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Mercosul, União Européia e a liberação dos serviços

Introdução

Nos últimos anos, especialmente na
última década de 90, as relações internacionais tornaram-se muito intensas,
sobretudo no que diz respeito ao comércio. Não poderia ser diferente, portanto
com relação ao caso específico do setor de serviços que caracteriza-se
por ser um dos mais dinâmicos.

Considerando-se que o estudo do setor
de serviços é uma matéria relativamente recente, mas de suma importância nos
processos de desenvolvimento, cumpre anotar que os Estados verificaram que o
comércio de internacional de  serviços é responsável por grande parte de
seus produtos internos bruto e que a regulamentação
internacional faz-se necessária em virtude dos interesses envolvidos.

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Quanto à regulamentação multilateral do
setor de serviços, vale recordar igualmente que o mesmo está disciplinado no
âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC) que é o organismo internacional
responsável pela contínua liberalização do comércio internacional. Por outro
lado e em sintonia com as normas da OMC, os modelos de integração regional, bem
como os Estados legislam internamente sobre a matéria em questão.

Neste sentido, o objetivo do presente
artigo é analisar sucintamente o comércio internacional de serviços e situá-lo
no quadro das relações entre o MERCOSUL e a UNIÃO EUROPÉIA como subsídio para o
entendimento das negociações em curso que culminarão com o estabelecimento de
uma Zona de Livre Comércio Intercontinental. A metodologia utilizada foi a monográfica pela sua amplitude e crítica por seu carácter.

1. Serviços e comércio internacional de
serviços

Primeiramente antes de analisar o
comércio internacional de serviços, é necessário definir o conceito de serviços
e de comércio de serviços. Assim sendo, segundo MERCADANTE,  serviço é
“toda atividade econômica que gera valor e cujo produto final não seja um
objeto material”. Ou seja, é a atividade incorpórea, invisível e individualmente
indivisível que visa atender a um determinado fim, com o intuito de obtenção de
lucro.

Neste sentido, não é possível
visualizar o serviço prestado e tampouco mensurar a quantidade de serviço que
vai ser efetuada para que determinado objetivo seja alcançado. Por outro lado,
o comércio de serviços não é nada mais do que a negociação da atividade
econômica (incorpórea, invisível e indivisível), cujo produto definitivo não
seja um objeto material.

Evidentemente, o descobrimento da
importância da prestação de serviços para a economia de um país faz com que se
invista cada vez mais nesta modalidade de comércio no âmbito interno e nas
possibilidades de exportação da prestação de serviços.

Logo, o comércio de serviços será
internacional quando envolver um serviço executado “do território de um
Estado ao território de qualquer outro Estado; no território de um Estado aos
consumidores de qualquer outro Estado; pelo prestador de serviços de um Estado,
por intermédio da presença de pessoas naturais de um Estado no território de
qualquer outro Estado”II].

Assim sendo, o comércio internacional
de serviços deve sempre ser executado transfronteira,
seja quando acontece apenas a passagem do
serviço prestado de um Estado para outro Estado (no caso das chamadas
telefônicas internacionais e os transportes internacionais), seja quando
acontece a passagem do beneficiário do serviço ao território do Estado em que
se presta, através consumo realizado no exterior (no caso do turismo), ou ainda,
quando acontece a passagem do prestador de serviços para o território do Estado
em que se prestará o serviços (no caso de jogadores de futebol, na execução de
consultorias), mediante a presença comercial de pessoas físicas e/ou pessoas
jurídicas.

Deve-se atentar, entretanto, para o
fato de que a prestação internacional de serviços está intimamente ligada, e portanto pode ser confundida, com a questão dos
investimentos estrangeiros no território de um determinado Estado.
Principalmente com relação à presença comercial de jurídicas nos países que
recebem a prestação de serviços.

Atualmente, todas as normas referentes
à liberalização dos serviços em âmbito internacional são discutidas no quadro
do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) da Organização Mundial de
Comércio. O GATS versa sobre os princípios e regras acordadas no plano
multilateral e que são juridicamente obrigatórias para todos os Membros da OMC.
Suas normas regem de maneira relativamente flexível o comércio internacional de
serviços e têm por finalidade a liberalização progressiva do setor. Pode-se
afirmar que o GATS abrange todas as formas de prestação de serviços realizadas
no comércio internacional e deve estar em sintonia com a matéria pertinente no
âmbito interno dos Estados e que são regulamentadas pelas leis nacionais.

Apesar do GATS prever
a liberalização do comércio internacional de serviços, isto não significa que
de fato ocorra. O que acontece é que os Estados devem indicar em uma lista
nacional os compromissos específicos assumidos, elencando
de conformidade com o artigo XX, 1, do GATS: “os termos, limitações e
condições relativas ao acesso a mercados; as condições e qualificações
relativas ao tratamento nacional; as obrigações relativas aos compromissos
adicionais; e a data de entrada em vigor de tais compromissos”. Desse
modo, somente os serviços que não sofreram restrições à liberalização, ou que
sofrerão restrições parciais, é que serão inscritos na lista nacional, ou seja,
trata-se de uma lista taxativa e positiva.

De fato, distingue-se sobremaneira, o
comércio internacional de bens do comércio internacional de serviços, visto que
sobre este último não incidem, até o presente momento, medidas protecionistas
como antidumping, salvaguardas, barreiras técnicas,
entre outras.

Entretanto, se verifica que os Estados
procuram preservar ao máximo os seus mercados de serviços, uma vez que
interferem diretamente no mercado de trabalho e em áreas que podem ser
entendidas como de segurança nacional, saúde, telecomunicações e transportes.

Pelo que se refere ao Brasil no
contexto do comércio internacional de serviços, existem restrições, entre
outras:

i) à participação estrangeira quanto a Assistência à
Saúde, de acordo com o artigo 199, parágrafo 3°, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 e o artigo 23 da Lei 8080/90;

ii) à Navegação de Cabotagem, de
acordo com o artigo 178, parágrafo único, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 e os artigos 1º e 2º do Decreto Lei 2784/40;

iii) às Empresas Jornalísticas e de
Radiodifusão Sonora e de Sons e Imagens, de acordo com os artigos 12, parágrafo
1° e 222 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o artigo
12, parágrafo 2º, inciso I do Decreto 70436;

iv) às Empresas de Serviço de TV a
Cabo, segundo o artigo 7º, incisos I e II da Lei 8977;

v)  às Empresas de Mineração e Energia Hidráulica,
de acordo com o artigo 176, parágrafo 1º, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988;

vi) às Empresas de Transportes Rodoviários de Carga, de
acordo com os artigos 22, inciso VII e 178 da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 e o artigo 1º, incisos I a II e parágrafos 1º e 2º
da Lei 6813/80.

Assim sendo, tanto o setor quanto o
comércio internacional de serviços desempenham um
papel de alta magnitude nas transações nacionais e internacionais, sendo
caracterizados pela complexidade de visualização e pela co-existência de normas
internas e internacionais que buscam proporcionar uma maior transparência ao
mesmo tempo em que podem constituir mecanismos de proteção de mercados.

2. Notas pertinentes sobre as relações
entre o Mercosul e a União Européia.

Muito embora a maioria das negociações
com relação a liberação internacional do comércio de
serviços sejam feitas no âmbito do GATS, o Brasil e o MERCOSUL possuem acordos
(em vigência ou em negociação) com a UNIÃO EUROPÉIA que necessariamente devem
estar sob à égide do próprio GATS, posto que em seu Artigo V
determina que o referido Acordo não impedirá nenhum de seus Membros de ser
parte ou de celebrar um acordo que liberalize o comércio de serviços entre as
partes do mesmo
.

A UNIÃO EUROPÉIA há muito comercializa
seus serviços ao redor do mundo, sendo que com o advento da OMC a partir de
1995 o bloco europeu vem desenvolvendo uma estratégia de regulamentação efetiva
do comércio de serviços em seus acordos comerciais. Aliás, o
comércio de serviços é um dos setores que mais contribui para o êxito da UNIÃO
EUROPÉIA, no sentido de que no âmbito territorial da UNIÃO EUROPÉIA o setor de
serviços representa aproximadamente dois terços da economia e dos postos de
trabalho, respondem por quase um quarto do total das exportações européias e
pela metade de todo o investimento estrangeiro destinado a outras partes do
mundo.

Vale recordar ainda, que a UNIÃO
EUROPÉIA é o maior exportador mundial de serviços comerciais. Prova desta
afirmação é o fato de que em 1996
a UNIÃO EUROPÉIA era responsável por 26% do total das
transações de serviços mundiais (valor que aumentaria para 43% caso se inclua o
comércio intra- UNIÃO EUROPÉIA), seguida dos Estados Unidos da América com
17% e do Japão com 5,2%.

Por outro lado, as relações entre os
países da Améria Latina e a UNIÃO EUROPÉIA há muito
vêm sendo desenvolvidas, principalmente devido aos vínculos históricos e
culturais existentes entre ambos continentes. Desse modo,  é importante
notar que as relações entre ambas regiões se
intensificam cada vez mais, sendo que o caso mais notável é o relacionamento
entre o MERCOSUL e a UNIÃO EUROPÉIA, onde as condições de concorrência livre
aproximam ambos interlocutores, visto que entre outros fatores, existe uma
forte e sólida afinidade cultural. Em função desse relacionamento, durante os
últimos anos percebe-se a afluência de inúmeras prestadoras de serviços da
UNIÃO EUROPÉIA no âmbito territorial do MERCOSUL.

A UNIÃO EUROPÉIA tem
fortes interesses em matéria de investimentos, compras governamentais e
serviços em geral, necessários ao MERCOSUL e componente fundamental das
negociações entre o MERCOSUL e a UNIÃO EUROPÉIA  que culminarão com uma
Zona de Livre Comércio Intercontinental em 2005.

Recorde-se que o MERCOSUL e a UNIÃO
EUROPÉIA assinaram em dezembro de 1995, o Acordo Quadro Inter-Regional de
Cooperação que representa um importante instrumento de transição para uma
futura “Associação Inter-Regional” entre os dois agrupamentos
regionais, visando a liberalização completa do
comércio de bens e serviços e contemplando a intensificação da cooperação
política e econômica. Note-se que o relacionamento entre o MERCOSUL e a UNIÃO
EUROPÉIA é mais interessante que a possível Área de Livre Comercio
das Américas (ALCA), não só pelos laços culturais, como já supracitado, como
também porque o processo da UNIÃO EUROPÉIA, ao contrário da ALCA incorporou
preocupações efetivas com as economias mais debilitadas que implicou no devido
apoio financeiro e cooperativo para que tais economias alcançassem o nível de
desenvolvimento dos outros Estados membros.

3. Considerações finais

Muito embora hajam
certas restrições ao comércio internacional de serviços, porque se pretende
resguardar os mercados nacionais, o mesmo já é uma realidade e apresenta-se nos
fluxos internacionais conectado aos investimentos estrangeiros diretos.

Os interesses da UNIÃO EUROPÉIA, bem
como dos Estados Unidos da América, através da ALCA no MERCOSUL são vorazes e
visam não só o mercado de bens, como também o de serviços. Anote-se uma vez
mais que muitos dos grandes prestadores de serviços da UNIÃO EUROPÉIA já se
encontram atuando em nosso mercado.

Deve-se verificar se a liberalização
total dos serviços atualmente em negociações com a UNIÃO EUROPÉIA, será
favorável ao Brasil e ao MERCOSUL, levando-se em consideração que desde que
haja permissivo legal para que o estrangeiro, pessoa física ou jurídica, atue
no mercado nacional, este deve ser equiparado à nacional, como aliás, determina o GATS.

Apesar dos imensos interesses
estrangeiros no mercado brasileiro e do MERCOSUL, o Brasil também é um grande
prestador internacional de serviços. Principalmente na modalidade do serviço
prestado no território do Estado, ao consumidor do Estado estrangeiro.
O
turismo é um exemplo claro neste sentido. Se não bastasse isso, o Brasil também
é um grande exportador de jogadores de futebol, fazendo com que milhares de dólares
sejam canalizados ao nosso país. Tal modalidade de prestação de serviços, onde
a pessoa física presta o serviço no território do outro Estado, é uma das mais
freqüentes no comércio internacional de serviços brasileiros, sendo que o nosso
maior consumidor é a a UNIÃO EUROPÉIA.

Finalmente, conforme pode ser
analisado, o comércio internacional de serviços é uma realidade e a tendência é
o seu crescimento. Deste modo, no quadro de suas relações externas, o Brasil e
o MERCOSUL devem negociar conscientemente de seu alto potencial ao mesmo tempo
em que precisa investir em educação para melhor preparar o seu profissional,
prestador de serviços, e para conseguir competir exitosamente
no mercado mundial.

Referencias bibliográficas

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Notas

I] MERCADANTE, A. A.”Comércio de
Serviços”, em BARRAL, W. (Org.). O Brasil e a OMC. Florianópolis:
Diploma Legal, 2000.

[II] Resultados da
Rodada Uruguai do GATT. Decreto nº 1355 – De 30/12/94
– D.O.U. de 31/12/94. Aduaneiras: 1995.

 


 

Informações Sobre os Autores

 

Fernando Kinoshita

 

Doutor em Direito Internacional e Comunitário pela Universidad Pontificia Comillas, Espanha; Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina; Pesquisador do CNPq e CAPES; Consultor em Direito Público Interno e Internacional, Cooperação e Negócios Internacionais.

 

Marcelo Azevedo dos Santos

 

Consultor Jurídico em Santa Catarina
Pós-Graduando em Direito e Negócios Internacionais pela UFSC/SC

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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