Resumo: Análise da Lei de Responsabilidade Fiscal como ferramenta para o combate da Improbidade Administrativa no Brasil.
Sumário: Lei de Responsabilidade Fiscal; Objetivos; Natureza da lei; Principais tópicos da lei; Gastos com pessoal; Dívida Pública; Metas Fiscais; Compensações; Ano de eleição; Penalidades; Lei moralizante; Referências Bibliográficas.
Objetivos
A Lei Complementar n.º 101, de 04.05.2000, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal, complementada pela Lei n.º 10.028, de 19.10.2000, muito apropriadamente batizada pelo jornalista Joelmir Beting de Lei de Responsabilidade Moral, nada mais visa do que “reeducar” certos administradores públicos para o “uso devido” do dinheiro público.
Seu principal objetivo está explicitado no seu art. 1º, e consiste em estabelecer “normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal”.[1] Visa melhorar a administração das contas públicas no Brasil, pois a partir dela todos os governantes passarão a ter compromisso com orçamento e com metas, que devem ser apresentadas e aprovadas pelo respectivo Poder Legislativo.
Nascida mediante grande pressão da sociedade para moralizar o setor público financeiro, esta lei trouxe melhoras significativas nos gastos públicos de todo o país, melhoras no sentido de responsabilidade e moralidade no trato com a coisa pública, dentro dos princípios de razoabilidade, eficiência, moralidade e probidade administrativa. Esta lei, longe de ser apenas “mais uma” no rol da legislação brasileira veio para organizar o País e trazer-lhe um caráter de eficiência e seriedade que a sociedade brasileira há muito almeja. A partir dela, todos os agentes públicos assumem um compromisso para com o orçamento e com metas, que devem ser apresentadas e aprovadas pelo respectivo Poder Legislativo.
Assim, diante de cada despesa criada, os agentes da administração pública precisam prever uma nova fonte de receita que compense o gasto, o que obriga a Administração a somente aumentar as despesas com salário dos funcionários, criação de cargos públicos, endividamento público, renúncia de receita, dentre outras, mediante previsão, dentro do Orçamento, de compensação da verba perdida. Isto pode se dar por meio de novos impostos, de respeito no trato com a coisa pública, de aumento de arrecadação e combate à sonegação, dentre outros instrumentos.
Eis a grande inovação nunca antes vista no país: a fixação de limites para despesas com pessoal, para dívida pública e a determinação de que sejam elaboradas metas para o controle de receitas e despesas.
Ela obriga o agente público, por exemplo, a não estabelecer uma nova despesa continuada (por mais de dois anos), sem que antes seja criada uma fonte de receita ou sem reduzir outras despesas já existentes. É uma maneira de obrigar o agente a honrar os compromissos assumidos em forma de despesas, contudo sem comprometer o orçamento ou orçamentos futuros. Ocorre uma salvaguarda da receita, que não pode ser utilizada sem um mecanismo que a compense.
Nada mais evidente, então, do que um grande avanço trazido não apenas para o saneamento eficaz das finanças da União, dos Estados e dos Municípios, como também para a realização de um ajuste fiscal definitivo, indispensável ao crescimento econômico sustentável, à geração de renda e ao bem-estar social.
Um detalhe importante sobre esta lei é que, de acordo com a nossa jurisprudência, por se tratar de uma Lei de Ordem Pública, seus efeitos são imediatos a partir de sua promulgação sobre os atos e contratos cuja execução já se encontram em andamento. Por este motivo não há como se falar ato jurídico perfeito, no que diz respeito às licitações e contratos celebrados antes da promulgação da lei.
Diante de seu caráter moralizador, a nova lei foi recebida como um conjunto de medidas eficazes para o País alcançar o ajuste fiscal necessário à definitiva estabilidade monetária, mas não se pode esquecer de que ocorre a necessidade de que seja rigorosamente seguida para sua total eficácia.
Natureza da lei
Com quase um ano e meio de vida, esta lei a Lei já produziu significativos resultados no sentido de direcionar os dirigentes públicos para que não gastem mais do que recebem.
Tendo caráter e natureza complementar, seu objetivo principal é obrigar todos os governantes a obedecerem às normas e limites para administrar as finanças, prestando contas sobre quanto e como gastam os recursos da sociedade e melhorando a administração das contas públicas no Brasil. Como bem esclarecem NASCIMENTO e DEBUS [2]
“A Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, Lei Complementar n º 101, de 4 de maio de 2000, destina-se a regulamentar a Constituição Federal, na parte da Tributação e do Orçamento (Título VI), cujo Capítulo II estabelece as normas gerais de finanças públicas a serem observadas pelos três níveis de governo: Federal, Estadual e Municipal.”
A norma trouxe amplas novidades para as três esferas administrativas, que agora devem estabelecer metas fiscais para garantir o equilíbrio entre receita e despesa no Orçamento.
Em particular, a Lei de Responsabilidade Fiscal vem atender à prescrição do artigo 163 da Constituição Federal de 1988, que determina:[3]
“Lei complementar disporá sobre:
I – finanças públicas; (grifamos)
II – dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo poder público;
III – concessão de garantias pelas entidades públicas;
IV – emissão e resgate de títulos da dívida pública;
V – fiscalização das instituições financeiras;
VI – operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
VII – compatibilização das funções das instituições oficiais de crédito da União, resguardadas as características e condições operacionais plenas das voltadas ao desenvolvimento regional.”
A Lei de Responsabilidade Fiscal também visa atender ao disposto no artigo 169, da mesma Carta Magna, o qual determina o estabelecimento de limites para as despesas com pessoal ativo e inativo da União a partir de Lei Complementar. Também atende ao disposto no artigo 165, inciso II do parágrafo 9º, que dispõe:
“… Cabe à Lei Complementar estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de Fundos”.[4]
Finalmente, seu artigo 68 atende ao disposto no artigo 250 da Constituição Federal:
“Com o objetivo de assegurar recursos para o pagamento dos benefícios concedidos pelo regime geral de previdência social, em adição aos recursos de sua arrecadação, a União poderá constituir fundo integrado por bens, direitos e ativos de qualquer natureza, mediante lei, que disporá sobre a natureza e administração desse fundo.” [5]
NASCIMENTO e DEBUS [6] também citam experiências externas envolvendo leis semelhantes visando a moralização dos gastos e finanças públicas:
“No que diz respeito a experiências externas, vale citar o caso da Nova Zelândia, após a introdução do Fiscal Responsibility Act, de 1994; da Comunidade Econômica Européia, a partir do Tratado de Maastricht; e dos Estados Unidos, cujas normas de disciplina e controle de gastos do governo central levaram à edição do Budget Enforcement Act, aliado ao princípio da “accountability”. Estes exemplos foram tomados como referência para a elaboração da nossa Lei de Responsabilidade Fiscal . Isto não significa, no entanto, que a formulação da LC 101 deve-se apenas a uma inspiração externa, já que não existe manual ótimo de finanças públicas que possa ser utilizado indiferentemente por qualquer nação.”
Basicamente, o caráter complementar da lei cria condições para a implantação de uma nova cultura gerencial na gestão dos recursos públicos e constitui um grande e revolucionário avanço para o aprimoramento das finanças públicas do país, auxiliando o governo na administração dos recursos e do patrimônio público de forma transparente e sem artifícios, abusos e imoralidades que fizeram parte de gestões anteriores.
Principais tópicos da lei
Gastos com pessoal
De acordo com o artigo 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal, entende-se como despesas de pessoal:
– o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas;
– mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias;
– vencimentos e vantagens fixas e variáveis;
– subsídios, proventos da aposentadoria;
– reformas e pensões, inclusive adicionais;
– gratificações, horas extras e vantagens pessoais;
– encargos sociais
– contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.</SMALL>
Pela nova Lei, na esfera estadual as despesas com pessoal ficam limitadas a 60% (2% para o Ministério Público; 3% para o Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas do Estado; 6% para o Judiciário; e 49% para o Executivo) da receita corrente líquida. Na esfera municipal o limite também é de 60% (6% para o Legislativo, 54% para o Executivo). Já na esfera federal, estas despesas têm o limite de 50% da receita corrente líquida (40,9% para o Executivo; 6% para o Judiciário; 2,5% para o Legislativo; e 0,6% para o Ministério Público).
Se o governante verificar que ultrapassou os limites para despesa de pessoal, deverá tomar providências para se enquadrar, no prazo de oito meses. Mas, se depois disso, continuarem a existir excessos, ele sofrerá penalidades.
Dívida Pública
De acordo com a Lei, o Senado Federal estabelecerá limites para a dívida pública, por proposta do Presidente da República, os quais serão definidos também como percentuais das receitas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
O artigo 29 da Lei de Responsabilidade Fiscal adota as seguintes definições com relação à dívidas e endividamentos:[7]
“I – dívida pública consolidada ou fundada: montante total, apurado sem duplicidade, das obrigações financeiras do ente da Federação, assumidas em virtude de leis, contratos, convênios ou tratados e da realização de operações de crédito, para amortização em prazo superior a doze meses;
II – dívida pública mobiliária: dívida pública representada por títulos emitidos pela União, inclusive os do Banco Central do Brasil, Estados e Municípios;
III – operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros;
IV – concessão de garantia: compromisso de adimplência de obrigação financeira ou contratual assumida por ente da Federação ou entidade a ele vinculada;
V – refinanciamento da dívida mobiliária: emissão de títulos para pagamento do principal acrescido da atualização monetária.”
Como explicam NASCIMENTO e DEBUS [8], a dívida líquida do setor público brasileiro cresceu significativamente entre 1994 e 1999, o que se deu a partir do aumento nas despesas públicas sem a contrapartida do incremento das receitas próprias, principalmente nos Estados e Municípios.
Por definição, existem dois mecanismos fundamentais utilizados para a cobertura do déficit público: os recursos próprios, que importam nas receitas de impostos e transferências e os recursos de terceiros, o que significa endividar-se.
Pela nova lei, os governantes deverão respeitar a relação entre a dívida e sua capacidade de pagamento, isto é, o governante não poderá aumentar a dívida para o pagamento de despesas diárias.
No caso do governante verificar que ultrapassou os limites estabelecidos para o endividamento, deverá tomar providências para se enquadrar, dentro do prazo de doze meses, reduzindo o excesso em pelo menos 25%, nos primeiros quatro meses. Entretanto, se depois disso, continuarem a existir excessos, a administração pública ficará impedida de contratar novas operações de crédito.
Eis o caráter moralizador da lei, que põe fim aos déficits fiscais descontrolados, contém o processo de endividamento público, limita a dívida pública, restringe a geração incontrolada de despesas, fixa condições rígidas para a geração de despesas de longo prazo e para a elevação das despesas relativas a pessoal e seguridade social, além de promover a transparência das contas públicas.
Metas Fiscais
A Lei também determina que os governantes estabeleçam metas fiscais trienais, as quais permitirão um melhor planejamento das receitas e despesas públicas, e também a prevenção de possíveis problemas ao longo do exercício fiscal. Assim, observar-se-á a ação planejada, prevenindo-se de eventuais riscos e a correção de desvios fiscais capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas.
Compensações
A Lei determina (art. 17 e parágrafos) que toda nova despesa continuada que seja superior a dois exercícios deverá ter sua fonte de receita demonstrada ou uma eventual redução de outra despesa que a compense. É uma forma de “reeducar” o administrador do dinheiro público de forma a não gastar acima do que está permitido pelas finanças públicas. Ou cria uma nova receita para compensar a nova despesa, ou diminui gastos para compensa-la. Do contrário, não assume nenhum novo compromisso.
Ano de eleição
Diante da mudança de gestão devido a ano eleitoral, a lei proíbe os governantes de assumirem dívidas que não possam ser pagas no mesmo ano. Assim, a mesma só pode ser transferida para o ano seguinte (no caso, para a nova gestão) se houver fundos disponíveis em caixa. Também está proibida qualquer ação que venha a aumentar gastos com pessoal nos Poderes Legislativo e Executivo no período de 180 dias que antecedem o final da legislatura ou mandato dos chefes do Poder Executivo.
A lei estabelece inúmeras outras diretrizes para um verdadeiro reajuste nas finanças públicas que complementam os tópicos acima citados. Longe de ser mais uma lei em vigor, a Lei de Responsabilidade Fiscal é um grande avanço do corpo legislativo brasileiro e também da comunidade nacional. Nunca se falou tanto em moralizar as contas públicas como nos últimos anos e a própria população vem percebendo que se o governo não “aperta o cinto”, quem paga a conta é sempre o contribuinte.
Espera-se, com isso, dentre inúmeros outros benefícios, manter o equilíbrio das contas públicas, indispensável ao crescimento econômico do país e à paz e ao bem-estar social.
Penalidades
A Lei de Responsabilidade Fiscal também estabelece que as infrações cometidas que venham a ferir seus dispositivos devem ser punidas com base no Decreto-Lei n° 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal), da Lei n°. 1079, de 10 de abril de 1950, do Decreto-Lei n° 201, de 27 de fevereiro de 1967 e da Lei n° 8.429, de 02 de junho de 1992 (Crime de Improbidade Administrativa) e demais normas da legislação pertinente.
Dentre as penas estão perda do cargo e a inabilitação, até cinco anos (oito anos em se tratando do Presidente da República), para o exercício de qualquer função pública (os dos prefeitos e vereadores também com detenção de até três anos e reclusão de até doze). No caso de crimes contra as finanças públicas haverá detenção de até dois anos e reclusão de até quatro anos, e no caso de infrações administrativas será aplicada multa de trinta por cento sobre os vencimentos anuais do infrator.
Lei moralizante
O primeiro objetivo da Lei de Responsabilidade Fiscal são o ajuste fiscal definitivo e o saneamento financeiro. Entretanto, diante de dispositivos tão avançados para a matéria, conseqüentemente advirão outros benefícios, como o equilíbrio das contas públicas e, o que é altamente positivo, a mudança da própria postura dos brasileiros diante de seus governantes, que os tornará mais conscientes de fiscalizar o desempenho dos homens públicos no que diz respeito ao trato e ao destino dado à coisa pública. O que a lei propõe, antes de tudo, é uma “reeducação” dos governantes e agentes públicos, no sentido de moralizar os representantes do povo, dando origem à um novo comportamento moral.
Esta lei, antes de ser apenas uma dentre tantas, juntamente com os demais dispositivos legais que cerceiam a matéria legal, é uma das melhores armas do cidadão no controle e fiscalização dos atos dos governantes e representantes públicos de que se tem notícia.
Referências Bibliográficas:
Advogado, especialista em Educação Patrimonial, Mestrando em Constituição, Processo e Sociedade pela UNOESTE (Presidente Prudente/SP), Professor de Direito Constitucional, Ciência Política e Teoria Geral do Estado, escritor, pesquisador.
Ponta Grossa/PR
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