Resumo: À sociedade foram conferidos direitos constitucionais, que, na resolução do caso concreto, devem ser aplicados pelo Poder Judiciário, ainda que estejam inviabilizados pela falta de norma reguladora. Nesse sentido, surge o mandamus, instrumento processual instituído pelo constituinte para garantir a fruição de todos os direitos constitucionais, no qual cabe ao Poder Judiciário a tarefa de aplicar o direito, usando de princípios analógicos em caso de omissão legislativa de norma regulamentadora. Só dessa forma, permitindo que o hermeneuta supra a mora legislativa, se terá a concretização das normas constitucionais e a realização da própria Constituição Federal. Assim, a interpretação que melhor confere efetividade à CF/88 é aquela que determina ao órgão julgador a criação das normas constitucionais.
Palavras-chave: Mandado de Injunção. Omissão legislativa. Efetivação dos direitos constitucionais.
Abstract: Constitutional rights were granted to society, being so, in a concrete case resolution such rights should be applied by the Judiciary Power, even when found not viable due to the absence of a regulatory norm. In this sense, mandamus comes into existence as a procedural tool instituted by constituents, meant to take advantage of all constitutional rights, leaving proper application of those rights as a task for the Judiciary Power, that in cases which present legislative omission of regulatory norms, makes use of analog principles. Only in this manner, allowing a hermeneutist to surpass legislative delay, bringing constitutional norms into reality and validating the Federal Constitution itself. Therefore, the most suitable interpretation establishing CF/88 effectiveness is the one that defines the judiciary body responsible for creating constitutional norms.
Keywords: Writ of injunction. Legislative omission. Establishment of constitutional rights.
Sumário: Introdução. 1. Breve histórico e objeto do mandado de injunção. 2. A preexistência de norma regulamentadora impede a impetração de mandado de injunção? 3. O mandado de injunção é subsidiário à ação de inconstitucionalidade por omissão? 4. Natureza e efeitos do mandado de injunção: classificação proposta por alexandre de moraes. 5. Tendência da jurisprudência do stf quanto à natureza e eficácia do mandado de injunção. 6. A criação do direito. Considerações finais. Referências bibliográficas.
Summary: Introduction. 1. Brief history and object of a writ of injunction. 2. The pre-existence of a regulative norm denies the appliance of a writ of injunction? 3. Is the writ of injunction subsidiary of an unconstitutionality action by omission? 4. Effects and nature of a writ of injunction: classification proposed by alexandre de moraes. 5. The stf jurisprudence tendency considering the nature and effectiveness of the writ of injunction. 6. The creation of law. Final considerations. Bibliographic references.
INTRODUÇÃO
O presente ensaio surgiu da leitura da obra, “Mandado de injunção: um instrumento de efetividade da Constituição”, escrita por Carlos Augusto Alcântara Machado, para a disciplina de Processo Civil e Estado Constitucional II do Curso de Mestrado em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, ministrada pela Professora Elaine Harzheim Macedo.
Tendo por base o texto e o debate instigado em sala de aula, propõe-se a discutir o alcance do objeto do mandado de injunção na atualidade. É que, por muito tempo, era impensável ajuizar qualquer tipo de ação pretendendo a eficácia das normas constitucionais.
Analisar-se-á, do mesmo modo, se a inércia do Poder Público em regulamentar a norma de direito material tutelada autoriza ou não o cabimento dessa ação. Será verificado, ainda, se a efetivação da norma constitucional depende da implementação de lei nova, ou se este instrumento processual serve para o Poder Judiciário aplicar a norma em caso de omissão do Poder Legislativo.
Partindo do posicionamento do STF, desde 1989 até 2011, quanto aos efeitos da decisão do mandamus, buscar-se-á avaliar se deveria o intérprete – o Poder Judiciário – usar de princípios analógicos para suprir a omissão legislativa de forma a preservar ao máximo os direitos constitucionais, ou se essa é tarefa exclusiva do Poder Legislativo. Serão examinados, assim, os posicionamentos doutrinários e a nova tendência do STF quanto à efetividade do mandado de injunção.
Todos esses questionamentos, aqui propostos, serão analisados e respondidos à luz da concretização dos direitos constitucionais e da própria Constituição Federal, não só pelo Poder Legislativo, como também pelo Poder Judiciário, levando-se em consideração que não se tem a pretensão de esgotar a matéria, mas apenas instigar a discussão, fruto da temática trazida.
1. BREVE HISTÓRICO E OBJETO DO MANDADO DE INJUNÇÃO
A Carta Magna de 1988 consagrou o mandado de injunção com o desígnio de viabilizar o exercício dos preceitos constitucionais, causados pela “inércia do legislador em regulamentar os direitos deles decorrentes”. Do manifesto “descrédito da Constituição”, determinado pela omissão do constituinte, nasce o mandamus, consagrado como instrumento processual capaz de sanar a inércia legislativa.[1]
O inciso LXXI do artigo 5º da CF/88 dispõe que caberá mandado de injunção “sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.
A Constituição Federal de 1988, portanto, consagrou o mandado de injunção com o claro objetivo de tornar viável o exercício de um direito constitucional. Qualquer direito constitucional – seja coletivo, individual, social, econômico, político, indígena – pode ser tutelado por meio desse instrumento processual. Não há dúvida, portanto, que o mandamus assegura o exercício de todos os direitos constitucionais, de forma abrangente e não restritiva ou intermediária.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho,[2] no entanto, entende que o mandado de injunção garante a fruição dos direitos, das liberdades e das prerrogativas dos cidadãos brasileiros, politicamente ativos, restringindo, dessa forma, a tutela de outros direitos. Diz, ainda, o autor que o mandado de injunção “não alcança outros direitos, por exemplo, os inscritos entre os direitos sociais”, limitando a assegurar os direitos à nacionalidade, disciplinados no Título II, Capítulo III, e os direitos políticos, previstos no Título II, Capítulo IV.
Desacolhendo tanto o posicionamento abrangente quanto o restritivo, Calmon de Passos,[3] partidário da corrente intermediária, entende que o mandado de injunção não tutela todos os direitos constitucionais, embora o inciso LXXI do artigo 5º trate de direitos e liberdades constitucionais. Para o autor, “o mandamus serve para garantir o exercício dos direitos, das liberdades e das prerrogativas previstos no Título II da Constituição” Federal, direitos e garantias individuais.
É claro que quaisquer dos direitos constitucionais podem ser objeto de mandado de injunção, seja de qualquer natureza. Em verdade, os direitos que compreendem a tutela do mandamus são todos os direitos constitucionais, que nada mais são que direito individual, direito coletivo, direito social, direito à saúde, direito à moradia, dentre outros incorporados na Carta Magna.
No magistério de Lenio Luiz Streck[4] tem-se “que nenhum direito constitucional pode ser excluído da tutela do mandado de injunção, desde que previsto no bojo da Carta, cujo exercício seja obstaculizado pela falta de norma regulamentadora”.
Assim, Carlos Augusto Alcântara Machado[5] sustenta que a interpretação deve-se dar de forma mais ampla possível, porque o objetivo do legislador constituinte, instituindo o MI, foi de garantir “o exercício de todo e qualquer direito ou liberdade constitucional”, previsto na Carta Magna. Portanto os direitos fundamentais, os direitos sociais e os demais direitos albergados pela Constituição Federal podem ser objeto de mandado de injunção.
Para Luís Roberto Barroso,[6] “todos os direitos constitucionais, quer sejam individuais, coletivos, difusos, políticos ou sociais”, compreendem a tutela do MI, já que inexiste “cláusula restritiva”.
Por certo esse instrumento processual tem o objetivo de assegurar o exercício de quaisquer direitos, liberdades e prerrogativas consagradas na Constituição Federal. Nada impede a propositura do mandamus, cujo objeto seja garantir o direito, por exemplo, à aposentadoria especial, previsto no artigo 40, §4º, da Carta Magna, embora esse direito constitucional não esteja incluído no Título II, Capítulo III e IV, como entende a corrente restritiva, ou não faça parte do rol de direitos que compreendem o próprio Título II, como esteia a corrente intermediária.
Em verdade, todo direito constitucional – direito à saúde, direito à educação, direito à moradia, direito indígena – pode ser tutelado mediante a ação de mandado de injunção, bastando, portanto, que a norma constitucional esteja tipificada na Constituição da República Federativa do Brasil.
2. A PREEXISTÊNCIA DE NORMA REGULAMENTADORA IMPEDE A IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE INJUNÇÃO?
O STF[7] firmou posicionamento, por muito tempo, de que não se justifica a interposição de mandado de injunção em caso de preexistência de norma que regulamente a matéria. Nesse sentido, a interposição do MI está, de acordo com essa posição dominante, adstrita à inexistência completa de norma regulamentadora, pressupondo o cabimento da ação, quando haja total ausência de norma disciplinadora, consoante a seguinte ementa:
“(…) 1. A Lei Complementar n. 51/1985, que trata da aposentadoria especial dos servidores públicos policiais, foi recepcionada pela Constituição da República de 1988 (ADI 3.817/DF). 2. O reconhecimento da existência e da aplicabilidade de norma infraconstitucional regulamentadora do direito constitucional pleiteado evidencia o não cabimento do mandado de injunção, por inexistir omissão legislativa inviabilizadora do exercício de direito constitucionalmente assegurado. 3. Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (grifo nosso).
A Suprema Corte, por essa posição, entende que, se há uma lei anterior à Carta Magna de 1988, enquanto não for sancionada a nova lei complementar, se aplicará aquela. Nessa perspectiva, mandamus impetrado, cujo pedido seja a omissão legislativa, não seria admitido pelo STF, mesmo que, por ventura, a lei anterior não contemplasse alguma garantia assegurada pelo texto constitucional.
No entanto, ainda que esse tenha sido o entendimento dominante da Suprema Corte, parte da doutrina, como Lenio Luiz Streck,[8] vem, reiteradamente, discordando dessa posição.
Se as normas conflitantes são automaticamente revogadas na data da promulgação da Constituição Federal de 1988, não necessitando sequer de cláusulas expressas de revogação, como pode a lei anterior à CF/88 ser aplicada em caso de omissão legislativa da norma regulamentadora?
Em verdade, o mandado de injunção surge exatamente para isso, ou seja, permitir que a norma constitucional, passível de regulamentação por omissão legislativa, seja efetivada pelo Poder Judiciário.
Trata-se de norma regulamentadora “toda medida capaz de tornar efetiva a norma constitucional”,[9] que pode ter qualquer hierarquia. Ou seja, abranger “leis complementares, ordinárias, decretos, regulamentos, resoluções, portarias”, decisões administrativas normativas, dentre outros atos.[10] A aplicabilidade da norma, no entanto, “depende de elaboração da lei ou de outra providência regulamentadora”.[11]
O direito não irá se concretizar, caso não elaborado o texto regulamentador, sendo a finalidade do mandado de injunção “fazer com que a norma constitucional seja aplicada em favor do impetrante, independentemente de regulamentação, e exatamente porque não foi regulamentada”.[12] A interposição do mandado de injunção, dessa forma, não está atrelada à prévia regulamentação de lei.
A preexistência de norma reguladora não impede a impetração de mandado de injunção. É que se a própria Constituição Federal de 1988 estabelece que seja promulgada uma lei nova, não pode a antiga lei, passível de providência regulamentadora, ser aplicada.
3. O MANDADO DE INJUNÇÃO É SUBSIDIÁRIO À AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO?
Calmon de Passos[13] sustenta que o mandado de injunção seria uma espécie da ação de inconstitucionalidade por omissão subsidiária. Neste caso, o mandamus “pressupõe uma inconstitucionalidade por omissão”, enquanto a ADI omissiva “revela apenas o inadimplemento do ente público” obrigado pela elaboração da norma reguladora do dispositivo constitucional. Para o autor, a regulamentação do preceito constitucional pressupõe ação direta de inconstitucionalidade. Já, no caso do mandamus, por se tratar de direito subjetivo constitucional, sua regulamentação deve ser postulada ao Poder Judiciário, visando à “edição da norma que possibilite o exercício do direito no caso concreto”.
Nas palavras de Calmon de Passos,[14] “o mandado de injunção pressupõe uma lide em que o direito constitucional já foi certificado, mas falta, para sua satisfação, a edição de norma constitucional”.
Lenio Luiz Streck[15], ao comentar a posição de Calmon de Passos, refere que tal entendimento esvazia o objeto do mandado de injunção. Isso, porque tornaria o conhecimento do mandamus dependente de uma declaração de inconstitucionalidade por omissão anterior.
Da mesma forma, buscando maior efetividade do mandado de injunção, José Afonso da Silva[16] diz que “a finalidade do MI não é expedir norma regulamentadora” por não ser “sucedâneo da ação de inconstitucionalidade por omissão”. A ação de inconstitucionalidade por omissão tem por objetivo expedir norma regulamentadora do dispositivo constitucional. Já, a função do mandado de injunção é “realizar concretamente o direito”. Para o autor, caso o mandado de injunção fosse sucedâneo à ação de constitucionalidade por omissão, certamente ele “não passaria de ação de inconstitucionalidade por omissão subsidiária”.
Em verdade, ambos os instrumentos processuais são distintos, podendo, inclusive, ser arroladas algumas de suas diferenças.
A ação direta de inconstitucionalidade por omissão é mais ampla que o MI. É que enquanto o mandado de injunção visa à concretização de um direito constitucional decorrente da ausência de norma regulamentadora, efeitos inter partes; a ADI por omissão questiona a elaboração da norma, efeitos erga omnes.[17]
Os legitimados para propor ação direta de inconstitucionalidade por omissão estão arrolados nos incisos I a IX do artigo 103 da Constituição Federal,[18] enquanto que toda e qualquer pessoa física ou, até mesmo, ente coletivo – conforme entendimento já consolidado no STF[19] – pode impetrar mandado de injunção.[20]
A competência originária para julgar a ação direta de inconstitucionalidade por omissão é do Supremo Tribunal Federal,[21] nos moldes da alínea “a”, inciso I, artigo 102, Constituição Federal. Já, tanto o juízo federal quanto o juízo estadual[22] é competente para julgar o mandado de injunção.[23]
Não há dúvida de que o MI não é subsidiário à ADI por omissão. A finalidade daquele não é a expedição de norma constitucional, como a desta, mas viabilizar o exercício de um direito constitucional, mediante sua aplicação, pressupondo, portanto, a existência de uma “lacuna normativa”.
4. NATUREZA E EFEITOS DO MANDADO DE INJUNÇÃO: CLASSIFICAÇÃO PROPOSTA POR ALEXANDRE DE MORAES.
São três as correntes que se consolidaram no STF quanto à natureza e aos efeitos do mandado de injunção. O Ministro Néri da Silveira, na 7ª Sessão Extraordinária, proferida no dia 16 de março de 1995,[24] mostrou tais entendimentos. Nas suas palavras:
“Há, como sabemos, na Corte, no julgamento dos mandados de injunção, três correntes: a majoritária, que se formou a partir do Mandado de Injunção nº 107, que entende deva o Supremo Tribunal Federal, em reconhecendo a existência da mora do Congresso Nacional, comunicar a existência dessa omissão, para que o Poder Legislativo elabore a lei. Outra corrente, minoritária, reconhecendo também a mora do Congresso Nacional, decide, desde logo, o pedido do requerente do mandado de injunção e provê sobre o exercício do direito constitucionalmente previsto. Por último, registro minha posição, que é isolada: partilho do entendimento de que o Congresso Nacional é que deve elaborar a lei, mas também tenho presente que a Constituição, por via do mandado de injunção, quer assegurar aos cidadãos o exercício de direitos e liberdades, contemplados na Carta Política, mas dependentes de regulamentação. Adoto posição que considero intermediária. Entendo que se deva, também, em primeiro lugar, comunicar ao Congresso Nacional a omissão inconstitucional, para que ele, exercitando sua competência, faça a lei indispensável ao exercício do direito constitucionalmente assegurado aos cidadãos. Compreendo, entretanto, que, se o Congresso Nacional não fizer a lei, em certo prazo que se estabeleceria na decisão, o Supremo Tribunal Federal pode tomar conhecimento de reclamação da parte, quanto ao prosseguimento da omissão, e, a seguir, dispor a respeito do direito in concreto. É, por isso mesmo, uma posição que me parece concilia a prerrogativa do Poder Legislativo de fazer a lei, como o órgão competente para a criação da norma, e a possibilidade de o Poder Judiciário garantir aos cidadãos, assim como quer a Constituição, o efetivo exercício de direito na Constituição assegurado, mesmo se não houver a elaboração da lei. Esse tem sido o sentido de meus votos, em tal matéria. De qualquer maneira, porque voto isolado e vencido, não poderia representar uma ordem ao Congresso Nacional, eis que ineficaz. De outra parte, em se cuidando de voto, no julgamento de processo judicial, é o exercício, precisamente, da competência e independência que cada membro do Supremo Tribunal Federal tem, e necessariamente há de ter, decorrente da Constituição, de interpretar o sistema da Lei Maior e decidir os pleitos que lhe sejam submetidos, nos limites da autoridade conferida à Corte Suprema pela Constituição.”
Com base nisso, o autor Alexandre de Moraes,[25] pretendendo esclarecer a respeito dessa discussão, classificou esses entendimentos da seguinte forma: posição concretista e não concretista.
De acordo com a posição concretista, que reconhece que o mandado de injunção tem eficácia constitutiva, “o Poder Judiciário declara a existência da omissão legislativa”, viabilizando a “fruição do direito, da liberdade ou da prerrogativa constitucional”, mas somente “até que o poder estatal a regulamente”. Essa posição – concretista – divide-se em concretista geral e concretista individual.[26]
Segundo a concretista geral, “a decisão do Poder Judiciário produz efeito erga omnes”, tornando viável “o exercício da norma constitucional através de uma normatividade geral”.[27] Por certo, que essa é a melhor interpretação a ser adotada pelo STF, uma vez que ao Poder Judiciário também cabe a tarefa de criar o direito.
De acordo com a concretista individual, “a decisão do Poder Judiciário gera efeito apenas ao autor do mandado de injunção”, ou seja, tem caráter individual, possibilitando, dessa forma, o exercício subjetivo do direito, da liberdade ou da prerrogativa. Essa posição – a concretista individual – se divide em duas, quais sejam: direta e intermediária.[28]
Conforme a concretista individual direta, “o Poder Judiciário, julgando procedente o mandamus, implementa a eficácia da norma constitucional ao autor”. Segundo a posição concretista individual intermediária – adotada pelo Ministro Néri da Silveira, conforme acima colacionada e também pelo autor Alexandre de Moraes – ,[29] o Poder Judiciário, julgando procedente o mandado de injunção, estabelece prazo de 120 dias para que o Congresso Nacional elabore a norma regulamentadora; permanecendo a inércia, após ter decorrido esse prazo, a parte poderá requerer a reparação constitucional devida.
Por fim, pela posição não concretista, o Poder Judiciário apenas cientifica o poder competente para que regulamente a norma.[30] Há de se ter presente que por muito tempo a Suprema Corte seguiu esse entendimento, embora, atualmente, haja uma tendência da jurisprudência em adotar a teoria concretista geral, objeto de análise do próximo item.
5. TENDÊNCIA DA JURISPRUDÊNCIA DO STF QUANTO À NATUREZA E EFICÁCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO
Em 23 de novembro de 1989, o Pleno do STF julgou procedente o MI 107/DF, de relatoria do Min. Moreira Alves,[31] reconhecendo que, em caso de mora do Congresso Nacional, deveria o Poder Judiciário comunicar a existência dessa omissão ao órgão estatal inadimplente, para que este cumprisse aquilo que fosse necessário. A partir deste julgamento, a Suprema Corte consagrou a teoria não concretista, exigindo apenas que o Poder Judiciário informe, mediante declaração, o Poder Legislativo quanto à omissão constitucional. Leia-se, a propósito, parte da ementa no que interessa:
“Mandado de Injunção. Questão de ordem sobre sua autoaplicabilidade, ou não em face dos textos da Constituição Federal relativos ao Mandado de Injunção, e ele ação outorgada ao titular de direito, garantia ou prerrogativa a que alude o artigo 5º, LXXI, dos quais o exercício esta inviabilizado pela falta de norma regulamentadora, e ação que visa a obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa, com a finalidade de que se lhe de ciência dessa declaração, para que adote as providências necessárias, a semelhança do que ocorre com a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (…).” (grifo nosso).
Em 20 de março de 1991, no entanto, o Pleno do STF julgou procedente o MI 283/DF, de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence,[32] para que o Poder Legislativo fosse comunicado da omissão constitucional e, dentro do prazo fixado, suprisse a norma reclamada. Uma vez não promulgada a referida lei, dentro do prazo estabelecido, poderia o impetrante requerer a reparação constitucional devida, com efeitos interpartes. Com esse julgamento, a Suprema Corte passou a adotar a posição concretista individual intermediária. In verbis:
“(…)“4. Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do mandado de injunção para:
“a) declarar em mora o legislador com relação à ordem de legislar contida no art. 8º, par. 3º, ADCT, comunicando-o ao Congresso Nacional e a Presidência da República;
“b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada;
“c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença liquida de condenação a reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem;
“d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicará a coisa julgada, que, entretanto, não impedirá o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favorável.” (grifo nosso).
Em 1º de março de 2007, porém, o Pleno do STF mudou de entendimento, julgando procedente o MI 695/MA, de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence.[33] A Suprema Corte, com base nessa decisão, passou a adotar a teoria concretista geral, na medida em que a mora foi declarada, e o Poder Competente comunicado para que a supra. O objeto do mandamus em questão é o direito ao aviso-prévio proporcional, devidamente assegurado no artigo 7º, XXI, da Constituição Federal. Abaixo se destaca parte da decisão:
“Mandado de injunção: ausência de regulamentação do direito ao aviso prévio proporcional previsto no art. 7º, XXI, da Constituição da República. Mora legislativa: critério objetivo de sua verificação: procedência, para declarar a mora e comunicar a decisão ao Congresso Nacional para que a supra.
“(…)“Seria talvez a oportunidade de reexaminar a posição do Supremo quanto a natureza e a eficácia do mandado de injunção, nos moldes do que se desenha no MI 670 (INF/STF 430), se não fora o pedido da inicial:
“(…)“Esse o quadro, julgo procedente o mandado de injunção para declarar a mora e comunicar a decisão ao Congresso Nacional para que a supra: é o meu voto.“ (grifo nosso).
No mesmo sentido, recentemente, em 24 de maio de 2011, o STF julgou procedente o MI 1967/DF, de relatoria do Min. Celso de Mello,[34] reconhecendo tanto o direito subjetivo do impetrante à aposentadoria especial, artigo 40, §4º, I, da Constituição Federal, quanto o dever do Poder Público de regulamentar esse direito, cuja ementa transcreve-se a seguir:
“Mandado de Injunção. Servidor público portador de deficiência. Direito público subjetivo à aposentadoria especial (CF, art. 40, § 4º, I). Injusta frustração desse direito em decorrência de inconstitucional, prolongada e lesiva omissão imputável a órgãos estatais da União Federal. Correlação entre a imposição constitucional de legislar e o reconhecimento do direito subjetivo à legislação. Descumprimento de imposição constitucional legiferante e desvalorização funcional da Constituição escrita. A inércia do Poder Público como elemento revelador do desrespeito estatal ao dever de legislar imposto pela Constituição. Omissões normativas inconstitucionais: uma prática governamental que só faz revelar o desprezo das instituições oficiais pela autoridade suprema da lei fundamental do Estado. A colmatação jurisdicional de omissões inconstitucionais: um gesto de fidelidade à supremacia hierárquico-normativa da Constituição da República. A vocação protetiva do Mandado de Injunção. Legitimidade dos processos de integração normativa (dentre eles, o recurso à analogia) como forma de suplementação da ‘inertia agendi vel deliberandi’. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção conhecido e deferido.” (grifo nosso).
O STF, por muito tempo, apenas declarava a omissão constitucional da norma, comunicando o Congresso Nacional. A Suprema Corte enviava a declaração de omissão constitucional ao poder público. Dessa forma, o mandado de injunção não tinha qualquer eficácia prática.
Há uma tendência, como visto, na jurisprudência do STF em admitir a ampliação do mandado de injunção, permitindo que o Poder Judiciário aplique os direitos constitucionais, em caso de omissão legislativa.
A nova orientação jurisprudencial, além de declarar, usa analogia de outras normas do sistema para suprir a omissão legal, efetivando o direito assegurado pela Constituição Federal. Essa última interpretação do mandado de injunção, portanto, conferiu maior concretização à Carta Magna.
6. A CRIAÇÃO DO DIREITO
A ampliação do mandado de injunção acompanha a tendência atual de conferir maior efetividade aos ditames constitucionais pelo Poder Judiciário. Anos atrás, ações promovendo direito à saúde e à moradia eram impensáveis quanto a sua procedência, hoje, no entanto, multiplicaram-se as ações individuais e coletivas pretendendo a efetivação dos direitos sociais e individuais.
O Poder Judiciário vem ganhando legitimidade para promoção e efetivação de direitos. Parece lógico, pois, que o mandado de injunção sofra ampliação de seu objeto. Assim como tempos atrás era praticamente unânime que a promoção de direito à saúde era norma de aplicabilidade programática, sendo impróprio ao Poder Judiciário cobrar a sua efetivação pelo Poder Executivo, era impensável também que o Poder Judiciário suprisse a omissão legislativa e promovesse o direito assegurado na norma constitucional. Em razão disso, é fácil entender por que o objeto do mandado de injunção era tão restrito.
Invariavelmente, ganhando o Poder Judiciário maior legitimidade para promoção de aplicabilidade das normas constitucionais, o objeto do mandado de injunção tende a ser ampliado.
A concretização do direito material, dentro dessa concepção, passa a ser tarefa de todos os poderes constituídos. Por certo, que a realização da efetivação do direito constitucional deve ser feita mediante a conjunção do ato legislativo, do ato administrativo e do ato judicial.[35] Flávia Piovesan[36] entende que, de acordo com essa realidade, um órgão do Poder tem a possibilidade de fiscalizar e controlar os demais. Assim, Ovídio Araújo Baptista da Silva,[37] ao comentar sobre o acesso aos Tribunais Superiores, relembrou que ainda está vivo e, da mesma forma, praticável na formação jurídica o princípio da separação dos poderes, no qual cabe ao legislativo a função de criar o direito e ao juiz apenas a de declarar tal direito. Para o autor, essa concepção, que pressupõe a separação dos poderes, “impede que se conceba o direito como uma instância hermenêutica”.
Se “o Poder Executivo brasileiro, cuja função típica é administrar, excepcionalmente pode legislar, o Poder Legislativo administra e o Poder Judiciário legisla quando elabora seus regimentos internos,” porque o Poder Judiciário não pode, na resolução do caso concreto, criar a norma regulamentadora, viabilizando, dessa maneira, o exercício do direito tutelado.[38] A criação do direito, no entanto, deve estar atrelada “à dogmática jurídica, aos subconjuntos valorativos, fáticos e normativos” integradores do ordenamento.[39]
Na falta de norma reguladora, o Poder Judiciário deve editar a referida lei para a realidade concreta. Para Lenio Luiz Streck,[40] “é caso de delegação expressa do legislador constituinte ao órgão jurisdicional”. O juiz, nessa hipótese, edita a norma regulamentadora “como se legislador fosse”.
Como refere Carlos Augusto Alcântara Machado,[41] “não se pode ficar escravos ou reféns de princípios conservadores/imutáveis que funcionam como terríveis grilhões ao avanço do Direito”. É que ao Poder Judiciário foi conferida – por meio do MI, que se encontra determinado no inciso LXXI do artigo 5º da CF – a responsabilidade de regulamentar a norma, em caso de omissão do Poder Legislativo.
O juiz tende, na resolução do caso concreto, aplicar a norma constitucional de forma a preservar ao máximo possível o direito tutelado. É claro que em caso de inércia legislativa, a efetivação do direito reclamado dependerá da imperatividade e da aplicabilidade pelo órgão julgador.
O mandado de injunção nada mais é que um instrumento processual de efetividade da Constituição Federal, cabendo ao órgão julgador a tarefa de implementar a “vontade do Poder e da Constituição”. O mandamus foi consagrado para combater a inércia dos Poderes Públicos, de forma a concretizar os direitos fundamentais consagrados na CF/88. Do contrário, a viabilização dos direitos constitucionais estaria ameaçada.[42]
Finaliza-se o presente ensaio com uma sucinta passagem de Lenio Luiz Streck,[43] “o mandado de injunção significa: cumpra-se a Constituição da República”. Por isso, o mandamus, instituído como instrumento processual, faz com que o órgão jurisdicional realize os direitos constitucionais e, portanto, a própria Constituição Federal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo após a criação do MI, o entendimento jurisprudencial minimizava a sua aplicabilidade prática. No entanto, hoje, é perfeitamente viável postular ao Poder Judiciário a aplicação de todos os direitos constitucionais. O mandado de injunção, portanto, sofreu uma ampliação de seu objeto. Nessa ótica, todos os direitos constitucionais, direito à saúde, direito à moradia, direito à educação, direito indígena podem ser objeto do mandado de injunção.
Na medida em que o constituinte conferiu à sociedade direitos constitucionais, eles podem e devem ser tutelados pelo mandamus, não importando se a norma constitucional compreende o Título II ou o Título VIII da Carta. Ou seja, basta que tais direitos estejam consagrados no digesto da Constituição Federal de 1988 e que não haja norma regulamentadora – ou caso exista, seja insuficiente – que possibilite sua efetivação.
Ao que parece, o Supremo Tribunal Federal, na atualidade, vem adotando a teoria concretista geral, na qual faz uso da criação do direito para possibilitar o exercício do direito constitucional pretendido. Diferentemente da primeira orientação, agora, não se limita apenas a comunicar o parlamento da omissão legislativa.
O MI, assim, é um meio útil e adequado à garantia de efetividade de direitos, colocado pelo próprio legislador constitucional, inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, à disposição da sociedade à fruição de todos os direitos constitucionais. Instrumento que se manteve, ao longo dos anos, em constante evolução.
Advogada Especialista em Processo Civil e Constituição pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Especialista em Direito Ambiental Nacional e Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
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