Resumo: Os problemas que possuem relação direta com os resíduos sólidos podem ser definidos em desequilíbrio ambiental e saúde pública. Assim, verifica-se que é necessário buscar alternativas que possam equacionar a questão para que se alcance qualidade de vida. Com esse intuito, em 2010 foi editada a Política Nacional de Resíduos Sólidos por meio da Lei 12.305/2010. Nesse diploma legal alguns pontos importantes para a gestão dos resíduos sólidos foram abordados, entretanto, algo que foi pontuado pelo legislador e que, também, será objeto deste trabalho é o consumo sustentável, entendido como o processo que envolve toda a cadeia produtiva, inclusive os consumidores com vistas a alcançar um meio ambiente mais saudável, assim como uma sociedade mais sustentável.
Palavras- Chave: Resíduos Sólidos. Gestão. Consumo Sustentável.
1 CONSUMO E MEIO AMBIENTE
O consumo faz parte da historia do ser humano no mundo, pois, é por meio deste que se torna possível satisfazer as necessidades vitais da humanidade. No entanto, desde que o consumo passou a não apenas servir como meio de sobrevivência e se tornou sinônimo de felicidade, auto-estima, bem-estar, o meio ambiente passou a sofrer gradativamente com essa mudança.
A sociedade pós-moderna, considerada pós-industrial, até os dias atuais tem exercido uma pressão sobre os recursos naturais nunca antes vista. Essa demanda por recursos naturais para produção, em escala cada vez maior, vem pondo em risco não somente os ecossistemas que sofrem com esse processo, mas o próprio destino da humanidade está sendo comprometido pelos padrões insustentáveis de produção e consumo. Por isso, neste capítulo discutir-se-á qual o papel do consumo na sociedade contemporânea assim como suas conseqüências para o meio ambiente.
1.1 A questão do consumo na atual sociedade contemporânea
Os padrões de consumo exagerados de bens não se constituem em uma característica exclusiva da sociedade contemporânea (SLATER, 2002, p. 15). Considera-se que a existência ou permanência de determinados atos nos dias atuais teve sua origem um pouco mais atrás. Por esse motivo é necessário conhecer alguns períodos históricos e a influência sofrida com a finalidade de entender a atual sociedade.
No que se refere ao consumo, é necessário observar como de simples ato de satisfação de necessidades, este se tornou elemento determinante das relações sociais da sociedade contemporânea e quais as implicações que essa mudança provocou no meio ambiente.
O consumo pode ser compreendido como um processo que faz parte da historia do ser humano no mundo e, segundo SLATER (2002, p. 17) foi desenvolvido como um fenômeno cultural. No entanto, o autor ressalta que a cultura do consumo é um processo singular e específico, cujo significado demonstra o modo dominante de reprodução cultural que veio a se desenvolver no ocidente durante o período histórico denominado de modernidade[1].
A cultura ocidental moderna é reconhecida pela prática ligada a valores que ajudam a defini-la como opção de uma sociedade pautada no individualismo e nas relações de mercado. No entanto, a característica principal capaz de definir a cultura oriental é a existência de um consumo que determina um acordo social onde a relação entre a cultura e os modos sociais, é determinada pelo mercado. Pois, a cultura de consumo determina um sistema em que o ato de consumir é voltado para o consumo e acúmulo de mercadorias, onde essa reprodução cultural (de consumo) é, geralmente, compreendida como algo que se realiza através do exercício do livre-arbítrio pessoal na esfera privada da vida cotidiana (SLATER, 2002, p. 17). Ou seja, o consumo é tido por um ato privado em que não se reconhece nenhuma conseqüência para além da vida privada daqueles que o praticam.
No entanto, ressalta SLATER (2002, p. 17-18) que a cultura de consumo, embora concebida como reprodução cultural[2], não foi o único modo de se estabelecer relações sociais e culturais operante nos últimos trezentos anos, assim como não é o único que existe nos dias atuais. Pois, é possível realizar uma distinção entre o “modo de reprodução cultural residual e emergente, entre o oposicional e o excêntrico, exatamente como se faz ao pensar em modos de produção[3]”.
A cultura voltada para o consumo, também, não se considera como algo exclusivamente ocidental. Apesar de seu surgimento ter ocorrido no continente Ocidental a partir do século XVIII, como parte da característica que o diferenciava do resto do mundo. A cultura ocidental de consumo era vista como uma cultura moderna, progressista, livre, racional. Nessa, havia um pressuposto de “dominação e infâmia, no qual o ocidente se via como civilizado e próspero por direito e possuidor de valores de caráter universal em detrimento do restante do mundo” (SLATER, 2002, p. 18-20).
A cultura de consumo, desde a modernidade e pós-modernidade, compreendido como período pós-revolução industrial, tem sido determinante para o crescimento de empresas ocidentais, assim como do próprio modo de vida ocidental. “Como um aspecto do projeto universalizante da modernidade ocidental, a cultura do consumo tem pretensões e alcance globais” (SLATER, 2002, p. 18) Vale ressaltar que os alcances globais do modo de viver ocidental, considerando o alcance dos padrões de consumo, pode-se dizer que foi alcançado, já que nos últimos anos a sociedade contemporânea é considerada de risco devido ao desenvolvimento levado a efeito em todas as suas conseqüências e tendo por resultado a chegada de uma crise ambiental sem precedentes (BECK, 1998, apude, DINNEBIER, 2011, p. 390).
A primeira vista, pensa-se que a cultura de consumo fora formada somente na era pós-moderna (Revolução Industrial), no entanto, está ligada à modernidade como um todo, ou seja, possui sua raiz existencial no período de transição do Feudalismo até o Capitalismo com a Revolução Industrial, ainda que no seu final. As instituições e praticas essenciais da cultura de consumo, no entanto, originaram-se no inicio do período moderno, e algumas delas estavam bem estabelecidas (ao menos para algumas classes e alguns setores econômicos). Isto porque essa cultura não foi uma conseqüência da modernização industrial e da modernidade cultural, algo que ocorreu depois que o trabalho intelectual e industrial da modernidade já tinha sido feito. Em verdade, a cultura do consumo faz parte da construção do mundo moderno (SLATER, 2002, p. 18).
Com essa mudança nas relações sociais e culturais, o mundo moderno começa por exercer práticas, aspirações e identidades que tendem em serem definidos de acordo com o consumo, sendo que outros segmentos sociais tais como o trabalho, a religião, a família, foram relegados ao segundo plano (SLATER, 2002, p. 31). Isso demonstra que graças a essa cultura o ser humano é reduzido a consumidor em detrimento de outros papeis sociais que exerce no meio social.
Ressalta-se, entretanto, que quando se fala de sociedade moderna de cultura voltada para o consumo não se esta referindo ao consumo para determinado tipo de objetos, mas de uma cultura de consumo[4]. Implica considerar que os valores determinantes de uma sociedade são determinados pelas praticas de consumo. Por conseqüência, a sociedade contemporânea, é concebida e descrita como materialista, cuja cultura está baseada na obtenção de lucro e acúmulo de objetos, ou seja, as aspirações estão centradas no ter em detrimento do ser. Caracteriza-se em uma sociedade que se “transformou em mercadorias, narcisista ou, mais positivamente, como uma sociedade de escolhas e da soberania do consumidor” (SLATER, 2002, p. 31)
A sociedade de consumo, segundo Retondar (2008, p. 138):
“Caracteriza-se, antes de tudo, pelo desejo socialmente expandido da aquisição “do supérfluo”, do excedente, do luxo. Do mesmo modo, se estrutura pela marca da insaciabilidade, da constante insatisfação, onde uma necessidade preliminarmente satisfeita gera quase automaticamente outra necessidade, num ciclo que não se esgota, num continuum onde o final do ato consumista é o próprio desejo de consumo.”
O alargamento dessa lógica inicia com as mudanças estruturais ocorridas no século XVIII na Europa ocidental, pode-se dizer que com a Revolução Industrial. Este processo de transformação cultural, no entanto, acelera-se a partir da segunda metade do século XX, quando o universo do consumo passou a se destacar tanto como fator de desenvolvimento, entendimento como crescimento econômico, como forma de expansão do consumismo como elemento de “mediação entre novas relações e processos que se estabelecem no plano cultural das sociedades modernas” (RETONDAR, 2008, p. 138).
Percebe-se com esse panorama, que o consumo deixa de ser uma variável que depende de processos e estruturas externos a ele, e passa a constituir-se enquanto campo autônomo, e isso o caracterizaram “como importante objeto de conhecimento no âmbito das ciências sociais contemporâneas, especialmente no campo dos estudos sobre a cultura” (RETONDAR, 2008, p. 139).
Ressalta-se, ainda, que essa cultura de consumo ao se consolidar enquanto processo independente, encontrando razão em si mesmo, provocou e tem provocado a degradação do meio ambiente, pois, a exploração dos recursos naturais não suporta essa demanda ilimitada que não tem raiz em necessidades reais[5] e, além disso, seus efeitos têm ultrapassado as fronteiras dos países poluidores, considerado os que mais produzem para o mercado consumidor, haja vista, que a produção é inerente a retirada de bens naturais. Isso tem posto em risco a própria existência da humanidade no planeta[6]. Pois, a visão que julga o ser humano como separado do meio ambiente, o fez pensar que poderia explorá-la, sem sofrer nenhuma conseqüência (MASCARENHAS, 2009, p. 206).
O problema da esgotabilidade dos recursos naturais está entrelaçado à cultura de consumo levada a efeito desde a modernidade, passando pela pós-modernidade e permanecendo até os dias atuais. Essa falta de limites para o consumo revela uma patologia social[7], pois, busca-se, por meio do consumo apenas ostentar prosperidade, estilo, ao se consumir excessivamente bens que, em sua grande maioria, são dispensáveis e facilmente descartáveis. E nessa cultura, onde a necessidade é ilimitada e o desejo se mostra constante por mais produção, é comumente considerada não apenas normal para seus membros, mas essencial para o progresso socioeconômico (SLATER, 2002, p. 36).
O consumo é considerado na modernidade como sinônimo de progresso e crescimento econômico, prosperidade. No entanto, esse progresso econômico alcançou riquezas e também riscos para toda sociedade, pois:
“A modernidade, através da industrialização e dos avanços da tecnologia, produziu além de riquezas, também riscos para a sociedade. Ressalta, ainda que esses riscos não são uma característica da Idade Moderna, mas, passaram da esfera pessoal, de coragem e aventura pela busca de melhores condições de vida, desenvolvimento, para um contexto global de possível destruição de vida na Terra. Com isso, verifica-se que os riscos e perigos da atualidade são tidos por globais indistintamente, e possuem como causas a modernização resultante do progresso industrial e o desenvolvimento tecnológico. Sendo assim, percebe-se que os riscos da modernização têm efeitos sobre todos, pois, acabam por afetar, inclusive aqueles que produziram os riscos, a exemplo dos empresários que estão ligados diretamente com a exploração dos bens naturais” (BECK, apude, MASCARENHAS, 2009, p. 207).
Vale observar que, havia riscos para as sociedades antes da Revolução Industrial, no entanto, tais eram associados à manifestação dos deuses. Na atualidade, os riscos estão associados ao modelo de produção predatório que busca atender a um mercado consumidor insaciável. Assim, o mundo pós-moderno se caracteriza como um período em que se concentra um avanço tecnológico inigualável. Mas que não veio acompanhado de uma análise dos possíveis efeitos negativos por ele gerados. Com isso, a sensação de irreversibilidade dos riscos gerados por esse modelo, prejudica o otimismo do modelo inicial cujo ideal pautava-se na busca por melhores condições de vida (MASCARENHAS, 2009, p. 208).
Santos e Grossi ressaltam que a sociedade contemporânea sofre de tantas necessidades e tantas preocupações que seria uma tarefa muito difícil listá-las. E, devido à isso, o “remédio” do século XXI tem sido o consumo que passou a ter como finalidade a satisfação de desejos muito pessoais como suprir carências, auto afirmar-se, criar projeções para o futuro etc. As relações interpessoais, por sua vez, têm sido reduzidas a materialização com objetos como demonstração de afeto, respeito, carinho. Ou seja, através do consumo de objetos, as pessoas vêm procurando alcançar a amparo. E, por sua vez, possuir ou acumular são considerados como signos, ou seja, representações, ainda mais quando se fala de relacionamento. “Muitas vezes, o afeto tem sido colocado numa escala secundária neste novo sistema cultural que se formou a partir de um desejo irreprimível de consumir” (2007, p. 444-445).
No inicio da década de 80, foram realizadas algumas pesquisas sociológicas sobre consumo e estilo de vida baseado no consumo compulsivo, assim como o sistema de preferências das chamadas classes ociosas[8]. Nessas, observou-se que desde o século XVIII, partes da aristocracia da Europa iniciaram um processo de eleição de alguns objetos como preferências para aquisição. O fim último dessa eleição era promover a diferenciação de classes por meio da utilização de determinados objetos ou estilo de vida, tornando a prática do consumo e a lógica da demanda aspectos específicos do capitalismo (ANDRADE, 2008, p. 135). No Brasil seguia-se a mesma lógica, pois, a aristocracia buscava se diferenciar das demais classes sociais consideradas inferiores, através da eleição de determinados objetos ou padrões de consumo.
“Essa criação de necessidades que busca tão somente diferenciar padrões sociais não é coisa nova, pois na aristocracia, no período ainda colonial do Brasil, fazia-se questão de se distinguir pela aparência. Hoje, verifica-se que as pessoas, através do consumo, também querem ostentar uma classe, um padrão de consumo e não, simplesmente, atender necessidades vitais” (NOZOE, apud, VOLPI, 2007, p. 18).
Andrade, por sua vez, comenta que na Inglaterra do século XVIII, logo após a Revolução Industrial, iniciou-se um período no qual o consumo era voltado para aquisição de bens duráveis, voltados para o vestuário. Esse período ficou conhecido como a Revolução do Consumo. Nessa época, ganha importância a comercialização sofisticada de bens de consumo como roupas e cerâmicas, e surgi às técnicas publicitárias assim como o processo de gerenciamento do gosto dos consumidores. “A importação de bens e matérias-primas, reunidas com o desenvolvimento da produção doméstica, formaram novos comportamentos de compradores e comerciantes” (2008, p.136).
Com isso, cresce o ritmo da produção e a obsolescência dos objetos de consumo, provocando sua substituição em grande escala e em curto espaço de tempo. Além disso, o mercado, por meio de alguns empreendedores, percebe a possibilidade de dirigir as tendências de compra da aristocracia inglesa, que se acostumava a adquirir objetos supérfluos e de destaque. O aumento de compradores de produtos singulares e que tinham potencial para conferir status a essa elite em ascensão no século XVIII, contribuiu para prever o estágio moderno de universalização do consumismo (ANDRADE, 2008, p. 138).
“A lógica da ostentação da aristocracia inglesa, aliada ao individualismo moderno, converge com a possibilidade de aquisição de bens raros. Discute-se a proliferação dos bens de consumo na França do século XIX e aponta-se um aspecto especialmente interessante: as sociedades modernas começam a divisar os aspectos positivos do consumismo, a articulação entre comodidade e consumo. A luz elétrica, as lojas de departamento e as novas formas de alimentação são fenômenos que indicam a existência de uma articulação entre o atendimento de necessidades crescentes, a disponibilidade técnica e a predisposição ao consumo de diversos bens” (ANDRADE, 2008, p. 140).
Entretanto, apesar do inicio da cultura do consumo ter si manifestado logo nos séculos XVII e XVIII através das manifestações culturais para o consumo de grupos pertencentes à aristocracia, como por exemplo, os grandes monarcas, dentre eles Luis XIV. No entanto, será, somente no final do século XX que os padrões de consumo se configurarão como maciço e institucionalizado (ANDRADE, 2008, p. 141).
Mas, vale mencionar que é no século XVIII, período pós Revolução Industrial que se inicia a produção voltada para o mercado global, pois, as mercadorias que eram produzidas na Inglaterra, passaram, nesta época, a ser exportadas para todo o mundo (LEMOS 2011, p. 27).
Essa produção direcionada para o mercado mundial promoveu o fenômeno da massificação do consumo. Mas, a sua real concretização consolida-se com o crescimento das cidades e a expansão do comércio varejista, pois, estes contribuíam para que um grande contingente populacional partilhasse de hábitos de fruição e entretenimento que pertenciam, antes, apenas as esferas mais elevadas da aristocracia francesa (ANDRADE, 2008, p. 142).
Assim, o mundo moderno é marcado por uma progressiva alteração no sistema de gostos entre camadas superiores e inferiores. Os menos favorecidos procuram copiar estilo de vida e práticas de consumo dos setores abastados com a finalidade de alcançar prestígio e reconhecimento. Isso fez com que a aristocracia buscasse, periodicamente, alterar seus símbolos de prestígio e preferências, de modo a se manter na frente da definição das formas de se viver com prestígio (ANDRADE, 2008, p.142). Verifica-se que a condição de ser humano é reduzida ao objeto de consumo que este possui ou ao estilo de vida que ostenta. Pois, o valor que as pessoas possuíam era atribuído de acordo com o padrão social que demonstrava por meio do consumo que realizava.
Afora essa diferenciação de classe social realizada por meio do consumo, este, também representava uma demonstração de prosperidade e conforma um campo específico, diferenciado do campo da produção (ANDRADE, 2008, p. 140).
“Os participantes do campo do consumo dividem-se entre os dominantes e os subordinados, e para poderem manter ou alterar as posições hierárquicas mobilizam uma série de estratégias de aquisição de um capital simbólico. Estudos demonstram que a moda na França mostram que algumas pessoas arregimentam seguidores e argumentos com vistas a se colocarem de forma vantajosa no campo da alta costura, e o capital simbólico é o principal veículo para essa conquista de posicionamento” (ANDRADE, 2008, p. 143).
Para Jean Baudrillard (apude, ANDRADE, 2008, p. 139), esse consumo da modernidade demonstra a ocorrência de uma revolução que ele chama de “Revolução do Bem-Estar e da Felicidade”, que, por sua vez vem dominado pelo signo, substituindo a utilidade dos produtos materiais pelo seu valor simbólico. “Os bens de consumo se valorizam especialmente pelo que eles representam enquanto signos que preenchem uma gama de necessidades que também se referenciam como signos” (ANDRADE, 2008, p. 139). Esse aumento no consumo de bens sem valor de utilidade agregado, mas tão somente ao significado que ele representa, torna-se relativo a um momento social que desconhece os problemas ambientais que se originam exatamente por causa desse modelo de consumo.
“Mas, a história da humanidade é marcada pela relação entre o homem e a natureza. Este realiza trabalho criando e reproduzindo sua existência e, isto é feito com a apropriação dos recursos naturais. Diferente dos animais, o ser humano não é apenas um habitante da natureza, ele se apropria dela e a transforma em riquezas. Conseqüentemente, o ser humano é considerado como ser dotado da capacidade de produzir sua própria existência e que subordinou o meio ambiente às determinações do desenvolvimento” (ALCANTARA, 2011, p. 4). Ressalta-se que,
“Essa condição de “apropriação” produz uma situação em que ambos, homem e natureza, perdem sua identidade, tornando-se estranhos um ao outro, fazendo com que o homem não se veja como parte integrante desta. Tal processo implica numa ação inconsciente do homem na busca permanente da transformação dos recursos naturais em bens necessários à sobrevivência e manutenção da existência humana” (ALCANTARA, 2011, p. 7).
É com essa apropriação dos recursos naturais, cujo inicio devastador, pode-se entender que se iniciou com a Revolução Industrial e, posteriormente, com o incremento do modelo de produção em série, que se cresceu a “produção de materiais artificiais e se intensificou o uso de energia não renovável, principalmente o carvão, em substituição à energia animal, humana e eólica, provocando, entre outras coisas, uma redistribuição espacial da população” (PORTILHO, 2003). Além disso, percebeu-se no mundo ocidental, uma grande migração de pessoas que viviam no campo para os meios urbanos, provocada por esse processo de industrialização.
Essas mudanças provocaram problemas de ordem ambiental e social, pois:
“Com a industrialização, a concentração populacional urbana e o incentivo ao consumo como características básicas da sociedade moderna, os problemas sociais e ambientais se agravam. Podemos enfocar a problemática ambiental, basicamente, com uma análise que se concentre desde o “berço”, ou seja, a extração de recursos naturais para a indústria, até o “túmulo”, a dificuldade de gerenciamento dos resíduos gerados após o consumo, passando pelos processos de produção, armazenamento, transporte, comércio, consumo e descarte de resíduos” (PORTILHO, 2003).
A crise ambiental é apontada pelo discurso ecológico identifica como o seu principal motivo, pois, a ideologia de bem-estar fundamentada no consumo que é a base do modelo capitalista é um forte motivo para a crise atual. Assim, o movimento ambientalista aponta os insustentáveis padrões de produção e consumo como um dos temas mais significativos que se relaciona a situação atual de crise ambiental. Com isso, a preocupação com a escassez e o esgotamento dos recursos naturais passa a ser foco central das preocupações em detrimento da extinção de determinadas espécies. “Esta mudança de rumo aponta para a consideração do longo prazo e dos direitos das gerações futuras, contrariando o imediatismo ditado pelo sistema de produção” (PORTILHO, 2003).
Em conseqüência dessa perspectiva de extinção dos bens naturais surge a necessidade de impor limites à ação do homem sobre a natureza, buscando um freio ao sistema produtivo insustentável. Com esse intuito, foi publicado um relatório pelo Clube de Roma, em 1972, por exemplo, já demonstrava a necessidade de limitação dos padrões de crescimento econômico sob pena de uma catástrofe mundial (FIGUEIREDO, 2002, p. 18).
Nesse sentido, o discurso ecológico inclui em seus debates, a necessidade de mudança nos padrões de produção e consumo:
“Os mais sérios problemas globais de desenvolvimento e meio ambiente que o mundo enfrenta decorrem de uma ordem econômica mundial caracterizada pela produção e consumo sempre crescentes, o que esgota e contamina nossos recursos naturais, além de criar e perpetuar desigualdades gritantes entre as nações, bem como dentro delas. Não mais podemos tolerar tal situação, que nos levou além dos limites da capacidade de sustento da Terra, e na qual vinte por cento das pessoas consomem oitenta por cento dos recursos mundiais. (….) Devemos lutar para equilibrar a sustentabilidade ecológica eqüitativamente, entre os países e dentro dos mesmos. (….) O sistema econômico deve ser estruturado à parte da produção e consumo de bens supérfluos para minorias, para concentrar-se na produção de bens que atendam às necessidades humanas básicas para todas as pessoas. O consumo e produção globais devem ser freados para se ajustarem à capacidade de recuperação da Terra. A redução do consumo deve ter prioridade sobre a reutilização e reciclagem de produtos. (…) Enquanto a pobreza tem como resultado determinados tipos de pressão ambiental, as principais causas da deterioração ininterrupta do meio ambiente mundial são os padrões insustentáveis de consumo e produção, especialmente nos países industrializados. Motivo de séria preocupação, tais padrões de consumo e produção provocam o agravamento da pobreza e dos desequilíbrios. É preciso adotar medidas que atendam aos seguintes objetivos amplos: (a) promover padrões de consumo e produção que reduzam as pressões ambientais e atendam às necessidades básicas da humanidade; (b) desenvolver uma melhor compreensão do papel do consumo e da forma de se programar padrões de consumo mais sustentáveis” (Nações Unidas, 1997, p.39-40 e Fórum Global, 1992, apude, PORTILHO, 2003).
Nesse sentido, as mudanças nos padrões de produção precisam ser orientadas para a substituição de matérias-primas, com vistas a reduzir a retirada de matérias virgens, combatendo-se o desperdício, a obsolescência dos produtos e sua descartabilidade. Quanto aos padrões de consumo, estes, devem ser drasticamente reduzidos, estabelecendo-se, não apenas um piso, mas também um teto de consumo (PORTILHO, 2003). Pois, a exploração da natureza iniciada no século XIX, na sociedade industrial, trouxe serias conseqüências para o bem estar da vida na terra. A sociedade acostumou-se a explorar os recursos naturais de forma ilimitada e predatória em busca de desenvolvimento econômico, agora, no entanto, depara-se com a falência deste sistema, devido ao surgimento de desastres ambientais nunca antes vistos (DINNEBIER, 2011, p. 390).
Assim, considera-se que a problemática ambiental originada na modernidade é o resultado do próprio êxito desta, que buscou se desenvolver por meio da destruição dos recursos naturais. Com isso, diferente das sociedades anteriores, que talvez, foram extintas devido a crises políticas, guerras e revoluções, o fim da sociedade moderna tem por principal causa os efeitos posteriores de seu próprio desenvolvimento (DINNEBIER, 2010, p. 391).
Segundo Beck (1998) esse modo de vida capitalista que se caracteriza pela agressão a natureza realizada por meio da exploração dos recursos ambientais de interesse econômico, expõe o meio ambiente e a sociedade constantemente ao risco, “sendo que a produção de riscos é inerente à produção de riquezas materiais” (apude, MASCARENHAS, 2010, p.389).
Assim, a sociedade moderna buscou o desenvolvimento sem se preocupar com a possibilidade de esgotamento dos recursos naturais, sem se preocupar com a poluição do ar, água, do solo, com a derrubada de matas ou, muito menos, se preocupou com a destruição do habitat de outras espécies, inclusive com o seu próprio habitat. O progresso econômico foi valorizado somente no que se refere a aquisições econômicas e, diante disso, o valor da natureza restou, apenas, no valor que possui no mercado (DINNEBIER, 2010, p. 389).
Ressalta-se que essa sociedade contemporânea de consumo se caracterizou na percepção do distanciamento entre o ser humano e a natureza. Ou seja, não é percebido pelo consumidor todo o ciclo que envolve suas ações e os recursos naturais. Isto ocorre, também, porque, os serviços mais elementares do dia-a-dia são fornecidos por terceiros, acarretando no afastamento da sociedade por completo das formas de produção e de suas conseqüências, especialmente no meio ambiente. Devido a este distanciamento, a sociedade não se sente responsável pelos riscos advindos de suas escolhas, pois, ao receber tudo pronto, “não vê as fases da degradação ambiental causada pelos produtos que quer consumir e pelo seu estilo de vida, distanciando-se, assim, da própria responsabilidade como poluidora e destruidora da natureza” (DINNEBIER, 2010, p. 391).
Cumpre destacar que a sociedade não percebe os danos que suas escolhas fazem ao meio ambiente, especialmente com relação ao consumo de bens supérfluos, devido ao fato de que a natureza possui um ciclo, enquanto os sistemas industriais da sociedade contemporânea são lineares. Sendo assim, a sociedade não toma conhecimento de como suas ações influenciam diretamente nas causas dos grandes desastres ambientais (FIGUEIREDO, 2002, p. 158). Assim, ressaltam Thives e Ferreira que:
“Para que as atividades industriais e comerciais possam desenvolver-se, é necessária a extração de recursos que, uma vez transformados em produtos, deixam os resíduos. Esses produtos são vendidos para os consumidores, os quais, por sua vez, descartam ainda mais resíduos após o consumo. Assim, os padrões sustentáveis de produção e de consumo precisam ser cíclicos, imitando os processos cíclicos da natureza. Para atingir tal situação (conseguir esses padrões cíclicos), faz-se necessário ―replanejar num nível fundamental nossas atividades comerciais e nossa economia” (2010, p.358).
O ato de consumir, embora não seja percebida toda a sua cadeia de produção pelo consumidor, com relação ao descarte dos resíduos, é possível perceber que esse ciclo mencionado pelo autor, poderá ocorrer, pois, após o consumo, pode-se perceber o fim desse processo com o descarte. O que, no entanto, não é percebido pelo consumidor é que o acúmulo de lixo nas grandes cidades é resultado de um ciclo no qual o consumidor está inserido e sofre por causa das escolhas que faz e do modo como se comporta com os restos do seu consumo.
Vale observar que essa intervenção humana no ambiente natural não é fenômeno verificado apenas na sociedade atual. Desde sempre, a espécie humana vem realizando transformações no meio ambiente. Ressalta-se que só a presença do ser humano no ambiente natural, já pesa sobre o ecossistema que o abriga, uma vez que retira recursos para assegurar a sua sobrevivência e gera resíduos das matérias que utiliza. Entretanto, é com a Revolução Industrial e o fortalecimento do capitalismo que se provocou o notório aumento da produção de bens, o qual culminou no insustentável padrão de consumo atualmente verificado o qual tem posto em risco a sobrevivência do homem na terra (THIVES; FERREIRA, 2010, p. 358).
“As ameaças produzidas pela Sociedade Industrial passam a produzir riscos mais complexos, muitas vezes de difícil reparação, verificando-se, assim, a formação de uma sociedade de risco, na qual há o iminente risco de uma catástrofe ambiental. Desenvolvida pelo sociólogo alemão Ulrich Beck, a teoria da Sociedade de Risco parte da constatação das limitações do modelo industrial em que a produção em prol de um desenvolvimento econômico se dá ás custas da exploração predatória do planeta, sujeitando o homem a superveniência de um possível desastre ecológico. Deve-se destacar que a racionalidade econômica pós-industrial está dissociada da lógica da sustentabilidade. A produção de bens em larga escala exige a extração dos recursos naturais concorrendo, juntamente com outros fatores, para a geração de resíduos” (THIVES; FERREIRA, 2010, p. 359).
Assim, a sociedade de consumo em massa, assim como as conseqüências ambientais que esse modelo proporcionou, que se conhece nos dias de hoje é o resultado de todas essas transformações ocorridas durante o processo industrial com a Revolução Industrial, na modernidade e, posteriormente, com a pós- modernidade. Hoje se vive em uma sociedade contemporânea que tem por cultura o consumo de bens e serviços como significado ultima da vida de seus cidadãos e sustentado pela produção predatória que tem visto a natureza um lugar ilimitado de busca por matéria-prima.
Com o esboço histórico dessa sociedade, percebe-se que o entendimento do processo de evolução do consumo é determinante para a compreensão de suas conseqüências nos dias atuais, pois, os preços não refletem apenas os custos da produção, como também a curva da demanda (LEMOS 2011, p. 25). Essa demanda possui origem histórica na ideologia do projeto da modernidade, compreendido como o ideal de mundo que projeta suas aspirações de felicidade e bem estar baseada no consumo e que reduz o ser humano a condição, apenas, de consumidor.
O termo sociedade de consumo é utilizado para caracterizar essa sociedade que se encontra em um período tão avançado de desenvolvimento industrial que a sua característica matriz não é a produção e sim o consumo em grande escala de bens e serviços (FRETEL; SIMONCELLI E; 2003, p. 45). Nessa, o meio ambiente é visto apenas como fonte de matéria – prima, um bem econômico, considerado principalmente por esse aspecto, quer dizer, por seu valor econômico. Devido a essa lógica, justificava-se a exploração dos recursos naturais em função de seu valor de mercado, não levando em consideração o seu valor enquanto bem difuso (FRETEL; SIMONCELLI, 2003, p. 47).
No final do século XIX, com a chegada ao mundo dos produtos feitos de aço, houve um crescimento no uso da energia e devido a isso se ampliou também a utilização das linhas de montagem o que ocasionou na fabricação em massa de alguns produtos relacionados com aquele tipo de produção. O resultado e continuação desse processo foram à chegada do século XX com grandes empresas de capital, gerenciando um processo produtivo em larga escala, como a produção de bens de baixo custo, meios de comunicação, redes varejistas e sistemas de distribuição. Além disso, aconteceu a separação entre produção e comercialização, pois, o comerciante passava a ser apenas um intermediador de mercadorias, diferente do produtor (LEMOS, 2011, p. 27).
Nesse modelo de produção, assim como nos dias atuais, o consumo passava a significar prosperidade. A década de 60 ficou marcada pelo período em que se buscava obter diversos produtos como maquinas de lavar, aspiradores, veículos. O sistema não se preocupava em procurar mercado consumidor para a mercadoria produzida e sim em conhecer esse consumidor e desenvolver produtos individualizados (LEMOS 2011, p. 28).
Mas, o consumo como um sistema de dominação que permeia a sociedade, as contradições desta e o papel ativo dos agentes sociais, acabaram por transformar o consumo e o consumidor em campo de conflito social. Assim, acredita-se que é possível construir um conceito de consumidor e de sociedade de consumo no qual, ao mesmo tempo em que se reconhece o efeito sistêmico na produção e dominação dos sujeitos sociais, o ator não é reduzido à simples instrumento da lógica do sistema ou dos grupos dominantes (RETONDAR, 2007, p. 25). A questão do consumidor cidadão capaz de fazer suas próprias escolhas com consciência dos seus atos, especialmente os que se referem aos problemas relacionados ao meio ambiente é uma forma de liberdade do agente social em meio a esse sistema.
Isto porque, reconhece-se que o consumidor é estimulado pelo mercado devido a uma ideologia de qualidade do produto, que para este se revela em qualidade de vida. A ideologia da qualidade do produto, associada a marcas através da publicidade, foi construída pelas grandes empresas para assegurar a fidelidade do cliente, com o qual não mantém relação pessoal, e sim a estabilidade – e a expansão da demanda por seus produtos (RETONDAR, 2007, p. 49).
No entanto, essa ideologia de produtos com qualidade e em diversidade maior que é disposta para o consumidor, em realidade, mascara a desigualdade na distribuição e os problemas ambientais que são causados por esse sistema.
“A sociedade de consumo transformou-se em um campo ideológico onde competem versões diferentes sobre suas possibilidades, problemas e potencialidades. A ideologia empresarial apresenta a sociedade de consumo como capaz de gerar bens em quantidade e qualidade cada vez melhor e preços cada vez menores, aos quais cada individuo terá acesso de acordo com suas preferências. A critica socialista tradicional vem mostrar como na sociedade de consumo se reproduzem as classes sociais (seja pela distribuição desigual da renda, seja pela diferenciação dos produtos consumidos). A critica ecológica busca mostrar que a produção desenfreada de bens voltada unicamente para uma lógica do lucro destrói o meio ambiente e desconhece a necessidade de controle coletivo dos recursos naturais” (RETONDAR, 2007, p. 50)
Nesse sentido, o consumo embora indispensável para a manutenção da vida, já que supre as necessidades vitais do ser humano. Acaba por outro lado, sendo ato que se desvia da simples satisfação das necessidades primárias do ser humano, promovendo desigualdades, desperdícios de matéria – prima que causa prejuízos ao meio ambiente, quando realizado de forma insustentável. Urge reconhecer que tais características tem posto em risco a manutenção da própria vida humana que, a priori, o consumo viria a preservar (LEMOS, 2011, p. 23).
O conceito de consumir está ligado ao ato de gastar, usar, extinguir, destruir com o consumo. Este, por sua vez é o inverso do que se entende por preservar. O sentido que se emprega ao consumo é sempre de extinção, destruição. Mas, ainda assim o ato de consumir faz parte de um processo de geração de riquezas envolvendo a “transformação de recursos naturais em produtos e sua utilização para a satisfação de necessidades (LEMOS 2011, p. 23). No entanto, destaca-se que o consumo não se confunde com o consumismo, e é este que degrada o meio ambiente e promovo desigualdades. Segundo Fábio Feldman (apude, SANTOS, 2009, p. 211):
“O consumo é essencial para a vida humana, visto que cada um de nós é consumidor. O problema não é o consumo em si mesmo, mas os seus padrões e efeitos, no que se refere à conciliação de suas pressões sobre o meio ambiente e o atendimento das necessidades básicas da humanidade. Para tanto é necessário desenvolver melhor compreensão do papel do consumo na vida cotidiana das pessoas. De um lado, o consumo abre enormes oportunidades para o atendimento de necessidades individuais de alimentação, habitação, saneamento, instrução, energia enfim, de bem – estar material, objetivando que as pessoas possam gozar de dignidade, auto – estima, respeito e outros valores fundamentais. Nesse sentido, o consumo contribui claramente para o desenvolvimento humano, quando aumenta suas capacidades, sem efetuar adversamente o bem estar – coletivo, quando é tão favorável para as gerações futuras como para as presentes, quando respeita a capacidade de suporte do Planeta e quando encoraja a emergência de comunidades dinâmicas e criativas. O consumo na vida contemporânea,entretanto, traz novas dinâmicas e a sua compreensão está longe de ser alcançada.”
Observa-se que o prejuízo causado ao meio ambiente natural é provocado pelo consumismo, que significa o campo de atividade que se diferencia da econômica para se constituir enquanto campo de produção de significados e formas simbólicas (RETONDAR, 2008, p. 4). Ou seja, não tem absolutamente nada a ver com o uso de recursos naturais com vistas à satisfação das necessidades mais básicas do ser humano.
Outro fator de relevo, especialmente para as questões ambientais, diz respeito à forma como o mercado orienta a produção de determinados produtos. Isto porque há produtos que já são dispostos no mercado com a finalidade de serem substituídos por outros em um curto período de tempo. Por conseqüência, tem-se a indiscriminada geração de resíduos em total desconsideração do seu custo econômico e ambiental (THIVES; FERREIRA, 2010, p. 355).
Além do problema relacionado ao custo ambiental e econômico desses resíduos, há o constante aumento no volume sua composição complexa tornando, ainda mais difícil, sua gestão. Essa problemática deve ser discutida a partir da responsabilidade pela disposição adequada do resíduo, refletindo sobre qual o regime jurídico que deverá abarcar a relação entre o processo produtivo no qual se origina resíduos, considerando o mercado produtor e o consumidor. No próximo capítulo tecer-se-á considerações sobre a atual situação dos resíduos sólidos no Brasil, assim como qual o regime jurídico que se deve aplicar, além da análise do novel diploma legal que trata especificamente dessa temática, a Lei 12.305/2010.
2 RESÍDUOS SÓLIDOS E A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS
Os resíduos sólidos tem se mostrado um problema ambiental com conseqüências nunca imagináveis, motivo pelo qual há anos, precisamente vinte anos, tramitava no congresso nacional a proposta de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos. O diploma legal foi promulgado em 2010 e as perspectivas para o tratamento dos resíduos sólidos, devido os problemas ocasionados por ele, são inúmeras. Nesse sentido, verifica-se que é necessário discutir qual a natureza jurídica dos resíduos sólidos que melhor se adéqüe a questão ambiental, além de reconhecer seus requisitos de bens econômicos, tais como a previsão da Lei 12.305/2010.
Para tanto, neste capítulo tratar-se-á sobre a questão atual dos resíduos sólidos no Brasil, sua regulamentação pela Lei 12.305/2010 e qual o tratamento jurídico que melhor atenda a busca pelo desenvolvimento sustentável.
2.1 Panorama Geral dos Resíduos Sólidos no Brasil
A década de 50 é marcada por um período no Brasil onde se buscavam melhores condições de vida nos centros urbanos. O desenvolvimento da indústria, somados a falta de desenvolvimento no meio rural, fez com que o país assistisse a um êxodo rural sem precedentes. O que contribuiu para essa mudança foi à oferta de emprego e melhores condições de vida, além da necessidade de oferecer suporte para indústria, viabilizada pela energia hidrelétrica em algumas regiões do país, como o Sudeste (GRANZIERA, 2007, p. 180).
Esse crescimento na imigração do campo para os grandes centros urbanos em busca de melhores condições de vida, se de um lado ofereceu a uma parcela da população acesso ao trabalho e melhores condições de vida, por outro lado, causou um desequilíbrio social e ambiental, que não se conseguiu ainda solucionar. No meio ambiente, houve o crescimento dos lixões a céu aberto, esgotos domésticos lançados nas ruas sem qualquer tipo de tratamento, poluição atmosférica pelo lançamento de gás carbônico, excesso de tráfego e de ruídos, ocupações ilegais em áreas que deveriam estar protegidas, loteamentos clandestinos, falta de espaços verdes e vias sem qualquer arborização, enchentes. Ainda são elementos do cotidiano brasileiro, com os quais parte da grande população urbana convive (GRANZIERA, 2007, p. 181).
Sabe-se que as necessidades humanas urgem pela demanda de produção para o consumo e, este se realiza por meio de gasto energético, de água, ar e outros recursos naturais. Tal processo tem levado a degradação do meio ambiente em busca de mais produtos, sem, contudo, refletir sobre as perdas ambientais promovidas pelo uso indiscriminado dos recursos ambientais. Em meio a todas essas agressões, o meio ambiente, vem reagindo a toda essa agressão (MASCARENHAS, 2009, p. 211). O acúmulo indiscriminado de resíduos sólidos pode ser percebido como uma agressão direta ao meio ambiente praticada pelo ser humano. O planeta, por sua vez, não comporta meios para absorver essa degradação em seus ciclos ecológicos.[9]
Por isso, atualmente, um dos maiores problemas que a humanidade enfrenta, em razão do crescimento populacional, são os que se relacionam com a qualidade do meio ambiente, precisamente no que se refere ao aumento na geração, coleta e destino final dos resíduos sólidos ou, simplesmente, lixo (JACOBI; BASEN, 2011, p. 01).
Sendo que, esse aumento na geração de resíduos sólidos carrega inúmeras conseqüências negativas tanto para o meio ambiente como, também, para a sociedade. Entre os fatores negativos, podem-se citar os altos custos para a coleta e tratamento destes, além da dificuldade para encontrar áreas disponíveis para sua disposição final. Há também um evidente desperdício de matérias-primas que são abandonadas no lixo todos os dias. No entanto, a geração de resíduos sólidos é uma exteriorização inevitável do ser humano que, no entanto, ocasiona danos ao meio ambientes e em muitas situações danos irreversíveis (DELMONT, 2007, p, 17).
Ressalta-se que a questão do lixo não está restrita ao universo da problemática ambiental, mas, insere-se, na realidade do saneamento básico, que se relaciona às diversas atividades da vida urbana. A Organização Mundial da Saúde define saneamento como “o controle de fatores que atuam sobre o meio ambiente e que exercem, ou podem exercer, efeitos prejudiciais ao bem estar físico, mental ou social do homem.” Dentro dessa perspectiva está a limpeza urbana que realiza, entre outros serviços, a coleta, o tratamento e a destinação final de resíduos sólidos (STREB; BARBOSA, 2004, p. 5).
A limpeza urbana, enquanto serviço prestado a população, possui importância singular, devido sua relação direta com a saúde do ser humano e com o próprio equilíbrio ecológico. Pois, os serviços de limpeza, se prestados de forma adequada, poderão impedir o contato da população com transmissores de doenças, como moscas, ratos e baratas, além de evitar contaminação da água e do solo.
Com relação à realidade apresentada no Brasil a respeito dos resíduos sólidos urbanos (lixo), é que são produzidos 161.084 mil toneladas por dia. Essa situação exige soluções que providenciem a diminuição na fonte e o aumento da reciclagem. Fora isso, a disposição dos resíduos sólidos ainda é um problema que precisa ser equacionado, especialmente os que não possuem potencial para ser reciclado (BRASIL, 2011).
Ressalta-se que é indispensável se gerar menos resíduos e só enviar para os aterros sanitários os que não possuem nenhuma qualidade para ser matéria – prima em outros processos produtivos. Essa perspectiva é possível, considerando que o país apresenta uma boa cobertura de coleta para os resíduos sólidos urbanos, pois, 97% no total, muito embora a maioria da destinação final desses resíduos seja inadequada. Atualmente, 59% dos municípios brasileiros dispõem seus resíduos em lixões (BRASIL, 2011).
Mas, o acúmulo de resíduos é uma característica das sociedades humanas e por questão de sua própria sobrevivência, precisa de tratamento adequado. No sistema natural não há resíduo, aquilo que não satisfaz mais a um ser vivo é absorvido por outro em um processo e isso ocorre de forma constante. No entanto, na sociedade humana, uma quantidade grande de resíduos tem sido gerada, provocando poluição de vários bens naturais, além de dar ensejo à proliferação de diversas doenças (GALBIATI, 2001, p. 2).
Quanto à composição e a quantidade dos resíduos sólidos, estas variam de acordo com o município e com os hábitos e poder aquisitivo da população. Em média, giram em torno de 65% de matéria orgânica, 15% de papel e papelão, 7% de plásticos, 2% de vidros, 3% de materiais com alta reciclabilidade. Os demais se dividem entre materiais, “como trapos, madeira, borracha, terra, couro, ouça com baixo potencia para a reciclagem e materiais com capacidade para poluir como, por exemplo, as pilhas, baterias e lâmpadas fluorescentes” (GALBIATI, 2001, p. 3).
Um dos fatores determinante para a produção ilimitada de resíduos sólidos pode ser devido a utilização de bens de consumo com características cada vez mais descartáveis. Sendo que o consumidor se encontra, de certa forma, obrigado[10] a consumir tais produtos que se tornam obsoletos com mais rapidez, gerando, conseqüentemente o seu descarte, a exemplo dos eletrodomésticos, eletroeletrônicos, etc. (GALBIATI, 2001, p. 6).
Nesse sentido, observa-se que a fácil descartabilidade dos produtos pode ser considerada a raiz do aumento dos resíduos sólidos, pois, produzir um refrigerador que tenha funcionamento de doze anos ao invés de oito significa ter menos sucata de refrigerados no lixo durante esse mesmo período de tempo (GALBIATI, 2001, p. 4).
No Brasil, o manejo dos resíduos[11] de forma ambientalmente adequada encontra dificuldades para se realizar, no entanto, pode-se observar uma melhoria com relação a alguns indicadores, especialmente no que diz respeito à coleta de resíduos a qual vem se aproximando da universalização. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica – o IBGE (apude, BESEN; JACOBI, 2011, p. 139) o serviço de coleta de resíduos passou de 79% do ano de 2000 para 97,8% em 2008. Essa coleta vem sendo realizada pela iniciativa privada e o número de empresas filiadas à Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE) passou de 45, em 2000, para 92, em 2009, tais empresas coletaram em torno de 183 mil toneladas de resíduos diariamente em 2009 (BASEN; JACOBI, 2011, p. 139).
Apesar da aproximação da universalização do serviço de coleta, a bem da verdade é que a geração tem aumentado durante os últimos anos, demonstrando que é necessário um trabalho de conscientização para redução dos resíduos na fonte[12]. Pois, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS[13], a geração de resíduos varia de 1 a 1,15 kg por hab./dia, padrão próximo aos dos países da União Européia, cuja média é de 1,2 kg por hab/dia (SNIS, 2009).
Essa informação é ressaltada por Jacobi e Besen (2011, p. 139) que afirma “o crescimento populacional foi de apenas 1% nos anos de 2008 e 2009, enquanto que a geração per capita de resíduos apresentou um aumento de 6,6% na quantidade de resíduos domiciliares gerados”. Em 2009, segundo a ABRELPE foi gerados em torno de 57 milhões de toneladas de resíduos sólidos, isso demonstrou um crescimento de 7,7% em relação ao volume do ano de 2008. Tais dados demonstram a inexistência de consciência ambiental por parte da população quanto aos danos causados ao meio ambiente natural, social, pelo padrão de consumo e desperdício da atual sociedade.
Além da ausência de ações para redução na geração de resíduos na fonte, o resíduo, após a sua origem, na maioria dos municípios brasileiros, ainda vem tendo sua disposição final em lixões (IBGE, 2010).
Pois,
“No ano 2000, 17,3% dos municípios brasileiros utilizavam aterros sanitários para a destinação final, em 2008, esse número cresceu para 27,7%. Entretanto, a metade dos 5.564 municípios brasileiros ainda deposita seus resíduos em lixões, enquanto o percentual de cidades que dispõem em aterros controlados permaneceu estagnado nos oito anos, 22,3% em 2000 e 22,5% em 2008” (IBGE, 2010).
No entanto, ressalta Basen e Jacobi (2011, p. 141) que essa redução da disposição dos resíduos em lixões se refere ao percentual do resíduo em si e não a quantidade de municípios que destinam adequadamente seus resíduos. Isto porque, entre os anos de 2000 a 2008 as 13 maiores cidades, com população acima de um milhão de habitantes, coletarem mais de 35% de todo o lixo urbano do país e seus locais de disposição final foram adequados. No entanto, a maioria dos municípios brasileiros continua a depositar seus resíduos em lixões.
Pois, conforme a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico realizada em 2008 se constatou que em 50,8% dos municípios brasileiros, os resíduos sólidos são depositados em vazadouros abertos (IBGE, 2010, p. 59).
Identificou-se na aludida pesquisa que o maior agrupamento de disposição inadequada acontece nas regiões Nordeste e Norte, pois, 89,3% e 85,5% dos resíduos dessas regiões, respectivamente, são destinados aos “lixões”. Enquanto nas Regiões Sul e Sudeste apresentam um índice bem menor de disposição dos resíduos sólidos nos lixões, sendo 15,8% e 18,7%, respectivamente (IBGE, 2010, p.61).
“Entre as cidades do Norte e Nordeste com maior índice de destinação dos resíduos aos lixões, na região Norte, concentra-se nos municípios do Estado do Pará, onde o percentual foi de 94,4%. Enquanto na região Nordeste, os destaques negativos couberam aos municípios dos Estados do Piauí, Maranhão e Alagoas: 97,8%, 96,3% e 96,1%, respectivamente” (IBGE, 2010, p. 62).
Na Região Sul, por sua vez, onde se apresenta os menores índices de disposição de resíduos em lixões, os destaques são dos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná, pois, “registraram as menores proporções de destinação dos resíduos sólidos aos lixões: 2,7%,16,5% e 24,6%, respectivamente” (IBGE, 2010, p. 63). Observa-se que a situação relacionada à disposição dos resíduos sólidos em lixões vem sendo alterados ao longo dos últimos anos, entretanto, apenas no Sudeste e Sul do País.
Não obstante, independente da solução a ser estabelecida para outras regiões, isso irá requerer mudanças no campo social, econômico, culturais e, necessariamente de políticas públicas (IBGE, 2010, p. 60). No campo social poderá ser realizadas parcerias entre as comunidades e os trabalhadores que recolhem materiais descartáveis, inclusive com incentivo a essas atividades, no campo econômico, o devido manuseio do resíduo poderá resgatar ou reconhecer o seu valor como bem de produção e gerador de valores e, quanto ao aspecto cultural, demandará do Poder Público, ferramentas para disseminação de informação e conscientização quanto à questão ambiental relacionada aos resíduos.
Conforme já se salientou, o tratamento dos resíduos sólidos insere-se na lógica do saneamento básico que, por sua vez faz parte de um planejamento social e desenvolvimento urbano. Talvez, esse seja o motivo pelo qual o nordeste está em desvantagem, pois, é conhecido que essa região apresenta os menores indicadores de desenvolvimento social do país (SANTOS, 2009, p. 30).
Conforme observação do Anuário da Revista Exame dos anos de 2008 e 2009 (apude, BERRÍOS, 2010, p. 2):
“Registrava que 70,1% dos resíduos sólidos no país tinham como destinação final os vazadouros a céu aberto, (lixões), sendo que apenas 22,9% dos resíduos era confinado adequadamente em aterros sanitários ou tratados em usinas de compostagem e/ou de reciclagem, a grande maioria localizados nos municípios das Regiões Sudeste e Sul do Brasil, as mais desenvolvidas em termos socioeconômicos.”
Todavia, outros fatores contribuem para a mudança no cenário da destinação dos resíduos sólidos nas regiões Sul e Sudeste. Dentre eles se relacionam as reivindicações da sociedade civil para que seja realizada a adequada destinação dos resíduos sólidos, além do valor econômico descoberto nas últimas décadas dos materiais recicláveis, assim como a crise de emprego que atrai trabalhadores para esse mercado (BERRÍOS, 2010, p. 5).
Outro problema, ainda mais grave, que se relaciona aos resíduos sólidos são os oriundos dos serviços de saúde. Pois, segundo a PNSB, nos municípios que coletavam e/ou recebiam esse tipo de resíduo, 61,1% “das entidades informaram que depositavam os resíduos em vazadouros ou aterros em conjunto com os demais resíduos, enquanto 24,1% das entidades informaram dispor desses resíduos em aterros específicos para resíduos especiais” (IBGE, 2010, p. 64). Observa-se a gravidade da questão relacionada aos resíduos sólidos provenientes dos serviços de saúde. Ora, se o resíduo sólido urbano comum[14] tem potencial para provocar problemas de saúde pública, devido à proliferação de bactérias infectocontagiosas, imaginem-se tais resíduos misturados com lixo de saúde com alto potencial para causar doenças à população.
Ressalta-se que a disposição de resíduos de saúde em conjunto com o lixo urbano provoca um problema ainda mais grave que a exposição da sociedade atingida indiretamente. É o caso dos catadores de materiais recicláveis que tem nos aterros ou vazadouros abertos seus locais de trabalho. O risco de contaminação com doenças é maior para estes trabalhadores, pois, estão diretamente em contato com tais resíduos de saúde (BERRÍOS, 2010, p. 9).
Segundo a IBGE (2010, p. 65), 26,8% das entidades que realizavam o manejo dos resíduos sólidos tinham conhecimento da presença dos catadores nas unidades de disposição final. No entanto, ressalta a pesquisa, que essa atividade exercida pelos catadores de materiais recicláveis, embora de indiscutível relevância social e ambiental, sofre um processo de marginalização pelo mercado de trabalho formal, como também pela sociedade. Contudo, é neste trabalho que esses trabalhadores encontram uma fonte de renda capaz de garantir sua sobrevivência e de sua família (VELLOSO, 2005, p. 54).
A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico realizada em 2008, também, mostrou que a disposição inadequada de resíduos sólidos pode ter influenciado as enchentes ocorridas em cidades brasileiras nestes últimos tempos. Demonstrou que em cada três municípios brasileiros que passou por situações de enchentes, entre 2004 e 2008, 30,7% das prefeituras destas cidades atribuem o fenômeno das enchentes com a disposição de resíduos em ruas, avenidas, lagos, rios e córregos, como causadores (BESEN; JACOBI, 2011, p. 137). Os resíduos jogados nas ruas, nos córregos etc., acabam por impedir o escoamento da água das chuvas e isso pode contribuir para as enchentes. No entanto, a necessidade de um sistema eficaz de esgoto e escoamento de água é indispensável para se evitar tais catástrofes, além da necessidade de uma gestão de resíduos voltada para a conscientização da população.
Algo que deve ser discutido com vistas a equacionar os problemas ocasionados pela disposição inadequada dos resíduos sólidos diz respeito ao seu tratamento jurídico, além da responsabilidade do seu proprietário, possuidor ou detentor. Isto em razão do resíduo, apesar de não mais útil para o seu dono, motivo pelo qual se desfaz, era parte de um bem cuja relação de propriedade mantinha com seu gerador. Sendo assim, percebe-se que a propriedade carrega consigo responsabilidade socioambiental para aquele que a possui. Por isso, nos próximos itens tratar-se-á sobre o regime jurídico dos resíduos sólidos e a forma como a Política Nacional de Resíduos Sólidos, também, dispensou seu tratamento.
2.2 O regime jurídico dos resíduos sólidos no Brasil
Toda matéria, objeto de atividade exercida pelo ser humano, quando devolvida ao meio ambiente, pode-se entender que nessa devolução gera-se poluição. É assim que os resíduos sólidos se originam. O homem extrai o recurso natural, transforma-o em bens de consumo e nesse espaço se gera resíduo tanto do processo de produção como do consumo.
O regime jurídico dos resíduos sólidos envolve a necessária reflexão quanto a sua natureza jurídica para que se possa definir qual a relação que o mesmo possui com o ser humano, meio ambiente, assim como qual a responsabilidade deste para com o seu resíduo (LEMOS,2011, p. 96).
A princípio, pode-se afirmar que há entre o originador e o resíduo uma relação jurídica denominada de propriedade. Relação esta que faz parte do ramo do direito civil denominado de direitos reais.[15] O resíduo sólido é parte do bem objeto de propriedade de alguém ou parte inútil de um bem ou processo de produção cuja responsabilidade pertence ao dono da obra ou produtor. Essa parte, geralmente, não é de interesse do proprietário, motivo pelo qual o mesmo se desfaz. No entanto, ao se despojar desse bem por desinteresse ou por não apresentar mais utilidade para si, observa-se que a teoria romana dos direitos reais não se revela suficiente para contemplar a real dimensão e conseqüências que esse ato de despojar-se dos restos do bem de uso pode ocasionar no meio ambiente (LEMOS, 2011, p. 83). Pois, para os direitos reais esse despojo se caracteriza como o abandono do resíduo ou objeto e este é uma das formas de extinção da propriedade. Ora, extinguindo-se a propriedade, extingue-se a responsabilidade quanto a esta. Se o proprietário de um resíduo o abandona, não lhe será atribuído qualquer responsabilidade quanto ao resíduo abandonado, podendo o mesmo, inclusive, ser objeto de ocupação. [16]
No entanto, o resíduo tem natureza jurídica de poluente nos termos do art. 3° inciso III da Política Nacional de Meio Ambiente, Lei 6.938/81, pois afeta negativamente o meio ambiente e prejudica a saúde, o bem estar da população. Essa natureza de poluente é o suficiente para não contemplar os resíduos sólidos nas regras atinentes aos direitos reais. Pois, aquele que causa poluição deve ser responsabilizado, tendo em vista que esta pode ser vislumbrada como um dano ambiental[17](LEMOS, 2011, p. 82).
Vale ressaltar, entretanto, que os direitos reais estabelecem que a relação que o ser humano com os diversos bens, designada, entre outras, de propriedade que é o titulo mais amplo que alguém pode exercer sobre uma determinada coisa possui responsabilidades frente à coletividade.
Cézar Fiúza define propriedade como:
“A situação jurídica consistente em uma relação dinâmica entre uma pessoa, o dono, e a coletividade, em virtude da qual são assegurados àquele os direitos exclusivos de usar, fruir, dispor e reivindicar um bem, respeitados os direitos da coletividade” (2004, p. 715).
O Código Civil, por sua vez, ao tratar da propriedade determina que:
“Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.”
Percebe-se que segundo o Código Civil a propriedade contempla o requisito da função social. Sendo que o titular deverá garantir que sua propriedade cumpra com a função social. Além disso, deverá exercê-la em conformidade com o estabelecido em lei especial, dentre elas pode-se citar a Política Nacional de Meio Ambiente, Lei 6.938/81, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305/2010 cujas normas orientam o dever de proteção da flora, fauna, belezas naturais, o equilíbrio ecológico, se evite poluição etc. Ou seja, não há incompatibilidade entre o exercício do direito de propriedade e o dever de preservação do meio ambiente. Além disso, o direito de propriedade não exime a responsabilidade pelo dano causado ao meio ambiente oriundo dessa relação. Implica dizer que o resíduo sólido despojado de forma inadequada no meio ambiente pode ser objeto de responsabilidade pós-consumo pelo seu titular (LEMOS, 2011, p. 86).
Patrícia Lemos (2011, p. 85) alerta para o fato de que ao resíduo não se pode atribuir apenas um bem de propriedade exclusiva do seu titular, mas um bem pertencente a toda a coletividade haja vista a sua importância[18] para o equilíbrio ecológico e chama-o de bens com dupla titularidade, assim:
“Daí, temos que entender a configuração do chamado bem socioambiental, buscando analisar a natureza jurídica dos resíduos pós-consumos. Pois, a atual concepção de meio ambiente como direito fundamental de terceira geração impõe uma nova interpretação do direito de propriedade e da sua função socioambiental, devido sua importância para as presentes e futuras gerações, acabando por gerar responsabilidade do proprietário ou possuidor” (LEMOS, 2011, p. 86).
Observa-se que o regime jurídico do direito de propriedade atribuído ao resíduo ou objeto[19] abandonado como lixo (considerando sua conotação pejorativa de inutilidade) não afasta a incidência da responsabilidade quanto a sua disposição (LEMOS, 2011, p. 92) Muito embora, sabe-se que, devido à impossibilidade de identificar os responsáveis pelos inúmeros resíduos lançados em locais inadequados e que, em muitos casos, poderá causar danos ao meio ambiente, é uma tarefa muito difícil.[20]
Além disso, é notório o fator potencialmente determinante de riscos individuais e de ofensas a direitos sociais, difusos e coletivos com a disposição inadequada de resíduos sólidos no espaço urbano. Isso não pode ser tratado com indiferença. Muito embora se perceba a ausência de instrumentos eficazes para impedir o ato de “colocar o lixo lá fora”, com alguma responsabilidade. Sabe-se da necessidade que se tem de livrar-se do lixo, contudo, isso não autoriza, “sob qualquer análise que se venha a fazer sem qualquer responsabilidade, a considerar isto como uma atitude simples e sem reflexos posteriores” (NAIME; ROCHA, 2009, p. 3).
Sendo assim, reconhecendo a intrínseca relação entre os resíduos sólidos e o meio ambiente, além da ligação com a saúde pública, não se pode julgar que o titular do resíduo não possui nenhuma responsabilidade frente a sua disposição inadequada, haja vista que este ato tem potencial para comprometer a saúde pública, pois, ao lançar resíduos em locais inadequados poderá promover a proliferação de doenças, assim como a qualidade do meio ambiente de toda a sociedade (NAIME; ROCHA, 2009, p. 8).
Com isso só é possível atribuir ao resíduo um regime jurídico capaz de contemplar a sua natureza socioambiental[21] (LEMOS, 2011, p. 86). Não importando qual o ramo do direito que regulará a situação na qual se encontrará o resíduo, se no processo produtivo onde o produtor é responsável pela sua destinação, se ao final do consumo, com ou sem a noção dos direitos reais, haverá a presença da responsabilidade do consumidor para a destinação adequada, assim como do Poder Público em disponibilizar locais adequados para destinação etc. O fato é que o resíduo é um bem ambiental que deve ser tratado de forma a minimizar ou evitar danos ao meio ambiente.
Ressalta Naime e Rocha ressaltam que há um liame entre as coisas descartadas e quem as descarta e essa relação não pode se restringir a noção do direito de propriedade em usar, fruir, alienar, gozar etc, permitindo de forma muito simplista, que alguém possa colocar em qualquer lugar e de qualquer forma o seu lixo. “Pois, há uma condição especial desses bens[22], com efeitos para quem o gerou e para quem tem o poder-dever de recolhê-lo, transportá-lo, dando-lhe utilidade econômica ou dispô-la adequadamente” (2009, p. 4).
Vale enfatizar, ainda, que os resíduos sólidos fazem parte do regime jurídico, além dos que tratam de normas relacionadas ao meio ambiente, ao direito de propriedade, a normas sobre saúde publica, saneamentos básicos e congêneres (NAIME; ROCHA, 2009, p.5).
No final da década de 70, por exemplo, foi editada a Portaria Ministerial nº 53, de 01/03/1979, que cuidava do controle dos resíduos sólidos. A portaria tratava dos resíduos de natureza industrial, domiciliar etc. Havia vários dispositivos que tratavam da proteção ao meio ambiente, como também norma relacionada à saúde pública (art. 1º, inciso III e IV da Portaria nº 53 de 1979).
Dentre os regimes jurídicos que contemplam normas relacionadas aos resíduos sólidos, além das destacadas ao longo do item, há ainda a Política Nacional de Saúde (Lei nº 3.080/90), a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei nº 9.795/1994), a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010). Nesses instrumentos legais é possível perceber normas que diretamente tratam da questão do resíduo solido, ou vedando o seu lançamento em determinados locais, ou normas que tratam genericamente do dever de proteção ao meio ambiente, neste incluído o tratamento adequado dos resíduos sólidos.
Ressalta-se que a Constituição Federal de 1988 em diversos dispositivos contempla normas jurídicas que tratam, ainda que indiretamente, dos resíduos sólidos. Pode-se concluir que todos os dispositivos que estabelecem normas de proteção ambiental e saúde, estão relacionados diretamente com a questão dos resíduos sólidos.
No plano infraconstitucional, no entanto, um instrumento jurídico significativo para a questão dos resíduos sólidos é a Lei Nacional de Saneamento Básico, nº 11.445/2007. Nesse diploma legal os resíduos sólidos são tratados como objeto dos serviços públicos de saneamento básico.
“Art. 2o Os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base nos seguintes princípios fundamentais:
III – abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente.
Art. 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I – saneamento básico: conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de.
c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas (art. 2º, inciso III; 3º, inciso I, alínea “c” da Lei 11.445/2007).”
Verifica-se que a Lei 11.445/2007 trata do manuseio dos resíduos sólidos, entendendo esse processo como inserido no sistema de saneamento básico e de proteção do meio ambiente. A lei demonstra claramente que o devido tratamento dos resíduos sólidos é uma questão de saúde pública e de meio ambiente (SAMPAIO, 2011, p. 29).
Conforme pôde ser observado, os resíduos sólidos também se submetem ao regime jurídico da responsabilidade civil, enquanto poluente causador de dano, pois, conforme salienta Daniela Marques de Carvalho (2011, p. 22) a responsabilidade civil ambiental pressupõe, a existência de uma atividade que acarrete riscos para a saúde humana e o equilíbrio do meio ambiente, cabendo ao empreendedor, de acordo com o princípio da prevenção, evitar a ocorrência de danos a partir de tais riscos, internalizando-os ao longo da cadeia produtiva, na dicção do princípio do poluidor-pagador. Ora, a Lei 12.305/2010 afirma em seu art. 3º inciso IX que o ato de consumir é uma atividade que gera resíduo, este, por sua vez tem natureza jurídica de poluente e, caso seja disposto de forma a causar dano ambiental, portanto, dúvidas não há que esse dano ocasionado pela sua disposição inadequada acarretará responsabilidade civil para aquele que lhe deu causa (LOUBET, 2011).
Além disso, Paulo Afonso Leme Machado afirma que algumas pessoas, sem qualquer responsabilidade, multiplicam os lançamentos de refugos o meio ambiente, como se só a Administração Pública fosse responsável pela limpeza pública. “Esquecendo-se que a eles também compete colaborar para a sanidade do meio ambiente. Ressalta que os problemas do lixo são marginalizados, pois é muito cômodo esperar a remoção periódica dos resíduos domésticos e industriais” (2007, p. 572).
Com relação à forma como o resíduo vinha sendo tratado, observa-se que apesar de muito tempo este vir sendo reconhecido apenas como “lixo”, considerando sua conotação pejorativa de elemento dispensável, inútil e, portanto sem qualquer valor. No entanto, segundo D.J.V Campbell os resíduos sólidos, “em realidade podem ser considerados como recursos, matéria-prima, no local e momento errado. Ou seja, o resíduo pode ser visto como fluxo de materiais e não como rejeitos” (apude, LEMOS, 2011, p. 92)
Essa valorização do resíduo foi observada pelo legislador na elaboração da Política Nacional de Resíduos Sólidos, pois, diferenciou os resíduos, considerado matéria-prima para outros processos produtivos dos rejeitos que só poderão sofrer destinação final adequada, conforme se segue no item a seguir.
2.2.1 O tratamento legal dos resíduos sólidos na Lei 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos)
A Política Nacional de Resíduos Sólidos observou que os resíduos sólidos podem ter a natureza de recurso, pois, poderão sofrer processo de reciclagem, gerando assim, valor e por causa disso os tratou como bens, além de ambientais, também econômicos e sociais devido a sua capacidade de gerar valores nesses campos (art. 3º, inciso XII da Lei nº 12.305/2010) No campo social o reconhecimento dos resíduos sólidos como bens econômicos são, ainda, mais significativos, haja vista a possibilidade de gerar valor com trabalho para atores como os trabalhadores que recolhem materiais recicláveis.
É com essa percepção de recursos exploráveis que os resíduos sólidos, segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos, poderão ser absorvidos nos processos produtivos por meio da reciclagem.
Com relação aos resíduos sólidos que podem sofrer reciclagem, segundo o Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE (2010) de todo o papel utilizado no Brasil em 2009, o resíduo gerado nas atividades que o utilizam, 46% desse resíduo, retornaram ao processo produtivo para a reciclagem. Esse número corresponde à aproximadamente 642.300 mil toneladas de papel de escritório. No país, a disponibilidade de aparas[23] de papel é grande (CEMPRE, 2010).
Com relação aos resíduos de plástico, em 2009, cerca de 2,5 milhões de toneladas foram produzidos e aproximadamente 21,2% foram reciclados no Brasil (CEMPRE, 2010).
A lei estabelece uma série de parcerias que possibilitam a realização da reciclagem, com vias de preservar recursos naturais virgens, além de impedir o esgotamento dos recursos não renováveis que estão beirando se extinguir (RIBEIRO; SILVA; SALVADOR, 2011, p. 8).
É inegável a natureza de recurso exploratório atribuído pelo legislador aos resíduos sólidos. Não apenas como matéria-prima em outros processos produtivos, mas, também como produto com possibilidade de reutilização, pois, poderá ser utilizado por outras pessoas (caso dos produtos de segunda mão).
O reconhecimento do potencial econômico dos resíduos foi alçado à categoria de princípios pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, pois, segundo essa lei:
“Art. 6o São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos:
III – a visão sistêmica, na gestão dos resíduos sólidos, que considere as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública.
VIII – o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania” (Lei nº 12.305/2010).
O diploma legal referido estabeleceu a necessidade de incentivar a indústria da reciclagem, tendo em vista fomentar o uso de matérias-primas e insumos que derivem de materiais reciclados (art. 7º, inciso VI).
No entanto, vale destacar que esse incentivo para a reciclagem, traz para o Poder Público o dever de fiscalizar tal processo. Pois, este tem o dever de impedir que pessoas sem qualificação tomem para si a função da destinação final dos resíduos, com o fim de reutilização ou reciclagem. Sendo assim, será necessário o ato de fiscalização, licenciamento, autorização do controle municipal. Este deve exercer a fiscalização e proibir que alguém não autorizado venha apossar-se de resíduos sólidos, seja de forma total ou parcial para evitar o controle de poluição com o manuseio inadequado deste, além de oferecer proteção a própria pessoa (NAIME; ROCHA, 2009, p. 4).
O dever de manuseio adequado dos resíduos sólidos com vistas à incolumidade pública pertence ao Poder Público. Assim, o gerenciamento dessa questão deve ser realizado sempre com a fiscalização deste, quando não for posto em ação pelo próprio, e em conjunto com pessoas capacitados de conhecimentos a respeito das características dos resíduos para que se dê o devido tratamento, pois:
“A determinação da composição gravimétrica dos resíduos é outro dado essencial. No caso dos resíduos de origem domiciliar e comercial, normalmente dispostos em aterros, os componentes comumente discriminados na composição gravimétrica são: matéria orgânica putrescível, metais ferrosos, metais não ferrosos, papel, papelão, plásticos, trapos, vidro, borracha, couro, madeira, entre outros. Esse conhecimento das características químicas possibilita a seleção de processos de tratamento e técnicas de disposição final. Algumas das características básicas de interesse são: poder calorífico, pH, composição química (nitrogênio, fósforo, potássio, enxofre e carbono) e relação teor de carbono/nitrogênio, sólidos totais fixos, sólidos voláteis e teor de umidade” (ZANTA; FERREIRA, p. 7).
Tendo os resíduos um valor econômico, o Poder Público poderá promover sua exploração adequada, em ação articulada com os setores socialmente envolvidos nesse processo, a exemplo dos catadores de materiais reciclados, garantindo as condições necessárias para o manejo desses resíduos com vistas a evitar danos ambientais (NAIME; ROCHA, 2009, p. 5).
Percebe-se que para o resíduo, de poluente passa a ser considerado como recurso com potencial exploratório, basta, tão somente, se definir qual o tratamento jurídico que se dará a tal resíduo. Ainda aqueles que não podem mais ser aproveitados em processos produtivos, contribuem para o desenvolvimento social por meio de sua devida destinação final adequada.
No item a seguir, verificar-se-á os diversos tratamentos que poderão ser dispensados aos resíduos sólidos.
2.3 Tratamento e disposição dos resíduos sólidos
Os resíduos, uma vez gerados, necessitam de tratamento e disposição adequada com vistas a minimizar a poluição que já ocorreu pela sua simples geração. A matéria, no entanto, pertence ao campo da engenharia sanitária. Todavia, há fortes implicações jurídicas, motivo pelo qual será abordado neste trabalho. Isto porque os problemas ambientais que mais estão relacionados com a geração dos resíduos sólidos, além de seu crescimento, diz respeito a sua disposição inadequada. O resíduo não coletado e, disposto de forma errada se torna agente poluidor, e mesmo quando coletado e disposto em aterros a céu aberto e em áreas alagadas, continua a gerar problemas sanitários e de contaminação hídricas nos locais onde são depositados (IPEA, 1998, p. 13).
Constitucionalmente, a responsabilidade pelo manuseio dos resíduos sólidos pertence ao Poder Público local (art. 30, inciso V da Constituição Federal de 1988). A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) de 2008, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE demonstrou que 61,2% “das prestadoras dos serviços de manejo dos resíduos sólidos eram entidades ligadas à administração direta do poder público; 34,5%, empresas privadas sob o regime de concessão pública ou terceirização; e 4,3%, entidades organizadas sob a forma de autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e consórcios.” Nestes serviços de manuseio dos resíduos sólidos, está inserida a destinação final, além da coleta e limpeza pública. Sendo que tais, segundo a pesquisa “exercem um forte impacto no orçamento das administrações municipais, podendo atingir 20,0% dos gastos da municipalidade” (IBGE, 2010).
Ressalta-se que a destinação final de resíduos sólidos em lixões, aterros controlados ou não, não se constitui formas de tratamento de resíduos, mas tão somente a destinação[24]. O descarte de resíduo sem tratamento é um problema com potencial para acarretar sérios danos ao meio ambiente e a saúde pública. “Ao meio ambiente do solo, poderá alterar suas características físicas e químicas, tornando o ambiente propício ao desenvolvimento de vetores de doenças, podendo ocorrer também danos aos recursos hídricos, alterando as características do ambiente aquático, através da percolação (movimento lento da água do subsolo) do líquido gerado pela decomposição da matéria orgânica presente no resíduo, associado com as águas pluviais e nascentes existentes nos locais de descarga dos resíduos.” “No ar, o mau acondicionamento desses resíduos pode provocar formação de gases, devido à decomposição dos resíduos, gerando riscos de migração de gás, explosões e até de doenças respiratórias” (FRANKENBERG, 2011, p. 6).
Os principais métodos de tratamento de resíduos sólidos conhecidos são: aterros sanitários que significa a disposição no solo dos resíduos; reciclagem energética considerada a forma de tratamento realizada por meio da incineração ou queima de resíduos perigosos, com reaproveitamento e transformação da energia gerada; reciclagem orgânica conhecida como compostagem da matéria orgânica; reciclagem industrial que é o reaproveitamento e transformação dos materiais recicláveis (FRANKENBERG, 2011, p. 6).
O depósito a céu aberto ou lixão, compreendido como a simples descarga livre praticada por particulares ou pela administração local municipal é uma das formas mais negativas de oferecer tratamento ao resíduo sólido tendo conseqüências inúmeras como à poluição das águas subterrâneas, logo, dos cursos d’água vizinhos, proliferação de animais parasitas (insetos e roedores), odores, efeito negativo sobre o solo. Essa forma de disposição tem potencial para criar transtorno público, interferência na vida comunitária e no desenvolvimento da cidade (MACHADO, 2007, p. 562-563).
Cláudio Luis Crescente Frankenberg (2011, p. 7) saliente que há uma grande diferença operacional, com reflexos ambientais imediatos, entre lixão e aterro sanitário. Sendo que o lixão demonstra o que há de mais primitivo em termos de disposição final de resíduos, pois, constitui-se, basicamente na coleta e transporte destes para um local afastado e descarregado diretamente no solo, sem nenhum tratamento. Fora isso, os lixões são considerados um grande problema para os municípios e para a população, devido aos elevados custos para sua manutenção, além da escassez de áreas disponíveis e adequadas, destinadas para esse fim (IPEA, 1998, p. 6).
Ressalta-se que a disposição sem tratamento dos resíduos sólidos em lixões, associado à mistura de diversos materiais (orgânicos, secos, molhados, descartáveis etc.), o seu apodrecimento, especialmente dos orgânicos, produzem um liquido escuro conhecido como chorume, podendo influir diretamente no solo ou ser carreado para os cursos d’água (REIS; FERREIRA, 2008, p. 2).
Além disso,
“O lixo em seu aspecto sanitário pode trazer problemas físicos, sendo o caso do lixo acumulado às margens de cursos d’água, canais e encostas, pode provocar seu assoreamento e o deslizamento de tais encostas. Já no que se refere aos agentes biológicos quanto ao mau acondicionamento do lixo ou quanto a serem depositado a céu aberto, constitui-se em foco de proliferação de vetores transmissores de doença” (REIS; FERREIRA, 2008, p. 5).
O depósito em aterro sanitário, por sua vez, é a forma de disposição dos resíduos sólidos que corresponde à disposição de refugos na terra, sem criar prejuízos ou ameaças à saúde e segurança pública, pela utilização de princípios de engenharia que confinam o refugo ao menor volume possível, cobrindo-o com uma camada de terra na conclusão de cada dia, ou mais freqüentemente de acordo com o necessário (MACHADO, 2007, p. 564). Contudo, algumas precauções devem ser tomadas para evitar-se a poluição das águas subterrâneas ou superficiais. Além disto, a localização inapropriada pode prejudicar os moradores próximos ao aterro sanitário e estes poderão fazer valer seu direito de reparação pelos danos causados, inclusive morais, além de sua interdição (art. 1.277 e 1.278 do Código Civil brasileiro).
Incineração é a forma de tratamento de resíduos que busca extingui-lo ou reduzir seu volume significativamente, pois, consegue-se reduzi-lo em até 5%. A escória resultante constitui-se de material poroso e inerte, apropriado para cobertura de aterros sanitários (MACHADO, 2007, p. 565).
A incineração de resíduos com recuperação de energia é tida como uma boa solução para a destinação final do lixo, devido a sua capacidade de reduzir seu volume destinado aos aterros, reciclando a energia contida nos mesmos. No entanto, ressalta Adriana Galbiati (2001, p. 6) que:
“A incineração é uma alternativa que não atende ao aspecto social da reciclagem, pois, para se manter uma usina em funcionamento satisfatoriamente, é necessária a sua alimentação constante com materiais com alto poder calorífico, que são, com poucas exceções, exatamente os materiais com maior potencia para a reciclagem, tais como os plásticos, o papel e o papelão. Dessa maneira, gera-se um conflito de interesses entre a produção de energia na usina e a valorização do trabalho dos catadores. Ainda considerando-se apenas o balanço energético da sociedade como um todo, ao se pensar em quantidade de energia que seria economizada no ciclo de vida dos materiais, caso fossem reciclados, já que, para maior parte deles, o processo industrial de reciclagem consome significativamente menos energia que a produção a partir de matéria virgem”.
Além disso, a incineração contribui com emissões atmosféricas de grande impacto ambiental, pois, emite gases que estão presentes na maioria dos resíduos sólidos e que são responsáveis pelo agravamento do efeito estufa (HENRIQUES, 2004, p. 126).
A compostagem é a forma de tratamento dos resíduos sólidos, realizada através de usinas de compostagem que compreende a transformação dos resíduos orgânicos não perigosos, tais como os restos de vegetais e animais, em adubo. Esse composto é considerado um excelente fertilizante, devido as suas qualidades, e possuem elementos capazes de melhorar as propriedades físicas, químicas e bioquímicas do solo. Tal procedimento de destinação final dos resíduos torna-se acessível por ser produzido de matéria-prima sem grandes valores, descartada como lixo (CEMPRE, 2010).
No entanto, é necessária a segregação dos resíduos na fonte para que a compostagem possa produzir adubos com qualidade, conforme ressalta Adriana Galbiati (2001, p. 5):
“A compostagem é feita, separando-se o lixo em esteiras, sem segregação na fonte, aumentam as chances de o produto final apresentar índices inaceitáveis de contaminação de microorganismos patogênicos, elementos tóxicos e metais pesados, diminuindo a aceitação do produto para utilização na agricultura. A segregação na fonte unida à coleta seletiva do lixo evita o contato da parte orgânica com rejeitos contaminantes, como pilhas, baterias, lâmpadas fluorescentes e embalagens de produtos tóxicos, sendo que os métodos escolhidos para a coleta devem contemplar a destinação correta para cada um destes itens, de acordo com a legislação vigente e com a participação da iniciativa privada. O resíduo proveniente da poda das arvores pode ser acondicionado ao material a ser compostado, desde que previamente triturado.”
Vale destacar que a compostagem se torna muito comum em ambientes rurais, mas, pouco utilizada para grandes volumes de resíduo como é o caso dos centros urbanos. Pois, sendo uma forma de tratamento biológico que se preocupa com a parte orgânica do resíduo, permitindo uma redução do volume e a sua transformação, vem sendo mais utilizado em áreas rurais onde há a presença da agricultura. No espaço urbano é mais complicada a realização desse processo (para encontrarem-se áreas, principalmente) e utilização desses compostos considerando os contaminantes existentes nos resíduos urbanos, tais como metais pesados, além dos odores decorrentes dos locais de compostagem (FRANKENBERG, 2011, p. 7).
De todos os tratamentos que se pode oferecer ao resíduo, o seu reaproveitamento é o melhor caminho. O setor siderúrgico vem percebendo isso, pois, o resíduo, em verdade pode ser uma fonte de recursos financeiros para as siderúrgicas. Os resíduos sólidos da siderurgia traduzem-se em: escoria do alto-forno (surge da reação entre as impurezas do minério e fundentes (substância que ajuda a derreter os minerais), e, de cada tonelada de ferro-gusa que o alto-forno produz, são gerados 120 a 180 kg de escória); finos de minério de ferro (são gerados na proporção de 80 a 130 kg por cada tonelada de ferro-gusa produzida) (SANTIAGO, 2007, p. 21).
Hoje em dia, os finos de minério podem ter destinação comercial, pela sinterização, que é, segundo a Resolução do Conselho Nacional de Resíduos Sólidos n. 382/2006, anexo XIII, item 2, r, o “processo de aglomeração a quente que consiste na formação de um bloco poroso, denominado sínter, formado a partir da fusão incipiente de uma carga constituída por finos de minério de ferro juntamente com finos de coque ou carvão vegetal e fundentes” (SANTIAGO, 2007, p. 22).
Esse processo gera um grande interesse das mineradoras, devido ao aquecimento do mercado mundial para se fazerem pelotas, sendo a pelotização, por seu turno, o “processo de aglomeração que consiste na utilização de finos de minério de ferro e um ligante para a formação de pelotas cruas, mediante a ação de rolamento em tambores, discos ou cones, seguida de secagem e queima em fornos para endurecimento das pelotas” em mais uma definição da Resolução CONAMA n. 382/2006, no anexo XIII, item 2, q, (SANTIAGO, 2007, p. 23).
Quanto ao tratamento do resíduo para a reciclagem, esta se constitui em uma forma que permite a utilização do resíduo em outro processo produtivo como matéria-prima, além da conservação de energia. Nesse processo, realiza-se o resgate daquele resíduo que, ainda, pode ter utilidade e, desta forma, reduz-se à quantidade para disposição final. “Além disso, acaba-se retirando da massa de resíduo aqueles materiais mais resistentes ao tratamento biológico e/ou que seriam problemáticos para o tratamento térmico, como, os plásticos” (STREB; BARBOSA, Sn).
No entanto, a melhor forma para se equacionar um problema é trabalhando com as causas ao invés de tratar as conseqüências. Com os resíduos sólidos, percebe-se que essa lógica é muito bem vinda, pois, se houver mecanismos para minimização dos mesmos, boa parte dos problemas relacionados com estes estará equacionada. Pensando nisso a sustentabilidade na produção e no consumo foi contemplada na Lei 12.305/2010 e, no próximo item será observado como ela pode ser um diferencial na gestão dos resíduos sólidos.
3 CONSUMO SUSTENTÁVEL NA GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS
A Lei 12.305/2010 estabeleceu a gestão para os resíduos sólidos em uma ordem de prioridades a qual se reflete em não geração, redução da geração na fonte, coleta seletiva, para promoção da reutilização, reciclagem, além do tratamento e disposição ambientalmente adequada de todos os subprodutos e produtos finais do sistema econômico, assim como os do consumo.
Percebe-se que o legislador atuou em consonância com a preocupação em termos globais de se estabelecer padrões de produção e consumo sustentáveis, pois, inseriu responsabilidades tanto para o setor produtivo quanto para o mercado consumidor, além do estabelecimento de parcerias entre os Poderes Público Municipal, Estadual e Federal para a efetivação da gestão ambiental dos resíduos (art. 3º, I da Lei 12.305/2010).
No entanto, antes da vigência da Política Nacional de Resíduos Sólidos e o estabelecimento das prioridades acima delineadas, especialmente a que se refere ao consumo sustentável, já se percebia uma tendência para o que considerou o legislador. Pois, acentua Demajorovic que “hoje há consenso de que a política de gestão dos resíduos sólidos deve atuar de forma a garantir que os resíduos sejam produzidos em menor quantidade já nas fontes” (1995, p. 89-90). Ou seja, um consumo voltado para a abstenção de hábitos insustentáveis pelo sistema natural.
Nisso, percebia-se que entre os objetivos de uma política voltada para a gestão de resíduos sólidos, dever-se-ia priorizar a redução, além de provocar mudanças radicais nos processos de coleta e disposição destes resíduos. Entretanto, que nos antigos sistemas de tratamento de resíduos, oriundo dos processos de gestão, tinha-se por prioritária a disposição dos resíduos. No entanto, essa perspectiva mudou devido ao aumento no acúmulo do lixo, levando-se a priorizar um sistema no qual se buscasse a redução de resíduos na fonte, além do reaproveitamento da matéria- prima dos resíduos (DEMAJOROVIC, 1995, p. 89-90).
O consumo sustentável, como elemento fundamental na gestão de resíduos sólidos, é entendido como um conjunto de estratégias, em níveis técnicos, político e administrativo, dirigido para uma meta cuja finalidade seja a garantia da qualidade do meio ambiente e da vida humana na terra. Assim, entende-se que a gestão de resíduos sólidos deve perseguir os objetivos de preservação da saúde pública, melhoria da qualidade de vida, racionalização na utilização dos recursos naturais, além de disciplinar o gerenciamento dos resíduos, gerando benefícios sociais e econômicos (MACHADO; FILHO, 2011, p. 2059).
No entanto, o consumo sustentável enquanto diretiva para a sociedade se faz necessário que tal prática seja estabelecida pelo ordenamento jurídico, haja vista, viver-se em um Estado de Direito onde a conduta social é orientada por um corpo de normas jurídicas com vistas de promover a paz social. Sendo assim, no próximo item verificar-se-á se o consumo sustentável, enquanto processo que busca satisfazer as necessidades humanas, respeitando os direitos mais básicos do ser humano, sem comprometer a capacidade de sobrevivência do planeta terra e de usufruto dos recursos naturais por outras gerações está amparado no ordenamento jurídico brasileiro.
3.1 Consumo sustentável e os seus fundamentos jurídicos
Percebe-se que o mundo vem sofrendo com problemas em todos os níveis, no social, político e ambiental, com diferentes graus e intensidade, com potencialidade para comprometer o futuro de toda a humanidade. Dentre os que mais têm chamado atenção são os relacionados ao meio ambiente, especialmente quanto ao esgotamento dos recursos naturais e o acúmulo de resíduos sólidos (MILARÉ, 2007, p. 41). Por esse motivo, uma análise no estilo de vida da humanidade buscando alcançar um padrão condizente com o aspecto limitado dos recursos naturais é salutar.
A possibilidade de esgotamento dos bens naturais, entendendo que, mesmo nos casos de bens naturais renováveis, o planeta é incapaz de se recompor com a mesma velocidade do consumo insustentável, tanto na produção como no consumo, se traduz em um forte aliado para combater tais questões.
Portanto, adotar padrões de produção e consumo sustentáveis, assim como gerenciar adequadamente os resíduos sólidos, teria por conseqüência lógica a redução significativa dos impactos ao ambiente e à saúde humana. Entre as alternativas indispensáveis para eliminação ou minimização da problemática ambiental, está a gestão integrada dos resíduos sólidos (JACOBI; BESEN, 2011, p. 136).
A gestão integrada dos resíduos sólidos é considerada pela Política Nacional de Resíduos Sólidos como um “conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável” (art. 3, inciso XI da Lei 12.305/2010).
Nesse sentido, entende-se que a gestão integrada de resíduos sólidos envolve diferentes atores e procedimentos cuja finalidade é orientar uma gestão na busca de soluções no tratamento dos resíduos sólidos capaz de concretizar o desenvolvimento sustentável (CAVALCANTI, 1994, p. 40).
A não geração de resíduos, a redução, a coleta seletiva com a inclusão dos trabalhadores que recolhem o resíduo, assim como o reaproveitamento energético concretizado por meio da reciclagem, estão interligados naquilo que se entende por consumo sustentável. Logo, presume-se que o consumidor, embora agente determinante, não é o único responsável pela promoção do consumo sustentável (CAVALCANTI, 1994, p. 49).
Sendo assim, o consumo sustentável não se determina, apenas, em ações isoladas de consumidores conscientes na escolha de produtos ou serviços ecológicos. Pois, reconhece-se que todo o processo produtivo tem a finalidade de alcançar o consumidor, e este mercado é regulado pelo Estado no seu exercício de poder de polícia. Com isso, deve-se, portanto, entender que o consumo sustentável inclui ações de todos os envolvidos nesse processo cujo ideal é o alcance do desenvolvimento sustentável o qual é gênero do consumo sustentável (MILARÉ, 2007, p. 42).
O consumo faz parte da vida humana, visto que todos são consumidores. Pois, o consumo abre oportunidades para o atendimento das necessidades de alimentação, habitação e desenvolvimento humano. Porém, o problema não se resume ao consumo, mas em seus efeitos negativos sobre o meio ambiente que ele acarreta devido ao seu padrão insustentável (LEMOS, 2011, p. 42-45).
Impende destacar que o direito ambiental, assim como o direito do consumidor possuem muitos objetivos comuns, dentre eles pode-se citar a melhoria da qualidade de vida, a proteção da vida e saúde do consumidor, tornando, portanto, indispensável à busca por alternativas que evitem o esgotamento dos recursos naturais ou a degradação dos mesmos (art. 4º caput, da Lei. 8.078/90 e art. 225º da Constituição Federal de 1988).
Com isso, a gestão de resíduos sólidos busca medidas que alcancem a redução no uso de matéria-prima virgem ou a utilização de processos que promovam o reaproveitamento energético dessas matérias representa tentativas importantes de reversão dos modelos não sustentáveis de produção e consumo (FIGUEIREDO, 2002, p. 204).
Assim, com a produção sustentável, o consumo também será orientado nesse mesmo sentido. Ou seja, produzindo apenas o que se consome, sem desperdício ou criação de necessidades artificiais de consumo, na afirmativa de que não se pode consumir o que não se produz (MILARÉ, 2007, p. 150).
Além disso, vale ponderar que o consumidor, também, possui responsabilidades frente a suas ações, pois, entre os pontos que se relacionam com o esgotamento dos recursos naturais, está os padrões de consumo ostensivo, considerado aquele que não satisfaz nenhuma necessidade real.
Nesse sentido seria necessário efetivar o princípio da informação e educação para o consumo. Pois, se fosse de conhecimento de todos, que o universo possui leis que não podem ser alteradas pelo ser humano, a exemplo da energia dissipada do universo, denominada de entropia, na qual há um estágio na matéria em que a mesma não pode ser reciclada, o consumidor alterasse o seu padrão de consumo (LEMOS, 2011, p. 30).
Conforme esclarece Patrícia Lemos (2011, p. 31):
“De fato, tais padrões podem ser divididos em: entropia fisiológica, resultante da interação do homem com o meio ambiente, e entropia patológica, relacionada com o atual estilo de vida de consumo excessivo. Sem duvidas, esse é um dos maiores problemas da atualidade. A entropia representa a energia que não pode mais ser usada por nenhum elemento do sistema; é a energia perdida, geralmente sob forma de calor. Pode ser interpretada como uma medida de desordem de um sistema.”
A energia dissipada mencionada pela autora significa que há matérias que não podem mais sofrer processo de reaproveitamento por meio da reciclagem. É como se a energia que há, tivesse um tempo de vida útil. Isso implica reconhecer que a reciclagem, embora de grande importância para a problemática envolvendo o gerenciamento dos resíduos sólidos, não se traduz na melhor forma de tratar tal questão.
A definição de consumo sustentável surgiu após o conceito de desenvolvimento sustentável abordado na Agenda 21 e se diz que é o “fornecimento de serviços e produtos que atendam às necessidades básicas, proporcionando uma melhor qualidade de vida enquanto minimizam o uso dos recursos naturais e materiais tóxicos como também a produção de resíduos e a emissão de poluentes no ciclo de vida do serviço ou produto, tendo em vista não colocar em risco as necessidades das futuras gerações” (FIGUEIREDO, 2002, p. 188).
A sustentabilidade do consumo se traduz em espécie do gênero desenvolvimento sustentável. Mas há uma dificuldade de se alcançar um consenso a respeito do significado do termo sustentabilidade, pois, se trata de uma designação ambígua que é aplicada tanto para produção, economia, quanto para o meio ambiente, a sociedade e ao próprio desenvolvimento. Ou seja, é necessário pesar acerca do que se considera desenvolvimento sustentável e quais as opções que se estará disposto a seguir para assegurar esta sustentabilidade (IRIGARAY, 2004, p. 52).
Afirma o autor supracitado que a idéia de desenvolvimento sustentável se encontra pouco desenvolvida.
“A própria idéia de desenvolvimento sustentável se encontra subdesenvolvida, pois, de um lado é um mito global no qual as sociedades industrializadas atingem o bem-estar reduzem suas desigualdades extremas e dispensam aos indivíduos o máximo de felicidade que uma sociedade pode dispensar. De outro, é uma concepção redutora, em que o crescimento econômico é o motor necessário e suficiente de todos os subdesenvolvimentos sociais, psíquicos, e morais. Essa concepção ignora os problemas humanos da identidade, da comunidade, da solidariedade, da cultura” (IRIGARAY, 2004, p. 54).
Sendo assim, só é possível alcançar a sustentabilidade nos padrões de produção e consumo, quando há decisões econômicas e ações políticas, fixando limites reais à utilização dos recursos naturais, ou, do contrário, o desenvolvimento sustentável será, apenas, um mito irrealizado que se transmitirá às gerações futuras, “juntamente com um gigantesco passivo ambiental; legado de uma civilização predatória” (IRIGARAY, 2004, p. 54).
Observa-se que os hábitos de consumo e produção, que são indissociáveis, dessas últimas décadas, foram determinantes para a atual situação do planeta (CORTEZ; ORTIGOZA, 2007, p. 8).
Sendo assim, no tocante à necessidade de tornar concreto o ideal do consumo sustentável e, logo, evitar que o mesmo caia em um discurso vazio, alguns instrumentos jurídicos foram editados com vistas a solucionar tais questões. Dentre eles, está a Política Nacional de Resíduos Sólidos, constituída por meio da Lei 12.305/2010.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos não dissocia o consumo da produção e define ambos como:
“Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
XIII – padrões sustentáveis de produção e consumo: produção e consumo de bens e serviços de forma a atender as necessidades das atuais gerações e permitir melhores condições de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e o atendimento das necessidades das gerações futuras.”
Vale mencionar que é possível verificar ao longo de todo o texto legislativo iniciativas, ações, políticas, que se coadunam com a definição acima elucidada. Tais são os exemplos da logística reversa, da reciclagem, da responsabilidade compartilhada pelo ciclo do produto, práticas de reutilização entre outras.
Percebe-se que o consumo sustentável pode ser compreendido como uma cadeia articulada de ações que envolvem todos os agentes participantes do processo produtivo que busca garantir que o atendimento das necessidades atuais, por meio do consumo, não deve comprometer a possibilidade de consumo das gerações futuras, além da busca incessante pela qualidade de vida das pessoas. Pois, o consumo desmedido tem sérias implicações, tanto de ordem ambiental como, também, social.
Ressalta-se que o consumo sustentável tem fundamentos em outros diplomas normativos, ainda que implicitamente, dentre eles a Constituição Federal de 1988 em diversos dispositivos, tais como: o art. 1º, inciso II que trata da cidadania, pois, a condição de cidadão confere ao consumidor o direito de possuir informações adequadas sobre produtos que causem menos dano ao meio ambiente, haja vista que sua qualidade de vida poderá ser afetada caso escolha comprar bens com alto potencial para prejudicar o meio ambiente. Assim a cidadania relaciona-se com o direito de participação nas decisões que objetivem melhorar as condições de vida na sociedade. Sendo assim, para que o consumidor possa tomar decisões com vistas a tutela ambiental é necessário estar munido de informações.
A dignidade humana esculpida no art. 1º, inciso III é outro importante dispositivo de singular importância para a causa ambienta que, por elementar, guarda relação necessária com o consumo sustentável. Essa se constitui em uma característica do ser humano sem a qual seria impossível reconhecer o individuo a condição de pessoa. Sendo assim, o consumo sustentável busca, conforme já destacado em outras passagens, a satisfação das necessidades mais básicas do ser humano e, portanto, sem esse atendimento a dignidade da pessoa humana restará sempre comprometida (COMPARATO, 2010).
Percebe-se com isso que a questão do consumo sustentável não se limita a práticas com vistas a diminuir a extração de recursos naturais, mas também visa democratizar o consumo buscando atender as necessidades de todos, como por exemplo, de alimentação. Além disso, a questão se envolve com a segurança do consumo e outras normas congêneres. Assim, entende-se, portanto, que o consumo sustentável tem a finalidade última de preservar a vida humana com dignidade.
Outro dispositivo, ainda constitucional, que guarda relação direta com o consumo sustentável é o esculpido no art. 5º e inciso XXIII da Constituição Federal de 1988 que trata da função social da propriedade. O consumo, conforme se discutiu no segundo capítulo, em regra, nasce da relação entre um proprietário e um bem, sendo, porém, que após o usufruto desse bem o seu dono resolve despojar-se dos restos deste produto. No entanto, considerando que o consumo sustentável se revela em um processo no qual se busca atender as necessidades atuais e vindouras do ser humano, no término do consumo, o consumidor deverá dispor adequadamente do seu resíduo para não comprometer a qualidade do meio ambiente que, por sua vez, se constitui em uma necessidade básica de todos. Portanto, consumir de forma sustentável também se traduz na responsabilidade pelo resíduo após-consumo (LEMOS, 2011, p. 52).
Além disso, a constituição cuidou em prever a necessidade de tutelar o consumidor contra qualquer dano (art. 24º, inciso VIII). Interessante observar que o constituinte ao prever proteção para o consumidor, expôs no mesmo inciso a proteção ao meio ambiente, deixando claro que perseguir a proteção ao meio ambiente, buscando sempre que necessário a responsabilidade na ocorrência de danos, em verdade, se traduz na proteção do próprio consumidor que, conforme já se demonstrou, estão inseridos nesta categoria, todas as pessoas. Isto porque o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos e para que este equilíbrio permaneça ou não seja violado é necessário padrões de produção condizentes com as normas ambientais.
Além dos dispositivos acima mencionados, há também, o art. 170 da CF 88 que afirma que a ordem econômica, tem entre seus princípios, a defesa do meio ambiente (VI) e do consumidor (V) e com ambos, implicitamente está inserido a determinante do consumo sustentável, pois, a defesa do meio ambiente e do consumidor só se concretizam com um sistema voltado para produção e consumo que não comprometam a atual e nem as futuras gerações (DELAGE, 2009, p. 3).
Observa-se, ainda, que o resíduo considerado elemento poluidor do meio ambiente e essencialmente importante para a manutenção da qualidade ambiental, quando feita a sua disposição, todas as normas relacionadas a essa temática, tais como a preservação da fauna, flora, solo, guardam relação com o que se entende por consumo sustentável. Isto porque o ato de consumir carrega em si a responsabilidade, tanto dos produtores quanto dos consumidores, de atender a busca pelo equilíbrio ecológico.
Ora, o consumo sustentável considerado como o processo que envolve a satisfação das necessidades, tais como alimentação, habitação, segurança, sem comprometer as futuras, encontra guarida em todos os dispositivos destacados acima, pois, o meio ambiente equilibrado é indispensável para a qualidade de vida de todas as pessoas que, conforme se destacou, são consumidores. Esse equilíbrio ecológico só será alcançado ou preservado com a observância necessária pelos processos produtivos, assim como pelo consumo das normas de natureza ambiental e consumerista.
Ressalta-se que além dos dispositivos previstos na constituição, outros, como educação básica e superior ambiental, se traduz em um instrumento imprescindível para o alcance de praticas sustentáveis.
O art. 225 da Constituição Federal de 1988, por sua vez, entoa no mesmo sentido dos demais, pois, determina que o meio ambiente equilibrado se constitui em elemento essencial a qualidade de vida, cabendo a todos (sociedade civil e o Poder Público) o dever de preservá-la. Portanto, o consumo deverá ser realizado com vista a atender esse mandamento constitucional (DELAGE, 2009, p.5).
No plano infraconstitucional destacam-se a Lei 6.938/81 conhecida como a Política Nacional do Meio Ambiente que em seu art. 2º objetiva a preservação, melhoria e qualidade do meio ambiente, além da proteção a dignidade humana e do desenvolvimento sócio-econômico. A educação ambiental voltada para a defesa do meio ambiente foi alçada a categoria de princípio (art. 2º, inciso X) e, atualmente é regulamentada pela Lei n. 9.795/99.
Como pôde ser observado, no contexto brasileiro atual, encontra-se uma série de mecanismos favoráveis ao consumo sustentável. Além dos já citados, há, ainda, a lei sobre agrotóxicos, biossegurança, as regras atinentes à disposição final de pilhas, baterias, etc.
A identificação nos instrumentos jurídicos supracitados do consumo sustentável se dá nos dispositivos que tratam sobre segurança na produção e no consumo, além das normas relacionadas à disposição adequada, informações sobre composição dos produtos colocados no mercado, entre outros. Isso porque a idéia de consumo sustentável sugerida é de que toda a cadeia produtiva que se direciona para o consumo deve ser orientada para a promoção da qualidade ambiental em todos os níveis, assim como o respeito à dignidade humana que se manifesta com o respeito à saúde e segurança do consumidor dentre outros.
Na Política Nacional de Resíduos Sólidos, também é possível se verificar outros dispositivos, além do artigo 3º, inciso XIII, que se harmonizam com o consumo sustentável, há outros que merecem atenção e estão dispostos nos princípios e objetivos previsto nesta lei. Os quais:
“Art. 6o São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos:
I – a prevenção e a precaução.
II – o poluidor-pagador e o protetor-recebedor.
III – a visão sistêmica, na gestão dos resíduos sólidos, que considere as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública.
IV – o desenvolvimento sustentável.
V – a ecoeficiência, mediante a compatibilização entre o fornecimento, a preços competitivos, de bens e serviços qualificados que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida e a redução do impacto ambiental e do consumo de recursos naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade de sustentação estimada do planeta.
VI – a cooperação entre as diferentes esferas do Poder Público, o setor empresarial e demais segmentos da sociedade.
VII – a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos.
VIII – o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico.”
A variável ecológica do consumo sustentável está alastrada em todo o texto da lei, basta observar como o legislador tratou da gestão ambiental dos resíduos sólidos direcionando condutas que, necessariamente, orientam para a produção e o consumo sustentável em todos os níveis e envolvendo todos os atores neste processo.
No entanto, é no capítulo III, artigo 8º onde estão contemplados os instrumentos de gestão ambiental dos resíduos sólidos. Entre eles a coleta seletiva, os sistemas de logística reversa; a implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; educação ambiental; reciclagem, reutilização, tratamento de resíduos e disposição final ambientalmente adequada de rejeitos, que será objeto de análise nos próximos itens para a concretização da gestão ambiental. Mas, anteriormente, examinar-se a importância dos princípios para a efetivação do consumo sustentável como elemento determinante na gestão ambiental dos resíduos sólidos.
3.1.1 A importância dos princípios para efetivação do consumo sustentável na gestão de resíduos sólidos
Primeiramente, impende destacar o que são princípios e qual a sua importância no ordenamento jurídico para, posteriormente, adentrarmos no seu grande valor na questão ambiental, aqui, especificadamente no consumo sustentável para uma melhor gestão dos resíduos sólidos.
Princípio é compreendido como uma espécie de alicerce do Direito. Alguns são tratados a nível internacional e outros foram tratados pelo ordenamento jurídico brasileiro como normas jurídicas que são chamadas de normas-princípios (MACHADO, 2007, 47). A função precípua dos princípios é orientar a interpretação do Direito (norma jurídica), especialmente nos casos de omissões legislativas.[25]
Nunes destaca que “nenhuma interpretação será realizada da melhor forma se for desprezado um princípio. É que o princípio irá sempre influir no conteúdo e alcance de todas as normas” (2008, p. 85). Com isso, observa-se que os princípios possuem uma importância impar na ordem jurídica, pois, atuam como verdadeiras supranormas, isto é, uma vez conhecidos atuam como normas hierarquicamente superiores em detrimento das regras positivadas.
No direito ambiental não é diferente, pois, os princípios assumem feição de verdadeiras normas ambientais.
Assim, no que se refere ao tema do consumo sustentável para efetivação de uma gestão de resíduos sólidos com mais eficiência e com vistas de alcançar o desenvolvimento sustentável, alguns princípios ganham importância singular. Se todos não possuem relação com o consumo sustentável, pode-se afirmar que grande maioria guarda essa ligação. No entanto, a fim de buscar uma melhor adequação para a questão e considerando a finalidade deste trabalho, aqui serão tratados apenas de alguns princípios do direito ambiental que podem ser percebidos a sua relação com a temática que aqui se escreve. São eles: o princípio da informação, participação, prevenção e precaução, poluidor-pagador e usuário-pagador.
O princípio da informação é caracterizado como um instrumento de realização e pressuposto lógico do princípio, não menos importante, da participação popular. Por tal motivo, considera-se que a efetiva participação popular voltada para a proteção do meio ambiente só é possível com a concretização do princípio da informação (SILVA, 2002, p. 243).
De início, observa-se que este princípio, estabelece relação indissociável com o direito à informação. Este não se confunde com aquele, embora interligados. O princípio da informação obriga o Poder Público e os fornecedores de produtos ou serviços, fornecer informações ao consumidor sobre assuntos relacionados ao meio ambiente e ao produto oferecido no mercado de consumo, respectivamente.
Pode-se dizer que a participação só se aperfeiçoa quando o dever de informação é respeitado pelo Poder Público ou por quem a detenha tendo a obrigação de sua disseminação (LEMOS, 2011, p. 52).
A Constituição de 1988 determina no artigo 220 e 221 que a informação é um direito inviolável. Nesse intento, considera-se que o direito a informação ambiental é corolário do direito à informação prevista nesse artigo. O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, atribui à categoria de direito básico a informação sobre produtos e a sua forma de consumo adequada.
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações.
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.”
Importante observar que o direito a informação do consumidor a respeito do produto adquirido está vinculada a sua própria segurança deste consumidor, pois, determina o artigo 8º do Código de Defesa do Consumidor (seção que trata da proteção a saúde e segurança) que os “produtos e serviços colocados no mercado de consumo não devem provocar riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito” (art. 8º da Lei 8.078/90). Essa preocupação com a segurança no consumo, por sua vez, guarda conexão com o consumo sustentável, pois, o fim último da sustentabilidade no consumo é garantir a existência e permanência do ser humano na terra, por isso o consumo voltado para redução na utilização dos recursos naturais, por isso o fomento de produção limpa etc. A segurança do consumidor é salutar, pois, se o consumo possuir elementos capazes de promover acidentes com ou sem morte à determinante da sustentabilidade da existência humana na terra restara prejudica.
Ainda com relação ao direito a informação, prevê a Política Nacional de Meio Ambiente, Lei 6.938/81 em seus instrumentos o Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente (art. 9º, inciso VII) e a Política Nacional de Resíduos Sólidos em seu artigo 6º, inciso X que a sociedade tem direito a informação e ao controle social. Considera-se que o legislador reconheceu que o controle social para ser exercido de forma eficaz é indispensável que haja a efetivação de informações para o consumidor.
Assim o controle social com vista à proteção ambiental não ficará a cargo somente do Poder Público, mas de toda a coletividade que estando de posse de informações poderá auxiliar este na tutela do meio ambiente. Vale destacar que o dever de proteção ao meio ambiente não é de responsabilidade apenas do Poder Público e sim de todos.
“A participação dos diversos setores da sociedade na implementação das políticas ambientais agrega ao sistema de informações que, de outro modo, não estariam ao alcance do Poder Público. Ainda, os agentes sociais passam a complementar a atividade de fiscalização das práticas reguladas, diminuindo o número de condutas ilícitas que passam ilesas à repreensão normativa” (LEMOS, 2011, p. 53).
Segundo Édis Milaré, o direito à informação:
“surge como significativa conquista da cidadania para a participação ativa na defesa de nosso rico patrimônio ambiental. Aliás, o direito à informação é um dos postulados básicos do regime democrático, essencial ao processo de participação da comunidade no debate e nas deliberações de assuntos de seu interesse direto. De fato, o cidadão bem informado dispõe de valiosa ferramenta de controle social do Poder. Isto porque, ao se deparar com a informação e compreender o real significado da Questão Ambiental, o ser humano é resgatado de sua condição de alienação e passividade. E, assim, conquista sua cidadania, tornando-se apto para envolver-se ativamente na condução de processos decisórios que hão de decidir o futuro da humanidade sobre a Terra” (2007, p. 342- 343).
A informação na gestão de resíduos é determinante para o consumidor, pois, é por meio desta que o mesmo tem acesso sobre formas de eliminação dos resíduos, de documentos que permitam medir os efeitos da exploração da atividade econômica, sobre a saúde pública e o meio ambiente, a exemplo do Estudo de Impacto Ambiental a que se deve dar publicidade, além de informações que permitam expor as medidas tomadas para eliminar ou reduzir os efeitos nocivos dos produtos; a criação, em todo local de eliminação e estocagem de resíduos, de uma comissão local de informação e de controle, cuja composição assegurará a representatividade dos Poderes Públicos, dos empreendedores e das associações de proteção ao meio ambiente (SILVA, 2006, p. 243).
Devido à diretiva prevista no artigo 9º inciso VII da Política Nacional de Meio Ambiente (Sistema Nacional de Informações sobre o meio ambiente) foi editado o Decreto 99.274/1990 que em seu artigo 11, inciso II determina que: “Para atender ao suporte técnico e administrativo do Conselho Nacional de Meio Ambiente, Secretaria-Executiva do Ministério do Meio Ambiente deverá: coordenar, por meio do Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente-SINIMA, o intercâmbio de informações entre os órgãos integrantes do SISNAMA” (ROSSI, 2009, p. 34).
A devida informação relacionada ao meio ambiente promoveria consciência nos consumidores e os levaria a medir as conseqüências ambientais do consumo de alguns produtos, especialmente quanto ao seu poder de reaproveitamento no processo produtivo. Para tanto, seria necessária a informação com respeito ao ciclo de vida do produto. Daí a plausividade de mecanismos que permitissem diferenciar o grau de sustentabilidade de um produto e outro em seu rótulo (LEMOS, 2011, p. 34, 56).
Outro problema é quanto aos alimentos geneticamente modificados que pode causar riscos à saúde do consumidor e que, algumas vezes, são postas no mercado de consumo sem a devida informação a esse respeito (FIGUEIREDO, 2002, p. 208). Ressalta-se que a informação quanto aos produtos alimentícios geneticamente modificados não se resumiria em afirmar que foram produzidos dessa forma e sim quais os riscos que podem oferecer à saúde da população.
Quanto a isso, a Lei de Biosseguranaça, nº 11.105/2005 estabelece que:
“Art. 7o São obrigatórias:
III – a adoção de meios necessários para plenamente informar à CTNBio[26], às autoridades da saúde pública, do meio ambiente, da defesa agropecuária, à coletividade e aos demais empregados da instituição ou empresa sobre os riscos a que possam estar submetidos, bem como os procedimentos a serem tomados no caso de acidentes com OGM.”
Examinando o intuito da informação no consumo de determinados produtos, não restam dúvidas que o intento é proteger a saúde do consumidor. No caso do meio ambiente o objetivo é o mesmo, pois, buscar a tutela do meio ambiente equilibrado por meio de informações sobre produtos que causem danos a este meio, significa proteger a saúde e qualidade do consumidor.
Por esse motivo é importante o uso dos selos de qualidade ambiental, de preferência demonstrando a relação do uso de um determinado produto com o bem estar coletivo, já que este é conseqüência de um meio ambiente equilibrado. Isso se torna uma boa alternativa para diferenciar os produtos e possibilitar ao consumidor a decisão por um consumo sustentável (LEMOS, 2011, p. 43).
Impende destacar, ainda, que a consciência dos consumidores de que suas ações individuais não influenciam nos resultados globais, mas tão somente em si mesmo, impede o consumo sustentável, pois, é mais comum que o consumidor deixe de consumir um bem que comprovadamente afete sua saúde do que ao meio ambiente em geral. “Isso se dá em razão de se tratar de um bem difuso, ou seja, não pertencente unicamente ao consumidor” (LEMOS 2011, p. 44). No entanto, destaca-se que é necessário desconstruir a idéia de que a saúde e o meio ambiente equilibrado são elementos que não fazem parte de uma mesma realidade. Conforme se percebe a ausência de informações adequadas sobre a questão ambiental impede o consumidor de assimilar que a saúde pública (individual ou coletiva) guarda uma necessária relação com o meio ambiente saudável.
Pondera-se, entretanto, que além dos selos verdes há outras formas de incentivo para um consumo/produção sustentáveis, conforme demonstra Guilherme Figueiredo:
“É importantíssima a disciplina jurídica dos incentivos a padrões de produção e consumo sustentáveis – selos verdes, ISO 14.000, facilidades no financiamento de projetos de agricultura ecológica -, dos mecanismos de desincentivos às atividades poluidoras – tributos ecológicos, aplicação do princípio do poluidor pagador e do usuário pagador, lei de crimes ambientais, bem como da política nacional de resíduos sólidos, alem de aspectos voltados à responsabilidade civil e administrativa pela propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente” (2002, p. 189, grifo nosso).
Outro princípio de relevo para a questão ambiental e que guarda relação com o consumo sustentável é o da prevenção, pois, corresponde à base fundamental da gestão ambiental, visto que há danos que são irreversíveis tanto para o meio ambiente quanto para a saúde humana. Significa a não realização de uma atividade quando há a certeza do dano ao meio ambiente (SILVA, 2002, p. 242).
Pode-se dizer que a prevenção é um horizonte que deve ser perseguido no processo de gestão ambiental. Um dos exemplos de sua importância nesse processo de gerenciamento dos bens ambientais é a crise de energia vivida no Brasil. “Essa crise Poderia ter sido evitada se, no passado, tivesse havido a preocupação com a escassez de energia, a aplicação de maiores investimentos no setor e em pesquisa sobre energias alternativas. Ao mesmo tempo, seria importante a implementação de programas de educação preventiva ao consumo exagerado” (CORTEZ; ORTIGOZA, 2007, p. 13).
Esse princípio deve dirigir as políticas públicas voltadas para o meio ambiente. Em relação às relações de consumo e sua interação necessária com os recursos naturais, o princípio da prevenção opera como um “dever de cuidado, de utilização racional, dos bens ambientais e são cabíveis ações cujo objetivo seja a redução do consumo e de resíduos sólidos” (LEMOS, 2011, p. 65).
Ressalta Lemos que o dever de prevenção, embora norteador de qualquer atividade deva ocorrer de forma significativa no setor primário (produtivo) que é exatamente o que possui acesso direto à natureza, logo, o que permite maior preservação dos bens ecológicos (2011, p. 66)
O princípio da precaução, por sua vez, contém o mesmo conteúdo do princípio da prevenção. No entanto, aquele se opera nos casos de incerteza cientifica a respeito do dano ambiental. A Política Nacional de Resíduos Sólidos fez expressa menção a esse princípio como um dos pontos fundamentais da tutela em relação aos resíduos sólidos (LEMOS, 2011, p. 71).
Entende-se, portanto, que a prevenção e a precaução, por sua vez, faz considerar que todos os consumidores, em todos os países, têm direito de usufruir de um padrão de bem estar material, baseado no uso sustentável dos recursos naturais. Isso significa que a prevenção deve orientar ações que protejam o meio ambiente quando se tiver que escolher entre o exercício de uma atividade produtiva nociva ou sua abstenção, pois não se pode dispor da qualidade ambiental por ser o bem pertencente a toda sociedade (CORTEZ; ORTIGOZA, 2007, p. 14).
Vale mencionar que o princípio da precaução, por ser aquele que promove a abstenção de atividades quando há dúvidas sobre sua potencialidade em causar danos ambientais, quando efetivado, não compromete o desenvolvimento econômico de nenhuma forma, pois, prevenir danos ambientais que em alguns casos são irreversíveis é mais econômico do que tratá-los (FIGUEIREDO, 2002, p. 209). Além disso, necessário pontuar que o ganho econômico com o a degradação ambiental ainda é privado, enquanto os prejuízos são coletivos. Tal assertiva leva a refletir que o princípio da prevenção e precaução deve orientar todo o processo produtivo.
Importante destacar dois dispositivos previstos na Lei 12.305/2010 que explicitam os princípios da precaução e prevenção. Um declara expressamente que são princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos (art. 6º, inciso I), outro demonstra como efetivá-los (art. 7º, inciso I e IV) onde há a menção que entre os seus objetivos estejam a não geração e redução, significa abstenção de consumo com vistas a não se gerar resíduos ou aproveitar o resto do objeto utilizado objetivando promover sua reutilização. Além da adoção e desenvolvimento de tecnologias limpas como forma de minimizar os impactos ambientais (inciso IV). No entanto, ressalta-se, não são os únicos dispositivos a tratar da precaução e prevenção na Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Entre outros diplomas normativos a tratar do assunto está a Lei nº 6.938/81, que entre seus objetivos dispõe que se deve compatibilizar “o desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico e a preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente (art. 4º, I e VI)”. A concretização desses princípios pode ser vislumbrada com a obrigatoriedade da “avaliação de impactos ambientais” (art. 9º, III).
Ressalta-se que na Política Nacional de Resíduos Sólidos contemplou o princípio da precaução e prevenção, logo no primeiro inciso do artigo 6º leva a acreditar que o legislador entendeu a prevenção e precaução devem ser a orientação necessária em todo o processo que envolva a gestão dos resíduos sólidos. Vale lembrar que a precaução e prevenção é válida quando se considera que algumas matérias-primas perdem o seu potencial reciclável, por esse motivo a abstenção do consumo – entendida como a concretização da prevenção do esgotamento dos recursos ambientais, é uma forma de manifestação do princípio da prevenção (LEMOS, 2011, p. 96).
Assim, Fiorillo (2007, p. 42-43) afirma que a prevenção é preceito fundamental, pois, sendo os danos irreversíveis e imensuráveis, como se Poderia pensar em recuperar uma espécie extinta? Ou, de que forma conseguir-se-ia restituir uma floresta milenar que fora devastada e que amparava uma diversidade biológica, talvez, até desconhecida pelo ser humano?
Comenta o autor que a importância do princípio da prevenção é salutar quando se leva em consideração a impotência que o ordenamento jurídico possui em estabelecer instrumentos que possam obrigar o poluidor a restabelecer o estado anterior do meio degradado (FIORILLO, 2007, p. 42). Esse problema não é caracterizado pela discussão quanto à responsabilidade do dano e sim devido à natureza do dano que, na maioria das vezes, é irreversível.
O princípio do poluidor-pagador e do usuário-pagador, também estão previstos na Lei 6.938/81 em um de seus objetivos e afirma que “visará à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos no artigo 6º, inciso II, também contemplou o princípio do poluidor-pagador e do usuário-pagador. Tais princípios estão em harmonia com o que se entende por socialização dos custos ambientais pelos poluidores e usuários de produtos ou serviços nocivos ao meio ambiente ou que mantenha sua proteção. Através destes princípios do Direito Ambiental, o poluidor fica obrigado a internalizar os custos da degradação provocada aos recursos ambientais pela sua produção ou serviço predatório (FIGUEIREDO, 2002, p. 188).
Nesse contexto, o princípio do poluidor-pagador, o qual responsabiliza pela poluição que pode ser causada (aspecto preventivo) ou que já foi causada (aspecto repressivo). Este princípio visa à internalização dos custos relativos externos de deteriorização ambiental, impondo ao “sujeito econômico” (produtor, consumidor, transportador), que nesta relação pode causar problema ambiental, arcar com os custos da eliminação ou afastamento do dano (OLIVEIRA, 2007, p. 159).
Vale destacar que a implementação do princípio do poluidor-pagador e usuário-pagador se interligam com o consumo sustentável e com a gestão ambiental justa. Pois, quem efetivamente polui, degrada ou compromete a qualidade ambiental e, em última escala, lucra e se beneficia com ela, deve internalizar os custos dessas ações.
Conforme Maria José Brollo e Mirtes Moreira Silva:
“Essencial na destinação dos custos de prevenção da contaminação, este princípio estabelece que são os geradores de resíduos, os agentes econômicos, as empresas industriais e outras, que devem arcar com o custeio que implica no cumprimento das normas estabelecidas” ( 2010, p. 4).
É de observar que a Política Nacional de Resíduos Sólidos dispõe no art. 3º, inciso IX que pessoas físicas ou jurídicas geram resíduos sólidos, ou por meio de suas atividades ou pelo consumo. Entendeu o legislador que o consumo é uma atividade geradora de resíduos sólidos.
Considerando o resíduo sólido uma espécie de degradação, como se denota do art. 3º, inciso III da Lei 6.938/81 ao afirmar que poluição é a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, segurança e o bem-estar da população, além das que afetem as condições estéticas ou sanitários do meio ambiente (art. 3º, III, a, d) não restam dúvidas que o princípio do usuário-pagador previsto na Lei 12.305/2010 está em conformidade com a orientação esposada, anteriormente, na Política Nacional de Meio Ambiente.
Assim, reconhecendo a natureza de poluente do resíduo, quando, no entanto, a este não é oferecido à devida destinação adequada, é necessário refletir visto que instrumentos como a Logística Reversa e a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos podem ser importantes aliados na transformação dos resíduos, de poluente para matéria-prima em outro processo produtivo. Assunto a ser tratado no próximo item.
3.2 A Logística Reversa e a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos
A atual definição de logística é mais ampla se comparada com o passado. É considerada uma área pertencente à logística empresarial que tem a finalidade de planejar, operar e controlar o fluxo e informações logísticas, para o retorno dos produtos pós-venda ou pós-consumo ao ciclo produtivo, por meio de canais reversos de distribuições, agregando-lhes valores diversos como o econômico, ecológico, legal, de imagem corporativa entre outros (LEITE, 2002).
A logística reversa pós-venda busca operacionalizar o circuito físico de bens após a venda que foi utilizado ou não, que por inúmeros motivos retornam a cadeia produtiva. Seu objetivo é resgatar o valor de um produto logístico que foi devolvido, como por exemplo, “defeitos ou falhas no funcionamento do produto, avarias no transporte, entre outros motivos” (LEITE, 2002).
A logística reversa do pós-consumo, no entanto, corresponde, ao fluxo físico de produtos após serem consumidos e que foram descartados pela sociedade em geral, mas que retornam ao ciclo de negócios ou ao ciclo produtivo através de canais de distribuição reversos específicos (LEITE, 2002).
Observa-se que logística tradicional é compreendida como o processo de deslocação do produto, partindo da cadeia produtiva para o seu destino final que é o consumo. No entanto, esse conceito tradicional de logística foi alterado pela logística reversa, classicamente entendida como o processo de recuperação de produtos indesejados ou defeituosos por motivos legais ou contratuais. A logística reversa clássica tem previsão no Código de Defesa do Consumidor e poderá ser exercida não somente em função dos vícios de qualidade, quantidade, como também nos casos de arrependimento pelo consumidor dos produtos adquiridos fora do estabelecimento comercial (art. 49º da Lei 8.078/90).
Percebe-se que o sentido de logística reversa é realizar o caminho inverso da produção, que se resume em produção e disponibilização no mercado para o consumo. Sendo, portanto, o retorno do produto para o local de sua produção, quer seja por motivos de não funcionamento, troca de peças, arrependimento do consumidor etc.
No entanto, a logística reversa aqui tratada, diz respeito ao mecanismo utilizado para recuperar matérias-primas que se encontram nos resíduos, para que estas possam ser utilizadas, novamente, no processo produtivo ou o destino para a disposição ambientalmente adequada dos rejeitos. Isto porque a preocupação com o meio ambiente advinda da discussão em torno da sustentabilidade dos processos de produção e consumo requer uma visão ampla, na qual se objetive considerar a logística reversa como um mecanismo desejável capaz de agregar valor, tanto para os produtos, como para o meio ambiente (OLIVEIRA, 2007, p. 154).
A Política Nacional de Resíduos Sólidos define logística reversa como um instrumento de desenvolvimento econômico e social que tem por característica um conjunto de ações procedimentos e meios para viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, com a finalidade precípua de evitar o uso de matéria prima virgem (art. 3º, XII da Lei 12.305/2010).
Além disso, a logística reversa visa o destino adequado dos resíduos, estabelecendo responsabilidades a toda cadeia produtiva, em diferentes papeis, incluindo o consumidor para que o resíduo gerado após o consumo retorne ao setor produtivo. E, mesmo o rejeito[27] que não é mais possível ser engajado no processo produtivo, que seja destinado de forma a não causar danos ao meio ambiente.
Destaca-se que a logística reversa está atrelada à responsabilidade pós-consumo, pois, implica no estabelecimento de obrigações que envolvem a participação ativa do consumidor para que o sistema funcione (VITORINO et al. 2010, p, 7). No entanto, a responsabilidade pós-consumo não é suportada apenas pelo consumidor, destinatário final do bem e produtor do resíduo. Mas, de todos os participantes do processo, pois, ainda que o consumidor quisesse dispor de forma ambientalmente adequada dos rejeitos (matéria que não pode ser mais utilizada no processo produtivo) é necessário que haja aterro sanitário nas cidades, assim como o serviço de coleta de resíduos.
Contudo, necessário pontuar a determinação prevista no parágrafo 1º do art. 27 da Lei 12.305/2010 ao afirmar que:
“§ 1o A contratação de serviços de coleta, armazenamento, transporte, transbordo, tratamento ou destinação final de resíduos sólidos, ou de disposição final de rejeitos, não isenta as pessoas físicas ou jurídicas referidas no art. 20 da responsabilidade por danos que vierem a ser provocados pelo gerenciamento inadequado dos respectivos resíduos ou rejeitos.”
Ainda que não haja serviço adequado de armazenamento, transporte, tratamento de resíduos. Se o consumidor[28] optar em dispor de seu resíduo de forma inadequada e com isso vier a causar danos ao meio ambiente, será responsabilizado por isso. Aliás, esse parágrafo está em sintonia com o preceito constitucional previsto no art. 225 da Constituição Federal de 1988 ao estabelecer como obrigação de todos a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, por ser essencial à qualidade de vida, também de todos.
A legislação brasileira determinou que todos que participam do ciclo do produto, iniciado com a fabricação até a destinação adequada do resíduo, são responsáveis. Principalmente os fabricantes de produtos e embalagens devem responder pelo ciclo completo desde sua fabricação até a disposição final (LEMOS, 2011, p. 103).
Vale mencionar que o resíduo é considerado de forma objetiva[29] pela Lei 12.305/2010, pouco importando tratar-se de matéria-prima secundaria ou apenas rejeito, pois a logística reversa cuida em viabilizar a coleta, restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, tanto para outros ciclos produtivos quanto para a sua destinação final que inclui a reutilização, reciclagem, recuperação energética ou mesmo a disposição final ambientalmente adequada (LEMOS, 2011, p. 104).
Necessário pontuar que antes da Política Nacional de Resíduos Sólidos alguns resíduos já eram regulamentados com a previsão do mecanismo da logística reversa. Esse era o caso dos agrotóxicos, dos pneus, das pilhas e baterias, dos óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens, das lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista (FILHO; COSTA, 2008).
Pois, a Lei 7.802/89 de agrotóxicos dispõe que:
“Art. 6º As embalagens dos agrotóxicos e afins deverão atender, entre outros, aos seguintes requisitos:
§ 2o Os usuários de agrotóxicos, seus componentes e afins deverão efetuar a devolução das embalagens vazias dos produtos aos estabelecimentos comerciais em que foram adquiridos, de acordo com as instruções previstas nas respectivas bulas, no prazo de até um ano, contado da data de compra, ou prazo superior, se autorizado pelo órgão registrante, podendo a devolução ser intermediada por postos ou centros de recolhimento, desde que autorizados e fiscalizados pelo órgão competente.”
Assim como a Resolução Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA de n. 258/99 determina que “As empresas fabricantes e as importadoras de pneumáticos ficam obrigadas a coletar e dar destinação final, ambientalmente adequada, aos pneus inservíveis existentes no território nacional” (art. 1º).
O Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA também disciplinou o caso das baterias e pilhas, conforme se verifica:
“Art. 1o As pilhas e baterias que contenham em suas composições chumbo, cádmio, mercúrio e seus compostos, necessárias ao funcionamento de quaisquer tipos de aparelhos, veículos ou sistemas, móveis ou fixos, bem como os produtos eletro-eletrônicos que as contenham integradas em sua estrutura de forma não substituível, após seu esgotamento energético, serão entregues pelos usuários aos estabelecimentos que as comercializam ou à rede de assistência técnica autorizada pelas respectivas indústrias, para repasse aos fabricantes ou importadores, para que estes adotem, diretamente ou por meio de terceiros, os procedimentos de reutilização, reciclagem, tratamento ou disposição final ambientalmente adequada” (art. 1º da Resolução CONAMA 257/99).
No entanto, a maioria das regulamentações vinha desse Conselho Nacional de Meio Ambiente, que, embora de grande valor, sempre suscitava a discussão quanto à sua legitimidade para impor obrigações, haja vista a previsão constitucional de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo se não em virtude da lei[30] (art. 5º, inciso II da Constituição Federal de 1988).
A responsabilidade compartilhada pelo ciclo do produto está relacionada com a logística reversa e, segundo disposição no art. 30 da Política Nacional de Resíduos Sólidos, essa será atribuída de forma individual, considerando os fabricantes, importadores, distribuidores, consumidores etc., (art. 3º da Lei 12.305/2010).
No parágrafo único do art. 30 da referida lei foi determinado seus objetivos:
“Parágrafo único. A responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos tem por objetivo:
I – compatibilizar interesses entre os agentes econômicos e sociais e os processos de gestão empresarial e mercadológica com os de gestão ambiental, desenvolvendo estratégias sustentáveis.
II – promover o aproveitamento de resíduos sólidos, direcionando-os para a sua cadeia produtiva ou para outras cadeias produtivas.
III – reduzir a geração de resíduos sólidos, o desperdício de materiais, a poluição e os danos ambientais.
IV – incentivar a utilização de insumos de menor agressividade ao meio ambiente e de maior sustentabilidade.
V – estimular o desenvolvimento de mercado, a produção e o consumo de produtos derivados de materiais reciclados e recicláveis.
VI – propiciar que as atividades produtivas alcancem eficiência e sustentabilidade.
VII – incentivar as boas práticas de responsabilidade socioambiental.”
Percebe-se que o legislador contemplou hipóteses que envolvem todos os participantes do processo. Portanto, o papel exercido pelo consumidor é fundamental, pois, é este quem terá a responsabilidade de segregar o resíduo na residência para manter o seu potencial reciclável, além de ser o iniciante no processo da logística reversa, sem a qual ficará difícil o retorno do resíduo ao setor produtivo, logo, não haverá o seu aproveitamento econômico e ambiental.
Os catadores de resíduos também possuem, ao lado do consumidor, papel de destaque para a implementação da logística reversa, além de um regulamento específico, visando à melhoria das condições de seu trabalho, como também a oportunidade de inclusão social e econômica desses trabalhadores de materiais recicláveis (JACOBI; BESEN, 2011, p. 136).
Acentua Figueiredo (2002, p. 202) que devido à lacuna de regulamentação da questão dos resíduos sólidos, o desenvolvimento sustentável considerado de forma ampla, restava ineficaz, pois, havia certa facilidade em se dispor de resíduos sólidos, sem que isso se constituísse em um problema para seu antigo proprietário. No entanto, com a legislação atual tratando da questão, espera-se que o Poder Público consiga efetivar uma gestão dos resíduos sólidos eficaz buscando o apoio da sociedade civil e de todos os consumidores, haja vista seu papel de colaborador necessário para que esse sistema funcione.
Pois, o consumidor ao adquirir e usufruir de um bem possui responsabilidade na disposição dos rejeitos deste com vista à manutenção da qualidade do meio ambiente. Dessa forma, é inadmissível tolerar que o proprietário, usufruindo as vantagens “econômicas que o bem oferece, descarte parcela indesejável no meio ambiente, reduzindo com isto a qualidade de vida da população que jamais aproveitou, ainda que reflexamente, das vantagens daquela propriedade” (FIGUEIREDO, 2002, p. 202).
A importância em se estabelecer responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos se constitui devido ao impacto ambiental associado a esses produtos ou serviços. Pois, para que não causem degradação ambiental, é necessário que o processo e atividades, desde sua origem, passando pela fabricação ou processamento, utilização de energia, transporte, distribuição, armazenamento, utilização, manutenção e ao final a criação do produto, seja realizado de forma sustentável e ao final, com o nascimento do resíduo, este possa ser reciclado, depositado ou eliminado de forma menos prejudicial ao meio ambiente (TORRES; GAMA, 2005, p. 49). Para que esse ciclo feche, é necessária a participação de todos os envolvidos, conforme determina a Lei 12.305/2010.
Todavia, as empresas possuem um interesse peculiar em tornar a logística reversa eficaz e com ela possibilitar o destino adequado dos resíduos, pois, acompanhar todo o ciclo de vida do produto é vantagem competitiva que se consolida em uma imagem sustentável para a empresa. Assim:
“Não é mais suficiente apenas analisar o processo produtivo, mas também olhar o produto em toda sua trajetória, ou seja, desde a matéria prima até o descarte final. As empresas notadamente consideradas pela sociedade como as principais responsáveis pela poluição, tornaram-se vulneráveis a ações legais, boicotes e recusas por parte dos consumidores, que hoje consideram a qualidade ambiental como uma de suas necessidades principais a serem atendidas” (GRUMMUT-FILHO; WATZLAWICK, 2008, p. 5-6).
Vale mencionar que a cadeia produtiva possui autonomia para implementar o sistema de logística reversa. No entanto, estão obrigados a respeitar os princípios de tutela do meio ambiente ecologicamente equilibrado (LEMOS, 2011, p. 105).
No caso dos materiais não reutilizáveis ou não recicláveis, ainda assim, persiste a responsabilidade da cadeia produtiva, incluindo o consumidor, para realização da logística reversa. “Tanto é assim que os rejeitos devem ser encaminhados pelos fabricantes e importadores para a disposição final ambientalmente adequada, na forma estabelecida pelo órgão competente do SISNAMA[31] e, se houver, pelo plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos” (LEMOS, 2011, p. 106).
A logística reversa e a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos ou resíduos[32] faz parte da gestão ambiental, sendo considerada como um meio de atuação sobre as alterações realizadas pelo ser humano sobre o meio ambiente pelo uso e/ou descarte dos bens, a partir de um plano de ação viáveis técnica e economicamente, com prioridades bem definidas. Por fim, pode-se destacar que a gestão ambiental abrange instrumentos, controles, imposições, subsídios, divulgações, ações mitigadoras, além de informações e conscientização direcionada aos consumidores (FILHO; COSTA, 2008).
Observa-se que o consumo sustentável é uma alternativa singular no processo de gestão dos resíduos sólidos. Por esse motivo, no próximo item se verificará porque consumir de forma sustentável é uma tarefa tão significativa para a questão da gestão sustentável dos recursos naturais, assim como dos resíduos sólidos.
3.3 A importância da variável ecológica no consumo
A questão ambiental é mundialmente reconhecida como tema de interesse público. No entanto, o consumo é percebido como um ato privado. Como equacionar esse problema já que, conforme se observou os padrões de produção e consumo tem provocado conseqüências ambientais perceptíveis a nível mundial.
Os problemas causados ao meio ambiente pelo ser humano devido ao processo de desenvolvimento e busca por melhores condições de vida levou a reflexão de que as ações individuais que tem potencial para alterar as condições coletivas são de interesse de todos e precisam ser equacionadas (PORTILHO, 2003, p. 5).
Isto tendo em vista que o consumo, embora seja realizado por meio de uma ação unicamente individual, guarda relação necessária com conseqüências coletivas. Os bens de consumo só podem ser postos no mercado pelo processo de produção. Este por sua vez necessita, constantemente, de matérias-primas para criar os diversos bens de consumo. No entanto, esse processo de extração de bens naturais tem sujeitado ao planeta terra e a toda a humanidade a problemas que, em inúmeras ocasiões são mais fortemente suportados pela maioria da população que não usufrui dos benefícios desse consumo, mas tem participado da degradação.
Assim, esse consumo insustentável, assim como os padrões de produção insustentáveis promoveu uma mudança no discurso ambientalista que percebeu nesse processo o principal responsável pela crise ambiental (PORTILHO, 2003, p.3).
Essa crise ambiental, contudo, fez com que se percebessem duas coisas importantes: uma é que os riscos que o meio ambiente desequilibrado pelos padrões de produção e consumo podem provocar são democratizados, ou seja, atingem a todas as camadas sociais, certo que em diferente níveis, outra é que atos privados, escolhas individuais como é o caso do ato do consumo tem conseqüências para além das relações privadas. Portanto, é necessário repensar nas escolhas que se faz no dia-a-dia com vistas a equacionar os problemas ambientais que tem atingidos a todos.
Ora, reconhecendo que o meio ambiente saudável é um direito de todos, importa destacar que ninguém detém a prerrogativa de comprometer esse direito. A crise ambiental provocada pelos padrões de consumo e produção tem mostrado que os recursos naturais são limitados, que a geração de resíduos e a ausência de mecanismos para sua gestão têm potencial para comprometer a qualidade de vida das pessoas, inclusive sua saúde, portanto, toda essa questão é pública, apesar das ações individuais e maciças.
Vale enfatizar, ainda, que é salutar o reconhecimento de que o ser humano faz parte do ecossistema e possui com ele relação de interdependência necessária. Mais ainda, essa dependência é mais humana que do meio ambiente. Quer-se destacar que o ser humano necessita mais do meio ambiente do que este do ser humano, motivo determinante para que a postura deste se altere em relação aquele. Assim o resgate dessa relação é indispensável para a sobrevivência da humanidade na terra.
Pois,
“A utilização dos bens ambientais de forma predatória, a mercantilização da natureza e a incessante busca da sociedade moderna por maior conforto são apenas alguns dos elementos que levaram o modelo de vida capitalista a inserir todos numa condição de possível autodestruição, tornando perceptível a existência de uma sociedade de risco mundial” (PETRY, 2010, p, 22)
A autodestruição é uma conseqüência lógica se algo não for realizado com o efeito de provocar mudanças no estilo predatório da atual sociedade, pois, para sobreviver à espécie humana necessita de habitação e alimentação. Entretanto, se os recursos naturais não forem racionalizados, essas necessidades tão básicas poderão faltar a um número ainda maior de pessoas (COHEN, 2002, p. 57).
Todavia, esse modelo produtivo originado pela Revolução Industrial onde sempre se preferiu separar os riscos inerentes a sua forma de produção, como se estes não fizessem parte do processo ou não tivesse tanta importância. Essas decisões das grandes corporações, fortemente influenciadas pela busca do lucro, fez com que a análise dos riscos e os fatores ambientais restassem sempre em segundo plano. Assim, a lógica da produção de riqueza dominava a lógica da produção de riscos. Com isso, após anos de degradação e de utilização de um modelo “econômico e social de vida equivocado, da crença cega no beneficio dos ganhos tecnológicos e científicos, criou-se uma sociedade que comprometeu sua própria sobrevivência” (PETRY, 2010, p, 27).
Essa lógica de dominação dos interesses econômicos sobre os fatores ambientais parece não ter sido alterado significativamente, pois, não se observa ações comprometidas em equacionar a crise ambiental. No entanto, o discurso ecológico passou a integrar o setor produtivo e é considerada uma forte vantagem competitiva. Mais, ainda é pouco, pois a inserção da variável ecológica nas corporações não atinge o problema do esgotamento dos recursos naturais assim como a necessidade de fomentar o consumo sustentável por parte da sociedade.
Isto porque os consumidores, antes vistos como vítimas, fantoches, agora, todavia, passam a ser indicados como sujeitos que precisam ser educados e informados, para que possam assumir o seu papel de colaboradores na missão de salvar o planeta com vistas a formar uma sociedade sustentável (PETRY, 2010, p. 31).
Uma sociedade sustentável pode ser definida como aquela que vive e se desenvolve em harmonia com a natureza, considerando-a como um bem comum. Respeita a diversidade biológica e sociocultural da vida. Essa sociedade possui o seu ponto central no pleno exercício responsavel e consequente da cidadania com a distribuição equitativa da riqueza que gera. “Não utiliza mais do que pode ser renovado e favorece condiçoes dignas de vida para as geraçoes atuais e futuras” (LOCATELLI 2000, p. 298).
A questão do consumo (ligada ao consumismo e ao desperdício) possui relação com a consciência esclarecida dos consumidores e com as suas escolhas, logo com a própria idéia de cidadania. No entanto, poucos têm clareza sobre a interdependência entre seus hábitos de consumo cotidiano e os problemas ambientais relacionados ao esgotamento dos recursos naturais (SANTOS, 2009, p. 210)
Pois,
“A expansão universal da culinária japonesa dos sushis e sashimis pode exercer enorme pressão sobre os estoques de algumas espécies importantes desses peixes, como o atum, de modo que já hoje existem iniciativas internacionais que procuram regulamentar sua pesca. Infelizmente, o atuma não é um caso isolado; o bacalhau e o salmão do Atlantico também se encontram sob ameaça” (FELDMAN, Fábio, apude, SANTOS, 2009, p. 212).
Todavia, é importante notar que houve alguns avanços significativos, pois, a indústria do cigarro foi a primeira a sentir os efeitos da conscientização de que o consumidor deve ser respeitado no que se refere a sua saúde. Isso fez com que se impusesse limites à idéia de que não “há espaço para uma regulamentação publica sobre o que seriam decisões meramente individuais” (FELDMAN, Fábio, apude, SANTOS, 2009, p. 215). Conforme já se destacou ao longo do trabalho, o consumo sustentável não se resume a decisões meramente individuais praticadas por consumidores conscientizados. Embora de grande importância, é necessário mais para equacionar os danos ao meio ambiente.
No entanto, é necessário, que cada um tome responsabilidade frente a suas ações individuais, já que essas causam impactos coletivos. Já que no ato da compra o consumidor escolhe quais e quantos resíduos serão gerados. “Ou seja, o ato da compra está para o consumidor assim como o desenho do projeto e conseqüentes produções estão para o produtor” (SANTOS, 2009, p. 213).
Sendo assim, considera-se que a preocupação capaz de surtir efeitos positivos deve vir acompanhada do estabelecimento de estratégias com o fim de prevenção, e é no ato da compra que uma política de gestão de resíduos deverá, também, agir (SANTOS, 2009, p. 212).
No entanto para que o consumidor possa perceber as conseqüências dos seus atos é necessário políticas de educação ambiental que possam promover o consumo consciente.
Um mecanismo interessante para ajudar o consumidor a optar por produtos ecológicos é a rotulagem, pois, nestas haverá informações que o permitam fazer escolhas por produtos menos nocivo ao meio ambiente (SANTOS, 2009, p. 213).
Mas, é importante observar que a consciência do consumidor não deve ser a única alternativa por um processo de consumo e produção mais sustentável, pois, o Estado deverá exercer sua função regulatória e fiscalizatória com o fim de tutelar o meio ambiente. Assim o Poder Público deverá impor o pagamento de taxas ou tributo, como medida sancionatória pela produção de resíduos, considerando que o direito de liberdade não é absoluto e não comporta a prerrogativa de desequilibrar o meio ambiente que se constitui em direito fundamental de todos (SANTOS, 2009, p. 215).
Assim importa que o poder público esteja disposto a oferecer soluções aos problemas ambientais já conhecidos e aos que ainda não são conhecidos, estabelecendo políticas públicas claras sobre geração, coleta, tratamento e disposição final de resíduos sólidos, bem como sobre sanções para os casos de desrespeito à legislação. Além da fiscalização ostensiva, haja vista, a importância da questão ambiental (SANTOS, 2009, p. 218).
A Política Nacional de Resíduos Sólidos especificou que a gestão dos resíduos sólidos e seu gerenciamento[33] devem atuar de acordo com uma ordem de prioridades que podem ser observados em vários dispositivos da Lei 12.305/2010. Assim, podem-se destacar alguns em que orienta a gestão para:
“Art. 7o São objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos:
II – não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.
Art. 9o Na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.
Art. 19. O plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos tem o seguinte conteúdo mínimo:
X – programas e ações de educação ambiental que promovam a não geração, a redução, a reutilização e a reciclagem de resíduos sólidos.
XIV – metas de redução, reutilização, coleta seletiva e reciclagem, entre outras, com vistas a reduzir a quantidade de rejeitos encaminhados para disposição final ambientalmente adequada.”
Verifica-se que o legislador considerou fundamental na gestão ambiental dos resíduos sólidos a busca pela não geração desses resíduos, sendo que as demais diretrizes de reutilização, reciclagem, é conseqüência lógica quando não se consegue evitar a produção do resíduo. Assim o consumo sustentável voltado para abstenção é indispensável e isso só se efetivará com a conscientização dos consumidores para que tomem hábitos mais sustentáveis.
As indústrias, assim como as fábricas sempre foram apontadas como as grandes vilãs da degradação ambiental e responsáveis pelas externalidades negativas do meio ambiente, ficando de fora desse quadro de responsáveis os consumidores. Todavia, observou-se que alguns consumidores procuram determinados produtos que poluem o meio ambiente, com isso processou-se uma mudança de enfoque e, sendo que o justo seria atribuir-lhe, também, co-responsabilidade. (FIGUEIREDO, 2002, p. 187)
Sendo assim, tem-se que ambos, produtores e consumidores, são responsáveis pela poluição e não como a antiga visão determinava, pois, separar a atividade de produção da atividade de consumo quando o objetivo é a sustentabilidade, é uma tarefa quase impossível. Toda produção se destina ao consumo, “pois investimento, nada mais é que uma forma de consumo futuro.” (FIGUEIREDO, 2002, p. 193)
No entanto, quem irá fiscalizar a geração de resíduos sólidos do consumidor? Como determinar metas para que venha diminuir o consumo desnecessário ou coibi-lo a práticas sustentáveis como a reutilização de materiais em suas residências?
A informação sobre fornecedores, produtores, produtos, educação para o consumo sustentável, demonstrando sua relação com os impactos ambientais, além da divulgação de indicadores que demonstrem a quantidade de resíduos gerados e seus impactos nefastos para a sociedade se traduzem em uma boa alternativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme exposto ao longo deste trabalho o consumo possui uma relação muito próxima com a questão ambiental, assim como o direito ambiental e o direito do consumidor se encontram entrelaçados por uma raiz comum, qual seja – a sociedade de consumo de massa, o reconhecimento de direitos difusos, compreendidos como aqueles cujos titulares não se limitam a uma determinada pessoa etc.
No entanto, essa relação entre o consumo e o meio ambiente não significaria em hipótese alguma a necessária devastação e extinção de inúmeras espécies e dos recursos naturais e nem mesmo promotora de desigualdades sociais tão marcantes como é possível perceber na atual sociedade. Mas, a realidade é outra. O consumo passou de questão marginalizada para o núcleo de problemas, não apenas social, mas, indiscutivelmente ambiental. Isto porque o padrão de consumo insustentável, cujo principal emblema é a promoção do bem-estar, da felicidade, da ostentação de riqueza e status social tem posto em risco o futuro da humanidade. Esse futuro está comprometido por este sistema na medida em que se percebe que o meio ambiente natural, lugar de extração de toda matéria-prima utilizada no processo produtivo cuja finalidade é a manutenção do consumo, vem sendo realizado de forma predatória e irresponsável, tanto no que se refere a quantidade de produtos levados ao mercado possibilitado pela extração insustentável de matéria-prima virgem, como pela quantidade de resíduos gerados nesse processo e que, conforme se demonstrou ao longo desta pesquisa é responsável por inúmeros problemas de ordem social, econômico, além de ambiental.
Assim sendo, percebeu-se que o consumo deve ter por prioridade a satisfação da necessidade de todos, carregando a responsabilidade pelo resíduo gerado durante esse processo. Além disso, todos devem estar envolvidos no processo de busca pela sustentabilidade das atividades produtivas e do consumo, haja vista, sua intrínseca relação.
Por isso, o consumo sustentável, entendido como um processo que envolve a cadeia produtiva e o mercado de consumo com todos os envolvidos deve priorizar a conscientização de que o ser humano precisa dos recursos naturais e de um ambiente saudável para sobreviver e, tudo o que compromete esse ideal deve ser banido da realidade social ou, no mínimo, reduzido significativamente. Para tanto, a conscientização do consumidor realizado por meio de ferramentas pedagógicas é indispensável, além, é claro, da participação dos meios de comunicação de massa.
É necessário discutir a relação existente entre o ser humano e o meio ambiente, pois, a visão de que a humanidade não pertence ao cosmo leva a crer que qualquer problema relacionado ao ambiente natural não tem relação com a sociedade. No entanto, é sabido que o meio ambiente não se resume ao aspecto natural, muito embora esse conhecimento não seja difundido para a grande população que acredita ser o meio ambiente pura e simplesmente o aspecto natural do planeta terra, ou seja, animais, plantas, florestas etc. Essa ignorância da realidade, apesar da visibilidade de que todos fazem parte de um mesmo sistema e que a dependência humana do meio ambiente natural e saudável (compreendido o aspecto físico, psicológico, artificial etc) é tão grande e salutar, pois, sem este seria impossível a sobrevivência da espécie na terra, ainda assim essa percepção não está clara para o consumidor. Ou seja, o ato de consumir não é reflexivo para aquele que o realiza a ponto de reconhecer que a escolha feita no mercado, nas lojas de departamento tem potencial para comprometer o futuro da humanidade. Essa lógica é que precisa ser mudada ou, de outra forma, estar-se-á fadado ao insucesso de um programa voltado para o consumo sustentável.
Há historiadores que defendem que varias espécies, tanto humana, como outras, já habitaram o planeta terra e que, muitas se extinguiram em processos naturais. Isso leva a refletir que qualquer crise ambiental, na realidade, se trata de uma crise da humanidade, pois, é esta quem precisa angariar meios para sobreviver, já que a terra – enquanto organismo vivo – tem sobrevivido a muitas catástrofes e, mesmo em um espaço de tempo muito longo, acaba por se recompor.
Por todos esses fatores é que o consumo sustentável dos recursos naturais não se traduz em uma excelente alternativa com vista a equacionar o problema da crise ambiental vivida, mas a única alternativa possível com potencialidade para minimizar ou reduzir a possibilidade de extinção da raça humana na terra por falta de recursos para sua sobrevivência.
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