Limites da competência material da Justiça do Trabalho na execução das contribuições sociais

Resumo: A Emenda Constitucional n. 20/98 ampliou a competência material da Justiça do Trabalho, permitindo a execução, de ofício, das contribuições sociais. Desde então, houve acirrado debate acerca do exato alcance dessa competência. Quais seriam as contribuições sociais passíveis de serem executadas na Justiça do Trabalho, na medida em que “contribuições sociais” (referida no art. 114, VIII, da CF/88) é gênero, havendo, dentro desse conceito, outras espécies de contribuições? Após uma acalorada defesa de teses antagônicas, de um “amadurecimento” da tese defendida pelo órgão de representação judicial da União na execução fiscal trabalhista[1] e da consolidação da jurisprudência do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, firmou-se, hoje, a exata compreensão de quais são, afinal, as contribuições sociais passíveis de execução perante a Justiça do Trabalho.

Palavras-chave: Competência. Justiça do Trabalho. Limites. Contribuições Sociais.

Abstract: Constitutional Amendment. 20/98 extended the substantive jurisdiction of the Labor Court, allowing the execution of legal, social contributions. Since then, there was heated debate about the exact scope of that jurisdiction. What are the social contributions that can be executed on the Labour Court, in that "social contribution" (referred to in art. 114, VIII, the CF/88) is gender, with, within this concept, other kinds of contributions? After a heated defense of antagonistic theses of a "maturation" of the argument put forward by the representative body of judicial tax in implementing Union labor and the consolidation of the jurisprudence of the Superior Labor Court Colendo, it has become today, the exact understanding of what are, after all, social contributions will be enforceable before the Labour Court.

Keywords:  Competence. The Labour Court. Limits. Social Contributions

Sumário: 1- Introdução; 2 – Da Previsão Constitucional Acerca da Competência Material da Justiça do Trabalho na Execução, de ofício, das Contribuições Sociais; 3 – Classificação Doutrinária das “Contribuições Sociais”; 4 – Limites da Competência Material da Justiça do Trabalho na Execução das “Contribuições Sociais”; 5 – Posição do Tribunal Superior do Trabalho; 5.1 – Contribuições Sociais Devidas a Terceiros; 5.2. Contribuições Sociais – RAT (anteriormente designada de SAT); 6 – A Atual Posição do Órgão de Representação Judicial da União (PGF); 7 – Conclusões; 8 –  Referências.

1 – INTRODUÇÃO

A intenção deste estudo é examinar os limites da competência da Justiça do Trabalho na execução, de ofício, das contribuições sociais.

Para tanto, apresentaremos as posições da doutrina, dos órgãos de representação da União (PGF e RFB) e do Tribunal Superior do Trabalho sobre o assunto proposto.

A consolidação de uma posição final sobre os limites dessa competência material da Justiça do Trabalho só foi possível após um longo debate jurídico, iniciado no idos de 1998 (com a publicação da EC 20/98) e findado após a publicação de uma Orientação Jurisprudencial do Colendo Tribunal Superior do Trabalho e do parecer da PGF/CGCOB/DIGETRAB, órgão este incumbido da representação judicial da União nas execuções fiscais trabalhistas.  

2 – DA PREVISÃO CONSTITUCIONAL ACERCA DA COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO NA EXECUÇÃO, DE OFÍCIO, DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS

A competência da Justiça do Trabalho para a execução, de ofício, das contribuições sociais foi introduzida pela EC n. 20/98, previsão que estava contida, em um primeiro momento, no § 3º do art. 114 da CF/88, e, posteriormente (por força da EC n. 45/04), foi deslocada (sem alteração de conteúdo) para o inciso VIII do mesmo ordenamento constitucional.

Eis a redação do texto constitucional em vigor:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (…)

VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Percebe-se, pois, que o dispositivo constitucional transcrito fala em “contribuições sociais” referidas “no art. 195, I, a, e II” do mesmo Texto Magno.

Importante transcrever também o art. 195, I, a, e II da CF/88, já que referido pelo próprio art. 114, VIII, da CF/88:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (…)

II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

  São esses os dispositivos constitucionais que tratam da competência material da justiça do trabalho na execução fiscal trabalhista.

Entretanto, como bem apontou o jurista Rodolfo Pamplona Filho[2]:

“Um dos desafios da interpretação do dispositivo é a verificação dos seus limites, para verificar se deve ser interpretado restritivamente (ou seja, sendo de competência apenas a consequência do que se condenar) ou se abrange a possibilidade de condenação e execução em todas as contribuições previdenciárias decorrentes da relação de trabalho.”

É o que nos propomos a elucidar – “a verificação dos seus limites” – nas linhas que seguem.

3 – CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA DAS “CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS”

O art. 114, VIII, da CF/88 refere-se à execução de ofício das “contribuições sociais”.

Dessa forma, relevante apontar o que a doutrina entende por “contribuições sociais”?

  O doutrinador Leandro Paulsen[3], ao discorrer sobre a classificação das contribuições sociais, aponta:

d.1.[contribuições] sociais

     d.1.1. gerais (art. 149, primeira parte, CF/88)

     d.1.2. de seguridade social

d.1.2.1. nominadas (art. 149, primeira parte c/c art. 195, I, II, III)

d.1.2.2. residuais (art. 149, primeira parte c/c art. 195, § 4º)

 d.1.2.3 de previdência do funcionalismo público estadual, distrital e municipal (art. 149, § 1º/EC 41/2003).”

Hugo de Brito Machado[4], por sua vez, aponta:

“[as] contribuições sociais constituem uma espécie do gênero tributo. A rigor, portanto, teríamos de dividi-las em subespécies. Preferimos, porém, fazer referência a elas como gênero e dividi-las em espécies, a saber: (a) contribuições de intervenção no domínio econômico, (b) contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas e (c) contribuições de seguridade social.”  

Já Alexandre Rossato da Silva Ávila[5], “com algumas adaptações” daquela efetuada pelo Ministro Carlos Velloso no RE n. 138.284[6], classifica as contribuições sociais em: sociais gerais (arts. 149, caput, 212, § 5º, 240 da CF), seguridade social (art. 195 da CF), seguridade social residual (art. 195, § 4º, da CF) e previdenciárias próprias (art. 149, § 1º da CF).

Seja qual for a corrente doutrinária adotada, é uníssono, contudo, a compreensão de que “contribuições sociais” é gênero.

4 – LIMITES DA COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO NA EXECUÇÃO DAS “CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS”

Por “contribuições sociais”, conforme visto no tópico anterior, entende-se que ela comporta outras espécies de contribuições. Logo, poder-se-ia concluir ser ampla a competência da Justiça do Trabalho na execução das “contribuições sociais”, na medida em que o art. 114, VIII, da CF/88 refere-se a “contribuições sociais” (gênero). O mesmo ocorre em relação ao art. 876, parágrafo único, da CLT[7], ao também falar em execução de ofício das “contribuições sociais”.

Essa amplitude da expressão "contribuições sociais" fez surgir divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da competência material da Justiça do Trabalho na execução fiscal trabalhista.

A União, representada nas execuções fiscais trabalhistas pela Procuradoria-Geral Federal (PGF[8]), defendia que era possível, sim, fixar a competência ampla, já que o art. 114, VIII,  da CF/88 fez menção ao gênero “contribuições sociais”, e não apenas à “contribuição previdenciária” e destinada exclusivamente ao custeio dos benefícios e serviços prestados pelo INSS. Nesse mesmo sentido, acolhendo essa tese, o seguinte precedente do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

“CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DEVIDAS A OUTRAS ENTIDADES E AO SEGURO ACIDENTE DO TRABALHO. EXECUÇÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Nos termos do art. 114, § 3º da Constituição Federal, com a redação conferida pela Emenda Constitucional nº 20, compete à Justiça do Trabalho executar as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir não se restringindo tal competência apenas às contribuições previdenciárias. Neste sentido, dá-se provimento ao agravo de petição interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social para, reconhecendo competente a Justiça do Trabalho, determinar a execução das contribuições sociais devidas a terceiros e ao Seguro Acidente do Trabalho.” (TRT da 4ª Região. 5ª Turma. Proc. nº 00131-200-281-04-00-4 (AP). Data Publicação: 16/06/04. Juiz Relator: Leonardo Meurer Brasil)

Como o art. 114, VIII, da CF/88 fala também em “acréscimos legais”, alguns doutrinadores sustentam[9] que as contribuições sociais devidas a terceiros, assim compreendidas outras entidades e fundos (e.g., SESC, SESI e SENAI), poderiam também ser executadas perante a Justiça do Trabalho.  

A União, quando em juízo por meio do seu órgão de representação judicial (PGF), sustentava que a execução conjunta das contribuições destinadas a terceiros era medida que melhor atendia ao princípio da economicidade e da razoabilidade. Isso porque o percentual da alíquota da contribuição de terceiros é baixo (em regra, 5,2%), o que inviabilizaria, em muitos casos, o ajuizamento de outra execução fiscal perante a justiça federal comum[10]. Essa posição era fortemente defendida na Parecer PFG/CGCOB/DICON n. 04/2007.

Contudo, essa não é melhor compreensão do assunto referente ao alcance da competência material da Justiça do Trabalho na execução das contribuições sociais.

Os princípios da “economicidade” e “razoabilidade” não podem ser invocados para sustentar uma competência que, definitivamente, não foi outorgada pela Poder Constituinte.

O art. 114, VIII, da CF/88 não deixa espaço (não há lacuna ou mesmo obscuridade) para outra interpretação senão aquela de que as únicas contribuições sociais passíveis de execução perante a Justiça do Trabalho são mesmo as previstas expressamente no art. 195, I, a, e II, do mesmo diploma constitucional. As contribuições sociais devidas a terceiros, como se sabe, estão fora do suporte fático desse art. 195 da CF/88 (mais precisamente no art. 240 do mesmo diploma constitucional).

O intérprete deve ter prudência no manejo dos princípios de interpretação constitucional, sob pena de grave ameaça à segurança jurídica e ao próprio Estado Democrático de Direito.

Inocêncio Mártires Coelho[11] bem coloca o assunto:

“No âmbito jurídico, em geral, a idéia de se estabelecerem parâmetros objetivos para controlar e/ou racionalizar a interpretação deriva, imediatamente, dos princípios da certeza e da segurança jurídica, que estariam comprometidos se os aplicadores do direito, em razão da abertura e da riqueza semântica dos enunciados normativos, pudessem atribuir-lhe qualquer significado, à revelia dos cânones hermenêuticos e do comum sentimento de justiça.”  

E, após, arremata:

“Por isso é que, mesmo admitindo que todo texto, em princípio, comporta mais de uma interpretação, Umberto Eco defende a existência de critérios que permitam verificar a sensatez dessas interpretações e rejeitar as que se mostrarem indubitavelmente erradas ou clamorosamente inaceitáveis[12]. Afinal de contas, como assinala Aulis Arnio, no âmbito do Direito, o intérprete não pode pretender um resultado que só a ele satisfaça, até porque a interpretação jurídica é essencialmente um fenômeno social e, assim, deve alcançar um nível de aceitabilidade geral”[13].

O emérito doutrinador Celso Ribeiro Bastos[14] também adverte de que “a letra da lei constitui sempre ponto de referência obrigatória para a interpretação de qualquer norma”.

Konrad Hesse[15] aponta que o limite intransponível da exegese constitucional é a própria

Constituição e sua normatividade, pois “onde o intérprete passa por cima da Constituição, ele não mais interpreta, senão ele modifica ou rompe a Constituição”.

As contribuições sociais devidas a terceiros, por sua vez, têm fundamento no art. 240 da CF/88 e não foi mencionado pelo art. 114, VIII, da C/88. A invocação de que o Texto Constitucional deve ser interpretado como um todo[16], e não em pedaços, não serve igualmente para mudar o conteúdo e a intenção de um dispositivo constitucional (no caso, aquele que exclui a competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições sociais devidas a terceiros).

De resto, a singela razão da base de cálculo e fato gerador das contribuições sociais devidas a terceiros serem os mesmos daquelas contribuições previstas no art. 195, I, a, e II, da CF/88 não serve de argumento legítimo para fundamentar uma competência que o legislador constituinte não quis. Reiteramos: não há remissão, pela art. 114, VIII, da CF/88, ao art. 240 do mesmo diploma.

E mais: as contribuições sociais devidas a terceiros sequer são destinadas ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social.

Dessa forma, por força do art. 114, VIII, da CF/88, nenhuma lei ordinária pode conferir competência à Justiça do Trabalho para executar, de ofício, as contribuições sociais fora daquelas referidas no art. 195, I, a, e II, da CF/88. Se assim o fizer, será flagrantemente inconstitucional.

5 – POSIÇÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

5.1 – Contribuições Sociais Devidas a Terceiros:

A questão referente à competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições sociais destinadas a terceiros não é nova. Por decorrência disso, o Colendo Tribunal Superior do Trabalho já teve, por diversas vezes, oportunidade para se manifestar sobre o assunto, e assim o fez excluindo a competência.

Todas as 8 (oito) Turmas que compõem aquele Tribunal Superior trilharam o mesmo sentido: a declaração da incompetência. A propósito:

“CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS DESTINADAS A TERCEIROS – EXECUÇÃO – INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Tratando-se de contribuições previdenciárias devidas às pessoas jurídicas que integram o chamado sistema -S-, contribuições essas que não se destinam ao custeio da seguridade social, a decisão recorrida, ao concluir pela competência da Justiça do Trabalho, violou o art. 114, VIII, da Constituição Federal.” (TST, RR – 103500-95.2008.5.13.0008 , Relator Ministro: José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, Data de Julgamento: 25/04/2012, 1ª Turma, Data de Publicação: 11/05/2012)

“INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DEVIDAS A TERCEIROS. SISTEMA -S-. EXECUÇÃO. ARTIGO 114, INCISO VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Prevê o inciso VIII do artigo 114 da Carta Magna a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar -a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir-. O citado artigo 195 estabelece que a seguridade social será financiada mediante as contribuições do empregador, incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho (inciso I, alínea -a-) e do trabalhador (inciso II). Esses dispositivos não fazem referência a contribuições destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional (Sistema -S-). Conclui-se, portanto, que a execução da contribuição devida a terceiros não se insere na competência da Justiça do Trabalho, o que resulta dos próprios termos do inciso VIII do artigo 114 da CF/88, que só se refere àquelas previstas no artigo 195, incisos I, alínea -a-, e II, da CF/88, quais sejam as devidas pelo empregador e pelo trabalhador. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST, RR – 280300-22.2005.5.12.0004 , Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 02/05/2012, 2ª Turma, Data de Publicação: 11/05/2012)

“CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS DESTINADAS A TERCEIROS E AO SAT (SEGURO ACIDENTE DE TRABALHO). INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. O artigo 114 da Constituição Federal, em seu inciso VIII, atribuiu competência à Justiça do Trabalho para executar de ofício as contribuições previdenciárias previstas no artigo 195, I, -a- e II, da Carta Magna, decorrentes das sentenças que proferir. Esse dispositivo refere-se a contribuições sociais devidas pelos empregadores, trabalhadores e demais segurados da Previdência Social para financiamento da Seguridade Social, conforme disposto no caput daquele dispositivo. A Constituição Federal (artigo 240) ressalvou, contudo, do disposto no seu artigo 195, as contribuições sociais compulsórias devidas pelos empregadores sobre a folha de salários destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, ou seja, as contribuições devidas a terceiros.” (TST, RR – 6600-54.2009.5.09.0096 , Relator Ministro: Horácio Raymundo de Senna Pires, Data de Julgamento: 30/04/2012, 3ª Turma, Data de Publicação: 04/05/2012)

“INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EXECUÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DESTINADAS A TERCEIROS. PROVIMENTO. No art. 114, VIII, da Constituição Federal, fixou-se a competência da Justiça do Trabalho para executar de ofício as contribuições sociais previstas no art. 195, I, -a-, e II, da mesma Constituição, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir. Dessa forma, limitando-se a competência da Justiça do Trabalho para a execução das quotas das contribuições previdenciárias devidas pelo empregador e pelo empregado, não são alcançadas, assim, as contribuições devidas a terceiros. Demonstrada a ofensa ao art. 114, VIII, da Constituição Federal. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido”. (TST, RR – 569900-55.2000.5.09.0513 , Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 09/05/2012, 4ª Turma, Data de Publicação: 11/05/2012)

“CONTRIBUIÇÃO PARA TERCEIROS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A Justiça do Trabalho tem competência para executar parcelas concernentes às contribuições previdenciárias devidas pelo empregador e pelo empregado, mas não para executar as contribuições sociais devidas a terceiros. Atualmente, a arrecadação e fiscalização dessas contribuições é atribuição da Secretaria da Receita Federal (art. 2º, § 3º,c/c art. 3º da Lei nº 11.457/2007), subsistindo que a competência para discutir a matéria é da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal. Precedentes. Recurso de revista a que se dá provimento”. (TST, RR – 22000-03.2009.5.23.0005 , Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 24/04/2012, 5ª Turma, Data de Publicação: 04/05/2012)

“INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DEVIDAS A TERCEIROS. As contribuições de terceiros diferem das contribuições sociais, de que trata o artigo 114 da Constituição Federal/88, razão por que não se enquadram nos limites da competência da Justiça do Trabalho, mas tão-somente do INSS (agora, de acordo com a Lei nº 11.457/2007, Secretaria da Receita Federal do Brasil). Recurso de revista conhecido e provido. JUROS E MULTA. Desfundamentado o recurso de revista, quando não indicado nenhum dos pressupostos de que trata o artigo 896, e alíneas, da CLT. Recurso de revista não conhecido”. (TST, RR – 312400-94.2008.5.08.0114 , Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 25/04/2012, 6ª Turma, Data de Publicação: 04/05/2012)

“CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS EM FAVOR DE TERCEIROS. INCOMPETÊNCIA MATERIAL. Esta Justiça Especializada não possui competência material para determinar a execução de contribuições sociais em favor de terceiros. Precedentes desta Corte. Permanece, no entanto, a competência no que diz respeito ao Seguro de Acidente de Trabalho – SAT, nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 414 da SBDI-1 do TST”. (TST, RR – 3441-22.2004.5.09.0018 , Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, Data de Julgamento: 18/04/2012, 7ª Turma, Data de Publicação: 27/04/2012)

“EXECUÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS DE TERCEIROS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. O artigo 114, VIII, da Constituição da República atribui competência à Justiça do Trabalho para executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no artigo 195, I, -a-, e II, e seus acréscimos legais, mas não a estendeu às contribuições devidas a terceiros, destinadas às entidades privadas que compõem o Sistema S. Recurso conhecido e provido”. (TST, RR – 14500-34.2011.5.13.0023 , Relatora Juíza Convocada: Maria Laura Franco Lima de Faria, Data de Julgamento: 02/05/2012, 8ª Turma, Data de Publicação: 11/05/2012)

5.2. Contribuições Sociais – RAT (anteriormente designada de SAT)

Em sentido oposto, a jurisprudência do Colendo Tribunal Superior do Trabalho firmou-se, no que toca às contribuições sociais relativas ao RAT (Riscos Ambientais de Trabalho), pela competência da Justiça do Trabalho.

A matéria está atualmente consolidada na Orientação Jurisprudencial n. 414, a saber:

“414. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EXECUÇÃO DE OFÍCIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL REFERENTE AO SEGURO DE ACIDENTE DE TRABALHO (SAT). ARTS. 114, VIII, E 195, I, “A”, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. (DEJT divulgado em 14, 15 e 16.02.2012). Compete à Justiça do Trabalho a execução, de ofício, da contribuição referente ao Seguro de Acidente de Trabalho (SAT), que tem natureza de contribuição para a seguridade social (arts. 114, VIII, e 195, I, “a”, da CF), pois se destina ao financiamento de benefícios relativos à incapacidade do empregado decorrente de infortúnio no trabalho (arts. 11 e 22 da Lei nº 8.212/1991).”

Trata-se, portanto, de matéria atualmente já pacificada naquele Tribunal Superior, o que confere segurança jurídica àqueles operadores do direito que militam na Justiça do Trabalho.

6 – A ATUAL POSIÇÃO DO ÓRGÃO DE REPRESENTAÇÃO JUDICIAL DA UNIÃO (PGF)

Atualmente a União, por meio do seu órgão de representação judicial (PGF), entende não ser mais competente a Justiça do Trabalho para executar as contribuições sociais devidas a terceiros. Trata-se de uma evolução em relação à posição anterior, guinada que ocorreu forte na compreensão da Advocacia-Geral da União (AGU) de redução da “judicialização” dos conflitos[17]

A virada de posição ocorreu precisamente após a publicação do parecer PGF/CGCOB/DIGETRAB n. 003/2009.

Nesse parecer, após acurado exame da jurisprudência dos Tribunais Superiores (STF, principalmente depois do julgamento do RE 569.056[18], e do TST), da legislação como um todo (constitucional e infraconstitucional) e da posição defendida administrativamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil[19], a conclusão (correta, aliás) foi esta:

“Diante do exposto, forçoso é concluir que a competência da Justiça do Trabalho, prevista no art. 114, inciso VIII, da Constituição, não alcança a execução de ofício das contribuições devidas a terceiros decorrentes de suas sentenças, assim entendidas aquelas destinadas a outras entidades e fundos, que não o Fundo do Regime Geral de Previdência Social.”

De fato, essa mudança de posição da União em juízo brinda o atual papel da advocacia pública[20] e marca o seu próprio amadurecimento institucional: a defesa do Estado Democrático de Direito e a redução da litigiosidade. 

É de se ter presente, contudo, que o reconhecimento da incompetência material da Justiça do Trabalho para executar as contribuições sociais devidas a terceiros não significa que a reclamada está dispensada do pagamento. A exação continua sendo devida, só que deve ser cobrada pela via própria (fiscalização exercida pela Receita Federal do Brasil e cobrança, sem pagamento voluntário, perante a justiça federal comum). Aliás, o parecer antes citado é justamente nesse mesmo sentido:

“Por outro lado, é de se reconhecer que as contribuições devidas a terceiros, muito embora não se incluam no feixe de competência da Justiça do Trabalho, não deixam de ser devidas somente porque decorrentes de sentença proferida por essa justiça.

Embora as contribuições devidas a terceiros possam não vir a ser “executadas”, de ofício, pela Justiça do Trabalho, isso não significa que não sejam devidas, razão por que as empresas reclamadas podem espontaneamente comprovar o seu recolhimento perante essa Justiça, para evitar futura execução no Juízo competente, após ação fiscal levada a efeito pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.”

A União defende, em apertada síntese, que é apenas recomendável o pagamento das contribuições sociais devidas a terceiros perante a Justiça do Trabalho.

No que toca às contribuições sociais relativas ao RAT (Riscos Ambientais de Trabalho), antes denominado de SAT (Seguro Acidente de Trabalho), permanece a orientação de que elas devem ser cobradas perante a Justiça do Trabalho, posição que tem amplo respaldo, como visto acima, na consolidada jurisprudência trabalhista[21]. E, na verdade, outra não poderia ser a orientação, já que essas contribuições se destinam ao custeio da previdência social (art. 22, II, da Lei n. 8.212/91), e estão abrangidas pelo art. 195, I, a, da CF/88. Isso é: a arrecadação dessas contribuições é destinada exclusivamente ao pagamento de benefícios do Regime Geral de Previdência Social (e.g., auxílio-acidente, auxílio-doença acidentário). 

7 – CONCLUSÕES

Do exame dos tópicos precedentes, extrai-se que, após a ampliação da competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições sociais (por força da EC n. 20/98), hoje está consolidado quais são os limites dessa competência. E isso é importante para que se confira segurança jurídica.

Não obstante haja algumas posições (isoladas) em sentido contrário (na doutrina e jurisprudência), o que se vê, na prática forense, é uma consolidação dos limites da execução das contribuições sociais.

E isso se deu por força da revisão na orientação da União (PGF) acerca do entendimento sobre esse alcance, passando, agora, a compreender – corretamente – de que as contribuições sociais devidas a terceiros não estão contidas no art. 114, VIII, d CF/88.

Por sua vez, a edição da Orientação Jurisprudencial n. 414, pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho, no sentido da competência da Justiça do Trabalho para executar aquelas contribuições sociais devidas ao RAT, permite, com isso, consolidar o exato alcance da competência da Justiça do Trabalho.

 

Referências
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KUBLISCKAS, Wellington Márcio. Emendas e Mutações Constitucionais. São Paulo: Atlas, 2009.

Notas:
[1] Procuradoria-Geral Federal (PGF), órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU).
[2] PAMPLONA FILHO, Rodolfo. A nova competência da Justiça do Trabalho (uma contribuição para a compreensão dos limites do novo art. 114 da Constituição Federal de 1988). Panóptica, Vitória, ano 1, n. 6, fev. 2007, p. 93-131. Disponível em: <http://www.panoptica.org>.
[3] PAULSEN, LEANDRO. Direito Tributário Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Editora Livraria do Advogado. 6ªedição. Porto Alegre. 2004. p. 43.
[4] MACHADO, HUGO DE BRITO. Curso de Direito Tributário. Editora Malheiros. 23ª edição. São Paulo: 2003, p. 388.
[5] ÁVILA, ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA. Curso de Direito Tributário. Editora Verbo Jurídico. 2ª edição Porto Alegre, 2006, p. 94.
[6] STF, Tribunal Pleno, julgado em 01/07/1992, DJ 28-08-1992 PP-13456 EMENT VOL-01672-03 PP-00437 RTJ VOL-00143-01 PP-00313.
[7] Art. 876 – As decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo; os acordos, quando não cumpridos; os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia serão executada pela forma estabelecida neste Capítulo. (Redação dada pela Lei nº 9.958, de 12.1.2000)
Parágrafo único. Serão executadas ex-officio as contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido. (Redação dada pela Lei nº 11.457, de 2007)
[8] Art. 16, § 3º, inc. II da Lei n.º 11.457/2007 (DOU 19.03.2007) c/c a Portaria n.º 433/2007 PGFN/PGF (DOU 26.04.2007), competência somente para a execução das contribuições sociais.
[9] LAGE, EMÉRSON JOSÉ ALVES; Lopes, Mônica Sette. Execução previdenciária na Justiça do Trabalho, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2003, pp. 41/42.
[10] Limites, hoje, regrados pela Portaria MF nº 75, de 22 de março de 2012.
[11] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 144.
[12] Os limites da interpretação, cit., p. XXII (Introdução), 11, 16 e 286.
[13] Derecho, racionalidade y comunicación social, Tradução de Pablo Larrañaga, México: Fontamara, 1995, p. 27-28.
[14] BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional, São Paulo: IBDC, 2000, p. 110.
[15] HESSE, 1983, p. 69/70, apud KUBLISCKAS, 2009, p. 150.
[16] Aplicação do princípio da unidade da Constituição.
[17] No mesmo sentido do propósito da redução da litigiosidade: “A Advocacia-Geral da União desistiu de 2.032 recursos propostos junto ao Tribunal Superior do Trabalho. Objetivo: reduzir a litigiosidade. A AGU e os trabalhadores envolvidos nas ações também se beneficiarão com a desistência. A medida foi tomada pelo Departamento de Contencioso da Procuradoria-Geral Federal (Depcont/PGF). O projeto foi apresentado ao presidente do TST, ministro João Oreste Dalazen, e está sendo executado, gradativamente, em todos os gabinetes, mediante análise de autos físicos e eletrônicos. A iniciativa é respaldada pela Portaria AGU 1.642/2010, que autoriza a desistência de recursos interpostos no caso de execuções fiscais de contribuições previdenciárias, decorrentes de acordos e condenações iguais ou inferiores a R$ 10 mil. Também estão incluídos recursos com tese conflitante com Súmula da AGU ou Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal, bem como daqueles que não preenchem requisitos essenciais de admissibilidade. A atuação do Depcont começou em agosto do ano passado, com visitas a cinco gabinetes. O trabalho gerou 395 desistências e foi bastante elogiado pelos ministros do tribunal. A Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da PGF (CGCOB/PGF) está acompanhando o projeto para avaliar os resultados e coordenar o desenvolvimento de medidas similares junto aos Tribunais Regionais do Trabalho. O Depcont e CGCOB são unidades da PGF, órgão da AGU”. Fonte: Consultor Jurídico, publicada em 13.04.12. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-abr-13/advocacia-geral-uniao-desiste-mil-recursos-propostos-tst. Acesso em: 17.05.12.
[18] Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 11/09/2008, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-236 DIVULG 11-12-2008 PUBLIC 12-12-2008 EMENT VOL-02345-05 PP-00848 RTJ VOL-00208-02 PP-00859 RDECTRAB v. 16, n. 178, 2009, p. 132-148 RET v. 12, n. 72, 2010, p. 73-85. No julgamento, analisou-se a precisamente a competência da Justiça do Trabalho para a execução das contribuições sociais incidentes sobre os salários pagos durante o período de vínculo de emprego reconhecido em juízo (sentença declaratória). Entretanto, ficou presente a compreensão daquela Suprema Corte de dar uma interpretação restritiva ao inciso VIII do art. 114 da CF/88.
[19] Nota Cosit n. 167/2009.
[20] Para um aprofundamento do assunto, ler este excelente artigo: MADEIRA, Danilo Cruz. O papel da advocacia pública no Estado Democrático de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2744, 5jan. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/18128>. Acesso em: 18 maio 2012.
[21] Orientação Jurisprudencial n. 414.

Informações Sobre o Autor

Juliano de Angelis

Procurador Federal e Chefe da Seção de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria Seccional Federal de Canoas/RS. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp/REDE LFG.


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