Resumo: Este artigo possui função propedêutica ao buscar o esclarecimento dos ingressantes no curso de Direito e interessados acerca dos seis primeiros artigos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro[1].
Palavras-chave: LINDB. Direito Civil. Lex legum. Introdução.
Abstract: This article has workup function to give clarification for the freshmen in the course of law and interested about the first six articles of Introductory Law to Brazilian Rules.
Keywords: LINDB. Civil Law. Lex legum. Introduction.
Sumário: Introdução. 1. Aspectos gerais do Código Civil. 2. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. 2.1. Vigência das leis. 2.2. Modificação e revogação das leis. 2.3. Obrigatoriedade das leis. 2.4. Lacunas da lei. 2.5. Aplicação das leis. Conclusão. Referências.
Introdução
O ordenamento jurídico brasileiro é pautado nos ideais de um Estado Democrático de Direito, que busca a proteção à dignidade humana em seus diversos aspectos. Os direitos básicos ao homem são assegurados pelos princípios instituídos na carta constitucional, compreendida como a raiz de todo o Direito nacional, pela qual os mais variados ramos da experiência jurídica se baseiam.
É necessária, para os juristas, a compreensão acerca do instrumento que objetiva regular a aplicação das normas jurídicas:a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que, embora anexa ao Código Civil, possui caráter universal, sendo destinada a todas as esferas do Direito.
1. Aspectos gerais do Código Civil
Com o passar dos anos, ocorre a transformação dos valores que permeiam a sociedade, seja por momentos marcantes na história ou pelo próprio andamento social. O que antes era aceito passivamente em determinada época e defendido fervorosamente pode ser, com o tempo, colocado à prova diante de uma série de questionamentos, capazes de mudar o rumo do pensamento humano.
Os grandes conflitos armados que marcaram a primeira metade do século XX alteraram as ideias então propagadas mundialmente, resultando no enfraquecimento da obediência absoluta à lei, em razão da reflexão acerca da relação entre legalidade e legitimidade, e na preocupação com o homem e sua dignidade. O engenho humano fora utilizado com finalidade mortífera, pela qual até mesmo os civis foram alvos das tropas em guerra.
O papel do Direito partiria da necessidade de regular a conduta da sociedade de acordo com o tempo e o espaço. É indispensável, portanto, que esteja ele adequado com a realidade de cada época, modificando-se quando for o caso, visando ao acompanhamento do percurso social na história. Foi o que ocorreu, por exemplo, com as diretrizes do direito privado brasileiro, baseando-se na promulgação da Constituição cidadã.
O antigo Código Civil, elaborado pelo jurista Clóvis Beviláqua, fora baseado no Código Civil francês e seguia os ideais propagados entre o final do século XIX e o início do século XX, período de forte apego ao individualismo em relação ao direito de propriedade, em detrimento da integridade humana. Com bases conservadoras – principalmente ao que diz respeito à família –e de caráter puramente patrimonialista, o Código de 1916 era dividido em artigos breves e de profunda abstração, dotados de clareza e técnica jurídica.Sua Lei de Introdução foi substituída pelo Decreto-lei n° 4657/1942, consagrando a Lei de Introdução ao Código Civil, modificada pela Lei n° 12376 de 2010, que resultou na atual Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, da qual trataremos posteriormente.
Após a elaboração do antigo CódigoCivil brasileiro, a sociedade passou por imensas mudanças, através das quais as mulheres assumiram seus papéis no mercado de trabalho e conquistaram direitos considerados restritos ao público masculino, o conceito de família tradicional com traços do paternalismo colonial é enfraquecido e o olhar voltado à coletividade surge gradualmente.
Na busca pela adequação a essa nova realidade, é lançado em 1960 um anteprojeto baseado em modificações ao CC/16, sem que haja, porém, a criação de um novo Código. As antigas leis passam a ser consideradas ultrapassadas e caem em desuso, o que obriga a elaboração de um novo anteprojeto pelo jurista Miguel Reale, nos anos de 1968 e 1969. No entanto, o foco era a nova Constituição federal e, consequentemente, o novo projeto permaneceu em segundo plano durante anos. Foram necessárias diversas adaptações para que o novo Código atingisse os anseios de uma nova sociedade brasileira que continuou em transformação enquanto a proposta de Reale se mantinha inativa.
O Direito Civil tem como foco a regulamentação no âmbito privado, no que diz respeito às pessoas, suas relações e seus bens. Inúmeros princípios do direito privado estão positivados na Constituição de 1988, fazendo que muitos pensadores acreditassem na constitucionalização do Direito Civil. Assim como as demais leis infraconstitucionais, as que se referem ao Código Civil devem estar de acordo com as normas constitucionais, por meio do princípio da Supremacia da Constituição.
O Código de 2002 atribui uma nova face ao campo privado, concretizando os ideais coletivos na defesa da função social da propriedade, em detrimento de um individualismo exacerbado advindo da codificação anterior. Após a promulgação da Constituição cidadã, o objetivo de todos os campos do Direito passou a ser os direitos do homem, sua dignidade e necessidades fundamentais.
Os princípios norteadores dessa nova obra legislativa são a sociabilidade, a eticidade, a operabilidade e a concretude. O Direito, portanto, deve ser aplicado de forma a priorizar os interesses sociais na busca pela diminuição das desigualdades e da concentração de terras nas mãos de poucos, com base em fundamentos éticos e na boa-fé ao se adequar as normas jurídicas a fatos concretos.
O atual Código buscou manter a estrutura do anterior, abdicando-se do caráter individualista e dividindo-se em: Parte Geral, que disciplina temas concernentes a pessoas, bens e fatos jurídicos, e Parte Especial, que abrange, respectivamente, o Direito das Obrigações, Direito de Empresa, Direito das Coisas, Direito de Família e Direito das Sucessões.
2. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
Embora regule a aplicação das leis e limite seus movimentos, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro não integra o Código Civil, sendo dotada de autonomia. O significado desta Lei de Introdução vai além de uma mera apresentação às leis civis, sendo destinada a todo o sistema legislativo brasileiro e conceituada por muitos autores como um conjunto de normas sobre normas.
Enquanto as leis em geral abordam temas referentes à conduta humana, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro diz respeito a própria norma, sua elaboração e vigência, além de sua aplicação no tempo e espaço. Dentre seus dezenove artigos, os seis primeiros dispõem acerca de direito público e os restantes, de direito civil internacional.
2.1 Vigência das leis
Segundo o art. 1°, a lei passa a vigorar em todo o país 45 dias após sua publicação oficial, salvo disposições contrárias. No entanto, é possível que esse prazo genérico seja alterado conforme a complexidade e a urgência da norma. É o caso da medida provisória editada pelo chefe do Executivo em situações emergenciais. Dotada de força de lei, a medida provisória possui eficácia imediata e é capaz de suspender a eficácia de normas anteriores que com ela se choquem.
O processo legislativo se dá pela elaboração, promulgação e publicação das normas. Quanto maior for a sua complexidade, mais extenso deverá ser o prazo para que a norma comece a vigorar, a fim de que a sociedade possa se adaptar gradualmente à mudança. O intervalo entre a publicação e a vigência da lei é chamado vacatio legis. A lei que entra em vigor na data de sua publicação é lei sem vacatio legis.
Durante o período de vacância, a lei, embora válida, ainda não é eficaz. A eficácia é mantida com a lei antiga, assim como a aplicação em casos concretos. A contagem do prazo é calculada pela data da publicaçãooficial e o último dia do prazo indicado – ainda que incida sobre domingos e feriados –, podendo ser diversa ao se tratar de negócios jurídicos e situações processuais.
Um dos benefícios da vacatio legis é previsto no §3° do referido artigo, o qual dispõe acerca da possibilidade de correção de uma lei que ainda não entrou em vigor, havendo uma nova publicação do texto normativo, passando a ser reiniciado o prazo de contagem a partir da nova publicação. Após o fim do período de vacância, apenas uma nova lei poderá revogar ou modificar aquela que necessitar de nova correção (§4° do art. 1°).
Ao tratar da obrigatoriedade das leis brasileiras nos Estados estrangeiros, o §1° do artigo inicial da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro institui o início da vigência da nova lei, nesse caso, três meses após a publicação oficial desta no Brasil. O parágrafo subsequente, revogado pela Lei n.12036/09, permitia a elaboração de prazos próprios de vigência pelos governos estudais mediante autorização do governo federal.
2.2 Modificação e revogação das leis
O sistema do Common Law, observado por renomados juristas brasileiros, abrange uma forma diversa de se viver o Direito. Baseado no direito costumeiro, países como a Inglaterra tem seu ordenamento jurídico voltado atualmente às decisões judiciais. A ausência de apego às leis escritas não é comum no Direito brasileiro, que busca nestas a afirmação e a segurança jurídicas, tendo o costume um papel secundário no cenário jurídico nacional, tornando-o incapaz de modificar ou revogar uma lei positivada.
Nesse sentido, o art. 2° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em consonância com o caráter de permanência da lei, restringe a vigência da lei à sua revogação ou modificação por outra que disponha integralmente acerca da matéria da lei revogada ou seja com ela incompatível (§1°). É necessário, porém, o apontamento expresso do legislador quanto ao texto legal que está sendo revogado, o que muitas vezes não ocorre. Diante dessa supressão, é papel do intérprete identificar supostas revogações ocorridas de forma tácita.
Como disposto no §2° do referido artigo, uma lei nova que contenha disposições gerais ou especiais com relação a leis já existentes não as revoga automaticamente. No ordenamento jurídico brasileiro, é possível que mais de uma lei regule determinada matéria, desde que com ela não divirja, porém, quando abordar inteiramente seu assunto, como dito no parágrafo anterior, estará revogando-a.
Com base no parágrafo seguinte, não ocorre no Brasil o fenômeno de repristinação da lei, por meio do qual a lei revogada seria restaurada caso a lei revogadora não mais vigorasse. É admissível, no entanto, a possibilidade de suspensão da vigência de uma lei em prol de outra norma, resultando na ineficácia temporária daquela lei.
2.3 Obrigatoriedade das leis
O alcance da lei é universal, não se destinando somente a determinadas classes sociais, etnias ou religiões. Uma vez publicada e em vigor, a lei é obrigatória para todos. Tendo a publicação o objetivo de tornar a lei conhecida, o art. 3° estatui a impossibilidade de o indivíduo escusar-sede cumprir a lei alegando que não a conhece (ignorantia legis neminem excusat).
Tal dispositivo busca garantir a manutenção da ordem jurídica, que poderia ser prejudicada caso fosse permitida a alegação de ignorância diante do descumprimento da lei vigente.
2.4 Lacunas da lei
Por mais amplo que seja o rol de normas previstas no ordenamento jurídico brasileiro, é evidente que o legislador é incapaz de abranger todos os casos destinados à análise judicial. Considerando a inadmissibilidade da omissão do Direito na solução de conflitos encaminhados aos tribunais com base na ausência do dispositivo legal, o art. 4° da Lei de Introdução dispõe acerca do preenchimento de lacunas por meio da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito. Embora não afaste a vigência do dispositivo, o novo Código de Processo Civil limitou o papel desses três institutos, que passaram a ser aplicados de forma subsidiária.
As operações analógicas não se resumem meramente a um procedimento lógico, por meio do qual o intérprete analisa situações de maneira mecânica, buscando a semelhança entre estas e o caso a que lhe é incumbido. São necessários juízos de valor e um vasto aparato ético ao suprimir lacunas da lei pelo uso de analogias. Muitas vezes, uma grande quantidade de características em comum entre o caso previsto e o não previsto em lei facilita o uso de analogias, porém não é algo assegurado. Há circunstâncias em que apenas uma semelhança é capaz de interligá-los, a fim de concretizar o aparato analógico e dar solução ao caso.
Há autores que dividem a analogia legal da analogia jurídica. Enquanto a primeira parte da identificação do modelo em certo ato legislativo, as situações embasadas na segunda espécie de analogia seriam reconhecidas como o ordenamento jurídico em si.
A interpretação extensiva, diferentemente do procedimento analógico, não é caracterizada como lacuna, pois a lei prevê determinado caso, embora de maneira insuficiente. Neste caso, é evidente a existência de um dispositivo, sendo necessária, portanto, somente a sua ampliação verbal, de modo a alcançar o real significado do que fora redigido, embora seja necessário, em ambos os casos, uma busca por procedimentos alternativos na busca por uma solução que vise à justiça.
Embora possua menor grau de influência em países de direito escrito em razão da expansão legislativa, é comum a utilização dos costumes na esfera do Direito Comercial brasileiro, e, mesmo em países onde predomina o Common Law, surge uma forte tendência à positivação de práticas costumeiras.
Os costumes partem do exercício reiterado de determinada conduta, resultando na prática constante de um comportamento específico por certa parcela da sociedade, não sendo necessário, porém, que a atinja como um todo. Para que se tenha um costume, três requisitos são necessários: a incidência dele sobre um grande número de pessoas, um lapso razoável de tempo para que ele se propague e a repetitividade daquela prática pelo grupo em que ele foi disseminado, tornando-se um hábito definido. Juridicamente, devem convergir os elementos objetivo, ou seja, a notável repetição habitual de um comportamento durante um lapso temporal, e o subjetivo, que consiste na consciência popular da obrigatoriedade de tal comportamento.
O uso atinge um menor âmbito de atuação, e quando reiterado, constante e aceito pelos tribunais, passa a ser considerado um costume, o qual pode ser secundum legem, contra legem ou praeter legem. O primeiro mencionado consiste no costume erigido em lei, de forma que o segundo seria o seu oposto. Os costumes contra legemdivergem do que dispõe o texto legal, podendo causar a inutilização de certa lei pela sociedade, pondo-a em desuso. É o caso da lei que dispunha acerca do kit de primeiros socorros no interior dos veículos. A terceira espécie de costume possui caráter integrativo visando ao preenchimento das lacunas às quais se refere o art. 4° da LINDB.
Devido a sua abstração lógica e amplitude, os princípios gerais de direito não possuem uma definição certa, no entanto, podem ser compreendidos como enunciações genéricas que buscam orientar o ordenamento jurídico em seus diversos ramos, compondo o campo do Direito sem se restringir a meros preceitos morais ou econômicos. O foco na concretização da justiça permite que a compreensão acerca dos princípios gerais de direito possa ser embasada em um dos mais famosos brocardos de Ulpiano: honeste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere.
2.5 Aplicação das leis
O art. 5° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro representa uma nova forma de se aplicar a lei, atuando como um rumo a ser seguido pelo julgador para que haja a consolidação dos ideais de justiça e de democracia, em contraposição a uma aplicação neutra, isenta de fundamentação axiológica, comum nas primeiras codificações modernas, pelas quais o positivismo jurídico consagrava-se. As leis deveriam ser aplicadas em seu sentido literal. O Código Civil francês, por exemplo, foi considerado por Napoleão uma obra legislativa completa, e que não necessitava de interpretação.
Como preceitua o dispositivo legal em exame, o juiz deve proferir suas decisões conforme as exigências do bem comum e atender aos fins sociais que lhe couberem. De forma a atingir o maior número de casos possíveis, o art. 5° é considerado pela doutrina como uma cláusula aberta, sendo papel do julgador adequá-la ao caso concreto.
Observa-se que o papel do juiz não mais se restringe à aplicação mecânica da lei, ampliando sua função ao direcioná-lo a uma exegese que atenda aos valores clamados pela sociedade. É necessário, portanto, que o aplicador do Direito esteja atento aos novos princípios morais que passam a penetrar no campo social.
O artigo subsequente da Lei de Introdução, em conformidade com o art. 5°, inciso XXXVI, da Constituição Federal, diz respeito à segurança jurídica diante da proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Por incorporarem a esfera dos direitos e garantias individuais, não podem ser afetados por propostas de emendas à Constituição pelo poder constituinte reformador, tratando-se das chamadas cláusulas pétreas, asseguradas no art. 60, §4°/CF.Os parágrafos que seguem o art. 6° da Lei de Introdução conceituam, brevemente, os três institutos mencionados.
Conclusão
Com basena Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro é possível perceber a ampliação da hermenêutica jurídica na busca pela concretização da justiça. A concepção puramente estatal do direito e o apego exacerbado à letra da lei, reduzindo o papel do aplicador do Direito a uma mera subsunção, são gradualmente extintos, em prol da mais profunda interpretação das normas jurídicas, visando ao bem comum e ao fim social.
Acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Londrina
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