Resumo: O artigo aborda o mandado de injunção como um dos fatores de estímulo ao crescente ativismo judicial do STF.. Analisou-se a evolução do instituto frente à Corte, referindo-se às corrente concretista e não concretista, bem como delimitando o período de cada uma na história do Supremo Tribunal Federal.
Sumário: 1 Conceito. 2 Não concretistas x concretistas. 3 A evolução e a mudança de posicionamento. 3.1 Dezoito anos sem efeito: corrente não concretista. 3.2 Indícios de uma nova tendência: corrente concretista individual intermediária. 3.3 A mudança de paradigma: corrente concretista geral. 4. Bibliografia.
1 Conceito
O mandado de injunção, inovação trazida pela Constituição Federal de 1988, é considerado um remédio constitucional, está previsto no artigo 5º, LXXI[1] da Constituição Federal, possui a finalidade de viabilizar o exercício a determinados direitos, liberdades ou prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, presentes na Constituição, mas que não podem ser exercidos por falta de norma regulamentadora.
No conceito do ilustre constitucionalista Alexandre de Moraes (MORAES, 2006, p. 153):
“O mandado de injunção consiste em uma ação constitucional de caráter civil e de procedimento especial, que visa suprir uma omissão do Poder Público, no intuito de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição Federal. Juntamente com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, visa ao combate à síndrome de inefetividade das normas constitucionais.”
Destarte, pode-se dizer que sua finalidade é dupla, pois ao mesmo tempo em que viabiliza o exercício de direitos, liberdades ou prerrogativas está sanando o vício omissivo do legislador ordinário.
Nos primeiros dezoitos anos da Constituição Federal houve grandes dificuldades em lidar com o mandado de injunção, tendo em vista que não havia um instrumento específico que o regulamentasse. Assim, usou-se analogicamente o procedimento do mandado de segurança, conforme o disposto no artigo 24, § único, da Lei 8.038/90[2].
Importante salientar que, o mandado de injunção só pode ser ajuizado para reclamar a ausência de norma regulamentadora. Tal instituto, não pode ser invocado para alterar lei ou ato normativo já existente, ou para exigir determinada interpretação à aplicação da legislação infraconstitucional, ou para reclamar uma aplicação mais benéfica da lei existente (MORAES, 2006, p. 155). Como destaca Alexandre de Moraes: “não cabe mandado de injunção contra norma constitucional auto-aplicável”, continua, “o mandado de injunção somente se refere à omissão de regulamentação de norma constitucional.” (MORAES, 2006, p. 155).
2 Não concretista x concretistas
Importa, agora, conceituar as diferentes posições em relação aos efeitos do mandado de injunção, para depois analisar a mudança de posicionamento do Supremo Tribunal Federal.
Existem duas grandes posições acerca dos efeitos do mandado de injunção, uma não concretista e outra concretista, esta se divide em geral e individual, sendo que a última subdivide-se em direta e indireta.
Para os não concretistas deve-se apenas declarar a omissão legislativa, não cabe ao Poder Judiciário viabilizar o exercício dos direitos, das liberdades e das prerrogativas constitucionais, seu papel é comunicar o Poder Legislativo da inexistência da lei e da necessidade de edição da norma regulamentadora. Este posicionamento, durante anos, predominou no STF, consequentemente, o mandado de injunção não produziu efeitos.
De acordo com o posicionamento concretista, o Poder Judiciário deve declarar a omissão e programar o exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa até que a omissão legislativa seja sanada, com edição da norma regulamentadora. Conforme sua abrangência divide-se em concretista geral e concretista individual.
Os efeitos do mandado de injunção, segundo a corrente concretista geral, devem ser erga omnes, isto é, atingem terceiros, podendo o Supremo, juízes e tribunais decidir de forma genérica. Esta posição é pouco adotada na doutrina, pois segundo o Ministro Moreira Alves, um mandado de injunção, com efeito, erga omnes: “seria claramente incompatível com o sistema de separação de poderes.” (MORAES, Op. cit, p. 160, ALVES, 1990 apud. MORAES).
Pela corrente concretista individual os efeitos do mandado de injunção são inter partes, ou seja, apenas o autor da ação será beneficiado, podendo exercitar o direito, a liberdade ou a prerrogativa constitucional. Divide-se em concretista individual direta e concretista individual intermediário.
Para os primeiros, concretista individual direto, ao julgar procedente o mandado de injunção, o Poder Judiciário deve, de imediato, proferir eficácia à norma constitucional ao autor, tendo em vista que o legislador constituinte conferiu ao legislador ordinário a função de editar a norma regulamentadora, porém, tal lacuna não foi suprida. Desta forma, para que o cidadão não seja prejudicado pela inércia do Poder Legislativo, o Judiciário poderá suprir a omissão ao declará-la.
Por fim, a corrente concretista individual intermediária, segundo a qual o efeito do mandado de injunção deve respeitar o princípio da separação dos poderes. Desta feita, diante da falta de norma regulamentadora deve o Judiciário comunicar o Poder Legislativo e fixar um prazo à edição da lei. Caso este continue inerte, o Poder Judiciário tem a obrigação de preencher tal lacuna, a fim de que o Judiciário não siga a omissão do Legislativo, fixando as condições ao exercício dos direitos previsto na Constituição Federal.
Passa-se, agora, a analisar os efeitos conferidos ao mandado de injunção pelo Supremo Tribunal Federal.
3 A evolução e a mudança de posicionamento
3.1 Dezoito anos sem efeito: corrente não concretista
Nos primeiros dezoitos anos da Constituição Federal o STF entendeu e fixou sua jurisprudência afirmando que o Poder Judiciário, em respeito ao princípio da separação dos poderes, não poderia suprir as omissões do legislador ordinário, tendo em vista que não lhe foi conferida a função legislativa, adotando, desta forma, uma postura não concretista.
Cita-se, como exemplo, o mandado de injunção 219:
“Mandado de injunção, de iniciativa de Deputados Federais pelo Estado de São Paulo, para que o Supremo Tribunal determine, em setenta, o número de representantes daquela unidade da federação, a Câmara dos Deputados, diante do vazio legislativo, decorrente de não ter sido elaborada a lei complementar, prevista no art. 45, § 1, da Constituição. Legitimidade ativa dos impetrantes, como cidadãos, titulares de prerrogativas político jurídicas que são inequivocamente difusas, mas por sua própria natureza. Pedido deferido, em parte, dentro dos limites de provisão constitucionalmente cabível, para, reconhecidas a omissão e a mora apontadas, dar ciência das mesmas ao Congresso Nacional, a fim de que supra a omissão. Votos vencidos, tanto no tocante a preliminar de legitimidade, como a propósito da extensão ou finalidade do deferimento da medida”[3].(grifei)
Portanto, no início de sua criação o mandado de injunção não produziu efeitos, o STF apenas declarava a existência de uma omissão e comunicava ao Poder Legislativo o vício omissivo, este possuía a liberdade de editar ou não a norma e, consequentemente, o cidadão era privado de exercer seu direito por falta de norma regulamentadora.
3.2 Indícios de uma nova tendência: corrente concretista individual intermediária
Na década de noventa, com os mandados de injunção MI 283[4], MI 284[5] e MI 232[6], o Supremo Tribunal Federal demostrou uma nova tendência, qual seja, além de declarar a omissão legislativa passou a fixar um prazo à edição da norma regulamentadora, e, caso, não houve a regulamentação, a parte poderia obter seu direito diretamente na primeira instância.
No mandado de injunção nº. 283, o ex-Ministro Sepúlveda Pertence, fixou prazo de seis meses para o Congresso Nacional editar a norma regulamentadora, a fim de a parte obtivesse direito a reparação econômica devido ao impedimento de exercer atividade na vida civil, conforme o disposto na ADCT, art. 8, § 3º[7], se, no prazo de seis meses, não houve a edição da norma, o ex-Ministro autorizou à parte buscar, em primeira instância, seu direito de indenização, independente da existência ou não de lei. Veja-se a ementa:
“Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo do direito a reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8, § 3º, ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sentença liquida de indenização por perdas e danos. 1. O STF admite – não obstante a natureza mandamental do mandado de injunção (MI 107 – QO) – que, no pedido constitutivo ou condenatório, formulado pelo impetrante, mas, de atendimento impossível, se contem o pedido, de atendimento possível, de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão competente para que a supra (cf. Mandados de Injunção 168, 107 e 232). 2. A norma constitucional invocada (ADCT, art. 8, § 3º – “Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional especifica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica n. S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e n. S-285-GM5 será concedida reparação econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição” – vencido o prazo nela previsto, legitima o beneficiário da reparação mandada conceder a impetrar mandado de injunção, dada à existência, no caso, de um direito subjetivo constitucional de exercício obstado pela omissão legislativa denunciada. 3. Se o sujeito passivo do direito constitucional obstado e a entidade estatal a qual igualmente se deva imputar a mora legislativa que obsta ao seu exercício, e dado ao Judiciário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos mandamentais típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo razoável que fixar, de modo a facultar-lhe, quanto possível, a satisfação provisória do seu direito. 4. Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do mandado de injunção para: a) declarar em mora o legislador com relação a ordem de legislar contida no art. art. 8, § 3º, ADCT, comunicando-o ao Congresso Nacional e a Presidência da Republica; b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada; c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença liquida de condenação a reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem; d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicara a coisa julgada, que, entretanto, não impedira o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favorável.” (MI 283, Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, TRIBUNAL PLENO, julgado em 20/03/1991, DJ 14-11-1991 PP-16355 EMENT VOL-01642-01 PP-00001 RTJ VOL-00135-03 PP-00882) (grifei)
No mesmo sentido, o mandado de injunção nº. 284, no qual foi Relator o Ministro Celso de Melo. Porém, neste caso o Ministro não estipulou prazo ao Congresso Nacional para editar a norma, tendo em vista que no prazo de seis meses, estipulado pelo, então, Ministro Sepúlveda Pertence, o legislador não editou a lei. Assim, conferiu a parte imediatamente o direito à reparação econômica. Veja-se a ementa:
“MANDADO DE INJUNÇÃO – NATUREZA JURÍDICA – FUNÇÃO PROCESSUAL – ADCT, ART. 8, PARAGRAFO 3º. (PORTARIAS RESERVADAS DO MINISTÉRIO DA AERONÁUTICA) – A QUESTÃO DO SIGILO – MORA INCONSTITUCIONAL DO PODER LEGISLATIVO – EXCLUSAO DA UNIÃO FEDERAL DA RELAÇÃO PROCESSUAL- ILEGITIMIDADE PASSIVA “AD CAUSAM” – “WRIT” DEFERIDO. – O caráter essencialmente mandamental da ação injuncional – consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – impõe que se defina, como passivamente legitimado “ad causam”, na relação processual instaurada, o órgão público inadimplente, em situação de inércia inconstitucional, ao qual e imputável a omissão causalmente inviabilizadora do exercício de direito, liberdade e prerrogativa de índole constitucional. No caso, “ex vi” do parágrafo 3º. do art. 8. do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a inatividade inconstitucional e somente atribuível ao Congresso Nacional, a cuja iniciativa se reservou, com exclusividade, o poder de instaurar o processo legislativo reclamado pela norma constitucional transitória. – Alguns dos muitos abusos cometidos pelo regime de exceção instituído no Brasil em 1964 traduziram-se, dentre os vários atos de arbítrio puro que o caracterizaram, na concepção e formulação teórica de um sistema claramente inconivente com a pratica das liberdades publicas. Esse sistema, fortemente estimulado pelo “perigoso fascínio do absoluto” (Pe. JOSEPH COMBLIN, “A Ideologia da Segurança Nacional – o Poder Militar da América Latina”, p. 225, 3. ed., 1980, trad. de A. Veiga Fialho, Civilização Brasileira), ao privilegiar e cultivar o sigilo, transformando-o em “práxis” governamental institucionalizada, frontalmente ofendeu o princípio democrático, pois, consoante adverte NORBERTO BOBBIO, em lição magistral sobre o tema (“O Futuro da Democracia”, 1986, Paz e Terra), não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério. O novo estatuto político brasileiro – que rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta – consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucionalmente assegurado, disciplinando-o, com expressa ressalva para as situações de interesse público, entre os direitos e garantias fundamentais. A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5.), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão e essencial a caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na lição expressiva de BOBBIO, como “um modelo ideal do governo público em público”. – O novo “writ” constitucional, consagrado pelo art. 5., LXXI, da Carta Federal, não se destina a constituir direito novo, nem a ensejar ao Poder Judiciário o anômalo desempenho de funções normativas que lhe são institucionalmente estranhas. O mandado de injunção não e o sucedâneo constitucional das funções político-juridicas atribuídas aos órgãos estatais inadimplentes. A própria excepcionalidade desse novo instrumento jurídico “impõe” ao Judiciário o dever de estrita observância do princípio constitucional da divisão funcional do poder. – Reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional – único destinatário do comando para satisfazer, no caso, a prestação legislativa reclamada – e considerando que, embora previamente cientificado no Mandado de Injunção n. 283, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, absteve-se de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se “prescindível nova comunicação a instituição parlamentar, assegurando-se aos impetrantes, “desde logo”, a possibilidade de ajuizarem, “imediatamente”, nos termos do direito comum ou ordinário, a ação de reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório.” (MI 284, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CELSO DE MELLO, TRIBUNAL PLENO, julgado em 22/11/1992, DJ 26-06-1992 PP-10103 EMENT VOL-01667-01 PP-00001 RTJ VOL-00139-03 PP-00712)
Por fim, o mandado de injunção nº. 232, relatado pelo ex-Ministro Moreira Alves, no qual os autores pleiteavam a insenção prevista no artigo 195, § 7º[8] da Constituição Federal, a fim de que as entidades que cumprissem as determinações previstas em lei – a qual deveria ter sido editada pelo poder competente – adquirissem a imunidade tributária. Novamente, o Supremo Tribunal Federal conferiu prazo de seis meses para a criação da norma regulamentadora, veja-se a ementa:
“Mandado de injunção. – Legitimidade ativa da requerente para impetrar mandado de injunção por falta de regulamentação do disposto no par. 7. do artigo 195 da Constituição Federal. – Ocorrência, no caso, em face do disposto no artigo 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito constitucional. Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para declarar-se o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providencias legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do artigo 195, par. 7., da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida.” (MI 232, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, TRIBUNAL PLENO, julgado em 02/08/1991, DJ 27-03-1992 PP-03800 EMENT VOL-01655-01 PP-00018 RTJ VOL-00137-03 PP-00965) (grifei)
Percebe-se, através dos julgamentos dos mandados de injunção 283, 284 e 232, que o Supremo Tribunal Federal começa a esboçar uma atitude ativista. Ao fixar prazo à edição da norma regulamentadora e garantir a parte autora, caso a inércia permaneça, o exercício de seu direito, mesmo sem a edição da norma, os Ministros desvinculam-se da corrente não concretista, aderindo, assim, a corrente concretista individual intermediária, primeiros passos para dar eficácia ao mandado de injunção, sendo que este produzirá seus efeitos entre as partes.
3.3 A mudança de paradigma: corrente concretista geral
Em outubro de 2007, com o julgamento dos mandados de injunção 670[9], 708[10] e 712[11], a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal passa por uma profunda modificação, sendo, inclusive, revisto o posicionamento adotado no mandado de injunção 107[12], no qual ficou definido que caberia ao mandado de injunção apenas declarar a omissão do Legislativo, não podendo o Judiciário suprir a mesma.
Novamente, o assunto discutido era o direito a greve dos servidores públicos, disposto no artigo 37, VII[13], da Constituição Federal, que carecia e, até hoje, carece, de norma regulamentadora.
Desta vez, o Supremo foi além, já que não havia uma lei que regulamentasse o direito à greve dos servidores públicos, e como havia uma lei regulamentando o direito à greve dos empregados do setor privado, os Ministros decidiram que a Lei 7783/90[14] regeria a greve dos servidores públicos.
Observa-se que, o STF simplesmente aplicou uma lei, editada pelo Poder competente, que regulamentava a greve dos servidores privados, regidos pela CLT, aos servidores públicos, regidos por estatuto. Entretanto, esta decisão é de caráter temporário e não fará coisa julgada. Desta forma, se no futuro o legislador editar uma norma que regulamente o direito à greve dos servidores públicos esta prevalecerá.
Indiscutivelmente, os mandados de injunção 670, 708 e 712, representam uma mudança de paradigma na jurisprudência do STF, sendo adotada desde então a teoria concretista geral. A decisão proferida nestes mandados possui caráter normativo, com eficácia erga omnes, a fim de suprir uma omissão legislativa e garantir que uma prerrogativa constitucional, bem como um direito fundamental do cidadão brasileiro seja viabilizado.
Para uma maior compreensão, colacionam-se alguns trechos dos MI 670, MI 708 e MI 712:
“[…] 1.1. No julgamento do MI no 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 21.9.1990, o Plenário do STF consolidou entendimento que conferiu ao mandado de injunção os seguintes elementos operacionais: i) os direitos constitucionalmente garantidos por meio de mandado de injunção apresentam-se como direitos à expedição de um ato normativo, os quais, via de regra, não poderiam ser diretamente satisfeitos por meio de provimento jurisdicional do STF; ii) a decisão judicial que declara a existência de uma omissão inconstitucional constata, igualmente, a mora do órgão ou poder legiferante, insta-o a editar a norma requerida; iii) a omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial; iv) a decisão proferida em sede do controle abstrato de normas acerca da existência, ou não, de omissão é dotada de eficácia erga omnes, e não apresenta diferença significativa em relação a atos decisórios proferidos no contexto de mandado de injunção; iv) o STF possui competência constitucional para, na ação de mandado de injunção, determinar a suspensão de processos administrativos ou judiciais, com o intuito de assegurar ao interessado a possibilidade de ser contemplado por norma mais benéfica, ou que lhe assegure o direito constitucional invocado; v) por fim, esse plexo de poderes institucionais legitima que o STF determine a edição de outras medidas que garantam a posição do impetrante até a oportuna expedição de normas pelo legislador. 1.2. Apesar dos avanços proporcionados por essa construção jurisprudencial inicial, o STF flexibilizou a interpretação constitucional primeiramente fixada para conferir uma compreensão mais abrangente à garantia fundamental do mandado de injunção. A partir de uma série de precedentes, o Tribunal passou a admitir soluções “normativas” para a decisão judicial como alternativa legítima de tornar a proteção judicial efetiva (CF, art. 5o, XXXV). Precedentes: MI no 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.11.1991; MI no 232/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 27.3.1992; MI nº 284, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para o acórdão Min. Celso de Mello, DJ 26.6.1992; MI no 543/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 24.5.2002; MI no 679/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17.12.2002; e MI no 562/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 20.6.2003. […]” (MI 670, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-01 PP-00001 RTJ VOL-00207-01 PP-00011) (grifei)
“[…] 5. Diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal Federal decidir no sentido de suprir omissão dessa ordem. Esta Corte não se presta, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia.[…] 9. A norma veiculada pelo artigo 37, VII, da Constituição do Brasil reclama regulamentação, a fim de que seja adequadamente assegurada a coesão social.[…] 13. O argumento de que a Corte estaria então a legislar — o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da Constituição do Brasil] e a separação dos poderes [art. 60, § 4o, III] — é insubsistente. 14. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico. 15. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos. 16. Mandado de injunção julgado procedente, para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da Constituição do Brasil.” (MI 712, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-03 PP-00384) (grifei)
“EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. GARANTIA FUNDAMENTAL (CF, ART. 5º, INCISO LXXI). DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS (CF, ART. 37, INCISO VII). EVOLUÇÃO DO TEMA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF. EM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES DA SEGURANÇA JURÍDICA E À EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL NA INTERPRETAÇÃO DA OMISSÃO LEGISLATIVA SOBRE O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS, FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS Nos 7.701/1988 E 7.783/1989. 1. SINAIS DE EVOLUÇÃO DA GARANTIA FUNDAMENTAL DO MANDADO DE INJUNÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).[…]” (MI 708, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-02 PP-00207 RTJ VOL-00207-02 PP-00471) (grifei)
Destarte, não há como negar que a nova tendência do STF, qual seja, proferir sentenças com força normativa, constitui mais um dos fatores de estímulo ao ativismo judicial, pois, diante dos vícios omissivos do Poder Legislativo, demostrou uma atitude ativista, garantindo, assim, que os cidadãos pudessem exercer um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa constitucional independente da edição de uma norma regulamentadora e que estes fossem estendidos a todos.
Acadêmica do curso de Direito da FURG/RS
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