Vai de muito o tempo em que se deixou de transportar dinheiro em espécie, para se utilizar os bancos e seus instrumentos bancários.
A criação dos bancos deve-se, segundo se tem notícia, a um dos méritos da chamada “revolução comercial”. Na idade média observou-se a supervalorização dos conceitos religiosos, em especial da Igreja Católica, com conseqüente “condenação religiosa” da usura pela jurisdição eclesiástica. Sem ter em conta os fatos de significação puramente espiritual, o foro eclesiástico surgia quando se afetavam os interesses de fé, qualquer que fosse o infrator. Delitos exclusivamente eclesiásticos eram a heresia (doutrina contrária ao que era definido pela Igreja em matéria de fé) e a simonia (tráfico de coisas sagradas ou espirituais); enquanto o sacrilégio (uso profano de pessoa, lugar ou objeto sagrado) a usura (juro de capital exorbitante), o rapto e o adultério constituíam mixti fiori, o que explica os inúmeros conflitos jurisdicionais que se discutiam.
Durante séculos a atividade bancária foi reduzida, praticamente monopolizada por judeus. Havia algumas exceções de famílias italianas, já que a Igreja as autorizava quando considerava haver riscos de perdas, e não obstante tivessem obtido algum lucro, acabaram arruinadas. No século XV o negócio bancário expandiu-se pelo sul da Alemanha e pela França. A principal atividade bancária de então era a dos Fuggers, de Augsburg. Eles emprestavam dinheiro aos reis e bispos, serviram de corretores para o Papa na venda de indulgências e adiantaram os recursos dos quais se serviu Carlos V na compra da eleição ao trono do Sacro Império Romano. Seguiu-se então a fundação de Bancos estatais, dos governos, que se destinavam às necessidades próprias. Primeiro o Banco da Suécia (1657), depois o Banco da Inglaterra (1694), e outros, onde eram depositados os fundos públicos. Seguiram-se os instrumentos bancários, vindos para facilitar as transações comerciais, que àquela altura já se expandiam sobremaneira fora do continente europeu, como a letra de câmbio. O comerciante recebia o dinheiro apresentando a letra de câmbio ao banco local, e depois os dois bancos, o emissor da letra e o local acertavam as contas. Deixou-se então de carregar moedas, para facilitar as operações comerciais.
Nos dias atuais, o que se vê, ou é o retorno, ou melhor, retrocesso àquela origem, ou então, o mais provável, a prática desavergonhada de “ocultação”, ou “dissimulação” da origem do dinheiro, para esconder a prática criminosa que lhe deu origem. Traduzindo em miúdos, a verdadeira ação do crime de lavagem de dinheiro. O transporte físico de dinheiro (em cash) para outros países, normalmente já convertido na moeda forte, – US$ dólares americanos ou Euros, ou mesmo dentro do próprio País também se insere na caracterização de técnica de lavagem. O agente transporta consigo o dinheiro em espécie e o deposita em outras contas bancárias rompendo assim a ligação física do dinheiro obtido com o negócio ilícito praticado. Alguns incluem essa técnica no âmbito da estruturação (smurfing). É eficiente para dificultar o rastreamento do dinheiro.
Com tantas facilidades de transferência de fundos, “TEDs”, “DOCs”, cheques, etc. difícil imaginar que alguém se proporia a transportar, fisicamente, quantidades vultuosas como as vistas recentemente, logo por deputados ou prepostos. Quantias como aquelas para pagar “fornecedores” de empresa de propaganda; US$ 100 mil (na cueca), R$ 200 mil em mala, mais de R$ 1 milhão em várias malas, em avião fretado…! É dízimo para lá de fiel!
Ninguém, em sã consciência, pode acreditar que não tinham nada a esconder. Quem não tem anda a esconder opta pela transferência segura, seja por internet (mais usada na atualidade, pela rapidez) ou ainda pelo cheque, nominativo, e até sem endosso.
O transporte físico do dinheiro é, ao mesmo tempo, o mais difícil de ser apanhado pelas autoridades, e se bem sucedido, quase impede a imputação da culpa, pela ausência dos registros bancários, mas, se apanhado, reveste-se no indício mais claro da prática de crime de lavagem. Então, se é verdade que o transporte de moeda corrente, por si só, é dizer, isoladamente, não consiste na prática de crime, por outro lado serve de fundamento à saciedade para inicio de investigação, como inevitável apreensão do dinheiro, que tanto pode ser produto, como instrumento de crime, tendo como conseqüência final, em caso de condenação, a perda dos valores.
Com efeito, ninguém, mais duvida que a história se repete na humanidade, e compra de cargos, votos, perdões e privilégios, mesmo que com o dinheiro público, não são artifício de novidade. Tampouco são os políticos brasileiros os seus criadores, embora eventualmente, alguns deles, os que mais o utilizem. Tampouco deixarão de existir, infelizmente, para desespero da democracia. Afinal de contas, o dinheiro gera poder, e o poder gera dinheiro. O problema é quando acende o sinal de alerta, dos níveis insuportáveis.
Mas, como a destinação final de toda essa dinheirama é a União, pelo tesouro nacional, nos termos do Código de Processo Penal (se não houver vítima – pessoa física ou jurídica para reavê-lo), como se decidirá no caso em que se vier a constatar que ele deverá retornar exatamente à origem?
Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia
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