Quando surgiu a lei dos Juizados Especiais Cíveis no âmbito estadual, em 1995, poucas vozes se levantaram, ou pelo menos, não se fizeram escutar, quanto ao cabimento ou não de liminar, já que a lei nada dispôs a respeito.
Soaria até deselegante uma crítica naquele momento, diante da beleza da redação legal, anunciando um novo tempo, pautado pelos critérios dentre outros, da celeridade e simplicidade (art. 2º).
Abertos os cancelos dos Juizados, pelos preconizados benefícios, o que se viu no entanto, foi sua crescente procura, cujas fileiras se engrossaram ainda mais depois que a lei 9.841/99, possibilitou também às microempresas, o direito de propor ação nos Juizados.
Como se sabe, as ações de cobranças das microempresas, geralmente são em número expressivo, e especialmente nas Capitais, o que ocorreu, com o afluxo crescente de ações, foi o retorno da morosidade, da justiça tardia, aquela que Rui Barbosa intitulou de injustiça qualificada.
Mas não há de se imputar a elas, componentes importantes dos motores da economia, os entraves dos Juizados, salvo contadas exceções de abuso, em que se prescinde das cobranças administrativas, para instituir a cobrança oficializada e sem custos, através dos Juizados.
Porque mudam se em profusão as leis, às vezes anunciadas como soluções miraculosas pra todos os males, mas muitas delas têm efeito paliativo, pois por trás das mesmas, não tem sido ampliada a estrutura Judiciária como seria ideal, rumo ao aumento do número de juízes e servidores, do aparato físico e tecnológico, em velocidade a suportar o aumento da demanda e a alcançar o desiderato da lei, no quesito da celeridade.
Então, a necessidade faz saltar as vistas, para a possibilidade da obtenção de liminar nos Juizados, expungindo-se o perigo da demora.
A lei não trouxe em sua parte geral, dispositivo quanto à aplicação supletiva do processo civil, ou de outro ramo do direito, a exemplo da legislação trabalhista, que fê-lo no art. 769 da CLT, o que tem servido de fundamentação para algumas decisões, de não cabimento de liminar nos Juizados.
Fez apenas referências específicas, aos casos das exceções de suspeição e impedimento do Juiz (art. 30) e das execuções por título judicial (art. 52) e extrajudicial (art. 53).
A lacuna da lei 9.099/95, não foi repetida pela lei dos Juizados Especiais na esfera da Justiça Federal, nº 10.259, de 12/07/2001, pois o artigo 4º desta, previu a possibilidade de deferimento de medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação.
A omissão da lei pode então reverberar a negativa de possibilidade da concessão de liminar?
O comando do artigo 4º da Lei de Introdução do Código Civil, assim como do artigo 126 do CPC, permite entrever uma solução.
Giza o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil:
“Art. 4º. (…) quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” (Grifamos).
E a tutela liminar, se harmoniza com perfeição, ao princípio da celeridade, que norteia a lei dos Juizados.
De outro ângulo, Cândido Rangel Dinamarco, mostra que a válvula lógica, para solucionar a omissão da lei, é a da aplicação automática do tronco processual civil, pois a aplicação subsidiária do CPC não se verifica apenas quando o microssistema expressamente o autoriza, mas sempre que inexistam incompatibilidades entre os sistemas diversificados e a lei específica seja lacunosa.”[1]
“No sistema brasileiro o direito processual civil é o responsável pelo exercício da jurisdição com referência a pretensões fundadas em normas de direito privado (civil, comercial) e também público (administrativo, tributário, constitucional).”
Revela noutra quadra, também quanto ao alcance, ser usual a afirmação de que o processo civil é o “ramo do direito processual destinado a dirimir conflitos em matéria não-penal”.
A jurisprudência, admitindo o cabimento de tutela antecipada, gerou o enunciado de nº. 26, com o seguinte teor: “São cabíveis a tutela acautelatória e a antecipatória nos Juizados Especiais Cíveis, em caráter excepcional”.[2]
Entretanto, a limitação contida na idéia “caráter excepcional”, deixa espaço para algumas reflexões.
Haveriam outros pressupostos para a concessão de liminar, além dos consagrados periculum in mora e fumus boni iuris para atender ao denominado caráter excepcional? Teria o jurisdicionado que busca a justiça comum, privilégio não estendido ao que se socorre nos Juizados Especiais?
A doutrina atual porém, mesmo partindo de prismas diversos, congrega forte entendimento de que, é cabível liminar-lato sensu, sem estas restrições, no âmbito dos Juizados.
Theotônio Negrão, em nota à lei em comento, leciona:
“O juiz pode conceder a tutela antecipada, menos nas ações de despejo (v CPC 273, nota 15), ou determinar medidas cautelares que assegurem a eficácia da sentença a ser proferida e evitem dano irreparável à parte (cf. art. 43). A lei especial não o proíbe. Tais medidas serão concedidas sem forma nem figura de juízo, de acordo com o princípio da informalidade, e serão confirmadas ou cassadas por ocasião da sentença.”[3]
Joel Dias Júnior, posiciona-se no sentido de que a tutela antecipada e as medidas cautelares, são institutos compatíveis com o Juizado Especial, justamente por açambarcar o princípio da celeridade; respectivamente:
‘A Lei 9.099/95 não apresenta em seu bojo qualquer mecanismo de antecipação da pretensão articulada pelo autor, nada obstante ter sido norteada dentre outros princípios, pelo da celeridade. Por seu turno, o instituto da antecipação da prestação da tutela jurisdicional do estado foi inserido no contexto do processo cognitivo justamente para evitar prejuízos com o retardamento da consecução material da sentença de mérito favorável ao autor.
Por isso, não vislumbramos qualquer óbice na sua aplicação às ações processadas pelo rito especialíssimo previsto nessa Lei; pelo contrário, é medida salutar e absolutamente compatível com o microssistema.
O mesmo se diga do regime das ações cautelares que, sem a menor sombra de dúvida, também se aplica, tal como se encontra no Código de Processo Civil, ao sistema dos Juizados Especiais.[4]
Nelson Nery Júnior, defende que qualquer restrição às liminares, mesmo contra o poder público, afronta a Constituição Federal:
“Não é suficiente o direito à tutela jurisdicional. É preciso que esta tutela seja adequada, sem o que estaria vazio o princípio. Quando a tutela para o jurisdicionado for medida urgente, o juiz, preenchidos os requisitos legais, tem de concedê-la independentemente de haver lei autorizando, ou ainda, que haja lei proibindo a tutela urgente.
Isto ocorre casuisticamente no direito brasileiro, com a edição de medidas provisórias ou mesmo de leis que restringem ou proíbem a concessão de liminares, o mais das vezes contra o poder público. Essas normas têm de ser interpretadas conforme a
Constituição.”[5]
Conclui-se assim, que tanto sob o ângulo que, nos casos omissos, aplicam-se os princípios gerais de direito, ou que o processo civil é o subsídio mais adequado, em matéria não-penal, é assaz razoável o entendimento de ser comportável liminar nos Juizados Especiais Cíveis.
E por esta vista, a lei dos Juizados não tolhe o disposto no § 3º do art. 84 da lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, que previu o cabimento da tutela liminar, com ou sem justificação prévia, o que não seria mesmo desejável, já que o Código de Defesa do Consumidor – por regular as relações de consumo, e a maioria delas, são matérias de menor complexidade e de valores nem sempre vultosos – é largamente aplicado na esfera dos Juizados Especiais Cíveis.
Advogado em Itaberaí, Goiás, atuante desde 1992, nas áreas: cível e trabalhista, inscrito na OAB/GO sob nº. 12.120. Pós-graduado em direito do trabalho, pelo convênio Universidade Católica de Goiás/PUC-SP
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