Resumo: O presente artigo versa sobre a relação entre os institutos da liberdade de expressão e da liberdade de informação, que muitas vezes são confundidos ao serem analisados. Procura-se averiguar as características que os identifica, seus pontos de intersecção, e sobretudo os fatores que os distinguem.
Palavras–chave: Liberdade de pensamento. Liberdade de expressão. Liberdade de informação. Direito Fundamental. Democracia. Distinção.
Abstract: This paper focuses on the relationship between the institutes of freedom of expression and freedom of information, which are often mistaken to be analyzed. It seeks to examine the characteristics that identify them, their points of intersection, and especially the factors that distinguish them.
Keywords: Freedom of thought. Freedom of expression. Freedom of information. Fundamental Right. Democracy. Distinction.
sumário: 1. Introdução. 2. Liberdade de Pensamento. 3. Liberdade de Expressão. 4. Liberdade de Informação. 5. Distinção entre liberdade de expressão e liberdade de informação. 6. Conclusão. 7. Referências bibliográficas.
1. Introdução
Um dos aspectos mais relevantes de uma nação que se diz democrática é a amplitude outorgada à liberdade de expressão e de informação. Trata-se do reverso da moeda, posto que não se concebe uma democracia onde não haja plena liberdade para se expressar ou mecanismos para difusão e o acesso à informação de modo geral.
Ocorre que muitas vezes parece haver certa confusão entre os dois institutos, fazendo parecer que se tratam de mesmo direito, entretanto uma análise mais profunda das ditas liberdades, nos faz ver que existe uma relação intrínseca entre ambas, mas não há como as confundir.
De fato, a liberdade de expressão pode ser entendida como o berço onde repousa a liberdade de informação, no entanto, a liberdade de expressão abrange um conteúdo muito maior do que a de informação, ao passo que esta acaba por conter um vértice não necessariamente verificado na primeira.
O presente artigo visa trazer o conteúdo de cada direito, e, principalmente sua distinção no mundo jurídico. Não se tem a pretensão de analisar todos os aspectos do tema, visto que o mesmo é profundo, e permite vários apontamentos, pretende-se aqui fazer uma análise sobre os pontos principais da relação dos direitos.
2. Liberdade de pensamento
O ato de pensar é característica intrínseca a todo ser humano. O pensamento abarca todos os sentimentos do homem; é aí que ele vai buscar refúgio, e encontrar guarida para sua consciência, com seus valores, concepções e crenças.
Enquanto o pensamento não é externado, dizendo respeito apenas ao indivíduo, encontra-se em seu momento interior, e a ninguém interessa, pois não é fato relevante para a comunidade, apesar de ser direito plenamente reconhecido.
Na liberdade de pensar, repousa a liberdade de consciência, de crença e de livre convicção religiosa, podendo ser exercida livremente.
Por ser o homem dotado da característica de sociabilidade, é natural o interesse em propagar seu pensamento, nesse instante estar-se-á diante do momento exterior do pensamento, que se revela através da liberdade de manifestação de pensamento, que nada mais seria do que um direito de propagar suas opiniões, que se encontravam no pensamento, sob a forma de valores, concepções e crenças.
Na realidade, a liberdade de pensamento se torna concreta a partir desse instante, quando é permitido ao indivíduo a possibilidade de externar seu pensamento, a liberdade de opinião.
Segundo Pedro Frederico Caldas, a opinião: “(…) constitui um movimento do pensamento de dentro para fora; é a forma de manifestação de pensamento, resume a própria liberdade de pensamento, encarada, aqui, como manifestação do fenômeno social”.[1]
Enquanto o pensamento não é externado, nenhuma relevância tem para a sociedade; é a manifestação, sim, que traz reflexos na comunidade.
A Constituição Federal engloba tanto a liberdade de manifestação de pensamento, vedando o anonimato, em seus artigos 5º, inciso IV, e 220; como assevera serem invioláveis a liberdade de consciência, e a de crença, garantido a liberdade de cultos religiosos, no inciso VI, e a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica, e de comunicação, no inciso IX e artigo 220.
A Lei de Imprensa no caput de seu artigo 1º, também assegurava a liberdade de pensamento, mas já em seu momento externo, como liberdade de manifestação de pensamento.
3. Liberdade de expressão
Ao consagrar a liberdade de manifestação de pensamento no texto constitucional, o legislador constituinte garantiu também a liberdade de expressão, como corolário da liberdade de pensamento e opinião.
Ora, se detém o ser humano o direito a pensar e opinar, não se pode olvidar que também detém o direito de expressar esse pensamento e opinião. Assim, o indivíduo “pode manifestar-se por meio de juízos de valor (opinião) ou da sublimação das formas em si, sem se preocupar com o eventual conteúdo valorativo destas”[2].
Essa é a exata noção da liberdade de expressão, conforme atesta Nuno e Sousa:
“A liberdade de expressão consiste no direito à livre comunicação espiritual, no direito de fazer conhecer aos outros o próprio pensamento (na fórmula do art. 11° da Declaração francesa dos direitos do homem de 1989: a livre comunicação de pensamentos e opiniões). Não se trata de proteger o homem isolado, mas as relações interindividuais (‘divulgar’). Abrange-se todas as expressões que influenciam a formação de opiniões: não só a própria opinião, de caráter mais ou menos crítico, referida ou não a aspectos de verdade, mas também a comunicação de factos (informações).”[3]
Dessa feita, sob o manto da liberdade de expressão encontra-se agasalhada “toda opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer assunto ou sobre qualquer pessoa, envolvendo tema de interesse público, ou não, de importância e de valor, ou não.”[4]
Ressalte-se, ainda, que encontra guarida no conteúdo da liberdade de expressão a propagação por todos os meios possíveis, não apenas pela palavra escrita ou falada, mas também por gestos, desenhos, gravuras, pinturas, e porque não dizer o silêncio, inserido dentro de uma determinada perspectiva.
Assim, pode-se claramente observar que a liberdade de expressão contém uma dupla dimensão, conforme nos ensina Jonatas Machado:
“Nesse sentido, deve-se sublinhar a dupla dimensão deste direito. A dimensão substantiva compreende a actividade de pensar, formar a própria opinião e exteriorizá-la. A dimensão instrumental, traduz a possibilidade de utilizar os mais diversos meios adequados à divulgação do pensamento.”[5]
Sobre a dimensão instrumental da liberdade de expressão, cabe aqui fazer referência a decisão do Supremo Tribunal Federal ao analisar o caso de diretor de teatro, que após ser criticado pelos espectadores, ao final da peça teatral expôs membro intimo de seu corpo para o público. Na situação em tela, entendeu a Corte Constitucional brasileira que não haveria o individuo cometido o ilícito penal de ato obsceno, mas sim exercido seu direito de liberdade de expressão, ainda que tivesse sido ‘inadequado ou deseducado”[6].
Por fim, deve-se se reconhecer também que dentro da liberdade de expressão, encontra-se albergado um aspecto negativo, a liberdade de não se expressar, como aduz Nuno e Sousa:
“(…) garantida não aparece apenas a liberdade de expressão e informação, mas também a liberdade de não exprimir qualquer pensamento, de não se informar, de não fundar uma empresa de imprensa, de não dar informações; garante-se o exercício e o não exercício”.[7][8]
4. Liberdade de informação
No Estado Democrático de Direito é imprescindível a participação popular, e essa só é possível a partir do momento em que o homem tem conhecimento dos fatos e notícias que ocorrem no mundo social em que vive, podendo livremente informar a outros indivíduos, formando-se a opinião pública. Daí a importância que a liberdade de informação adquiriu na Carta Constitucional brasileira, sendo assegurada como direito fundamental.
A informação, aqui, deve ser entendida em seu sentido amplo, comportando todos aqueles fatos e notícias veiculadas que podem formar a opinião pública, bem como a utilização de todos os meios possíveis, e realizada por todos os organismos que compõem a sociedade, sendo acima de tudo livre, para não se criar uma opinião pública manipulada e fraudulenta.
Pode-se falar em informação individual, aquela que se dá entre as pessoas no cotidiano; estatal, aquela fornecida pelo estado; e massiva, que comporta os meios de comunicação de massa.
A liberdade de informação nasceu sob o prisma dos direitos individuais, corroborado pelo conceito de liberdade, introduzido pelos movimentos revolucionários do século XVIII, como liberdade relacionada ao direito de todo indivíduo manifestar o seu pensamento, carregado da noção de individualismo.
Modernamente, em decorrência de todos os avanços tecnológicos, econômicos e sociais, a liberdade de informação adquiriu um papel coletivo, no sentido de que toda a sociedade requer o acesso à informação, base de um real Estado Democrático de Direito, compreendendo tanto a aquisição como a comunicação de conhecimentos, conforme atesta José Afonso da Silva:
“Nesse sentido, a liberdade de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência da censura, respondendo cada pelos abusos que cometer.” [9]
Assim, verifica-se que a liberdade de informação comporta duas vertentes, que se relacionam intimamente: a liberdade de informar e o direito de ser informado.
Essa é noção introduzida por Freitas Nobre: “A própria liberdade de informação encontra um direito á informação que não é pessoal, mas coletiva, porque inclui o direito de o povo ser bem-informado.”[10]
O primeiro aspecto da liberdade de informação se caracteriza pelo direito de difundir a informação através dos meios postos à disposição (liberdade de informar).
Discorrendo sobre tal direito, Jónatas Machado faz uma interessante observação:
“Relativamente ao direito de informar, o mesmo encontra-se intimamente relacionado com a liberdade de imprensa e de comunicação social e com os direitos dos jornalistas. No entanto, importante salientar que, particularmente no domínio da autodeterminação político-democrática da comunidade, as ideias de verdade e objectividade, a despeito de suas limitações, assumem centralidade como instrumentos de salvaguarda de bens jurídicos de natureza individual e colectiva. Isso se traduz na existência de uma obrigação de rigor e objectividade por parte das empresas jornalísticas e noticiosas para além de uma obrigação de separação, sob reserva do epistemologicamente possível, entre afirmações de facto e juízos de valor, informações e comentários.”[11]
O segundo aspecto é o direito à informação, que compreende o direito coletivo de acesso à informação, de receber a informação anteriormente difundida.
O direito à informação adquiriu papel preponderante dentro do conceito de direito de informação. Esse direito
“(…) antes concebido como um direito individual, decorrente da liberdade de manifestação e expressão do pensamento, modernamente vem sendo entendido como dotado de força componente e interesse coletivos, a que corresponde, na realidade um direito coletivo à informação.”[12]
Tratando sobre o direito à informação, já compreendido sob a ótica do interesse coletivo que o alberga, Jonatas Machado faz a seguinte consideração acerca do seu valor social:
“Através dele [direito de ser informado] tem-se procurado ampliar a autonomia individual nos processos de formação de preferências e opiniões e reforçar a posição dos cidadãos em face dos meios de comunicação social, servindo o mesmo de justificação para a existência de um serviço público de rádio e de televisão, ou , pelo menos, de uma criteriosa regulamentação das actividades jornalística, de radiofusão e de radiotelevisão, no sentido de garantir um serviço informativo e formativo de qualidade”.[13]
A informação, na realidade, é um poder. Ela tem o poder de influenciar, mudar a sociedade, por isso não pode ser tomada pela simples liberdade individual de informação, constitui-se um verdadeiro direito coletivo à informação:
“Se a liberdade de expressão e de informação, nos seus primórdios, estava ligada à dimensão individualista da manifestação livre do pensamento e da opinião, viabilizando a crítica política contra o ancien regime, a evolução daquela liberdade operada pelo direito/dever à informação, especialmente com o reconhecimento do direito ao público de estar suficientemente e corretamente informado; àquela dimensão individualista-liberal foi acrescida uma outra dimensão de natureza coletiva: a de que a liberdade de expressão e informação contribui para a formação da opinião pública pluralista – esta cada vez mais essencial para o funcionamento dos regimes democráticos, a despeito dos anátemas eventualmente dirigidos contra a manipulação da opinião pública.”[14]
Ao lado da liberdade de informação compreendida como o direito de informar e o direito de ser informado, existe ainda um terceiro aspecto que se relaciona com os demais, trata-se do direito de se informar, que compreende o direito do individuo de ir em busca da informação, conforme atestam Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior:
“O direito de se informar traduz igualmente uma limitação estatal diante da esfera individual. O indivíduo tem a permissão constitucional de pesquisar, de buscar informações, sem sofrer interferências do Poder Público, salvo as matérias sigilosas, nos termos do art. 5°, XXXIII, parte final.”[15]
A Constituição Federal abarcou esse sentido da liberdade de informação, como decorrência direta do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, já que a difusão da informação, e o acesso a esta são essenciais na formação do indivíduo. Além do que, consubstanciou em seu artigo 5º, inciso IV, a liberdade de manifestação de pensamento, e em seus incisos XIV e XXXIII, o direito coletivo à informação.
5. Distinção entre liberdade de expressão e liberdade de informação
Se é certo que existe uma liberdade de expressão plenamente assegurada pela Constituição de 1988, conforme já dito, não menos certa é a existência de uma liberdade de informação, que com aquela não se confunde, apesar de se relacionarem intimamente uma com a outra, conforme atesta L.G. Grandinetti Castanho de Carvalho:
“Por isso é importante sistematizar, de um lado, o direito de informação e, de outro, a liberdade de expressão. No primeiro está apenas a divulgação de fatos, dados, qualidades, objetivamente apuradas. No segundo está a livre expressão do pensamento por qualquer meio, seja a criação artística ou literária, que inclui o cinema, o teatro, a novela, a ficção literária, as artes plásticas, a música, até mesmo a opinião publicada em jornal ou em qualquer outro veículo.”[16]
Assim, pode-se claramente perceber que a liberdade de informação encontra-se abarcada no conceito de liberdade de expressão tomada em seu aspecto lato, mas, como já dito, não se pode confundir os institutos.
A liberdade de informação não pode prescindir da análise da verdade da informação a ser veiculada, este é sem dúvida um dos requisitos essenciais na divulgação dos fatos, não sendo, por certo, característica intrínseca da liberdade de expressão, conforme suas nuances e contornos já apresentados.
Sob esse aspecto, ressalta Castanho de Carvalho:
“Todos os doutrinadores citados, mesmo os que, em maioria, adotam uma disciplina comum entre a expressão e informação, deparam-se com, pelo menos, uma distinção importante entre os dois institutos: a veracidade e a imparcialidade da informação. E é, justamente, em razão dessa distinção fundamental que se deve pensar em um direito de informação que seja distinto em sua natureza da liberdade de expressão.”[17]
Portanto diante da análise dos quadrantes em que se verifica a distinção entre a liberdade de expressão e a liberdade de informação, pode-se concluir sem nenhuma dúvida que:
“(…) a distinção deve pautar-se por um critério de prevalência: haverá exercício do direito a informação quando a finalidade da manifestação for a comunicação de fatos noticiáveis, cuja caracterização vai repousar sobretudo no critério de sua veracidade.”[18]
Assim, verifica-se de pronto a distinção entre os institutos. Enquanto na liberdade de expressão encontra-se abarcado todos os fatos, pensamentos, opiniões, e crenças que desejam ser levados a conhecimento por aquele que se utiliza desse direito, não importando se são verdadeiras ou não, a liberdade de informação repousa na manifestação, através de todo e qualquer instrumento (dimensão instrumental da liberdade), de fatos noticiáveis revestidos do caráter da veracidade.
6. Conclusão
Todo ser humano é dotado da característica de pensar, correlacionado diretamente a esse aspecto encontra-se o direito de manifestação do pensamento, que se qualifica pela exteriorização de s pensamentos até então guardados para o próprio indivíduo.
A manifestação de pensamento encontra-se relacionada diretamente a liberdade de opinião, que se caracteriza pela liberdade de propagar sua opinião, até então interiorizada sob a forma de crenças e valores.
A liberdade de manifestação de pensamento e de opinião se manifesta através da liberdade de expressão, que compreende uma dimensão substantiva: a exteriorização de seus valores e crenças intrínsecos, e uma dimensão instrumental: a forma e os instrumentos para a sua exteriorização.
A liberdade de informação é abarcada pela liberdade de expressão, e configura-se pela liberdade de informar, de ser informado e de se informar.
Apesar de sua correlação direta, a liberdade de expressão distingui-se da liberdade de informação na medida em que esta tem como fito a expressão de fatos noticiáveis, onde resta imprescindível a análise da veracidade dos fatos a ser levada a conhecimento.
Procuradora Federal Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas Pós – graduada em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP
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