Mobilidade urbana como instrumento de desenvolvimento sustentável

Resumo: Este artigo propõe apresentar e analisar a importância da mobilidade urbana como escopo da função social da cidade e como instrumento de desenvolvimento sustentável, por meio de ações de planejamento urbano e políticas públicas, além conscientização da necessidade da participação da sociedade. Tem como fim as ações da Administração Pública no que diz respeito à função social da cidade ligada à mobilidade urbana, seu conceito e entendimento. Os princípios constitucionais que regem a administração pública denotam a importância da discussão ligada a mobilidade, haja vista o crescente aumento da população urbana e consequentemente por circulação, que acontecem, sobretudo, nos grandes centros, de modo que esse aumento não pode trazer prejuízos à população, considerando as vertentes sociais, econômicas e ambientais. Desta forma, a Política Nacional de Mobilidade Urbana cria uma expectativa com relação a melhoria da mobilidade e a utilização desta como instrumento de desenvolvimento sustentável, tendo como possibilidade garantir uma melhor qualidade de vida à população. 

Palavras-chave: Mobilidade Urbana. Desenvolvimento Sustentável. Função Social da Cidade. Políticas Públicas. Planejamento Urbano.

Abstract:  This article proposes to present and analyze the importance of urban mobility as a scope of the social function of the city and as an instrument of sustainable development, through urban planning actions and public policies, besides awareness of the need of society participation. Its purpose is the actions of the Public Administration with regard to the social function of the city linked to urban mobility, its concept and understanding. The constitutional principles governing public administration indicate the importance of the discussion related to mobility, given the growing increase in the urban population and, consequently, by circulation, which take place mainly in the large centers, so that this increase can not harm the population, considering the social, economic and environmental aspects. In this way, the National Urban Mobility Policy creates an expectation regarding the improvement of mobility and its use as a tool for sustainable development, with the possibility of guaranteeing a better quality of life for the population.

Keywords: Urban mobility. Sustainable development. Social Function of the City. Public policy. Urban planning.

Sumário: Introdução. 1. Breves considerações sobre Direito Urbanístico. 2. Crescimento e Mobilidade Urbana. 3. Breves considerações sobre Desenvolvimento Sustentável. 4. Mobilidade Urbana como instrumento de Desenvolvimento Sustentável. Conclusão. Referências.

Introdução

Nas últimas décadas tem-se notado um crescente aumento na população das áreas urbanas. De acordo com dados do Censo do IBGE de 2010, cerca de aproximadamente 85% da população brasileira habita em zonas urbanas. Desta forma, é inegável se afirmar que existe uma necessidade urgente de planejamento urbano e políticas públicas relacionadas a vertente da mobilidade, afim de garantir uma melhor qualidade de vida à população.

Diante desse contexto, este trabalho tem como objetivo apresentar de maneira breve a problemática relacionada à mobilidade, bem como demonstrar que ela pode ser utilizada como instrumento de desenvolvimento sustentável, quando da ação da administração Pública de maneira eficiente e efetiva.

1. Breves considerações sobre Direito Urbanístico

Diante das questões mais atuais ligadas à cidade, estão discussões sobre mobilidade urbana. Nesse contexto, antes de tudo, importa falar sobre Direito Urbanístico, visto ser este, segundo José Afonso da Silva (2008, p.49), ser o conjunto de normas que tem por objeto organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade.

O Direito Urbanístico tem como objeto, portanto, os espaços urbanos e sua ocupação. Tem como escopo a atividade urbanística, o ordenamento e utilização dos espaços habitáveis, em função da utilização da comunidade em geral. É considerado como novo ramo do Direito Público e tem como objeto de estudo o ambiente construído, ou habitável, sem, contudo, desconsiderar as áreas inabitáveis.

A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 182 dispõe que a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Diante de tal dispositivo, fica claro a responsabilidade dos municípios em executar uma política urbana capaz de fazer com que a cidade cumpra a função social, garantindo assim o bem de toda a comunidade e não apenas de uma parcela dela. Importa ainda enfatizar que, a constituição dispõe que o bem-estar da sociedade pode também ser alcançado a partir do cumprimento das funções sociais da cidade.

Dentre os pontos destacados quando da busca pelo cumprimento da função social da cidade está a questão da mobilidade.

Deve haver, por parte da Administração Pública, programas voltados à realização da sustentabilidade, que devem decorrer do planejamento urbano e ainda haver elaboração de políticas públicas para garantir acesso ao direito e funções da cidade.

2. Crescimento e Mobilidade Urbana

O crescente aumento da população urbana gera naturalmente um crescente aumento da circulação e da necessidade de locomoção, de mobilidade. Segundo dados do IPEA (2016), a ocupação urbana no Brasil cresceu de maneira mais intensa a partir de 1950. Paralelamente a este fato, cresceu também a demanda por veículos motorizados, o que traz consequências graves para as cidades, tendo em vista o planejamento urbano não acompanhar essa ocupação.

A partir dessa problemática nota-se a necessidade de se ter efetiva ação governamental no sentido de atender e satisfazer essa demanda, o que não é possível apenas com transformação ou implantação de infraestrutura, porém com melhoramentos, inovações na qualidade de vida urbana, além de educação, que podem ser alcançados sobretudo por uma gestão governamental eficiente.

Essa gestão governamental, para alcançar esse nível eficiente deve levar em consideração diminuir a demanda de deslocamentos, sobretudo em transportes individuais, que podem ser considerados grandes geradores de tráfego e que atrapalham o bom funcionamento e fluxo no espaço urbano. A implantação de modais de transporte mais adequados à sustentabilidade local, da região, de forma a atender as necessidades da população, deve ser a meta para questões de mobilidade.

A mobilidade urbana é uma das vertentes mais importantes quando se fala em função social da cidade, é uma matéria de trato importante na sociedade contemporânea. Por meio da mobilidade é possível à sociedade ter acesso a outras funções oferecidas pela cidade, tais como equipamentos, serviços, bens, lazer, etc. Percebe-se então a questão da mobilidade como instrumento de acesso ao desenvolvimento socioeconômico. Como dispõe Geraldo Guimarães (2012, p. 91), a mobilidade urbana é a possibilidade real das condições de deslocamento das pessoas dentro do território urbano.

Para Henri Lefebvre (1991, p. 10), a cidade é, contemporaneamente, o resultado do processo em que a população, inserida no contexto da urbanização, crescimento econômico e vida social, concentrou-se em volta dos locais onde poderiam exercer suas atividades laborais, gerando um alargamento do tecido urbano que, além de estender-se, adensou-se.

3. Breves considerações sobre Desenvolvimento Sustentável

O desenvolvimento sustentável tem escopo em bases sociais, econômicas e ambientais, de forma conjunta. Essa ideia de desenvolvimento sustentável foi proposta durante a Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocorrida em Estocolmo, na Suécia, no ano de 1972. Desta forma, tem-se que em 1972 foi criado pela Assembleia Geral da ONU o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que tem como uma das prioridades a governança ambiental.

Em abril de 1987, a Comissão Brundtland,  publicou um relatório denominado “Nosso Futuro Comum” – que traz o conceito de desenvolvimento sustentável para o discurso público, como sendo o desenvolvimento que encontra as necessidades atuais sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades.

Importante frisar que a sustentabilidade considera concomitantemente as atividades humanas e seus impactos, relacionando as bases ambiental, social e econômica, para a atual geração e para as futuras, de modo que é imprescindível que se tenha uma real avaliação de impactos, para que desta forma possa ocorrer intervenção eficiente, tanto em âmbito político como de gestão, a fim de melhorar o ambiente.

Dentro dessa visão de sustentabilidade e governança ambiental, destaca-se atualmente a questão da mobilidade urbana, como ferramenta capaz de alcançar melhoramentos relacionados a questões de sustentabilidade em meio as cidades.

4. Mobilidade Urbana como instrumento de Desenvolvimento Sustentável

Tendo em vista a crescente demanda por mobilidade e as realidades destoantes com os anseios da sociedade, em 2012 foi publicada a Lei nº. 12. 587, que trata da política sobre mobilidade urbana e traz em seu conteúdo a definição do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana, indicando-o como o conjunto organizado e coordenado dos modos de transporte, de serviços e de infraestruturas que garantam os deslocamentos de pessoas e cargas.

É importante frisar que Política Nacional de Mobilidade Urbana foi desenvolvida com o objetivo de ordenar pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e bem-estar de seus habitantes, por meio da gestão pública integrada, com vista a implantação de modais capazes de atender às demandas das cidades.

É inegável que existe um inchaço nas cidades, ocasionado pela utilização de veículos particulares, o que causa danos à comunidade em geral. De fato, é imprescindível que haja melhoramentos no transporte público, com oferecimento de um número maior de transportes coletivos como ônibus, metrôs, VLTs, trens urbanos e ainda de infraestruturas, como por exemplo de paradas e terminais, e ainda a possibilidade de massificação da utilização de modais de transporte como as bicicletas, com a  implantação de ciclofaixas e/ou ciclovias.

Segundo Ferreira (2007, p.221), para a mobilidade urbana, o planejamento deve considerar o fenômeno da expansão urbano territorial, uso e ocupação da cidade, a população e suas características, reconhecendo que a mesma, para além dos limites formais federativos, é palco de pressões que envolvem o mercado, relações políticas públicas e privadas, sendo (re)desenhada pelo comportamento (in)consciente de quem dela usufrui.

Desse modo, a Política Nacional de Mobilidade Urbana representa uma significativa esperança no alcance de dias melhores, relacionado, obviamente a questões de circulação, tendo em vista representar avanço nas políticas urbanas e ainda fomentando a Administração Pública no sentido de resolver problemas outrora inimagináveis, a partir de apresentação de modais aplicáveis à realidade das cidades.

Importa destacar que a mobilidade adequada se dá a partir da observação das realidades locais e de ações e intervenções no âmbito público e privado. Considera-se aqui as formas de agir da sociedade em geral e também da administração pública, a partir de ações comportamentais, quando se fala da oferta e da utilização de serviços relacionados à mobilidade, tais como infraestrutura, transporte, equipamentos públicos, etc. é importante ainda a participação no que tange às responsabilidades de cada componente da sociedade.

O Art. 225 da CF/1988 dispõe que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.  Diante dessa prerrogativa, é inegável que a escolha pela utilização de modais de mobilidade sustentáveis é de responsabilidade não só do Poder Público, mas também da população em geral. É necessário a conscientização da sociedade como um todo, no sentido de entender que a cidade deve cumprir sua função social, por meio de ofertas públicas como também da participação de toda a sociedade.

As políticas públicas e os instrumentos que apontam para o ordenamento urbano podem ser encontradas na Lei 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade, enumeradas em seu artigo 2º, de maneira exemplificativa. Tal dispositivo funciona como um guia aos municípios para execução da política urbana, conforme preceituado pela Constituição Federal de 1988.

 Notadamente, é importante lembrar que os anseios da sociedade com relação a mobilidade devem ser priorizados, ou seja, uma infraestrutura de mobilidade só será eficiente se garantir à sociedade seu direito de locomoção, e ainda mais, se essa locomoção se der de maneira sustentável. Essa eficiência somente será alcançada por meio de ações imprescindíveis de planejamento e também por políticas públicas urbanas, com vistas sempre no alcance da sustentabilidade.

O planejamento estatal se caracteriza por uma orientação finalística na medida em que intenciona concretizar finalidades públicas com objetivos específicos a nortear o agir estatal (MOTTA, 2011, p. 11).

Para Daniela Di Sarno (2001, p.14), transitar, trafegar, circular, para o trabalho, para a escola, ao centro de compras, aos serviços de saúde ou por lazer são ações inerentes ao ser humano e elementares ao bom funcionamento das cidades, que podem garantir qualidade de vida, acesso a oportunidades de crescimento social e econômico, o que envolve tanto quem reside na zona rural como na zona urbana.

O Estatuto da Cidade, considera em seu art. , I a garantia do direito ao transporte, como forma de facilitar a locomoção das pessoas, não podendo, pelas normas finalísticas do art. , III e IV da CF/1988, causar discriminação ou inacessibilidade.

Segundo Rafael Barczak e Fábio Duarte (2012, p. 13-32), é possível atuar de forma mitigadora nos impactos ambientais gerados pela mobilidade urbana com o planejamento e desenho urbano de redistribuição espacial da ocupação do território, reordenamento ecológico e mudanças das formas e padrões de consumo, que tem incluído a cidade como bem a ser negociado e consumido, pressionando os recursos ambientais urbanos.

O poder público é responsável por possibilitem uma melhor utilização do solo urbano dentro do contexto da mobilidade, haja vista ter como função a atividade urbanística. Nesse contexto, pode exigir uma melhor qualidade do transporte, por meio de seus contratos públicos, bem como incentivar a utilização dos mesmos, por meio de planejamento e políticas públicas adequadas e eficientes.

Conclusão

A falta de diversidade de meios de transporte em várias cidades brasileiras é motivo de descontentamento da maior parte da população, que utiliza o transporte público para se locomover, mas também de quem utiliza o transporte privado, haja visto os inchaços causados no tráfego. Não se pode afastar também a indignação com relação a onerosidade do transporte comparando-se com a qualidade dos serviços oferecidos. Claramente se percebe que os serviços e estruturas relacionadas à mobilidade são de baixa qualidade, ineficientes e precários, abaixo do nível de alcance da dignidade. Notório é, portanto, a urgência de implementação de instrumentos que alcancem uma mobilidade adequada à dignidade humana, perpassando pela sustentabilidade.

Conforme os pilares do desenvolvimento sustentável, a mobilidade deve ser considerada e relacionada com a oferta de transporte e com a questão ambiental. A oferta de transporte engloba o conceito socioeconômico, de modo que sejam compatibilizados o desenvolvimento urbano com o transporte e consequentemente com melhorias sociais sobre deslocamento. Na visão ambiental importa falar sobre novas tecnologias e modais de transporte a serem utilizados em compatibilidade com a sustentabilidade.

A preocupação com o desenvolvimento sustentável tem incentivado o estudo e a implantação, em diferentes setores, de medidas e procedimentos que contribuam para a sustentabilidade em áreas urbana. Em relação aos transportes esta questão pode ser vista através de uma busca pela mobilidade urbana sustentável.

A mobilidade urbana pode ser utilizada como instrumento de sustentabilidade e ainda mais, pode trazer dignidade à pessoa humana, tendo em vista garantir não apenas seu direito de locomoção, mas uma locomoção, uma mobilidade com qualidade, com eficiência, de forma segura e acessível, com oferecimento não só de infraestrutura, mas de equipamentos e conscientização da vida em sociedade.

Como preceitua Pimenta Oliveira (2011, p. 228), o planejamento é, também, uma atividade jurídica, que respalda e vincula a atuação pública de controle, regulação e intervenção no território da cidade. Não é pois, o tratamento da mobilidade como instrumento de desenvolvimento e melhoria uma possibilidade, mas uma obrigação do gestor, no que se refere a planejamento urbano e políticas públicas, com vistas ao alcance do desenvolvimento sustentável e da dignidade da pessoa humana, no que diz respeito às funções sociais da cidade.

 

Referências
BARCZAK, Rafael; DUARTE, Fábio. Impactos ambientais da mobilidade urbana: cinco categorias de medidas mitigadoras. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 4, n. 1, p. 13-32,2012http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/urbe?dd1=6027&dd99=view&dd98=pb. Acessado em 02/10/2017.
DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos de Direito Urbanístico. Barueri: Manole, 2004.
FERREIRA, J. O mito da cidade global: o papel da ideologia na produção do espaço urbano. São Paulo: Vozes/Editora da Unesp/Anpur, 2007.
GUIMARÃES, Geraldo Spagno. Comentários à Lei de Mobilidade Urbana – Lei n. 12.587/12: essencialidade, sustentabilidade, princípios e condicionantes do direito à mobilidade. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. Tradução de Rubens Frias. Primeira Edição, Editora Moraes, São Paulo. 1991.
MOTTA, Fabrício. Cargos, empregos e funções públicas. In: Di Pietro, Maria Sylvia Zanella; MOTTA, Fabrício; FERRAZ, Luciano (Org.). Servidores Públicos na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 2011.
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. O planejamento do Serviço Público de Saneamento Básico na Lei n. 11.445/2007 e no decreto n. 7.217/2010. In. OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

Informações Sobre o Autor

Danielle Batista de Souza

Advogada Mestre em Gestão Ambiental Professora de Direito Agrário e Urbanístico do Centro Universitário 7 de Setembro


Equipe Âmbito Jurídico

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