Licenciamento ambiental municipal e cooperação com os demais entes

Resumo: Distinguindo a competência material e legislativa, o presente trabalho demonstra a importância da atuação conjunta dos entes federativos na proteção ambiental, ressaltando principalmente o princípio do federalismo cooperativo. Nesta senda, o principal objetivo desta obra é evidenciar a seriedade com que os Municípios devem tratar a seara ambiental, dando a estrutura devida aos seus órgãos e capacitando seus servidores, sempre em cooperação com o Estado e a União Federal.

Palavras-chave: Município. Licenciamento. Cooperação.

Sumário: 1. Introdução. 2. Do conceito de convênio. 3. Do federalismo cooperativo. 4. Da competência do Município. 5. Da inovação legislativa da Lei Complementar n.º 140/11. 6. Conclusão. 7. Referências

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1. Introdução

A matéria cinge-se em apreciar apontamentos concernentes a eventuais convênios a serem firmados entre os Estados, a União Federal e os Municípios no tocante à fiscalização e licenciamento ambiental.

Assim sendo, a cooperação é tratada como instrumento essencial para o desenvolvimento do licenciamento no âmbito local, à vista que a convergência dos entes estará focada sempre no objetivo final, que será a tutela ambiental.

2. Do conceito de convênio

A administração Pública participa de atos bilaterais, que dependem da concordância de todos os envolvidos, podendo resultar em interesses convergentes ou divergentes.

No primeiro caso observam-se os convênios, ajustes ou acordos, em que as finalidades e interesses são recíprocos, onde os serviços são prestados sob mútua colaboração, sem interesse econômico direto.

Avulta levantar de início o conceito firmado pela boa doutrina acerca dos chamados convênios administrativos, no particular, merece registro o entendimento do administrativista José dos Santos Carvalho Filho, sendo oportuno reporta-se ao seguinte trecho:

“Consideram-se convênios administrativos os ajustes firmados por pessoas administrativas entre si, ou entre estas e entidades particulares, com vistas a ser alcançado determinado objetivo de interesse público.”(José dos Santos Carvalho Filho, Curso de direito administrativo, 19ª ed., Lumenjuris editora,2008, p. 202)

Neste raciocínio, o que se percebe neste tipo de negócio jurídico é que o elemento fundamental será sempre a cooperação e, não o lucro, que é o almejado pelas partes no contrato. Por isso, pode-se dizer que as vontades não se compõem, mas se adicionam.

3. Do federalismo cooperativo

Em outro giro, a Constituição, ao adotar o federalismo cooperativo, permite que o poder não fique concentrado nas mãos de uma única pessoa jurídica de direito público, mas que se reparta entre os entes coletivos que a compõem, diferentemente do chamado federalismo dual.

Bem por isso, a Constituição brasileira define a existência de várias ordens, com autonomia político-administrativa, na composição de nossa Federação: a União como a ordem nacional, os Estados como ordens regionais e os Municípios como ordens locais.

Com efeito, a Constituição de 1988 reparte competências entre as pessoas jurídicas de direito público interno de forma bastante complexa, baseada na predominância do interesse.

Entrementes, não é assunto simples distinguir o que seja de interesse nacional, regional ou local, à vista que não há interesse municipal que não o seja indiretamente da União e do Estado-membro, como também não há interesse regional ou nacional que não repercuta nos municípios, como partes integrantes da Federação brasileira.

Cabe referir que a Constituição Federal ao repartir entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios as distintas competências do Estado Brasileiro, repartiu também as atribuições relacionadas à tutela ambiental, estabelecendo competência comum à União, Estados e Municípios para planejarem políticas públicas ambientais e exercerem suas competências materiais, objetivando proteger o meio ambiente:

“Art. 23 – É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…)

III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII – preservar as florestas, a fauna e a flora.”

Noutro viés, no que toca tema de competência para legislar sobre matéria ambiental, a Constituição Federal prevê como competentes, de forma concorrente, a União, o Distrito Federal e os Estados-Membros.

Não constitui demasia assinalar, neste ponto, o art. 24 da CF, que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (inciso IV); proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (inciso VII); responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (inciso VIII).

4. Da competência do Município

Releva anotar que o Município foi excluído do dispositivo constitucional que expressamente permite legislar sobre proteção ambiental (art. 24, da C.F). Porém, ao se chegar a uma interpretação sistemática da Constituição Federal (arts. 23, 30, I e II e 225), verifica-se que é competente, com os demais poderes para legislar, respeitando os limites de sua autonomia, sobre o meio ambiente.

 Assim sendo, equilibrando o princípio da predominância do interesse ("interesse local"), e “impacto ambiental” se definirá a competência municipal nas questões ambientais, desprezando-se o critério realtivo a dominialidade do bem afetado.

Como se observa, trata-se de competência concorrente entre a União e Estados-membros, razão pela qual a legislação municipal, ao tratar de questões semelhantes, não pode contrariar a disciplina contida em regras federais e estaduais. É bem verdade que o Município detém competência legislativa privativa em matérias pertinentes a interesses locais e ordenamento territorial, a teor do disposto no art. 30, da CF, verbis :

"Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; (omissis)

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante

planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano."

 Sobre a questão, leciona José Afonso da Silva, verbis:

"Há setores urbanísticos em que a competência para atuar é comum à União, estados, Distrito Federal e Municípios, como no caso da proteção de obras de valor histórico, artístico e cultural e dos monumentos, paisagens notáveis e sítios arqueológicos, assim como na proteção do meio ambiente e combate à poluição(arts. 23, III, IV e VI, e 225). Mas nesses setores a Constituição reserva à União a legislação de normas gerais (art. 24, VI, VII e VIII, e § 1º) e aos Estados e Distrito Federal a legislação suplementar (art. 24, I, e §2º). Aqui, sim, a posição dos Municípios é diversa daquela apontada acima em relação às normas urbanísticas em geral, porque nesses setores a atuação legislativa municipal é suplementar da legislação federal e estadual, com aplicação do disposto no art. 30, II, e especialmente ao teor específico do inciso IX desse artigo, que declara caber ao Município promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual ". (in Direito Urbanístico Brasileiro, Malheiros Editores, 3ª ed., pág. 62).

No que toca a competência comum, a Lei Federal nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, cria o Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA:

“Art. 6º Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, assim estruturado:

I – órgão superior: o Conselho de Governo, com a função de assessorar o Presidente da República na formulação da política nacional e nas diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais;

II – órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida;

III – órgão central: a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República, com a finalidade de planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão federal, a política nacional e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente;

IV – órgão executor: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, com a finalidade de executar e fazer executar, como órgão federal, a política e diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente;

V – Órgãos Seccionais : os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental;

VI – Órgãos Locais: os órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições;”

Demais disso, impende assinalar que a opção do legislador constituinte pela competência comum para a defesa do meio ambiente, bem como do legislador ordinário pela criação do SISNAMA, aduzem a importância que se deu à proteção ambiental, decorrendo a necessidade de cooperação de todos os entes federados, seus órgãos e entidades, na proteção e execução daqueles temas a que deu a relevância constitucional.

Bem por isso, resta interessante o fomento da política estadual de delegação de competências no âmbito da fiscalização e do licenciamento ambiental para os municípios que se interessam e que demonstram a devida capacidade.

Tal articulação encontra escoro, inclusive, na Resolução n.º 237 do CONAMA, ao dispor:

“Art. 6° Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de atividades de impacto local e daqueles que lhe forem delegas pelo Estado por instrumento legal ou convênio.”

Contudo, não basta que as partes envolvidas na formação do convênio pura e simplesmente assinem o pacto, valendo tal observação tanto para os Estados, no que vista a sua delegação, bem como aos municípios no que tange ao cumprimento de vários requisitos legais e técnicos que os habilitem.

A experiência de municipalização dos municípios vem sendo desenvolvida em alguns estados da federação, como, por exemplo, o estado de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, tendo este último, em dias atuais, a contagem de 222 entes municipais desenvolvendo a atividade de fiscalização e licenciamento através de convênios junto à FEPAM (Fundação estadual de meio ambiente).

O que se percebe, em pesquisas preliminares, como, por exemplo, ocorre no estado do Rio Grande do Sul, é que uma série de requisitos é exigida por parte da entidade estatal para que a delegação seja efetivada, exigindo uma atuação conjunta com o CONSEMA do respectivo estado, o qual elabora resoluções normativas delimitando e regulando o âmbito de atuação do município, bem como delibera ao final a sua capacidade de atuar como ente Convenente.

Já os outros estados acima mencionados, regulamentaram o poder de realizar convênios com os municípios através de Decretos normativos elaborados pelo chefe do poder Executivo, expondo as regras e quesitos a serem seguidos pelos participantes.

É curial elencar quais seriam os principais critérios (pré-requisitos) e as diretrizes gerais (rol não taxativo) que deverão ser cobradas pela Agência Ambiental estadual sobre os municípios que demonstrarem interesse em firmarem convênios de cooperação: (art. 20 resolução CONAMA)

“1. a implantação de Fundo Municipal de Meio Ambiente;

2. a implantação e funcionamento de Conselho Municipal de Meio Ambiente, com caráter deliberativo e consultivo;

3. a organização de órgão municipal do meio ambiente, com quadro de profissionais legalmente habilitados para a realização do licenciamento ambiental, próprio ou à disposição, emitindo a devida Anotação de Responsabilidade Técnica (ART);

4. possuir servidores municipais com competência para o exercício da fiscalização ambiental;

5. a existência de legislação própria disciplinando o licenciamento ambiental e as sanções administrativas pelo seu descumprimento;

Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, para Municípios com população superior a 20.000 habitantes e demais situações previstas no art. 177 da Constituição Estadual, ou Lei de Diretrizes Urbanas para os demais;

Plano Ambiental, aprovado pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente, de acordo com as características locais e regionais.”

Vale tecer a consideração que firmada a parceria, conforme já exposto ao longo deste corpo, nada impede que o município legisle sobre as matérias que visem a execução fiel do convênio, entretanto, reza mister que sigam a legislação federal e estadual no que atina à matéria.

5. Da inovação legislativa da Lei Complementar n.º 140/11

É oportuno registrar a tardia promulgação das normas de cooperação fixadas na LC 140/11. À vista da demora do congresso em legislar, coube a boa doutrina e jurisprudência aclarar a competência administrativa dos entes no que concerne a preservação e fiscalização ambiental.

Várias celeumas jurídicas foram criadas, porém, a LC acima não trouxe nenhuma novidade além do que a doutrina antes expunha, apenas positivando e evitando futuros litígios, bem como ratificando o papel do Poder Público.

Contudo, há que tecer elogios a legislação, que contém dispositivos objetivos e claros, onde fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981.

De logo, assim dispõe sobre a fixação de convênios:

Art. 5o O ente federativo poderá delegar, mediante convênio, a execução de ações administrativas a ele atribuídas nesta Lei Complementar, desde que o ente destinatário da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações administrativas a serem delegadas e de conselho de meio ambiente.

Parágrafo único. Considera-se órgão ambiental capacitado, para os efeitos do disposto no caput, aquele que possui técnicos próprios ou em consórcio, devidamente habilitados e em número compatível com a demanda das ações administrativas a serem delegadas.”

  Por fim, a legislação ainda elenca uma série de requisitos para que órgão ambiental possa ter capacidade técnica de realizar o licenciamento ambiental municipal, bem como receber a delegação do Estado membro.

6. CONCLUSÃO

Diante do exposto, verifica-se no que vinga ao lume jurídico, ser viável a realização de convênios no intuito de fomentar a fiscalização e o licenciamento ambiental no âmbito dos municípios, desde que os Estados, junto com o CONSEMA, haja com rigor na verificação dos requisitos para a qualificação dos entes municipais, à vista da cooperação disposta no texto constitucional e na LC 140/11.

No mais, vale repisar que aos municípios é cabível o poder de legislar tanto sobre assuntos de interesse locais, desde que respeitadas as legislações federais e estaduais sobre o tema.

 

Referências
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Curso de direito administrativo, 19ª ed., Lumenjuris editora, 2008.
SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro, Malheiros Editores, 3ª Ed, 2000.
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: 5ªed. RT. 2007.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 18.ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
ANTUNES, Paulo Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 11ª edição. 


Informações Sobre o Autor

Romero Duarte Suassuna Cavalcanti

Advogado


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Equipe Âmbito Jurídico

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