da Monsanto, alega-se a violação dos artigos 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor, além do artigo 5º da Lei de Ação de Civil Pública, abrindo a discussão no que tange (i) à caracterização dos direitos em análise como individuais homogêneos, para fins de proteção pelo Código de Defesa do Consumidor e Lei de Ação Civil Pública e (ii) legitimidade dos sindicatos para atuarem na defesa desse direitos, tendo em vista a sua pertinência temática.

2. Fundamentos jurídicos do acórdão

Após esses breves comentários acerca da ação coletiva que ensejou o acordão ora em comento, passaremos a analisar os fundamentos apresentados na decisão da Ministra Nancy Andrighi quando do julgamento do recurso especial.

Os pontos que serão abordados nos comentários ao logo desse trabalho, e que foram objetos da decisão, referem-se às seguintes questões: (i) se é possível o ajuizamento, por sindicato rural, de ação civil pública na qual se discute a possibilidade de os agricultores utilizarem, nos termos da Lei de Cultivares, a soja geneticamente modificada, cuja patente foi registrada em nome da empresa Monsanto; e (ii) se é razoável a limitação da eficácia da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento de medida liminar em ação coletiva, ao território em que é competente o juiz prolator.

Quanto à possibilidade do ajuizamento da ação coletiva por sindicato rural, nos termos da presente demanda, iremos analisar a impugnação dos dois feixes de argumentação: (i) primeiro no que se refere ao cabimento da ação coletiva, ou seja, se os direitos dos produtores rurais poderiam ser qualificados como difusos, coletivos ou individuais homogêneos, para fins de tutela coletiva; (ii) segundo, no que tange à legitimidade dos sindicatos autores para pleitear a tutela coletiva, tendo em vista que, no entendimento da Monsanto, referida atuação se afasta dos fins institucionais daquela entidade.

2.1. A qualificação dos direitos transindividuais.

O acórdão recorrido do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, após definir com maestria o que consistiria os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, entendeu que os Sindicatos pleitearam a defesa de direitos coletivos stricto sensu e direitos individuais homogêneos.

A Monsanto impugnou o acórdão sob o argumento de que cada agricultor teria uma situação peculiar, impedindo que seu direito seja coletivamente tutelado. Em segundo lugar, sustentou que os direitos discutidos na demanda não seriam indisponíveis, uma vez que não apresentariam suficiente relevância social para justificar sua tutela por uma ação coletiva.

Importante transcrever, nesse estudo, o entendimento do acórdão recorrido, que explicita cada pedido formulado pelos Sindicatos e os classifica de acordo com cada categoria de direito transindividual, vejamos:

“Tratam-se, sem dúvida alguma, de um misto de direitos coletivos ('strictu senso') e individuais homogêneos. Veja-se os pedidos postos na inicial do processo de origem:

a) reconhecer o direito dos pequenos, médios e grandes sojicultores brasileiros, de reservar o produto de cultivares de soja transgênica, para replantio em seus campos de cultivo e o direito de vender essa produção como alimento ou matéria-prima, sem nada mais pagar a título de royalties, taxa tecnológica ou indenização, segundo os termos do art. 10, incisos I e II da Lei 9.456/97;

b) reconhecer o direito dos pequenos produtores rurais brasileiros que cultivam soja transgênica, de doar ou trocar sementes reservadas a outros pequenos produtores rurais, nas circunstâncias que lhes faculta o art. 10, inciso IV, § 3º e incisos, da Lei de Cultivares 9.456/97;

c) decretar obrigação de não fazer às demandadas, no sentido de absterem-se da continuidade na cobrança de royalties, taxa tecnológica ou indenizações sobre a comercialização da produção da soja transgênica produzida no Brasil, permitindo tão-somente que a cobrança se processe no fornecimento de sementes efetivamente entregue aos agricultores;

d) rechaçar os procedimentos de autotutela praticados pelas demandadas, declarando-os nulos;

e) declaração de abusividade e onerosidade excessiva sobre os valores cobrados, decretando a nulidade da cobrança efetivada; e, sucessivamente, acaso validada, seja judicialmente estabelecido percentual não abusivo para adequadamente indenizar as demandadas, em índices que variam entre 0,06% a 0,10% sobre o valor da soja transgênica comercializada, preferindo o menor índice pelas razões anotadas;

f) condenar as demandadas à repetição dos valores indevidamente cobrados, atualizados com correção monetária pelos índices do IGPM/FGV e juros legais de 1% ao mês, incidindo desde a data do recolhimento da primeira cobrança exercitada na safra de 2003/2004 em diante..”

Vale esclarecer, inicialmente que as ações coletivas são regidas pelos ditames da Lei 7.347 de 1985 (Lei da Ação Civil Pública) e pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078 de 1990) e têm por objeto a tutela dos interesses transindividuais ou metaindividuais, os quais podem ser assim definidos por Hugo Nigro Mazzilli.

“Situados numa posição intermediária entre o interesse público e o interesse privado, existem os interesses transindividuais (também chamados de interesses coletivos, em sentido lato), os quais são compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas (…). São interesses que excedem o âmbito estritamente individual, mas não chegam propriamente a constituir interesse público. Sob o aspecto processual, o que caracteriza os interesses transindividuais, ou de grupo, não é apenas o fato de serem compartilhados por diversos titulares individuais reunidos na mesma relação jurídica ou fática. Mais do que isso, é a circunstância de que a ordem jurídica reconhece a necessidade de que o acesso individual dos lesados à Justiça seja substituído por um acesso coletivo, de modo que a solução obtida no processo coletivo não apenas deve ser apta a evitar decisões contraditórias como, ainda, deve conduzir a uma solução mais eficiente da ide, porque o processo coletivo é exercido em proveito de todo o grupo lesado[1]”.

Os interesses transindividuais abarcam os interesses difusos, os interesses coletivos strictu sensu e os interesses individuais homogêneos. Assim sendo, passaremos a analisar a temática referente à distinção entre as três categorias de direitos passíveis de defesa via ação coletiva para, então, concluir a categoria dos direitos presentes no acórdão ora em análise.

Os direitos difusos são definidos pelo inciso I do parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor. São os direitos “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”.

Já os direitos coletivos stricto sensu estão definidos no inciso II do parágrafo único do mesmo dispositivo, sendo aqueles "transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base".

Os interesses ou direitos individuais homogêneos, por sua vez, estão mencionados no inciso III do parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor, sendo aqueles “decorrentes de origem comum”.

Nesse sentido, os direitos e interesses difusos caracterizam-se pela indivisibilidade do objeto e indeterminabilidade de seus titulares, que estão unidos por circunstâncias fáticas.

No tocante à indivisibilidade do objeto, entende-se que o direito e interesse sobre referido bem pertence a todos, e a ninguém em particular, de sorte que a satisfação de um só implica a satisfação de todos, e a lesão de um só constitui lesão da inteira coletividade. Segundo Barbosa Moreira, a indivisibilidade do bem jurídico é “uma espécie de comunhão tipificada pelo fato de que a satisfação de um só implica, por força, a satisfação de todos, assim como a lesão de um só constitui, ipso facto, a lesão da inteira coletividade[2]”.  

No plano processual, a indivisibilidade do objeto repercute nos pedidos imediato e mediato, pois o que se pretende tutelar é um bem jurídico de toda a coletividade, que está sendo lesado ou ameaçado de lesão, prejudicando simultaneamente a todos. O pedido de cessação da lesão ou da ameaça, através das tutelas jurisdicionais adequadas, beneficiará e propiciará a satisfação de todos contemporaneamente.

No que se refere à indeterminabilidade dos titulares, entende-se que o provimento pleiteado serve para atender aos interesses de todos os lesados, independentemente de serem conhecidos. Assim, como exemplo, todos aqueles expostos à prática abusiva, mesmo que desconhecidos, poderão se beneficiar do provimento judicial exaurido.

A expressão “unidos por circunstâncias fáticas” significa que todas as pessoas que de alguma forma ficam expostas aos mesmos fatos podem sofrer danos advindos desta mesma circunstância fática, por isso não existe motivo para que não sejam defendidos coletivamente.

Os interesses coletivos stricto sensu, por sua vez, caracterizam-se pela indivisibilidade de seu objeto e pela determinabilidade de seus titulares, que estão ligados entre si, ou com a parte contrária por uma relação jurídica base, que seria o elemento comum.

Já vimos nos comentários acima o que seria a indivisibilidade do objeto, característica comum aos direitos difusos. Portanto, passaremos a traçar as considerações sobre os demais elementos caracterizadores dos direitos coletivos stricto sensu.

No que tange à determinabilidade dos seus titulares, podemos dizer que esta característica é a base da distinção entre os difusos e coletivos stricto sensu, pois naqueles as pessoas são indeterminadas, enquanto nestes os lesados são determinados pelo grupo, categoria ou classe de pessoas lesadas.

A existência de uma relação jurídica base (elemento comum) é outra diferença em relação aos direitos difusos, dado que nestes os lesados estão unidos por circunstâncias fáticas e nos coletivos stricto sensu existe uma relação jurídica base. Nas palavras de Kazuo Watanabe, “a relação jurídica base é preexistente à lesão ou ameaça de lesão do interesse ou direito do grupo, categoria ou classe de pessoas. Não a relação jurídica nascida da própria lesão ou da ameaça de lesão[3]”.

Vale trazer entendimento de Marinoni e Arenhart no que se refere a distinção entre direitos difusos e coletivos strictu sensu: “a diferença essencial entre os direitos difusos e coletivos (stricto sensu) reside no fato de que os direitos difusos pertencem, naturalmente, a pessoas indeterminadas, dissolvidas na sociedade, e que por meras circunstâncias fáticas estão ligadas entre si, enquanto os direitos coletivos (stricto sensu) têm como titular grupo, categoria ou classe de pessoas que estão ligadas entre si ou com o violador (ou potencial violador) do direito por uma relação jurídica base. Portanto, ao contrário do que ocorre com os direitos difusos, os coletivos permitem que se identifique, em um conjunto de pessoas, um núcleo determinado de sujeitos como ‘titular’[4]”.

Os interesses individuais homogêneos, por outro lado, caracterizam-se pela divisibilidade de seu objeto e pela determinabilidade de seus titulares, decorrendo a homogeneidade da origem comum.

Neste momento, cabe apenas destacar a característica da origem comum, critério este diferenciador dos diretos difusos e coletivos stricto sensu.

Portanto, a expressão origem comum, refere-se a interesses, direitos, que advém da mesma fonte, seja ela uma fonte jurídica (quando existe uma relação jurídica de qualquer espécie) ou fática, na forma do que acontece com os interesses difusos.

Assim nos ensina a Professora Consuelo Yoshida: “Enquanto os direitos e interesses difusos e coletivos dizem respeito a todos (universo de pessoas indeterminadas ligadas por relação meramente fatual, no primeiro caso, e grupo, categoria ou classe de pessoas unidas por uma relação jurídica base, na segunda hipótese), em razão da indivisibilidade do objeto, os direitos e interesses individuais homogêneos, diferentemente, referem-se aos direitos e interesses individuais (divisíveis) dos integrantes dessas duas universalidades de pessoas. São um feixe de direitos individuais (mais de um), considerados homogêneos porque decorrem de uma origem comum”[5].

Portanto, os interesses individuais homogêneos tanto podem estar presentes em situações que, também, envolvem interesses difusos como em que existam interesses coletivos stricto sensu, ou ainda pode a mesma ocorrência conter os três interesses cumulados.

O aprofundamento da análise da causa de pedir possibilita que se compreenda a razão pela qual as três modalidades de direitos e interesses metaindividuais, ao mesmo tempo que são inconfundíveis entre si, por suas características específicas, podem, no caso concreto, apresentar implicações, relações e interferências recíprocas, pois podem derivar da mesma causa de pedir.

Assim sendo, um mesmo fato pode originar pretensões difusas, coletivas e individuais, dependendo do tipo de pretensão material e da tutela jurisdicional pretendida.

Nesse sentido, importante observar a origem comum das diversas pretensões, uma vez que podem derivar de um mesmo fato, bem como a possibilidade desse mesmo fato acarretar lesão ou ameaça de lesão a diferentes bens, simultaneamente, ensejando a diversidade de pretensões (difusas, coletivas e individuais). Assim, leciona a Professora Consuelo Yoshida:

“A natureza jurídica dos diferentes direitos e interesses metaindividuais somente pode ser definida, em face do caso concreto, repita-se, através do exame da pretensão material e do tipo de tutela jurisdicional invocada, ou, como prefere dizer mais amplamente Kazuo WATANABE, através da correta fixação do objeto litigioso do processo (pedido e causa de pedir). Examinadas as características isoladamente, sem atentar para a lide (pedido) ou para o objeto litigioso (pedido e causa de pedir), não é possível proceder-se à correta distinção entre eles. A confusão é inevitável, se se considerar que os direitos e interesses individuais homogêneos surgem exatamente no âmbito de uma coletividade titular de direitos e interesses difusos ou de direitos e interesses coletivos. São os direitos individuais (divisíveis) dos seus integrantes, oriundos dos danos ou ameaça de danos materiais ou morais por eles experimentados, e que decorrem dos mesmos fundamentos ("origem comum"). Por isso tanto pode ser manifestada pretensão difusa ou coletiva, dependendo do caso, como pretensão individual homogênea visando defender interesses individuais (divisíveis) dos vários atingidos. Não há um terceiro universo de pessoas distinto, constituído por titulares de direitos e interesses individuais homogêneos; eles são identificados entre os integrantes da coletividade titular de direitos difusos ou coletivos”[6].

Ressalta-se, assim, que é perfeitamente possível cumular pretensões difusas ou coletivas com pretensões individuais homogêneas, em razão da conexão pela causa de pedir, ou seja, mesmo fundamento.

Nesse sentido, os pedidos formulados nos itens “a”, “b”, “c”, “d” e “e” da petição inicial, mencionados no acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, acima descritos, podem perfeitamente ser definidos como direitos coletivos stricto sensu (aqueles que não se pode apontar o titular específico, mas que pode ser apontado um grupo detentor, bem definido por uma mesma relação entre seus participantes e o violador).

Qualificam-se tais pedidos como coletivos stricto sensu, na medida em que pretendem a invalidade de um modelo de cobrança imposto a um grupo determinável de agricultores, ou seja, aqueles cultivadores de soja. Nesse sentido, a invalidade da referida cobrança aproveitaria todos que estiverem na mesma situação fática, não consubstanciando um direito divisível.

Os pequenos, médios e grandes sojicultores brasileiros, representam um grupo determinável de pessoas, ligados por uma mesma relação jurídica base, ou seja, são produtores rurais brasileiros que cultivam soja transgênica e pretendem a declaração de invalidade da cobrança de royalties, taxa tecnológica ou indenização.

Em relação ao pedido de repetição de valores pagos, formulado no item “f” da inicial, trata-se de pretensão à tutela de direitos individuais homogêneos, uma vez que a repetição do indébito apresenta-se como um direito divisível, proveniente de uma origem comum, destinado a membros de um mesmo grupo determinável de pessoas. Estamos diante, assim, de direitos nitidamente individuais, cabíveis, em tese, a cada um dos agricultores de soja transgênica em valor e especificação diferenciada, passíveis de postulação individual portanto, mas que admitem, sem dúvida, análise conjunta, porquanto decorrentes de situação idêntica e que aconselha uma mesma decisão a todos os casos.

Vislumbramos, portanto, uma cumulação de pretensões coletiva strictu senso e individual homogênea.

Trata-se, como vimos, de pretensão material e de tutela jurisdicional de direito e interesse coletivo stricto sensu, formuladas em defesa e em benefício do grupo, constituído pelos agricultores de soja transgênica. A cobrança de cobrança de royalties, taxa tecnológica ou indenização lesa em bloco referido grupo, assim como a cessação desse modelo de cobrança beneficia o grupo como um todo.

A ação ajuizada objetiva um provimento jurisdicional comum a todos, que irá tutelar, de modo uniforme, o interesse ou direito indivisível de todos agricultores de soja transgênica.

Foi pleiteado, ainda, pretensão individual homogênea, visando a devolução dos valores indevidamente cobrados dos agricultores de soja transgênica.

Observa-se que o fundamento das pretensões é o mesmo, tanto para o pedido de tutela jurisdicional de bem jurídico coletivo, de interesse de todo o grupo de agricultores de soja transgênica, como de bens jurídicos individuais dos integrantes do grupo: a cobrança indevida de royalties, taxa tecnológica ou indenização cobrados pela venda de soja transgênica.

Importante, ainda, ressaltar a relevância social da matéria em análise, uma vez que a cobrança de royalties feita pela venda de soja geneticamente modificada, necessariamente gera impacto no preço final do produto ao mercado de consumo.

2.2. A legitimidade ativa dos sindicatos

Passamos a analisar a alegação, feita pela Monsanto, de que os sindicatos-autores não detém legitimidade para atuar no processo, por ausência de correlação entre a tutela jurídica pleiteada e os fins institucionais da entidade, ou seja, ausência de pertinência temática.

Vale lembrar que os legitimados para propor ação civil coletiva estão elencados no artigo 5º da Lei nº. 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública)[7], ou então, aqueles constantes do rol do art. 82 do Código de Defesa do Consumidor[8].

No tocante a atuação das associações civis na defesa de direitos coletivos, o art. 5º, inc. V, da Lei de Ação Civil Pública e o art. 82 do Código de Defesa do Consumidor, estabelecem dois importantes requisitos: (i) a constituição da associação há pelo menos 1 (um) ano, requisito que poderá ser dispensado pelo juiz, em casos excepcionais, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico protegido; e (ii) inclusão entre as finalidades institucionais da associação, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, a ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Além da análise se determinado ente se encontra no rol dos legitimados do microssistema processual coletivo brasileiro, é crescente o juízo prévio de admissibilidade sobre cada caso concreto em busca da representatividade adequada fundada em uma pertinência temática, ou seja, a necessidade de que o interesse objetivado na ação civil pública esteja incluído dentre as finalidades institucionais da associação postulante. Portanto, a pertinência temática é a adequação entre o objeto da ação e a finalidade institucional.

Assim sendo, devemos analisar a pertinência temática tendo em vista os fins das instituições que integram o polo ativo da relação processual, sendo este um requisito fixado na lei especificamente para as associações civis que proponham ação coletiva.

O requisito da pertinência temática em matéria de legitimidade ativa para a propositura de ações coletivas para associações é um elemento importante, dada a possibilidade de eventual desvirtuamento de uma entidade associativa de suas reais finalidades para fins outros que não guardem relação com o seu desenvolvimento útil em prol de seus associados.

Importante ressaltar que, como bem exposto pela relatora Ministra Nancy Andrighi, o requisito da pertinência temática para análise da legitimidade para propor ação coletiva é extensível também aos sindicatos, cuja natureza jurídica é de associação civil.

Assim é o entendimento de Hugo Nigro Mazzilli que explica que a pertinência temática também deve ser observada pelos sindicatos, fundações privadas e entidades da administração pública indireta, sob o argumento de que onde há a mesma razão, deve-se aplicar a mesma disposição. “Os sindicatos e corporações congêneres estão na mesma situação que as associações civis, para o fim da defesa coletiva de grupos; as fundações privadas e até mesmo as entidades da administração pública também têm seus fins peculiares, que nem sempre se coadunam com a substituição processual de grupos, classes ou categorias de pessoas lesadas, para defesa coletiva de seus interesses[9]”.

No entanto, imprescindível observar também que a atuação dos sindicatos em juízo encontra amparo, para além dos dispositivos da Lei da Ação Civil Pública ou do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, a própria Constituição Federal, no seu artigo 8º, III, dispõe que "cabe ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas".

Houve, por algum tempo, questionamento acerca da possibilidade de os sindicatos atuarem como verdadeiros substitutos processuais da categoria que representam para postular, em nome próprio, direito alheio. Todavia, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o tema, afirmando que a regra do artigo 8º, III, da Constituição Federal é clara e assegura aos sindicatos tal qualidade sem as limitações avençadas, ademais por sua consonância com o artigo 3º da Lei nº.8.073/90. Vejamos a redação dos referidos artigos:

“Art. 8º da Constituição Federal 1988: É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (…) III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.

Art. 3º da Lei nº.8.073/90: As entidades sindicais poderão atuar como substitutos processuais dos integrantes da categoria”.

Nesse sentido, está a doutrina de Hugo Nigro Mazzili: “Nessa linha, a lei ordinária conferiu às entidades sindicais a possibilidade de atuarem como substitutos processuais não apenas de seus sindicalizados, mas também de todos os integrantes da categoria. Assim, detêm hoje legitimação para a defesa judicial não só dos interesses individuais, mas dos interesses coletivos, em sentido lato, de toda a categoria. Nesse sentido, já se admitiu, com acerto, possa o sindicato, como substituto processual, buscar em juízo a reposição de diferenças salariais, em favor da categoria que represente. (…) O sindicato está, portanto, legitimado à defesa judicial de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos integrantes da categoria, pouco importa estejam eles sindicalizados ou não”[10].

Assim sendo, entende-se que o objeto da ação coletiva deverá ser um interesse ou um direito subjetivo dos associados, independentemente de guardar esse interesse ou direito um certo vínculo com os fins próprios da entidade.

Esclarece José dos Santos Carvalho Filho[11] que os sindicados ostentam inegável padrão de representatividade das respectivas categorias sociais. Além disso, a própria Constituição lhes conferiu a função de defesa dos interesses coletivos ou individuais da categoria (art. 8º, III). Dessa forma, desde que respeitadas as condições que a lei determinou, podem as sindicatos ajuizar ação civil pública. 

Portanto, a legitimidade dos sindicatos para atuarem em processos coletivos deve ser considerada de maneira ampla, sob pena de negarmos vigência ao art. 8º, III, da Constituição Federal.

No acórdão ora em comento, ficou demonstrado que os Sindicatos, cumprem os requisitos objetivos, quais sejam, data de constituição e finalidade de defesa dos direitos específicos sob análise, o que os tornam perfeitamente legítimos para representarem os titulares dos interesses em litígio.

2.3. A eficácia da sentença coletiva.

A discussão se pauta nos artigos 103, II e III do Código de Defesa do Consumidor, bem como no artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública. Vejamos a redação dos citados artigos:

“Código de Defesa do Consumidor:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

Lei de Ação Civil Pública:

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.”

O Recurso Especial dos Sindicatos discute a extensão da eficácia dos provimentos deferidos no âmbito da ação coletiva de origem. Os Sindicatos sustentam que "a Monsanto pratica os atos denunciados em todo território nacional, razão pela qual os pedidos foram formatados para produzirem seus efeitos na mesma escala".

A Ministra Nancy Andrighi defende a posição de que mesmo que se entenda que o artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública pode estender sua eficácia às hipóteses de Ação Civil Pública na qual se busque a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, ainda assim essa norma jamais terá o condão de limitar a eficácia da sentença proferida em tal ação.

“Isso porque, ao estabelecer que a sentença “fará coisa julgada nos limites territoriais do órgão prolator”, a referida norma acabou por regular apenas e tão somente o fenômeno da coisa julgada, que é absolutamente distinto da eficácia da sentença. (…)

Assim, ainda que o objetivo do legislador, ao criar o art. 16 da LACP, fosse o de efetivamente limitar a eficácia da sentença ao território em que seria competente o juiz que a prolatou, esse escopo não foi atingido pela norma da forma como ela restou redigida. Ao dizer que “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator”, tudo o que o legislador logrou êxito em fazer foi definir que a sentença, em que pese estender seus efeitos a todo o território nacional, não poderá ser questionada em nenhuma demanda futura a ser decidida dentro da base territorial mencionada na lei. Nada mais que isso.

Os efeitos da sentença, portanto, tanto principais (representados pela existência do elemento declaratório característico de toda a decisão judicial) como secundários (representados pela criação do título executivo nas ações condenatórias), estendem-se a todos os terceiros que eventualmente se beneficiariam com a decisão”.

No entanto, parte da doutrina e jurisprudência defende que a sentença proferida em ação civil pública fará coisa julgada erga onmes nos limites do órgão prolator da decisão, nos termos da atual redação do artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública.

Ressalte-se que a atual redação do supracitado dispositivo legal decorre de alteração trazida pelo art. 2º, da Lei nº 9.494/97, passando a restringir a coisa julgada coletiva aos limites territoriais da competência do órgão prolator do provimento.

Hugo Nigro Mazzili critica tal alteração, dizendo ser a mesma inócua, sob o argumento de que a imutabilidade da sentença deve ser apreciada não de acordo com a competência jurisdicional, mas quanto às pessoas que serão atingidas pela decisão, em conformidade com o direito tutelado[12]. Assim, segundo referido autor, a sentença produziria coisa julgada erga omnes, exceto em caso de improcedência por insuficiência probatória, caso se discutisse direito difusos. Em se tratando de direito coletivo em sentido estrito, a sentença seria imutável ultra partes, limitada ao grupo, categoria ou classe de interessados. Já nos casos em que se pretende a tutela de direito individual homogêneo, a sentença seria imutável com efeitos erga omnes somente nos casos de procedência do pedido inicial.

Importante considerar que o procedimento regulado pela Lei de Ação Civil Pública pode ser utilizado para a defesa dos direitos do consumidor em juízo, porém somente no que não contrariar as regras do Código de Defesa do Consumidor, que contem, em seu art. 103, uma disciplina exaustiva para regular a produção de efeitos pela sentença que decide uma relação de consumo.

Nesse sentido, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, o regime geral dos limites subjetivos da coisa julgada é o de extensão erga omnes. Fazendo referência a questão da negativa de vigência do artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, assim se posiciona Ada Pellegrini Grinover.

“De início, os Tribunais não perceberam o verdadeiro alcance da coisa julgada erga omnes, limitando os efeitos da sentença e das liminares segundo critérios de competência. Logo afirmamos não fazer sentido, por exemplo, que ações em defesa dos interesses individuais homogêneos dos pensionistas e aposentados da Previdência Social ao recebimento da diferença de 147% fossem ajuizadas nas capitais dos diversos Estados, a pretexto dos limites territoriais dos diversos órgãos da Justiça Federal. O problema não é de competência: o juiz federal, competente para processar e julgar a causa, emite um provimento (cautelar ou definitivo) que tem eficácia erga omnes, abrangendo todos os aposentados e pensionistas do Brasil. Ou a demanda é coletiva, ou não é; ou a coisa julgada é erga omnes ou não o é. E se o pedido for efetivamente coletivo, haverá uma clara relação de litispendência entre as várias ações ajuizadas nos diversos Estados da Federação. Por isso sustentamos que a limitação operada por certos julgados afronta o art. 103 CDC e despreza a orientação fornecida pelo art. 91, II, por onde se vê que a causa que verse sobre a reparação de danos de âmbito nacional ou regional deve ser proposta no foro da Capital do Estado ou no Distrito Federal, servindo, evidentemente, a decisão para todo o território nacional”[13].

Também trazemos o entendimento de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery Júnior.

 “A Medida Provisória 1570/97 3º, que modificou a redação da LACP 16, para impor limitação territorial aos limites subjetivos da coisa julgada, não tem nenhuma eficácia e não pode ser aplicada às ações coletivas. Confundiram-se os limites subjetivos da coisa julgada erga omnes, isto é, quem são as pessoas atingidas pela autoridade da coisa julgada, com jurisdição e competência, que nada têm a ver com o tema. Pessoa divorciada em São Paulo é divorciada no Rio de Janeiro. Não se trata de discutir se os limites territoriais do juiz de São Paulo podem ou não ultrapassar seu território, atingindo o Rio de Janeiro, mas quem são as pessoas atingidas pela sentença paulista. O equívoco da Med Prov 1570/97 demonstra que quem a redigiu não tem noção, mínima que seja, do sistema processual das ações coletivas. Caso fosse entendido de forma diversa e teriam de ser propostas ações de divórcio em cada um dos Estados da Federação para que a nova condição de solteiros do casal pudesse ser reconhecida e respeitada”.[14]

Podemos transpor o exemplo da sentença desconstitutiva negativa do divórcio, que dissolve um contrato de casamento, para a situação, do caso ora em análise do acórdão de relatoria da Ministra Nancy Andrigui.

Se for declarada a invalidade da cobrança de royalties e demais taxas pela utilização da soja transgênica objeto da demanda e determinada a abstenção dessas cobranças pela Monsanto, estaria, assim, desconstituindo um vínculo contratual, como o fizera o juiz do divórcio. Por isso que tal decisão, quando adotada em nível coletivo, deve ser respeitada erga omnes, por todos, em todo o Brasil, não existindo motivo para que situações iguais sejam tratadas de maneira diferente.

Assim se posicionou a Ministra Nancy Andrighi no acórdão em análise:

 “Importante frisar que especialmente na hipótese sob julgamento é importante que a eficácia das decisões se produza de maneira ampla. Não é possível conceber uma tutela jurídica que isente apenas os produtores do Rio Grande do Sul do pagamento dos royalties pela utilização de soja transgênica. Independentemente de qualquer ponderação sobre o mérito da legitimidade de tal cobrança, a eventual isenção destinada apenas a um grupo de produtores causaria um desequilíbrio substancial no mercado atacadista de soja”.

Portanto, entendemos necessário considerar a eficácia da sentença erga omnes da ação coletiva proposta pelos Sindicatos, estendendo seus efeitos para todos os lugares e para todos aqueles que tenham sido lesados pela mesma relação jurídica base. Ressalta-se que a presente ação coletiva foi ajuizada objetivando tutelar, de maneira ampla, os interesses de todos os produtores rurais cultivadores da soja transgênica, objeto da lide.

Conclusão

Dessa forma, diante dos argumentos exposto, conclui-se que a relatora Ministra Nancy Andrighi, ao julgar o Recurso Especial nº. 1.243.386-RS, o fez com maestria, harmonizando a aplicação das regras previstas no ordenamento jurídico brasileiro.

 

Referências
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação Civil Pública. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004.
CÓDIGO DE DEFSA DO CONSUMIDOR (LEI 8.078/90). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.
GRINOVER, Ada Pellegrini [et al], Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Volume II, Processo Coletivo. 10ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA (LEI 7.347/85). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm.
MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sergio Cruz. Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento – 2º V. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 24ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011.
MOREIRA, Barbosa apud Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos – São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2006.
NERY JUNIOR, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 13a edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos – São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2006.
Notas:
[1] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 24ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 50-51.
[2] MOREIRA, Barbosa apud Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos – São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2006, p. 4.
[3] GRINOVER, Ada Pellegrini [et al], Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Volume II, Processo Coletivo. 10ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 73.
[4] MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sergio Cruz. Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento – 2º V. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 741.
[5] YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos – São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2006, p. 10.
[6] YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Op cit, p. 11.
[7] Art. 5º da Lei 7.347/85: Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I – o Ministério Público; II – a Defensoria Pública; III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V – a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
[8] Art. 82 do Código de Defesa do Consumidor: Para fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I – o Ministério Público; II – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; III – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código; IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos 1 (um) ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear. §1º O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
[9] MAZZILLI, Hugo Nigro. Op cit, p. 325.
[10] MAZZILI, Hugo Nigro. Op.cit. p. 336/338
[11] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação Civil Pública. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 167.
[12] MAZZILI, Hugo Nigro. Op cit. p. 599
[13] GRINOVER, Ada Pellegrini [et al]. Op. cit, p. 186/187.
[14] NERY JUNIOR, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 13a edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 1157/1158.

Informações Sobre o Autor

Tatiana Artioli Moreira

Mestranda em Direito Difusos e Coletivos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP; Pós-graduada em Direito das Relações de Consumo pelo COGEAE PUC/SP; Graduada em Direito pela PUC/SP; Advogada em São Paulo


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Equipe Âmbito Jurídico

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