O presente texto busca analisar a problemática da liquidação do Dano Moral em nosso ordenamento jurídico numa tentativa de delimitar parâmetros a serem seguidos no momento da fixação do quantum indenizatório
1 – Introdução
O direito civil consagrou um amplo dever legal de não lesar ao qual corresponde a obrigação de indenizar, aplicável sempre que, de um comportamento contrário àquele dever de indenizar, surtir algum prejuízo injusto para outrem.
Reza o art. 927 do Código Civil:
“Art.927 – Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Definem os arts. 186 e 187 do mesmo diploma legal:
“Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187 – Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (grifo nosso).
Por conseguinte, ato ilícito é aquele praticado por terceiro que venha refletir danosamente sobre o patrimônio da vítima ou sobre o aspecto peculiar do homem como ser moral.
O dano moral é também consagrado como garantia constitucional, conforme prescreve o art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal:
“Art. 5 – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
…
V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral, ou à imagem;
…
X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (grifo nosso).
Ou seja, não resta dúvida sobre a obrigação de indenizar o dano moral, aquele ocorrido na esfera da subjetividade, alcançando os aspectos mais íntimos da personalidade humana, ou da própria valoração da pessoa no meio em que vive, mesmo que seja o dano moral puro, independente de conseqüências patrimoniais, exigível ex facto.
Assim, resta superada a questão sobre se o dano à pessoa deve ser objeto de indenização, como se discutia anteriormente, e fica reconhecido que o mal feito à integridade corporal ou psíquica de alguém, seja em suas derivações de danos patrimoniais ou extrapatrimonias, é plenamente ressarcido.
Porém, apesar dessa evolução conceitual jurídica, ainda restam alguns aspectos controvertidos desafiando a aplicação deste direito, a saber, a quantificação do dano moral em valor econômico para reparar o ofendido, uma vez que não se mede monetariamente.
Quando se trata de dano mateial, o valor da indenização consiste no exato desfalque sofrido pela vítima em seu patrimônio. Mas quando se trata de dano moral, a apuração do quantum indenizatório se complica porque o bem lesado não possui dimensão econômica ou patrimonial.
O dano patrimonial deflui de uma simples operação aritmética que tem como base a relação de causa e efeito entre o prejuízo e o evento culposo. O mesmo não se diz em relação ao dano que atinge apenas o foro íntimo da pessoa.
O problema da quantificação do dano moral tem preocupado o mundo jurídico, principalmente em virtude da proliferação de demandas, sem que existam parâmetros seguros para a sua estimação.
Assim, muito delicada é a tarefa dos magistrados, na fixação do quantum debeatur na indenização de dano moral, seja puro, seja vinculado aos danos patrimoniais, pois fica a seu prudente arbítrio.
Essa dificuldade conspira para a ausência de acordos, faz com que nenhuma das partes fique satisfeita quando o juiz prolata a sentença e encontra o valor da indenização, tanto que, apenas raras vezes autor e réu não recorrem simultaneamente; o autor, por entender que a quantia que lhe foi outorgada é mínima e o réu, porque o juiz foi generoso e arbitrou importância excessiva.
Cabe então à doutrina e jurisprudência auxiliar, criando parâmetros para determinar essas indenizações, a fim de evitar que o ressarcimento seja determinado pelo puro arbítrio dos magistrados, que conflitaria com os princípios da legalidade e da isonomia.
Tem-se utilizado a analogia, com base nos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, para determinar alguns parâmetros ao arbitramento das indenizações por dano moral, partindo dos arts. 944 a 954 do Código Civil; do Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei nº 4.117/62, arts. 81 a 88 (alguns suprimidos e derrogados pelo Decreto-Lei nº 236, de 28.2.67); Código Eleitoral, Lei nº 4.737/65, art. 243; Lei de Imprensa, Lei nº 5.250/67, arts. 49 e 51 a 57; e Lei de Direitos Autorais, Lei nº 5.988/73, arts. 25 a 28 e 126.
A doutrina menciona que o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90, art. 6º, incisos VI e VII), assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90, arts. 17 e 201, incisos V, VIII e IX) tratam e cogitam da reparação de danos materiais e morais, porém não há qualquer contribuição sobre regras para seu arbitramento, pois as disposições limitam-se ao destaque e possibilidade de cumulação de danos patrimonial e moral.
Quase sempre, o legislador, ao colocar parâmetros à quantificação do dano moral, o faz de forma lacunosa, como se extrai, por exemplo, do art. 953 do Código Civil:
“Art. 953 – A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.
Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso.” (grifo nosso).
O finado art. 84 do Código Brasileiro de Telecomunicações dispunha:
“Art. 84 – Na estimação do dano moral o juiz terá em conta, notadamente, a posição social ou política do ofendido, a situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e repercussão da ofensa” (grifo nosso).
O art. 53 da Lei de Imprensa segue a mesma trilha, para dano por ofensa à honra, em decorrência da informação:
“Art. 53 – No arbitramento da indenização do dano moral o juiz terá em conta, notadamente:
I – a intensidade do sofrimento (…) gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido;
II – a intensidade do dolo ou grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação em anterior ação criminal ou cível, fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação” (grifo nosso).
Assim, chegamos à conhecida dicotomia do sistema jurídico, a relação entre a natureza e extensão do dano moral e a situação econômica do ofensor. Então, para o arbitramento indenizatório deverá ser levada em consideração a posição social e cultural do ofensor e do ofendido, partindo-se do padrão normal e ético-social do homem médio.
Contudo, as legislações ainda se apresentam muito indefinidas, aumentando a responsabilidade dos magistrados.
Nesse contexto, quando da condenação do dano moral, o juiz deve valer-se do seu bom-senso e sentido de equidade para determinar o cumprimento da lei, procurando restabelecer o equilíbrio social.
Porém, ressalta-se que a indenização aplicada ao dano moral não compensa nem faz desaparecer a dor do ofendido, e por isso mesmo não compreende uma avaliação destes sentimentos em dinheiro.
Como a dor não se mede monetariamente, a importância a ser paga a título de indenização deverá se submeter a um poder discricionário, mas segundo um prudente arbítrio dos juízes na fixação do valor da condenação que não visa reparar o dano, no sentido literal, porque, a dor, a alegria, a vida, a liberdade, a honra ou a beleza são valores inestimáveis.
E é sem dúvida o argumento da inconversibilidade da dor em dinheiro que constitui, indubitavelmente, a razão principal porque até hoje as codificações se mostram tímidas e lacunosas no enfoque do dano moral.
Contudo, isso não impede que seja fixado um valor compensatório para amenizar as conseqüências do dano sofrido. A razão da reparação não está no patrimônio, mas na dignidade ofendida ou na honra afrontada.
Para evitar excessos e abusos recomenda-se reputar como dano moral apenas a dor, o vexame, o sofrimento ou a humilhação que foge à normalidade e interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento ou sensibilidade exacerbada devem estar fora da órbita do dano moral, afinal, fazem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar.
Nessa linha, decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo:
“Dano moral. Banco. Pessoa presa na porta detectora de metais. Hipótese de mero aborrecimento que faz parte do quotidiano de qualquer cidadão de uma cidade grande. Ação improcedente” (Ap. 101.697-4, 1ª Câm.).
2 – Elementos para o arbitramento do dano moral
Da análise da legislação aqui destacada e da observância da jurisprudência podemos traçar alguns elementos para a fixação do valor do dano moral, quais sejam:
a posição social e política do ofensor e do ofendido;
a intensidade do ânimo de ofender;
a gravidade e a repercussão da ofensa.
A jurisprudência tem sido enfática em proclamar que:
“O arbitramento do dano moral é apreciado ao inteiro arbítrio do juiz, que, não obstante, em cada caso, deve atender a repercussão econômica dele, a dor experimentada pela vítima e ao grau de dolo ou culpa do ofensor” (TJSP, Ap. 219.366-1/5), (grifo nosso).
“Para a fixação do quatum em indenização por danos morais devem ser levados em conta a capacidade econômica do agente, seu grau de dolo ou culpa, a posição social ou política do ofendido” (TAMG, Ap. 140.330-7), (grifo nosso).
Para evitar que as ações de reparação de dano moral se transformem em expedientes de extorsão ou de espertezas maliciosas e injustificáveis, impõe-se a observância de padrões de prudência e equidade, sendo que, obrigatoriamente, estarão presentes na análise do magistrado as duas posições, sociais e econômicas, da vítima e do ofensor, não devendo se limitar em fundamentar a condenação isoladamente na fortuna eventual de um ou na pobreza do outro.
3 – Indenização satisfativa e não enriquecimento injustificado
O montante que serve ao ressarcimento do dano moral situa-se no plano satisfativo. A vítima receberá uma quantia com o intuito de que o emprego do dinheiro possa propiciar alguma satisfação que mitigue, de algum modo, a dor causada pelo ato ilícito contra ela cometido. A reparação deverá compreender todas as conseqüências dolorosas imediatas e mediatas do ato que as causou.
Desta maneira, a satisfação se dará na justa medida do abalo sofrido, sem, contudo, gerar um enriquecimento sem causa e também sem deixar impune o agente do dano moral, na medida que for suficientemente expressiva para compensar a vítima pelo sofrimento, tristeza ou vexame sofrido.
Quanto à reparação do dano moral, Caio Mario da Silva Pereira disciplina ainda:
“(…); pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é um pretium doloris, porém um meio que pode amenizar a amargura da ofensa e, de qualquer maneira, o desejo de vingança. Na ausência de um padrão ou de uma contra-prestação que dê o correspectivo da mágoa, o que prevalece é o critério de atribuir ao juiz o arbitramento de indenização (…), moderadamente arbitrada (…). A indenização não pode ter o objetivo de provocar o enriquecimento do ofendido, para que não se converta o sofrimento em móvel de captação de lucro”. (p. 317-318).
Como bem ressaltado pelo ilustre doutrinador, quando da fixação do quantum indenizado há a preocupação de não deixar a indenização à vitima tornar-se causa de enriquecimento injustificado.
No sentido de que a reparação por dano moral deve ser moderadamente arbitrada, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
“Civil – Dano Moral (…) É de repudiar-se a pretensão dos que postulam exorbitâncias inadmissíveis, com arrimo no dano moral, que não tem por escopo favorecer o enriquecimento indevido” (Ag. nº 108.923).
Isso porque a indenização não se trata de ‘enriquecer um necessitado’ nem de ‘aumentar a fortuna de um milionário’, mas apenas mitigar o dano experimentado pelo ofendido.
Dessa forma, se de um lado se faz necessário levar em conta a capacidade patrimonial do ofensor, para medir a extensão da indenização imposta, de outro lado, tem-se também que levar em conta a situação e o estado do ofendido. Se a indenização não tem o propósito de enriquecê-lo, tem-se que lhe atribuir aquilo que na sua situação seja necessário para proporcionar apenas a obtenção de satisfação equivalente ao que perdeu.
4 – Condições pessoais do ofensor e do ofendido
As condições pessoais do ofensor devem ser levadas em consideração, quando da fixação do dano moral, para que possa ser justa e suficiente. Isto porque o valor da indenização não deve ser tão alto que possa levá-lo à míngua, nem tão insignificante que possa incentivá-lo a persistir na ofensa.
No que diz respeito à situação da vítima, conforme já observado, deverá ser analisado o seu modo de vida no geral, como a idade, estado civil, sexo, a atividade social, o local em que vive, os vínculos familiares e outras circunstâncias de natureza objetiva e subjetiva que o caso oferecer.
Essas circunstâncias do caso concreto, em conjunto com os demais fatores destacados, deverão definir o total da indenização.
Alguém que tenha vida social intensa e que se apresente em público constantemente, como é o caso dos artistas, por certo que uma cicatriz no rosto terá mais relevância do ponto de vista jurídico e do direito de danos, na esfera moral, do que a de outrem que não têm essa atividade como profissão.
Observamos que a jurisprudência tem registrado como praxe ao arbitramento do dano moral a importância de duzentos salários mínimos, porém prevalece o entendimento de que devem ser fixados com excepcionalidade em parâmetros maiores, entre quinhentos, mil salários mínimos ou mais, quando, por exemplo, o dano moral atinge os governantes, ministros ou representantes de certas classes sociais.
Esse tratamento diferenciado se deve ao entendimento de que nesses casos o ofensor atua no sentido de desmoralizar o Poder constituído, tentando enfraquecer e comprometer a autoridade conferida ao ofendido.
Nossos tribunais já proferiram significantes julgados nesse sentido:
“Responsabilidade Civil. Dano Moral. Amplitude da Reparação – Apontado como exemplo de ligação da Justiça com a contravenção, o magistrado sofreu dano moral, que cumpre reparar. A Câmara tem decidido fixar, sempre, o dano moral em, pelo menos, duzentos salários mínimos” (TJRJ, Ap. 6.228/94), (grifo nosso).
“Manchete que vincula juiz a grupo de extermínio – Condenação em quinhentos salários mínimos” (Ap. 2390/92 – TJRJ – 1ª Câm.), (grifo nosso).
Registra-se a iniciativa da APAMAGIS (Associação Paulista de Magistrados) que acionou empresa jornalística pela acusação precipitada e ofensiva à honra de Juiz da capital paulista, acusado de favorecimento a certo megainvestimento, em processo de falência de empresa. A condenação confirmada pelo Tribunal de Justiça fixou a indenização em novecentos salários mínimos (Apamagis – SP., março de 1997, p.25).
Isso porque a insinuação de desonestidade de um cidadão comum tem uma esfera delimitada de irradiação, diferentemente de quando se trata de um juiz, parlamentar, ministro, governador, etc. Nesse caso o alcance da ofensa à honra não é subjetiva e pessoal, mas objetiva de todo um órgão ou classe. Em tese, concebem-se duas ordens de reparação, uma em prol do funcionário e outra em benefício do ente público a que pertence.
Com isso não se pretende menosprezar uns em detrimento de outros indivíduos, nem ferir o princípio constitucional da igualdade de todos perante a lei. Ao contrário, é justamente tratando de modo desigual os objetiva e subjetivamente desiguais que se atende aos anseios do citado mandamento.
5 – Caráter punitivo da indenização
Modernamente, a doutrina tem entendido que a idéia da reparação civil, ao lado do seu efeito compensatório, tem também efeitos repressivos, punitivos.
Na reparação do dano moral, a ordem jurídica, ao condenar o ofensor, além de ressarcir o prejuízo acarretado ao psiquismo do ofendido, atenuando o sofrimento havido, estaria também aplicando uma sanção contra o culpado para inibir ou desestimular a repetição de situações semelhantes.
Nesse sentido é o julgado:
“A reparação do dano moral tem natureza também punitiva, aflitiva para o ofensor, com o que tem a importante função, entre outros efeitos, de evitar que se repitam situações semelhantes…” (RJTARGS, 164/312).
Em doutrina, Yussef Said Cahali leciona:
“Demarcam-se, como dados propiciadores da configuração do dano moral, a necessidade de a ação judicial acarretar a exigível intimidação para que fatos análogos não se repitam, além de se constituir, sob certo aspecto, em forma punitiva civil dirigida ao ilícito, sem desconsiderar que propicia a pecúnia um conforto maior para quem suportou tão grande trauma” (p.177).
Desta forma, o valor da reparação deve ser maior quando a culpa do agente for lata; por outro lado, a reparação deve ser menor à medida que se atinge a esfera mais leve da culpa.
Todavia, tal caráter punitivo da indenização imposta ao causador do dano moral deve ser acolhido com adequação e moderação, pois a responsabilidade civil é geneticamente de direito privado, e não de direito público, como o direito penal.
Ora, não compete ao direito privado reprimir as condutas que se tornam nocivas ao interesse coletivo. Urge respeitar a esfera de atuação de cada segmento do direito positivo, sob pena de sujeitar o indivíduo a um bis in idem, impondo-lhe duas condenações pela mesma conduta ilícita.
O castigo e a pena somente se impõem em defesa da sociedade segundo as normas penais. Sendo a ação penal pública, cabe ao Estado punir o delinqüente. À vítima do delito não assiste nenhum tipo de vingança contra o ofensor; cabe a ela apenas o ressarcimento do prejuízo sofrido.
A natureza privada da lesão individual exige que a reparação civil não esteja impregnada de cunho repressivo exorbitante, devendo o caráter punitivo da indenização por dano moral ser levado em conta pelo juiz apenas a título de critério subsidiário, e nunca como dado principal e determinante do cálculo do arbitramento.
Nessa esteira de pensamento leciona Antônio Lindbergh C. Montenegro:
“Aos que ainda alimentam o vezo da vingança e da punição, lembramos que as arremetidas contra os bens que compõem o patrimônio moral do homem o melhor desagravo é a condenação criminal do ofensor. Mais: as funções preventivas e repressivas próprias do Direito Penal são estranhas à responsabilidade civil, cujo animador é eliminar o prejuízo econômico derivado do ato ilícito” (p. 129).
Destacamos ainda a lição de Humberto Theodoro Junior:
“A maior ou menor repercussão social, a maior ou menor intensidade do dolo ou da culpa, são dados completamente irrelevantes no plano da responsabilidade civil. O valor da indenização a ser proporcionada à vítima deve ser absolutamente desvinculado da gravidade do ato cometido, porque sua função não é punir, mas apenas ressarcir. Desde que o Estado de Direito isolou a responsabilidade penal da responsabilidade civil, para avocá-la inteiramente para si, a vítima perdeu, por completo, o direito de punir aquele que lhe causa prejuízos. A responsabilidade civil, para o ofendido, não é uma ‘questão de vingança’ou de ‘punção’, mas apenas de ‘reparação’. O objeto da sua ação, por isso, só pode ser ‘perdas e anos’” (p.59).
Salienta-se ainda que o ressarcimento do dano em si possui natureza sancionatória indireta, servindo para desestimular o ofensor à repetição do ato, pois sabe que terá de responder pelos prejuízos que causar a terceiros. O caráter punitivo é meramente reflexo ou indireto, o autor do dano sofrerá um desfalque patrimonial que desestimulará a reiteração da conduta lesiva.
Os autores que defendem o caráter punitivo na reparação do dano moral alegam que este seria necessário para dissuadir os inescrupulosos que não se cansam de ofender a integridade das pessoas, principalmente se tratando de grandes empresas, pois não será qualquer valor que representará diferença em seus enormes lucros.
Contudo, quando da fixação do quantum indenizável ao dano moral o juiz irá analisar a situação particular da vítima e a condição pessoal do ofensor para encontrar um valor justo à primeira e que atinja o patrimônio do segundo de forma a existir um forte fator de desestímulo para que não volte a cometer tais erros que podem acarretar danos irreparáveis.
Porém, entendemos que não deve ser arbitrada uma quantia a título de indenização, e outra, separada, a título de sanção, como se fosse uma pena civil, pois chegará a um valor excessivo que acarretará o enriquecimento injusto da vítima. Assim, tem-se pela não aceitabilidade do caráter sancionatório do ressarcimento do dano moral.
No arbitramento da indenização, a análise da condição patrimonial do ofensor servirá para fixar um valor significativo que atinja de modo expressivo seu patrimônio e assim indireta e automaticamente, atuará como fator de desestímulo para aquele, não se justificando, pois, que o julgador, após arbitrar o montante suficiente para compensar o dano moral sofrido pela vítima, adicione um plus a título de pena civil.
Nessa ordem, uma das conclusões aprovadas no IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil, realizado em São Paulo nos dias 29 e 30 de agosto de 1997, foi a seguinte: “À indenização por danos morais deve dar-se caráter exclusivamente compensatório”.
Assim, apesar de prevalecer na doutrina o entendimento de que a reparação pecuniária do dano moral tem duplo caráter: compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor, entendemos que a finalidade precípua do ressarcimento do dano não é punir o responsável, e sim recompor o patrimônio do lesado.
6 – Precedentes judiciais
Será de enorme injustiça, tanto a sentença que impuser uma reparação moral em nível econômico insuportável para o ofensor, como a que determinar uma indenização irrisória ao ofendido.
Da mesma forma, será equivocada a decisão que tomar como base o valor da dívida em torno da qual se consumou o dano moral e mandar, simplesmente, indenizar um valor equivalente a tantas vezes o valor da dívida ilicitamente manipulada.
Por exemplo, um dano moral advindo da anotação de um protesto cambial indevido no Serviço de Proteção ao Crédito – SPC quase nada tem a ver com o valor econômico em jogo. Tomá-lo como base para fixar uma indenização é incompatível com o ideal de equidade e moderação tão preconizado pela doutrina e pela jurisprudência.
Outro exemplo vem-se firmando no Supremo Tribunal Federal quanto ao critério de atribuir aos pais, pela morte de um filho menor, uma pensão mensal calculada em um salário mínimo. Com todo respeito, discordamos desse critério por entender que o estabelecimento dessa pensão só tem cabimento se a vítima estava em condições de prestar alimentos a outrem ou teve sua capacidade laborativa reduzida.
É nesse sentido que delineia o Código Civil, vislumbrando o aspecto econômico do dano, no caso o lucro cessante.
Porém, em relação à morte de um filho menor, que nunca exerceu atividade lucrativa, não há que se falar em frustração de ganhos ou de prestação alimentícia, porque assume o dano um caráter puramente moral.
Outra constatação, ainda mais grave, faz-se em relação à disparidade de decisões que fixam importâncias tão diferentes em casos semelhantes, levando à comparação do Judiciário a uma “caixa de surpresa”, ou pior, a um “jogo lotérico”.
Dentro desse contexto, merecem destaque alguns julgados:
“Por morte de filho menor ou arrimo. Pelo critério da aplicação analógica dos arts. 84 do Código Brasileiro de Telecomunicações, e art. 52 da Lei de Imprensa – Inteligência dos arts 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil – Indenização de cinqüenta salários mínimos” (RT 698/106), (grifo nosso).
“O dano moral deferido no patamar de 500 salários mínimos não é exorbitante, levando-se em consideração que a vida de duas pessoas, mesmo no aspecto subjetivo, não tem preço” (TJMS, 3ª ed. RT, p. 1524), (grifo nosso).
“Dano estético. (…) Eleva-se a indenização por danos morais para 500 salários mínimos e a indenização por danos estéticos para 500 salários mínimos” (TACiv/RJ, 2ª Ed. RT, p. 245), (grifo nosso).
“Responsabilidade Civil – Acidente de Trânsito – Colisão de veículo com moto – Dano estético – Aleijão facial permanente – Indenização fixada em 140 salários mínimos” (TACiv/SP, JTA-LEX 152/177), (grifo nosso).
“Ressarcimento – Dano Psicológico e moral – Sofrimento psíquico intimamente ligado com a reparação do dano moral – Indenização fixada em 50 salários mínimos, cuja finalidade é da reparação pelo dano extrapatrimonial e o sofrimento psíquico e moral a ser suportado pelo menor, que teve parte do braço amputado, carregando consigo uma deformidade definitiva” ( Ap. Cível nº 42.460-4- São Paulo – 03.09.97 – V.U.), (grifo nosso).
“A indenização pelo protesto indevido vem sendo reconhecida pelos tribunais do país, inclusivo em ralação ao dano moral para as pessoas jurídicas. (…), fixo a indenização em 100 salários mínimos” (JTARS 101/342), (grifo nosso).
“Dano moral – Abalo de crédito – Cheque indevidamente devolvido – Reparação fixada em vinte salários mínimos” (TJSP – Ap. 113.554-1), (grifo nosso).
“Corte ilegal de energia elétrica – indemonstrada pericialmente a fraude alegada – Ocorrência de clamor público e molestamento moral. Ofensa a direito de personalidade – indenização devida – fixada em vinte salários mínimos” (Ap. 4018/93 – 8ª C., ementa 66.353), (grifo nosso).
“Abalo de crédito. Protesto indevido. É pública e notória a devastação que produz na imagem da pessoa (física ou jurídica) a inserção do seu nome no rol dos maus pagadores em firma que presta serviços de informação aos bancos. (…) Elevação da condenação ao quádruplo do valor do título cujo protesto indevido foi tirado” (TJRAS 87/391), (grifo nosso).
7 – Tentativa de reduzir a subjetividade no arbitramento do dano moral
Como demonstrado, ainda faltam critérios de validez geral para a quantificação do dano moral e por isso faz-se um apelo a um critério sumamente subjetivo, qual seja, o prudente arbítrio do juiz. Mas, deixar somente ao arbítrio de um ser humano o trabalho de encontrar o montante indenizatório, além da parte ficar entregue ao sabor de características pessoais e da personalidade do magistrado, acarreta dualidades e incertezas.
Não é difícil supor que não havendo uniformidade em casos similares, mesmo que seja utilizada a prudência, sobrarão fixações díspares e injustas, por fatos semelhantes e, para que isso não aconteça, necessário seria ter soluções comuns e gerais no que concerne, ao menos, ao esqueleto primário do assunto.
Em agosto de 1998 o Centro de Estudos Jurídicos Juiz Ronaldo Cunha Campos, que reunia os membros do extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais, promoveu um amplo debate pertinente à reparação do dano moral e divulgaram a título de sugestão para o respectivo arbitramento:
“1- Pedido de dano moral por inclusão indevida do nome em SPC, SERASA ou Cartório de Protestos: até 20 salários mínimos;
2- Pedido de dano por morte de esposo, esposa e filhos: 100 salários mínimos;
3- Outras bases de pedidos: até 90 salários mínimos;
4- Com atenção ao caso concreto, cada juiz tem inteira liberdade na aquilitação dos valores indenizatórios. As sugestões, no entanto são válidas, como parâmetros orientadores, no comum dos ‘casos’. (DJMG. Cad. II, 8-10-1998).
De grande importância é o estudo desse Tribunal, porém ressaltamos que na reparação da lesão moral nunca se chegará a qualquer tipo concreto de equivalência entre o prejuízo e o ressarcimento, assim os critérios a prevalecer nas indenizações, mesmo que semelhantes, não podem seguir planos rígidos de cálculos aritméticos em função do patrimônio do culpado, espécie de lesão ou qualquer outro, e muito menos usar multiplicadores sobre o dado econômico envolvido no evento ilícito.
Diante dessa disparidade, há quem propugne pelo tarifamento, almejando acabar com a disparidade de decisões, pelo qual o quantum das indenizações é prefixado.
Sob esse aspecto o legislador, no já referido Código de Telecomunicações, estimou o dano extrapotrimonial de cinco a cem salários mínimos, no art. 8º, parágrafo 1 º, e a Lei nº 5.250/67, em seus arts. 51 e 52, elevou o teto para duzentos salários mínimos.
Porém, uma tentativa de tarifar a indenização do dano moral, na vigência da atual Constituição de 1988, pode redundar em flagrante inconstitucionalidade, pois o princípio geral de não causar dano a outrem possui hierarquia constitucional.
Nesse sentido, leciona Carlos Roberto Gonçalves:
“O inconveniente desse critério é que, conhecendo antecipadamente o valor a ser pago, as pessoas podem avaliar as conseqüências da prática do ato ilícito e as confrontar com as vantagens que, em contrapartida, poderão obter, como no caso do dano à imagem, e concluir que vale a pena, no caso, infringir a lei” (p.569).
Dessa forma, não tem aplicação em nosso ordenamento jurídico o critério da tarifação, predominando entre nós o critério do arbitramento pelo juiz, a teor do disposto no art. 946 do Código Civil, que determina seja a liquidação da obrigação indeterminada apurada na forma da lei processual. O Código de Processo Civil, nos arts. 603 a 611, prevê a liquidação por artigos ou por arbitramento, sendo esta última a mais adequada para a quantificação do dano moral.
A crítica que se faz é que não há defesa eficaz contra uma estimativa que a lei submete apenas a critério livremente escolhido pelo juiz, porque, exorbitante ou ínfima, qualquer que seja ela, estará em consonância com a lei.
Mas, é mesmo o próprio juiz quem deve fixar o quantum da reparação da dor moral, em cada caso concreto, porém não deve jamais se distanciar do bom senso e da equidade, levando em consideração todos os pontos até aqui ressaltados, com o objetivo de alcançar um valor adequado ao lesado pelo vexame, ou pelo constrangimento experimentado, não para apagar os efeitos da lesão, mas para reparar os danos, sendo certo que não se deve cogitar de se mensurar o sofrimento, ou de provar a dor, porque esses sentimentos são intrínsecos ao espírito humano.
8 – Necessidade de fixar parâmetros
Entendemos que seria viável a adoção de um sistema que, sem a rigidez de uma tarifação, concedesse ao juiz uma faixa de atuação em que pudesse graduar a reparação de acordo com o caso concreto.
Tarifar não é a solução, mas para encontrar o justo equilíbrio e evitar decisões tão conflitantes quando se trata do montante indenizatório convém uma regulação normativa, condutora e flexível, que indique as ferramentas a serem usadas para ressarcir ajustadamente cada dano moral concreto.
Faz-se necessário uma razoável uniformização das decisões quanto ao montante indenizatório nos casos similares, evitando julgamentos díspares, uma vez que a conjugação de dispositivos do Código Civil e a analogia de leis especiais não encerra uma linha segura para a fixação do dano moral.
Por isso é importante que os juízes cheguem a um ponto comum sobre a quantia da indenização dos danos morais.
É claro que o magistrado analisará cada caso concreto, levará em consideração todas as suas peculiaridades, e, assim, dificilmente vai chegar a valores iguais, porém estes devem ser uniformes, dentro de um equilíbrio.
O Poder Judiciário poderá utilizar os critérios aqui destacados, como o sofrimento experimentado pela vítima, suas condições pessoais, a magnitude da lesão e a situação econômica do ofensor e do ofendido, e também os parâmetros fixados nas decisões judiciais já consolidadas. Para isso deve usufruir das vantagens que o computador oferece e estabelecer banco de dados contendo o quantum das indenizações anteriormente fixadas pelos Tribunais e estabelecer comparações diante dos casos similares.
A harmonização de cifras nos casos similares, diante do que o Tribunal já consolidou, será fonte de afastamento da chamada “loteria jurídica”. Reconhecemos que os casos raramente se repetem e, dependendo das circunstâncias, repercutem de maneira mais ou menos intensa, porém tomando em conta uma e outra situação, poderá o juiz graduar esse montante, com mais equidade.
Assim, armando o juiz do mínimo necessário para ter um parâmetro objetivo na árdua tarefa de fixar o valor da reparação alcançaríamos a tão almejada segurança jurídica, pelo menos com relação à quantificação do dano moral.
Conclusão
Parece-nos lamentável o vácuo legislativo a respeito da quantificação do dano moral. Daí podem surgir distorções e erros de avaliação, submetendo as pessoas a condenações em tetos tão variáveis, apesar de irradiadas de fatos semelhantes.
Desta maneira o dano moral se inclui em um dos vários problemas que prejudicam o desenvolvimento econômico e social do país.
Diante de tal postura o “custo Brasil” se agrava e quem irá responder por esses custos majorados é a sociedade consumidora como um todo, porque todo o sacrifício imposto aos meios de produção é repassado ao consumidor final e se o empresário onerado não conseguir repassar o custo para o preço final, seu negócio arruinará, e mais uma vez quem suportará a conseqüência mais grave será a sociedade.
Assim, quando o juiz tiver uma causa de dano moral a ser decidida deverá se conscientizar de que sua decisão se refletirá em todo o sistema político, social, econômico e jurídico.
Enfatizamos que a responsabilidade civil não é meio de impor pena ao causador do dano privado; seu objetivo é reconstituir o patrimônio de quem sofreu o prejuízo. Mesmo não sendo de fácil mensuração no plano econômico, a indenização não pode servir de pretexto para enriquecer a vítima, nem levar à ruína o ofensor.
Então, com equidade, deverá ser quantificado o dano moral, é claro que levando em conta as condições sócio-econômicas da vítima e do ofensor, mas atentando-se para o fato de que o enriquecimento sem causa é repudiado pelo ordenamento jurídico.
Em suma, a indenização pelo dano moral não deve ser insignificante, mas também não deve ser exorbitante; sempre haverá um meio de se encontrar o equilíbrio, diante de cada caso concreto.
Advogada, especialista em Direito da Economia e da Empresa, mestre em Direito Ambiental, docente no Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UNILESTE.
Juiz de Direito titular da 2ª Vara da Fazenda Pública da comarca de Ribeirão Preto-SP. Mestre em Direito pela UNESP. Coordenador e professor do curso de especialização lato sensu em direito processual civil da FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado, campus Ribeirão Preto-SP
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