Lei nº 13.022, de 8/8/2014: competências das guardas municipais

Resumo: Texto comentando a Lei nº 13.022, de 2014 de modo descritivo e com comentários doutrinários acerca de institutos de direito público. Enfoque principal na descrição e detalhamento das competências das guardas municipais.

Palavras-chave: Lei. Guarda Municipal. Competência.

Abstract: Text commenting Law No. 13,022, 2014 descriptive and doctrinal comments about institutes of public order. Main focus in describing and detailing the powers of municipal guards.

Keywords: Law. Municipal Guard. Competence.

Sumário: Introdução. Competência. Bens públicos. Serviços públicos. Logradouros públicos. Desenvolvimento das competências. Zelar pelos bens, equipamentos e prédios públicos municipais. Prevenir e inibir, pela presença e vigilância, bem como coibir, infrações penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais. Proteção sistêmica da população local. Colaboração visando à paz social. Pacificação de conflitos e Direitos Humanos. Guardas de Trânsito. Proteção Ambiental. Cooperação para a defesa civil. Participação popular. Parcerias para ações preventivas integradas. Políticas sociais interdisciplinares de segurança no Município. Integração para normatização e fiscalização de posturas e ordenamento urbano municipal. Polícia Judiciária e Polícia Administrativa. Garantia do atendimento de ocorrências emergenciais. Condução dos autores de flagrante delito ao delegado de polícia. Estudos do impacto das grandes obras na segurança local. Ações de prevenção à violência. Colaboração na segurança de grandes eventos. Segurança escolar. Hipóteses de atuação conjunta. Conclusão.

Introdução.

Este texto trabalha com a análise da Lei 13.022, de 2014 e estuda todos os seus sentidos para a correta aplicação no âmbito dos municípios que instituírem guardas municipais com enfoque na competência das guardas municipais.

Competência.

Competência é o poder-dever de agir do agente público conferido pela lei para o exercício de sua função.

De Plácido e Silva explica que a palavra competência tem origem latina e significa estar em gozo ou no uso de alguma coisa, ser capaz, pertencer ou ser próprio.

Para a técnica jurídica, dois são os sentidos. Inicialmente, competência significa faculdade, aptidão para exercer, manter ou proteger um direito ou poder de exercer atribuição legal a respeito de certos atos jurídicos. Em seguida, competência também é entendida como o poder que é conferido à pessoa ou à instituição, autoridade jurisdicional para deliberação e decisão acerca de assuntos determinados, de acordo com as regras que a conferem este mesmo poder.[1]

Para o Direito Público, a expressão competência administrativa é a soma de poderes outorgados às autoridades administrativas pelas leis para o exercício de gestão ou administração pública. É o poder-dever de agir conferido pelo ordenamento legal especificamente para cada autoridade.

A competência administrativa se fundamenta na Constituição Federal.[2] Cada esfera de governo tem assim, a sua própria competência.

Segundo o art. 4º da Lei 13.022, as guardas municipais têm competência geral de protegerem os bens, serviços e logradouros públicos municipais além das instalações do mesmo município.

O parágrafo único detalha que os bens mencionados no caput do artigo podem ser os bens de uso comum, os bens de uso especial e os bens dominiais.

Bens públicos.

O Vocabulário Jurídico indica que bem público é a coisa integrada ao domínio público ou tudo aquilo que se realiza para o bem estar da coletividade. Logicamente, no entanto, não é este o sentido para o qual se volta a Lei 13.022, de 2014.

Na doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, bens públicos são todos aqueles pertencentes às pessoas jurídicas de Direito Público e os que estejam afetados à prestação de um serviço público.[3]

O domínio público, então, é uma noção formada pela reunião dos bens públicos.[4]

Bens públicos podem ser classificados como bens de uso comum e bens pertencentes ao domínio particular do Estado.

Amplamente, logo, bens públicos são destinados à utilização e gozo da população e ou reservados para o uso próprio do Estado, de suas instituições, de seus serviços públicos.[5]

O Código Civil elenca como bens públicos aqueles do domínio nacional que pertencem às pessoas jurídicas de direito público interno. Todos os demais bens são particulares, seja quem for a quem pertencerem.[6]

Os bens públicos podem ser de três espécies: bens de uso comum do povo; bens de uso especial e bens dominicais.

Bens de uso comum do povo são os rios, os mares, as estradas, as ruas e as praças.

Bens de uso especial são os edifícios ou terrenos com destinação específica de utilização a serviço ou a estabelecimento da administração pública de qualquer esfera de governo, ou seja, administração pública federal, estadual, municipal ou territorial, sendo incluídos os edifícios ou terrenos de suas autarquias.

A Lei que instituiu o Código Civil, Lei nº 10.406, de 2002, neste artigo 99, inciso II, não especifica a administração pública do Distrito Federal, mas aborda a Administração dos Territórios, que porventura forem criados. 

Finalmente, os bens públicos podem ser dominicais, ou seja, aqueles bens que constituírem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

O parágrafo único do mesmo artigo especifica que não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial não podem ser alienados enquanto assim o forem considerados, de acordo com a legislação. Já os bens públicos dominicais, desde que observadas as exigências da lei, podem ser sim alienados.

Em último lugar, o artigo 103 do Código Civil explica que o uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou remunerado, de acordo com previsão legal a cuja administração pertencerem. Em outras palavras, lei municipal, por exemplo, pode estabelecer retribuição pela utilização de bem público do município onde for promulgada a referida lei.[7]

Os bens públicos são inalienáveis, impenhoráveis e imprescritíveis.

 No entanto, por ato emanado de autoridade competente, podem ser cedidos a particulares. Perdem, assim, a qualidade de públicos, que também pode decorrer do abandono ou desafetação dessa qualidade pelos próprios poderes constituídos.[8]

Serviços públicos.

Ensina Celso Antônio Bandeira de Mello que serviço público é atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.[9]

Já José dos Santos Carvalho Filho ensina que serviços públicos são todas as atividades prestadas pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade.[10]

Logradouros públicos.

Logradouros públicos devem ser entendidos, então, como os locais mantidos pelos poderes públicos para utilização pelos habitantes locais como praças, jardins e hortos ou também pelos locais construídos pelos particulares para uso próprio, quando serão denominados logradouros particulares.[11]

Desenvolvimento das competências.

Em seguida, o artigo 5º da Lei 13.022 especifica as competências das guardas municipais em atenção às competências federais e estaduais.

Zelar pelos bens, equipamentos e prédios públicos municipais.

Atividades de zelo ou guarda patrimonial do município.

Prevenir e inibir, pela presença e vigilância, bem como coibir, infrações penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais.

Prevenir é evitar ou tomar precauções para impedir que algo aconteça.[12] Inibir é dificultar ou impedir uma ocorrência determinada. A presença e a vigilância das guardas municipais, então, além de práticas para reprimir infrações penais ou administrativas e atos atentatórios contra os bens, serviços e instalações municipais, completarão o conjunto de medidas e ações para proteger os bens, serviços e demais instalações de cada município.

Proteção sistêmica da população local.

As guardas municipais devem atuar preventivamente e de modo contínuo, em todo o território municipal para exercer proteção de modo sistêmico, ou seja, de forma organizada e criteriosa da população que faz uso dos bens, serviços e instalações municipais.

Colaboração visando à paz social.

As guardas municipais devem colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social.

A atuação organizada de todos os órgãos de segurança pública deve permitir uma atuação mais coesa e substancial para a obtenção da paz da sociedade, por meio da atuação uníssona das mesmas no combate aos inimigos comuns da segurança pública.

Pacificação de conflitos e Direitos Humanos.

As guardas municipais devem agir em conjunto com as demais forças públicas de forma a acrescentar esforços de colaboração para a solução pacífica de conflitos que seus agentes presenciarem, sempre com respeito aos direitos fundamentais dos indivíduos.

Guardas de Trânsito.

As guardas municipais devem exercer as competências de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias e logradouros municipais, nos termos do Código de Trânsito Brasileiro, ou de forma concorrente, mediante convênio celebrado com órgão de trânsito estadual ou municipal.[13]

Proteção Ambiental.

Compete às guardas municipais proteger o patrimônio ecológico, histórico, cultural, arquitetônico e ambiental do Município, inclusive por meio da adoção de medidas educativas e preventivas.

Cooperação para a defesa civil.

As guardas municipais também atuarão em conjunto com os demais órgãos de defesa civil em suas atividades.

Participação popular.

As guardas municipais devem interagir com a sociedade civil para discussão de soluções de problemas e projetos locais voltados à melhoria das condições de segurança das comunidades. Já que os interesses são públicos, nada mais razoável do que permitir a participação do público para debater possíveis soluções.

Parcerias para ações preventivas integradas.

É competência das guardas municipais agir para estabelecer parcerias com os órgãos estaduais e da União, ou de Municípios vizinhos, por meio da celebração de convênios ou consórcios, com vistas ao desenvolvimento de ações preventivas integradas.

Políticas sociais interdisciplinares de segurança no Município.

Compete às guardas municipais articularem-se com os órgãos municipais de políticas sociais, visando à adoção de ações interdisciplinares de segurança no Município.

Integração para normatização e fiscalização de posturas e ordenamento urbano municipal. Polícia Judiciária e Polícia Administrativa.

As guardas municipais devem integrar-se com os demais órgãos de poder de polícia administrativa, visando a contribuir para a normatização e a fiscalização das posturas e ordenamento urbano municipal.

Órgãos de polícia administrativa são todos aqueles por meios dos quais os agentes administrativos exercem o poder de polícia de limitar o exercício individual de direitos que prejudique o interesse público.

É clássica a divisão em polícia judiciária e polícia administrativa. A polícia judiciária seria responsável pela preparação para a atuação da função jurisdicional penal, regulada pelo Código de Processo Penal e realizada pela polícia civil ou pela polícia militar. Já a polícia administrativa seria realizada pelos órgãos administrativos de caráter fiscalizador. É a polícia administrativa plena de caráter preventivo enquanto a judiciária tem nítida característica repressiva.[14]

Garantia do atendimento de ocorrências emergenciais.

Compete às guardas municipais garantir o atendimento de ocorrências emergenciais ou fazê-lo diretamente no momento em que se depararem com as mesmas.

Condução dos autores de flagrante delito ao delegado de polícia.

Também é competência das guardas municipais proceder ao encaminhamento ao delegado de polícia, nos casos de flagrante delito, do autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário.

Esta é uma competência também bastante útil de apoio ao que já é feito atualmente pelas demais polícias militar e civil dos Estados.

Estudos do impacto das grandes obras na segurança local.

As guardas municipais devem ajudar nos estudos de impacto na segurança local provenientes das grandes obras, de acordo com as disposições do plano diretor dos municípios. 

Ações de prevenção à violência.

As guardas municipais possuem a atribuição de fazer progredir ações com o objetivo de prevenir antecipadamente a violência como um todo, de forma isolada ou em conjunto com outros órgãos municipais locais, de outros Municípios, Estados ou da União.

Colaboração na segurança de grandes eventos.

Às guardas municipais compete auxiliar na segurança de grandes eventos e na proteção de autoridades e dignatários.

Segurança escolar.

As guardas municipais atuarão preventivamente na segurança escolar no Município, devendo cuidar do entorno das escolas, devendo realizar ações educativas com professores e alunos, para, desta forma, auxiliar na criação de uma cultura de paz na comunidade local.   

Hipóteses de atuação conjunta.

Finalmente, ao exercer suas competências, a guarda municipal poderá colaborar,  atuando conjuntamente com órgãos de segurança pública da União, dos Estados e do Distrito Federal ou de congêneres de Municípios vizinhos e, nas hipóteses de atendimento direto de atendimento de emergências e de encaminhamento de autores de delitos detidos em flagrância ao delegado de polícia, diante do comparecimento das polícias federal, rodoviária federal, ferroviária federal, polícia civil ou polícia militar e corpos de bombeiros militares, cabe à guarda municipal prestar todo o apoio à continuidade do atendimento, ou seja, deverá atuar conjuntamente com os mesmos.

Conclusão.

Extremamente positiva a criação das guardas municipais e bastante pontual o estatuto segundo o qual as mesmas exercerão seus ofícios. Em face do crescimento vertiginoso dos municípios brasileiros, do acúmulo crescente de população nos mesmos e da necessidade de reforço nas medidas de segurança pública, as guardas municipais vêm em importante momento e poderão contribuir decisivamente para a realização de níveis mais amplos de medidas de proteção e de segurança pública aos cidadãos dos municípios brasileiros.

 

Referências
AULETE, Caldas. Aulete Digital. http://www.aulete.com.br.
AURÉLIO, Dicionário do Aurélio. http://www.dicionariodoaurelio.com/
BRASIL, Constituição da República Federativa do, 05.10.1988, disponível no endereço: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
________. Lei nº 13.022, de 08 de agosto de 2014. http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13022.htm.
________. Código Civil, artigos 98 a 103. Disponível no endereço: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm#benspublicos.
________. Código de Trânsito Brasileiro. Lei nº 9.503, de 23/09/1997. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9503.htm
DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, 4.0, Rio de Janeiro: Forense, 2008.
MAFRA, Francisco. Direitos Humanos: breve evolução. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 89, jun 2011. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9597>
Notas:
[1] DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, 4.0,  Rio de Janeiro: Forense, 2008, verbete competência.
[2] DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, 4.0,  Rio de Janeiro: Forense, 2008, verbete competência.
[3] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 26ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 903.
[4] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 26ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 903.
[5] DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, 4.0,  Rio de Janeiro: Forense, 2008, verbete bens públicos.
[8] DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, 4.0,  Rio de Janeiro: Forense, 2008, verbete bens públicos.
[9] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 26ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 664.
[10] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.320.
[11] DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, 4.0,  Rio de Janeiro: Forense, 2008, verbete logradouro.
[12] AULETE, Caldas. Aulete Digital. http://www.aulete.com.br. Acesso em 22/08/2014.
[13] BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503, de 23/09/1997. Disponível no endereço: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9503.htm. Acesso em 22/08/2014.
[14] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, SP: Atlas, 2012, p. 81.

Informações Sobre o Autor

Francisco Mafra.

Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.


Equipe Âmbito Jurídico

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