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Modernidade Líquida e incertezas sólidas

A clássica obra de Zygmunt Bauman, filósofo e sociólogo polonês radicado na Inglaterra, aponta e analisa as mudanças vivenciadas pela sociedade atual que atravessa desde o individualismo nas relações de trabalho, de família e comunidade[1] e, indica que o tempo e o espaço que deixam de ser absolutos e concretos para serem sempre líquidos e relativos.

Zygmunt Bauman tinha formação marxista e era possuidor de extensa produção acadêmica dotada de intensas reflexões sobre a sociedade e o mundo contemporâneo. Nasceu em família judia e, ainda infante teve que fugir com a família por conta do nazismo, exilando-se na URSS. O filósofo polaco chegou mesmo a combater no Exército Soviético, durante a Segunda Grande Guerra Mundial, o que viria mais tarde ser um de seus principais campos de estudo.

A posteriori veio a ser expulso do Partido Comunista, em episódio notabilizado pelo antisemitismo. Inicialmente mudou-se para Tel Aviv e, mais adiante, para a Inglaterra, onde em 1971 adquiriu a nacionalidade britânica e, veio a lecionar na Universidade de Leeds, onde permanecera na maior parte de sua carreira.

Reconhece-se que Bauman foi a voz dos pobres[2], num mundo revoltado e aviltado pela globalização. Em seu último livro intitulado "Viver com o tempo emprestado" que publicou em 2009, analisou a situação e os desafios que enfrenta o mundo globalizado, em que tudo, da natureza ao ser humano converte-se em mercadoria.

Analisou a crise dos refugiados, a perda de direitos e a construção de muros nas fronteiras, ao invés de pontes, foi o tema que dominou o último ensaio de Bauman publicado no final de 2016, intitulado "Estranhos batendo à porta"[3], onde aborda o impacto das atuais ondas migratórias.

Ganhou o prêmio Amalfi de Sociologia e Ciências Sociais em 1992, o prêmio Theodor W. Adorno em 1998 e, venceu ainda o prêmio Príncipe das Astúrias de COmunicação em 2010.

Zygmunt Bauman é sociólogo polonês nascido em 1925, e recentemente falecido em 09.01.2017 com noventa e um anos e, se manteve lúcido e atuante. Tendo publicado mais de quarenta livros, entre os quais a "Modernidade Líquida[4]".

Modernidade Líquida foi publicada no ano 2000, na tão famosa virada do século, sendo finalmente efetivamente lançada em 2001. Nesta ocasião, o mundo estava em pânico, pois havia diversas previsões de panes tecnológicas em programas de computadores espalhados pelo mundo, esperava-se o tão propalado bug[5] do milênio, ou seja, as máquinas e aplicativos de computador estavam apenas preparados para executar até 1999, o que requereria muitas adaptações para que não se instaurasse o caos tecnológico nos diversos setores da vida humana.

O bug do milênio foi um medo coletivo de que os computadores da época não compreendessem a mudança de milênio e, passassem a apresentar uma paralisia geral dos sistemas e serviços em todo o mundo.

Desde 1960, os computadores usavam calendários internos com apenas dois dígitos. Depois do ano 99, viria o 00 que as máquinas entenderiam como 1900 ou como 19100, e não como 2000.

Mas, o medo tinha pouco fundamento, pois já que muitos computadores já registravam datas em quatro dígitos. Porém, mesmo assim, não se impediu que o pânico se espalhasse pelo mundo afora e que fossem gastos muitos bilhões de dólares em todo mundo em medidas preventivas.

Na contextualização, constatam-se que durante a década de 1990, existiram crises econômicas creditadas à globalização crescente, além de guerras como a de Golfo e nos Balcãs. A internet disseminava um conceito de universo social, criando tribos virtuais que iam desde o consumismo desenfreado até a militância de causas ambientalistas.

O próprio título da obra já classificou a modernidade da sociedade que avança em diversos sentidos, porém, é questionável em suas atitudes e o seu contexto enquanto sociedade. A liquidez proposta no Bauman propõe vem do fato que os líquidos não têm uma forma, ou seja, são fluídos que se moldam conforme o recipiente nos quais estão contidos, diferentemente dos sólidos que são rígidos e sofrem uma tensão de forças para moldar-se às novas formas.

Os fluídos movem-se e se adaptam facilmente e, escorrem entre os dedos, transbordam, vazam, e preenchem vazios com leveza e fluidez. Muitas vezes, não são facilmente contidos, como ocorre, por exemplo, em uma hidrelétrica e num túnel de metrô, lugar onde se pode observar as goteiras, rachaduras ou uma pequena gota numa fenda mínima. Os líquidos atingem e penetram os lugares, as pessoas, contornam o todo, vão e vem ao sabor das ondas da conveniência do momento.

A obra traz a análise da liquidez que existe em cinco tópicos básicos, a saber: a emancipação[6], a individualidade, o tempo e espaço, o trabalho e a comunidade.

O filósofo apontou a questão sobre o conceito da liberdade[7], questionando se seria uma benção ou uma maldição. Seria benção, no sentido que o indivíduo pode agir conforme os seus pensamentos e desejos, mas, na contramão, cogita-se de ser uma maldição, já que recai sobre o indivíduo toda responsabilidade de seus atos, ações e opções.

Na modernidade líquida, a hospitalidade dá azo à crítica, onde passa do estado de agente passivo para o agente ativo que questiona e reflete sobre as ações e as razões das coisas e a ação do indivíduo sobre a sociedade e, vice-versa.

A sociedade sólida, ou seja, da modernidade clássica, sendo concreta era impregnada de certo totalitarismo, posto que seja rígida, sem resiliência e, não se adaptava às novas formas.

Abordou Bauman que o principal objetivo da teoria crítica[8] era a defesa da autonomia, da liberdade de escolha e da autoafirmação humana, do direito de ser e permanecer diferente. Noutros termos, a tal hospitalidade à crítica é onde o indivíduo transita em liberdade, e está aberto aos questionamentos e reflexões, o indivíduo então flui pela sociedade, pelo tempo e espaço, pode reclamar ao sentir-se prejudicado, reivindicar os direitos e, exercer deveres, porém, é também responsabilizado pelas ações e reações decorrentes de seus atos.

A respeito da reflexão sobre a emancipação de Bauman traz a tona o pensamento de Max Weber[9] que discursava sobre a impossibilidade de se atingir a satisfação plena, porque o momento da autocongratulação e realização completa moviam-se rápido demais, para mais e mais adiante, fazendo com que o indivíduo fosse impulsionado para frente, perseguindo outros objetivos e anseios.

Para Bauman, há duas características que fazem a forma de modernidade ser nova e diferente, uma que relata sobre o declínio da crença do fim do caminho no qual andamos, ou seja, para ele a modernidade é caminho infindável de oportunidade, desejos, realizações a serem perseguidas continuamente.

A segunda crença cogita sobre a mudança da desregulamentação e a privatização de tarefas e deveres modernizantes, ou seja, a tarefa apropriada ao coletivo, simbolizado na figura da sociedade, que, sofreu uma fragmentação para o indivíduo.

A responsabilidade mais uma vez recai sobre o indivíduo que escolhe que caminho a trilhar e o modelo a ser seguido ao invés de seguir normas pré-estabelecidas por governos ou líderes impostos.

O coletivismo foi a primeira opção daqueles que se situavam na ponta da recepção, ou seja, sendo passivos, incapazes de tomar decisão, inertes em suas próprias limitações que se deixavam levar pela modernidade sólida.

A individualidade[10] aponta a distância existente que tem com a fatalidade tida como capacidade realista e prática de autoafirmação que está diminuindo. O indivíduo aprende a expressar-se de maneira adequada com o meio exterior e procura influenciar o meio para alcançar seus objetivos, fazer amigos, trabalhar em uma rede social que é complexa e emaranhada de agentes ativos e dotada de fluidez.

Há uma distinção entre o cidadão que é indivíduo que busca seu próprio bem, através do bem-estar da cidade e, o indivíduo que tende a ser morno, cético ou mesmo prudente quanto à causa comum, ao bem comum, ou mesmo, à sociedade justa. O indivíduo busca sua autorrealização através de meios que o permitam tal sucesso, além disso, a individualização chegou para ficar com todas as suas implicações decorrentes.

Ponto importante do debate é a respeito da distinção entre o indivíduo de jure e o de facto[11]. O primeiro significa não ter ninguém para culpar sobre seus fracassos e desilusões, a não ser a si mesmo, enquanto que o indivíduo de facto é o que ganha controle sobre seu destino e toma as decisões que assim deseja.

Entretanto, para seja indivíduo de facto é necessário que seja cidadão. O espaço privado está colonizando o espaço público, onde o indivíduo de facto age e interage com o todo em seu redor.

Traz uma crítica da política-vida[12] onde a verdadeira libertação requer atualmente, e, não menos, da esfera pública e do poder público, onde a autonomia individual carece de medidas públicas, na medida em que flui da sua relação interpessoal e o complexo meio da sociedade autônoma.

O segundo conceito trabalhado por Bauman é a individualidade que trouxe uma revisão de conceitos oriundos da modernidade sólida tais como os de Orwell[13], em sua obra "1984".

Nesta obra apontou que a liberdade individual era tolhida e controlada por força maior simbolizada pela figura do Grande Irmão (Big Brother), que tudo vê, tudo ouve e tudo sabe. É quase um Deus.

De fato, Orwell foi profético pois hoje é frugal principalmente nos meios urbanos os monitoramentos providos por câmeras de segurança e os controles cada vez mais ferrenhos do Estado sobre o agir e o viver do indivíduo.

É controlador e disseminador de regras a serem seguidas por todas as pessoas. Acrescente-se, reforçando este ponto de vista, conforme cita Horace Walpole[14] que escreveu que "o mundo é uma comédia para os que pensam e, uma tragédia para os que sentem", ou seja, para os que racionam e refletem sobre o contexto conseguem formular ou até mesmo agir e intervir sobre os demais, enquanto que outros que sentem, movem-se pelo coração, sofrem porque podem ser manipulados, atingidos ou frustrados pelo não alcance de suas metas.

Enquanto que o capitalismo[15] pesado segue certa ordem, ou seja, significa monotonia, regularidade, repetição e previsibilidade. Um exemplo é o caso fordismo que em seu apogeu representou o modelo de industrialização, de regulamentação e de acumulação.

As pessoas tinham funções bem definidas no processo de fabricação dos carros, algumas apenas apertavam arruelas de parafusos da porta, outras colocavam pneus, outras os bancos e assim por diante, com um alto grau de especialização para que o processo fosse ágil e eficiente. O que permitiu o alto volume de vendas naquela época, mas o indivíduo não tinha poder de escolha nem mesmo do modelo ou cor do carro, havia somente o Ford T.

Os empregados eram contratados apenas para uma função, limitando seus potenciais, habilidades e capacidades de desenvolvimento. O modelo do fordismo era um sistema que se autoreproduzia, orientado pela ordem, gerando uma engenharia social.

É negativa a visão de Bauman sobre o capitalismo, porém, cabe ao indivíduo descobrir e potencializar suas capacidades intelectuais, manuais, ou mesmo, físicas e, ainda, aproveitá-las da melhor maneira possível para sua autorrealização, ou seja, com a máxima eficiência possível, de preferência alcançando a eficácia.

Afinal, no mundo capitalista existe o agente consumidor, que utiliza os bens e/ou serviços disponíveis e, sua frustração maior não é a falta do produto, mas sim, a multiplicidade de escolhas disponíveis. E, que será necessário abrir mão de várias possibilidades para escolher apenas uma ou algumas alternativas de produtos e bens.

No pensamento filosófico de Bauman, talvez quisesse indicar que pode existir maior espaço para um tema tão complexo quanto o comportamento do consumidor.

No capitalismo leve e fluido, as autoridades não mais ordenam, mas sim, tentam seduzir e tornaram-se agradáveis às pessoas que os escolhem. A tão propalada diversidade de opções que cada indivíduo possui na modernidade líquida, o afoga nas dúvidas, inquietações e nas indecisões.

Há relativo maniqueísmo no capitalismo líquido, com o uso da imagem de personalidades renomadas, as chamadas celebridades, que servem para passar credibilidade ou mesmo certa autoridade aos produtos e serviços que estão à disposição para o consumo.

Apontou que a individualidade, as condições de vida em questão levam homens e mulheres a buscar exemplos, e não propriamente líderes, e neste ponto poderia haver um dever sobre ser líder e o ser o exemplo.

No comportamento do consumidor, uma das áreas mais estudadas atualmente, é justamente feita a abordagem sobre o efeito da beleza do corpo e da alma, sobre o consumidor e as suas escolhas de consumo. Sendo que muitas vezes a alma, o comportamento e as ações da pessoa em questão valem muito mais.

Um contraponto proposto por Bauman é que procurar exemplos e/ou orientações contínuas o que pode se transformar em vício, onde a pessoa torna-se dependente como se fosse uma droga, que quando privado, sofre convulsões e todo vício, como é sabido, é autodestrutivo.

O código em que consiste a política de vida é onde está inserida a pragmática de comprar, ou seja, onde “o ter” é muito mais importante que “o ser”. O indivíduo procura autoafirmação quando passa a ter bens e produtos para sobressair-se diante das demais pessoas da sociedade. O desejo é ilimitado quando o indivíduo alcança o patamar imediatamente superior, já almeja outro ainda maior e, assim por diante.

Cabe ressaltar que Bauman teria abordado o fato de que existe a modernidade líquida, enquanto que a modernidade sólida é a que pauta a sociedade de consumo, eivada de capitalismo perverso, que é estimulado por outras áreas como o marketing, propaganda, biogenética e a neurociência e, tantas outras destinadas a programar e conduzir o comportamento humano.

Na sociedade de consumidores individualizados, tudo precisa ser feito por conta própria e a ironia consiste no fato que ir às compras é ato que encerra em si próprio, a atividade individual de comprar.

A identidade do ser é aquela em que o indivíduo tenta solidificar o fluído, ou seja, é marcada quando se compartilha das mesmas coisas, como se fosse uma marca e, a busca do eterno e imutável.

A identidade é única e pessoal e somente pode ser consolidada quando se adquire o objeto que todo mundo compra e deseja.

A verdade é que o consumidor entra em conflito pela amplitude das escolhas que estão disponíveis no mercado, e então, é tomado da angústia da decisão, que deve ser a correta em frente de tantas diversas alternativas, a responsabilidade do indivíduo livre pela sua decisão e o risco assumido, fazem parte do processo de consumo cíclico e interminável.

A mudança de identidade implica na quebra com os antigos preceitos, e corresponde a uma iniciativa privada e individualizada, porém, implica em assumir riscos e romper com determinados vínculos e certas obrigações.

Por derradeiro, Bauman nos lega uma reflexão sobre a individualidade que traz em si competitividade agressiva, onde o indivíduo está só e dependente apenas de si mesmo, para prover suas escolhas, pensamentos e ações, ao invés de unificar uma condição humana regida pela cooperação e solidariedade.

Ao analisar a comunidade, Bauman nos remete a passado remoto, ou seja, a um resquício de utopia sobre o bem viver em harmonia entre os vizinhos e os demais que nos cercam, seguindo as melhores regras de convívio.

Porém, Bauman, traz a baila um comentário de psiquiatras sobre o sentimento que indivíduo nutre, pensando e acreditando que os outros estão sempre a conspirar contra ele. É a esquizofrenia. Com ideias antagônicas sobre o bem viver e a conspiração, o ideal de comunidade seria uma utopia a ser atingida. Pode-se afirmar que a comunidade é versão compactada do viver junto, porém, quase nunca se concretiza.

No que se refere à cidade, esta se traduz em ser um ajuntamento de pessoas estranhas umas das outras, que não tiveram nenhuma afinidade prévia e provavelmente nunca o terão.

E, nesse trecho da obra, Bauman relata que novamente há oportunidade de consumo imediato, sem compromisso com o outro indivíduo, é como uma espécie de máscara pública que usamos para viver numa cidade, o que seria a essência da civilidade, que permite o engajamento e a participação pública, sem a exposição crua do verdadeiro "eu". A cidade seria como um espaço onde as pessoas podem compartilhar, sem serem pressionadas, ou mesmo, induzidas a retirar a tal máscara.

A ideia de Bauman transpassa mais de uma vez, é quando o consumidor ou comprador vai às compras, é como se fosse uma viagem no espaço e, secundariamente, também uma viagem no tempo.

Os espaços seriam lugares que se atribuem significados, sejam eles de consumo, de vivência, ou outro lugar, no qual as pessoas lhe atribuam algum valor. Já os espaços vazios são justamente o contrário, onde não há significado atribuído aos mesmos.

Destaca que "é uma patologia do espaço público que resulta numa patologia da politica: o esvaziamento e decadência da arte do diálogo e da negociação, e a substituição do engajamento e mútuo comprometimento pelas técnicas de desvio e evasão".

Percebe-se aqui a antiga recomendação dos pais e avôs para os seus netos: não fale com estranhos, mantenha a distância de quem você não conhece, eles podem fazer mal e sequestrá-lo. Em análise psicológica[16] mais profunda, explicaria a eterna fuga ao debate e da negociação entre pessoas.

A definição um tanto simplista de espaço seria o que se pode percorrer em certo tempo e, quanto o conceito de tempo seria o que se precisa para percorrê-lo. Há muita discussão sobre a definição exata do espaço e tempo, haja vista, inúmeros debates entre os físicos, matemáticos e ciências duras ou mesmo a filosofia, contribuindo com suas frutíferas reflexões.

A modernidade é delineada num tempo e, este, tem uma historicidade. O tempo e o espaço deveriam ser emancipados de seus grilhões estanques e sólidos, pois neste mundo fluído, o espaço fica maior com máquinas cada vez mais velozes, com invenções e desenvolvimento de tecnologias, onde cabem cada vez mais coisas dentro do mesmo tempo, com a ocorrência de eventos simultâneos, rápidos, conjugados e, assim ampliando também o espaço.

Percebe-se que na modernidade passada, a riqueza e o poder dependem do tamanho e qualidade do hardware que são lentos e complexos no movimento, em antítese a modernidade leve. Fluem como os sistemas simbolizados no software, com as pessoas dispersas desenvolvendo capital intelectual e interligando as tecnologias, pessoas, objetos, espaço e tempo[17].

Porém, a rapidez do software no tempo, desvaloriza a ideia de espaço, como sendo aquele espaço físico onde as pessoas se reuniam, trabalhavam e conviviam.

A criação do espaço virtual que se desenvolveu no início do século XXI depois da publicação da "Modernidade Líquida" com os avatares, a fazenda virtual do Facebook e, assim por diante. A urgência de ir a algum lugar cede ao espaço virtual, no qual podemos ir a qualquer lugar, no momento em que quiser. A volátil e dinâmica presença, no espaço virtual, nos dá certa onipresença e onisciência.

O poder líquido está em quem pode se liquefazer, ou seja, quem é livre para tomar decisões, ocupa maior espaço e, é livre para movimentar-se quase de modo imperceptível. A administração no capitalismo leve consiste em manter a mão de obra afastada do espaço ou mesmo forçá-la a sair, onde a era do software não mais prende e permite a liberdade de movimento, volátil e inconstante, por sua dinâmica de desenvolvimento em qualquer espaço e tempo ao redor do mundo.

A vida instantânea parece uma viagem infinita com múltiplas possibilidades a serem realizadas numa fração de tempo e na miniaturização dos componentes para caberem mais em menor espaço. Costuma-se afirmar que o dia deveria ter mais que apenas as vinte e quatro horas para fazer tudo que seria necessário. Atualmente, as pessoas já comentam que será preciso mais de uma vida para realizar e obter o que desejam.

Concluímos que o amanhã é tão efêmero e irreal, que é utilizado inclusive para passar credibilidade e esperança para as pessoas, numa realização que talvez nunca se concretize. O homem foi sustentado por dois pulares, entre o passado e o futuro construindo uma ponte entre a durabilidade e transitoriedade, mas viver numa modernidade líquida implica em assumir responsabilidades e viver o momento instantâneo em seu tempo e espaço únicos..

No que tange ao trabalho, Bauman começa pela ideia que para dominar o futuro, é necessário ter os pés bem fincados no presente, porque o indivíduo que tem o poder sobre o presente pode expandir-se no futuro e até mesmo declinar do passado. Vale lembrar que, os grandes impérios da Antiguidade como o romano, por exemplo, declinou décadas mais tarde e, não se perpetuou no poder, apesar da hegemonia gloriosa do passado que um dia foi o presente.

Bauman propôs que o progresso que sustenta a autoconfiança em si mesmo e no desenvolvimento. O estágio da modernidade líquida no qual o progresso está inserido não é mais considerado uma medida temporária e transitória que conduz a realização duradoura do bem-estar e viver, mas sim, um desafio e uma necessidade perpétua e, quiçá, infindável de permanecer vivo e bem. Aliás, na era contemporânea é obrigatório parecer ser feliz e bem-sucedido.

Afinal, como o tempo é escasso e instantâneo, o progresso precisa ser consumido e usufruído com rapidez, que o momento exige, antes mesmo que o outro progresso se faça perceber.

Numa vida guiada pelo preceito da flexibilidade, as estratégias e planos de vida só podem ser de curto prazo, tal preposição colocada por Bauman merece um contraponto, se o que há, são planos de curto prazo, então qual seria a razão de dedicar-se longos anos aos estudos, por exemplo, sem um objetivo maior, que é ser doutor em medicina neurológica, ou mesmo, as empresas fazerem planos estratégicos considerados de longo prazo, que estão em torno de cinco a dez anos, se não houvesse tempo além do curto prazo?

A simplificação pura do tempo instantâneo e fugaz, talvez não devesse simplesmente expandir em quaisquer direções.

A relação do trabalho onde o indivíduo tem se movimentado do estado sólido, com planejamentos de longo prazo como trabalhar por longos anos numa mesma empresa, até a sua aposentadoria, cede lugar ao movimento curto, no qual o trabalhador articula e planeja algo em torno de dois movimentos futuros e deixa o sistema fluir.

O “remendar” proposto por Bauman talvez seja o termo mais apropriado nessa nova versão de relação de trabalho, no qual o plano a longo prazo que é substituído pelo curto e, é necessário fazer ajustes na engrenagem com a máquina ainda em movimento.

Existe no contemporâneo um erro estratégico conforme demonstrou Bauman de que sendo encessários oito homens para carregar um grande tronco inteiro em uma hora, não será possível que um só homem caarregue sozinho, mesmo que sejam oito horas. Partimos o troco e, afora, queremos remendá-lo.

A modernidade líquida julga poder dividir o fardo da humanidade em partes menores e distribuir a carga com todos, mas esquece de que esta realidade não se parte em pedaçoes e que a única maneira de transportar a referida carga, é por meio do trabalho conjunto e simultâneo de todos.

Assim, com o advento de altas taxas de desemprego e desindustrialziação, chegou-se a hora de remendar o tronco e unir os esforços de oito homens. Afinal, tenta-se em vão, manter a estrutura com um paradigma antigo, sólido, duradouro e resistente a longo prazo, com os quase findos recursos da nova ordem, onde são parcos e oferecem curtíssimo prazo.

A ascensão do trabalho ocorreu quando o indivíduo descobriu que este era uma fonte de riqueza, assim a razão tinha que buscar, utilizar e explorar essa fonte de modo mais eficiente. No capitalismo pesado, a relação entre o trabalho e a empresa, ou melhor, o capital que deveria ser atado, de tal forma que caminhasse sempre junto, de forma que o sistema, não propiciasse a emancipação do indivíduo. Ele ficaria atrelado e subjugado aos desejos e ordens de outrem e o tempo seria considerado de longo prazo.

No capitalismo leve há então uma nova mentalidade que divulga o curto prazo e os interesses do indivíduo não atrelados necessariamente ao capital. A flexibilidade de ir e vir, o espaço virtual, a mobilidade de transitar por outras esferas apregoa que a vida no trabalho está sujeita a incertezas, o qual gera força individualizadora.

Há uma fragilidade que permeia as relações no trabalho, um desengajamento unilateral. Entretanto, poderia ser acrescentado o aspecto bilateral, onde as partes envolvidas perseguem seus próprios objetivos e interesse independente, ou seja, o indivíduo e a empresa são entes independentes.

Assim, os antigos funcionários cedem lugar aos colaboradores que tem menor vínculo com a empresa, na medida em que a relação de comprometimento no longo prazo se exígua. Os interesses das empresas e dos indivíduos[18] não ficam claros para nenhuma das partes e assim para evitar uma frustração tendem a desconfiar de qualquer lealdade em relação ao local de trabalho ou projetos futuros.

A procrastinação que é o ato de adiar a ação, neste sentido tem uma tendência a romper a qualquer limite de tempo e, a estender-se indefinidamente. A satisfação, por sua vez, fica relegada ao adiamento como uma provação simples e pura, uma problemática que sinaliza certo desarranjo social e/ou inadequação pessoal.

A verdade é que o trabalho na modernidade leve ou líquida, condensa as incertezas quanto ao futuro e ao planejamento a longo prazo, a insegurança estabelecida nas relações e a falta de garantias entre as partes. No mundo do desapego estrutural, ninguém se sente suficientemente seguro ou amparado, ou seja, a flexibilidade é o valor que rege os novos tempos.

Assim a satisfação instantânea é ferozmente perseguida, ao contrário do adiamento da mesma, uma oportunidade não aproveitada é uma oportunidade efetivamente perdida. Não obstante, a satisfação instantânea ser a única maneira de sufocar o sentimento de insegurança, recolocada aqui, não a única, mas sim, uma das formas para dominar o sentimento de insegurança, haja vista, que existem outros subterfúgios a serem aplicados no campo da psicologia com esse intuito.

Segundo Bauman, a comunidade ideal seria um mundo que oferece tudo que se precisa para levar uma vida significativa e compensatória. É importante para o indivíduo participar do meio e interagir com ele, mesmo que haja a dicotomia entre a liberdade do indivíduo e as mínimas regras estabelecidas.

O patriotismo versus nacionalismo, no qual o primeiro, em geral, é caracterizado pelo positivismo e o segundo pela carga negativa, ou seja, o nacionalismo é certo sentimento de ódio e revolta, no qual os outros países estrangeiros estão conspirando algo ruim contra ele.

O país entende que está sendo subvalorizado e subrespeitado e o patriotismo é encarado como lado leve que enaltece o país, ressaltando as suas boas qualidades, sendo movimento do "eu enquanto país". O nacionalismo, a seu turno, parece como ente que tranca e amordaça enquanto que o patriotismo parecer ser mais libertador, leve, tolerante e hospitaleiro.

A comunidade de semelhança é utilizada como certo "espírito de nós", que seria com o intuito de se disseminar a responsabilidade de ações e consequências, resumindo: “não fui eu, mas sim nós, portanto o outro também é responsabilizado”. Essa imagem de comunidade como uma ilha de prosperidade e tranquilidade caseira, numa mar revolto e traiçoeiro, cativa à imaginação das pessoas.

A globalização[19] parece ter maior vigor para a disseminação da competitividade entre os povos e países, a luta pela sobrevivência, na busca de novos mercados, explora a mão-de-obra mais barata e, estimula a força da inimizade, mais do que promove a coexistência pacífica das comunidades. As populações sedentárias da modernidade sólida resistem às populações nômades mais propensas a modernidade líquida, atitude que motiva novas regras e deslocamentos de poder criando um conflito de pensamento e contrariedade.

No contexto da modernidade líquida a figura do cloakroom[20], ou a comunidade de carnaval é indispensável. O termo cloakroom capta bem um de seus traços característicos, no qual o espectador deixa suas roupas e regras utilizadas na rua e veste-se de acordo com a ocasião do espetáculo e, assume novas regras durante o tempo daquela apresentação. Entretanto, a comunidade de carnaval dissipa as energias de impulsos de sociabilidade ao invés de condensar e, assim, contribui para a perpetuação da solidão.

O indivíduo conquista uma liberdade de ação e pensamento, na busca contínua de realização e autoafirmação quebrando vínculos com o meio, como por exemplo, o trabalho no capital pesado, onde havia relação mais sedentária entre as pessoas e o capital.

O tempo atua igualmente na comunidade de semelhança no capitalismo leve, com a inserção do indivíduo emergindo de conflitos do "eu" e do "nós" onde há liberdade, porém, que também exige a responsabilidade associada à ação.

A obra de Bauman deve sempre relida ao longo do tempo, a afim de que novas reflexões e progressos[21] sejam revisitados e conquistados à luz do entendimento da modernidade líquida.

O conceito de modernidade líquida fora construído sendo muito influente nos estudos sociológicos contemporâneos.

O contexto da modernidade se refere ao período que se seguiu ao término da Segunda Grande Guerra Mundial que trouxe muitas mudanças rápidas e profundas, e várias características nas nossas relações sociais, instituições de Estados, construções culturais e várias outras configurações do mundo social que se arquitetou durante o período chamado de moderno.

As mudanças, para alguns estudiosos, foram tão significativas que eles chegaram a acreditar que é preciso cogitar na superação ou o fim do período moderno, ou da pós-modernidade, por assim dizer.

Essa transição teria ocorrido em razão da quebra de paradigmas que seriam os pilares da modernidade sob a ótica sócio-histórica. Tais pilares seriam narrativas e ideologias fundadoras de explicações sobre o mundo social moderno que fundamentava ações e perspectivas que agora não mais se sustentam (e nem mais prevalecem).

Entre os teóricos que estudaram a modernidade tardia, ou da pós-modernidade, Zygmunt Bauman é uma referência certeira e absoluta. A sua vasta e rica obra trata de uma série de mudanças que se estabeleceu nas derradeiras décadas e que exerceu, e ainda exerce, enorme influência sobre o mundo social contemporâneo.

Entre estas, a globalização, representa uma das maiores forças de transformação da paisagem sócio-política moderna. A extrema aproximação, ou o encurtamento das distâncias, transformou as relações humanas de várias formas.

Bauman cunhou o termo “modernidade líquida” para apontar a fluidez das relações humanas[22] no mundo contemporâneo. Tal conceito refere-se ao conjunto de relações e dinâmicas que se apresentam em nosso meio contemporâneo e que se diferenciam das que estabeleceram na modernidade sólida.

 A ideia fulcra-se na construção do conceito sócio-histórico de modrenidade que atravessa enorme período da história humana e da mesma forma marca as mudanças no pensamento e nas relações humanas e instituições sociais.

 A modernidade sólida se iniciou com o renascimento, quando os ideais racionalistas iniciaram a ganhando força diante do pensamento tradicional, ampliando-se no decorrer do tempo, e, tornando-se uma ruptura com as formas pretéritas de organização social.

Além disso, os paradigmas constituídos nos períodos pré-modernos lentamente lentamente se dissolveram e deram lugar às novas formas de manutenção do mundo social. A religiosidade, por exemplo, abandonou o lugar de ser a única provisora e legítima emissora de preceitos morais, responsáveis em grande parte pela mediação das ações dos sujeitos da época e, foi substituída pela formalização racional das leis civis e da ética. Esse mesmo processo de racionalização foi, em grande parte, o responsável pela maioria das mudanças[23] que se instauraram no período moderno.

Tal momento é que Bauman se referiu como modernidade sólida, pois ainda há fixidez nas relações sociais entre os sujeitos e instituições sociais. A construção do nacionalismo por exemplo, é um dos pontos que Bauman diz servir de apoio para formação da identidade do sujeito na modernidade sólida.

Destaque-se outra alteração profunda desempenhada pelo ideal do progresso[24] baseado no pensamento racional e na ciência que se tornaram motores de avanços tecnológicos que se estabeleceram no período e, que, por sua vez, mudaram toda a organização com a qual se relacionavam.

O trabalho, por exemplo, que antes se baseava no processo de aprendizagem pautado na imitação ou tradição passada de pais para os filhos, agora se estabelece e formaliza na escolas técnicas em razão do progressivo aumento da complexidade de tarefas laborais relativas às indústrias e suas máquinas maravilhosas.

Esses exemplos servem para demonstrar que, enquanto os moldes tradicionais foram, sim, desconstruídos, esses foram também reconstruídos com outras configurações no momento inicial do período moderno, mantendo sua forma sólida e seu papel de ordenação do mundo social.

A modernidade líquida se revela em ser toda estrutura social montada em torno da relativa fixidez moderna (enfim, dilui-se). As relações transformam-se em voláteis, na medida em que os parâmetros concretos de classificação dissolvem-se. Trata-se da individualização do mundo, em que o sujeito, agora se encontra livre, em certos pontos, para ser o que conseguir ser mediante suas próprias forças.

A liquidez que Bauman a que se referiu é justamente essa inconstância e incerteza que a falta de pontos de referência[25] socialmente estabelecidos e generalizados gera.

São tais padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar, que podíamos selecionar, como pontos estáveis de orientação e referência e pelos quais podíamos nos guiar, que hoje estão cada vez mais em falta.

Isso não quer dizer que nossos contemporâneos sejam livres para construir seu modo de vida a partir do zero e segundo sua plena vontade, ou que não sejam mais dependentes da sociedasde para obter as plantas e os materiais de construção[26].

Mas quer dizer que estamos passando de uma era de grupos de referência predeterminados a uma outra era de comparação universal, em que o destino dos trabalhos de autoconstrução individual (…) não está dado de antemão, e tende a sofrer numerosas e profundas mudanças antes que esses trabalhos alcancem seu único fim genuíno: o fim da vida do indivíduo.

O que acontece atualmente, é uma repetição do que antes já acontecia na passagem do mundo pré-moderno para o moderno. O derretimento dos parâmetros sociais modernos é obra das mesmas forças de desconstrução dos paradigmas das sociedades tradicionais anteriores às sociedades modernas. Todavia, não existe uma reconstrução de parâmetros sólidos. Pois tais parâmetros permanecem em sua forma fluída, ou líquida, podendo tomar a forma que as forças sociais e individuais, em momentos específicos determinarem.

Assim, temos o sujeito líquido, aquele em que as inúmeras identidades se manifestam em momentos diferentes. Um professor que se identifica como tal, por exemplo, agirá de uma forma diante de sua sala de aula e, em meio a uma torcida organizada de seu time, de outra forma. Os dois são parâmetros de identificação distintos, que muitas vezes poden ser conflitantes, mas que constituem a construção identitária de um mesmo sujeito.

Leandro Karnal, historiador, filósofo e professor da UNICAMP, notável intelectual contemporâneo elabora interessante reflexão sobre Bauman, analisando o mundo líquido, o individualismo exacerbado e mundo transitório cada vez mais descartável. Ser capaz de mudar é imperativo da dinâmica da sobrevivência contemporânea.

O mundo líquido é marcado por sólidas incertezas, com uma angustiante liberdade que é experimentada amargamente. E, o tom anárquico das relações humanas desperta o desespero, um certo sofrimento aparentemente sem causa. Embora a correlação entre angustia e liberdade já fora tratada no pensamento de Jean-Paul Sartre[27], filósofo existencialista do século XX.

Segundo Sartre[28], a liberdade nos condena, pois não somos determinados e, portanto, inteiramente responsáveis por nossos atos. Então, estou condenado a arcar com "o eu" que projeto nas minhas escolhas, sem poder relegar aos critérios exteriores a justificativa e o sucesso de minhas ações.

Transferir a responsabilidade sobre nossas ações a fatores externos é uma forma comum de abdicar da liberdade e do próprio engajamento político, assim, sendo isento de condenação moral da angústia.

Tanto as observações sociológicas de Bauman, como as do pensamento existencialista, foram adjetivados como pessimistas e cinzentos, trazendo uma visão macabra de mundo, destoando, da versão poética e romântica da vida.

Mas, o mundo é dialético, e a construção humana jamais é estática e, está sempre em processo de vir a ser, de se refazer e, a parte que nos cabe, é engajar-se conscientemente nessa transformação, seja para instituir ou destituir[29].

O cimento social não é mais capaz de sustentar as paredes de um edifício que está prestes a ruir. O medo, o desespero, a angústia nos esperam do lado de fora dos muros, mas é preciso resistir às tentações de abraçar a todo custo a ordem, seja este curso, a própria tirania.

Enfim, é importante buscar “a vida viva”, e não a um projeto programado de viver morto, dentro de um padrão, movimento de existência retilíneo e uniforme num mundo onde a possibilidade é múltipla e plena e, sempre renovável.

 

Referências:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio Janeiro: Zahar, 2003.
GESTA, Marcelo. Resumo de Modernidade Líquida de Zygmunt Bauman. Disponível em: http://marcelogesta.blogspot.com.br/2013/09/modenidade-liquida-resumo-para-resenha.html Acesso em 09.01.2017.
RUANO, Eduardo. A Era da Liquidez: Parte I (Modernidade Líquida). Disponível em: http://www.laparola.com.br/a-era-da-liquidez-parte-i-modernidade-liquida Acesso em 10.01.2017.
SARTRE, Jean-Paul. Existencialismo é um Humanismo; A imaginação; Questão de método. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha; Traduções de Rita Correia Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. – 3. Ed. – São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Os pensadores).
SPINELLI JÚNIOR, Vamberto. Bauman e a Impossibilidade da Comunidade. Revista Eletrônica de Ciências Sociais. Número 11. Outubro de 2006. Págs. 01-13 Disponível em: http://www.cchla.ufpb.br/caos/n11/01.pdf Acesso em 10.01. 2017.
Livros de Bauman
Aprendendo a pensar com a sociologia. Coautoria com Tim May Disponível em: https://vk.com/doc259715455_314859763?hash=a6f585412bf1a20884&dl=60c5d9e0889ad1eba3
Notas
[1] A palavra “comunidade” pode ser usada para descrever desde aldeias, clubes e subúrbios até grupos étnicos e nações. Não obstante esse largo espectro conceitual, a definição de comunidade tem passado sobretudo pela afirmação de sua dimensão subjetiva: a comunidade se estrutura a partir de um sentimento de comunidade, de um senso de pertença a determinada coletividade.
[2] Em “Vidas Desperdiçadas” em que Zygmunt Bauman sistematizou a exclusão: 1) por meio da construção da ordem, 2) por meio do progresso econômico e 3) por meio da globalização.
[3] Tais pessoas que estão vindo agora são refugiados que não são miseráveis, sem pão ou água. São pessoas que, ainda ontem, tinham orgulho de seus alres, de posições na sociedadde, que, frequentemente, tinham um alto grau de educação e, assim por diante. Mas, agora são refugiados. O que eles econtram aqui? A precariedade. O precário vive na ansiedade. No medo. É como andar sobre areia movediça. Enfim, os refugiados simbolizam e personificam nossos medos. Ontem eram pessoas poderosas em seus países. Como nós somos aqui e e agora. Mas, veja o que aconteceu.
[4] Bauman explica como surgiu essa sua designação de liquidez:                                 “Procurei um termo que não nos diria apenas o que essa condição deixou de ser, mas também que qualidade ela adquiriu que a distingue da modernidade clássica e, por conseguinte, exige uma nova caixa de ferramentas analítica e uma nova agenda para estudos sociais e culturais. O termo “liquidez” é o que melhor se adéqua ao meu propósito: o aspecto definidor de “liquidez”, a incapacidade de reter sua forma por muito tempo e sua propensão a mudar de forma sob a influência de mínimas, fracas e ligeiras pressões é o traço mais óbvio e, em minha opinião, a característica mais consequente de nossa atual condição sociocultural.” (In: RUANO, Eduardo. A Era da Liquidez: Parte I (Modernidade Líquida). Disponível em: http://www.laparola.com.br/a-era-da-liquidez-parte-i-modernidade-liquida Acesso em 10.01.2017).
[5] Enfim, esse é um bug que representa uma ameaça, que se insinua perigosamente no encolhimento do welfare, no recrudescimento da exclusão social. E, no interior da ciências sociais, no descuido das questões gerais, no abandono das generalizações, que, logicamente, não excluem o estudo de casos e causas particulares mas não podem, de qualquer forma, se confundir inteiramente com esses últimos.
[6] No final da segunda Guerra Mundial, Herbert Marcuse traz-nos a ideia de Emancipação: “Devemos nos emancipar, libertar-nos da sociedade”. A ideia que não era um problema para Marcuse, trazia, sim, um problema em si, ou seja, não havia “base de massas” para esta libertação-emancipação. Pois dentre poucas pessoas que desejavam serem libertas, poucas estavam dispostas a agir para isso, pois não sabiam qual o resultado novo que desta ação trar-lhes-ia no futuro.
[7] Libertar-se é, enfim, livrar-se de algum tipo de grilhão, é começar a sentir-se livre para mover e agir. O sentir-se livre significa não experimentar dificuldades, obstáculo, resistência ou qualquer outro impedimento aos movimentos pretendidos ou concebíveis. A liberdade é ilusória talvez, pois “quando se sente” ou “se fosse sentida” a liberdade não seria de fato liberdade, pois as pessoas poderiam estar satisfeitas com algo que realmente não seja satisfatório. Poderiam estar vivendo na escravidão, mas sentindo-se livres, sem necessidade de libertar-se e tornarem-se verdadeiramente livres.
[8] É hoje a grande missão da teoria crítica, ou seja, recombinar novamente a individualização formal e a política, repovoar a “ágora pública”; reconectar as duas faces do abismo entre indivíduos e cidadãos, reaprendendo com o passado e aprendendo com o presente e, assim, realizando a emancipação humana.
[9] Karl Emil Maximilian Weber, mais conhecido como Max Weber (1864-1920) foi intelectual, jurista e economista alemão considerado um dos fundadores da Sociologia. Considerado um dos fundadores do estudo moderno da sociologia, mas sua influência também pode ser sentida na economia, na filosofia, no direito, na ciência política e na administração.
Sua obra mais famosa são os dois artigos que compõem “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, com o qual começou suas reflexões sobre a sociologia da religião. Weber argumentou que a religião era uma das razões não-exclusivas do porque as culturas do Ocidente e do Oriente se desenvolveram de formas diversas, e salientou a importância de algumas características específicas do protestantismo ascético, que levou ao nascimento do capitalismo, da burocracia e do estado racional e legal nos países ocidentais.
Em outro trabalho importante, "A política como vocação", Weber definiu o Estado como "uma entidade que reivindica o monopólio do uso legítimo da força física", uma definição que se tornou central no estudo da moderna ciência política no Ocidente. Em suas contribuições mais conhecidas são muitas vezes referidas como a "Tese de Weber".
[10] A metáfora utilizada por Bauman é do caçador e do jardineiro para simbolizar a era pré-moderna e a atual era da liquidez. Na era pré-moderna a presença humana adequava-se à persona do jardineiro que tem visão progressista, de longo prazo, e se envolve em planejar tudo aquilo que deseja antes de agir. O jardineiro sabe exatamente quais plantas devem ser plantadas e quais devem ser cortadas e, sabe que tudo depende de seus esforços e cuidados e, não de uma força exterior.
Porém na era da liquidez, afirmou Bauman, a metáfora do caçador é a que melhor significa a presença humana. A principal tarefa do caçador é proteger seu território de qualquer ameaça ou interferência externa, com intuito de preservar tudo aquilo que acredita fazer parte do equilíbrio natural. O caçador enxerga uma estabilidade funcional em cada elemento no mundo e, não se importa em explorar os recursos e batalhar com outros se a circunstância assim o requerer. O caçador percorre incansavelmente todo seu território de ação, a fim de certificar de que tudo está em total conformidade com seu meio. No mais, o caçador tem comportamento predatório e sua vida é norteada basicamente por vigilância e competição.
[11] O indivíduo de jure (falso) não pode se tornar indivíduo de facto sem antes tornar-se cidadão. Não há indivíduos autônomos sem uma sociedade autônoma, e a autonomia da sociedade requer uma auto-constituição deliberada e perpétua, algo que só pode ser uma realização compartilhada de seus membros.
A sociedade como elo entre os dois lados deste abismo da individualidade (a real e a almejada), como na Antiga Atenas com suas ágoras, não acontece atualmente porque os ensejos mesmo que parecidos são almejados em um meio incongruente, trocando palavras, o que se passa atualmente é uma condição inédita: a esfera pública, outrora laica em espaço e impositiva em dogmas, hoje é a remota esperança contra a autonomia de jure. É através do tornar público que essa liberdade poderia ser de facto, ou seja, tal qual o sentido completo e genuíno do termo, o que é hoje, segundo Bauman, de pouca probabilidade.
A dimensão pública atualmente tem tentado se livrar do poder que havia já há muito tempo gerenciado, enquanto o privado se apossa e o desfigura não para extinguí-lo, mas para dar forma a seus interesses momentâneos e ininterruptos.
[12] Como o Estado não mais promete ou deseja agir paternalmente, como os formuladores e projetistas da boa sociedade estão se extinguindo; e, como surge uma variada gama de consultores aptos para assumirem o papel dos legisladores, não é de surpreender que os críticos que desejam ser os profetas da emancipação lamentem sua privatização. A modernidade pesada está se esfacelando, e, assim, o discurso crítico que girava em torno dela logo sem seu objeto central, assim, o próprio discurso crítico poderá desaparecer. A percepção da performance da emancipação sob condições passadas ficou obsoleta; há uma nova agenda pública de emancipação ainda á espera de ser ocupada pela teoria crítica. Essa nova agenda pública ainda está á espera de sua política pública crítica, está emergindo junto com a versão “líquida” da condição humana moderna.
[13] Eric Arthur Biar mais conhecido por seu pseudônimo George Orwell, foi escritor, jorbalista e ensaísta, político inglês, nascido na Índia Britânica. Sua obra é marcada por inteligência perspicaz e bem-humorada, uma consciência profunda das injustiças sociais, uma intensa oposiçaõ ao totalitarismo e uma paixão pela clareza da escrita. Apontando como simpatizante da anarquia, o escrito faz uma defesa da auto-festão ou autonomismo. O entusiasmo do autor pelo socialismo democrático não fora abalado pela experiência do socialismo soviético, um regime que Orwell denunciou em seu romance satírico intitulado " A revolução dos bichos".
Considerado talvez o melhor cronista da cultura inglesa do século XX, Orwell se dedicou a escrever resenhas, ficção, artigos jornalísticos polémicos, crítica literária e poesia. Ele é mais conhecido pelo romance distópico Nineteen Eighty-Four – 1984 (Escrito em 1949) e pela novela satírica Animal Farm (1945). Juntas, estas obras venderam mais cópias do que os dois livros mais vendidos de qualquer outro escritor do século XX. Um outro livro de sua autoria, Homage to Catalonia (1938) – um relato de sua experiência como combatente voluntário no lado republicano da Guerra Civil Espanhola – também é altamente aclamado, assim como seus ensaios sobre política, literatura, linguagem e cultura. Em 2008, o The Times classificou-o em segundo lugar em uma lista de "Os 50 maiores escritores britânicos desde 1945".
[14] Horace Walpole (1717-1797) foi aristocrata e romancista inglês. Inaugurou novo gênero literário, o chamado romance gótico, com a publicação da obra intitulada "O Castelo de Otranto". Walpole, conde de Oxford, filho caçula do considerado primeiro ministro britânico Robert Walpole, formou-se no King's College, de Cambridge, onde estudou matemática, música e anatomia. Em 1741, ingressou no Parlamento inglês, onde permaneceu como deputado após o falecimento de seu pai, em 1745.
[15] O capitalismo é um sistema parasitário. Como todos os parasitas, pode prosperar durante certo período, desde que encontre um organismo ainda não explorado que lhe forneça alimento. – Zygmunt Bauman […].
[16] Viver entre uma multidão de valores, normas e estilos de vida em competição, sem uma garantia firme e confiável de estarmos certos é perigoso e cobra um alto preço psicológico. […] Bauman.
[17] O tempo , na sociedade moderna, está relacionado às questões que envolvem velocidade e flexibilidade e expansividade. As pessoas que se movem e agem com rapidez, mandam, as que resistem em fixar-se num endereço, obedecem. A permanência e a durabilidade , na modernidade líquida, perderam.A instantaneidade do gempo descalorizou o espaço.
[18] Indivíduos frágeis”, destinados a conduzir suas vidas numa “realidade porosa”, sentem-se como que patinando sobre gelo fino;.
[19] Claro que a história nos sugere que globalização é, em certo sentido, um movimento multissecular. Lembremos, a título de exemplo, a ampliação docomércio mundial, a descoberta do Novo Mundo. O movimento globalizador hoje assume características inteiramente novas, características que mexem com a imaginação e com a prática social. Essa novidade coloca desafios para as ciências sociais, desafios que me levam a sugerir alguma analogia com o chamado bug do milênio para a informática.
[20] Nos termos do próprio de Bauman: “Os freqüentadores de um espetáculo se vestem para a ocasião, obedecendo a um código distinto do que seguem diariamente – o ato que simultaneamente separa a visita como uma ‘ocasião especial’ e faz com que os freqüentadores pareçam enquanto durar o evento, mais uniformes do que na vida fora do teatro. É a apresentação noturna que leva todos ao lugar – por diferentes que sejam seus interesses e passatempos durante o dia. Antes de entrar no auditório, deixam os sobretudo ou capas que vestiram nas ruas no cloakroom da casa de espetáculos… Durante a apresentação, todos os olhos estão no palco; e também a atenção de todos. Alegria e tristeza, risos e silêncios, ondas de aplauso, gritos de aprovação e exclamações de surpresa são sincronizados – como se cuidadosamente planejados e dirigidos. Depois que as cortinas se fecham, porém, os espectadores recolhem seus pertences do cloakroom e, ao vestirem suas roupas de rua outra vez, retornam a seus papéis mundanos, originários e diferentes, dissolvendo-se poucos momentos depois na variada multidão que enche as ruas da cidade e da qual haviam emergido algumas horas antes. Cloakroom communities [comunidades cabide] precisam de um espetáculo que apele a interesses semelhantes em indivíduos diferentes e que os reúna durante certo tempo em que outros interesses – que os separam em vez de uni-los – são temporariamente postos de lado, deixados em fogo brando ou inteiramente silenciados .”
[21] “A ideia de progresso foi transferida: da ideia de melhoria partilhada para a de sobrevivência do indivíduo. O progresso é pensado não mais a partir do contexto de um desejo de corrida para a frente, mas em conexão com o esforço desesperado para se manter na corrida. O truque é manter o ritmo das ondas. Se não quiser afundar, mantenha-se surfando – e isso significa mudar o guarda-roupa, o mobiliário, o papel de parede, o olhar, os hábitos, em suma, você mesmo, quantas vezes puder.”
[22] Bauman cogita também sobre o amor próprio: o filósofo afirmou que as pessoas precisam sentir que são amadas, ouvidas e amparadas. Ou precisam saber que fazem falta. Segundo Bauman, ser digno de amor é algo que só outro pode nos classificar. O que fazemos é aceitar essa classificação. Porém, com tantas incertezas, relações sem forma – líquidas – nas quais o amor nos é negado, como teremos amor próprio? Relacionar-se é caminhar na neblina sem certeza de nada (uma descrição poética da situação).
[23] A “instabilidade endêmica dos fundamentos”, que se processa mediante os fluxos contínuos, precisa ser compensada, e é provavelmente compensada por uma “sociabilidade explosiva”, por “manifestações explosivas” e por uma “cumplicidade ativa nos crimes” contra os quais não há punição no interior da “comunidade explosiva” – Bauman afirmou que esse tipo de comunidade “precisa de violência para nascer e para continuar vivendo”.
[24] Ao examinar a era contemporânea e verificar o que representa em relação à modernidade. Se, significa superação, intensificação ou bloqueio. Ou conforme indicou Bauman, a modernidade se tornou líquida, ou conforme Marc Augé, se tornou super, ou reflexiva, conforme Anthony Giddens.
Quem prefere bloqueio, opta pela ideia habermasiana para designar o que se passa no mundo desde o final dos anos 1970.
Brissac distinguiu modernidade e pós-modernidade, a partir das condições de criação artística. Pois enquanto que o criador moderno opera com planejamento, com a forma e com a estrutura, portanto, controlando as condições de sua produção, e de, outro, o criador pós-moderno tem atuação de negociador, interferindo em situações complexas, nas quais não exerce controle total porque interage com outros agentes, incluindo os da política. É uma identidade contingenciada.
A partir do final do século, XX deu-se a dissolução das estruturas hegemônicas de poder e o surgimento ou a definitiva instauração de sociedades extraordinariamente complexas, em que o poder política se pulveriza entre os múltiplos agentes, com maior ou menor grau de poder, mas em conflito permanente.
Há a instauração de campos de forças complexos e muito dinâmicos, onde não existe mais a hegemonia e, onde cada criador tem que se localizar em função de outros interesses que não os dele.
[25] Para Gilles Lipovetsky, a pós-modernidade cedeu espaço para o estado cultural para o que chama de hipermodernidade. Neste novo estado, neste novo espírito de época, a ordem social e a econômica, juntamente com a cultural, é pautada em um senso comum em massa o que substitui o referencial na produção em massa e em uma hegemonia daquilo que o autor nomeia de "sociedade-moda", que torna o lugar da sociedade rigotística disciplinar.
[26] As bases da criação contemporânea estão sobre dois aspectos; um referente às estratégias, onde há a necessidade de compreender e atuar em grandes escalas, grandes sistemas, blocos econômicos e novos territórios. E, outro ligado às táticas, onde há a necessidade de operar no local, criando instrumentais de sobrevivência e de prática relacionadas aos microterritórios. E, nesse campo, entendo que tanto a mediação judicial como a extrajudicial é um fruto da pós-modernidade.
[27] Jean-Paul Charles Aymard Sartre (1905-1980) foi um filósof, escritor e crítico francês, conhecido como representante do existencialismo. Acreditava que os intelectuais têm de desempenhar um papel ativo na sociedade. Considerado por muitos o símbolo do intelectual engajado, Sartre adaptava sempre sua ação às suas ideias, e o fazia sempre como ato político. Em 1963, Sartre escreve Les Mots (As palavras, lançado em 1964), relato autobiográfico que seria sua despedida da literatura. Após dezenas de obras literárias, ele conclui que a literatura funcionava como um substituto para o real comprometimento com o mundo.
[28] Sartre defende que o homem é livre e responsável por tudo que está à sua volta. Sartre dizia "Somos inteiramente responsáveis por nosso passado, nosso presente e nosso futuro". Em Sartre, temos a ideia de liberdade como uma pena, por assim dizer. "O homem está condenado a ser livre".
[29] A vida na sociedade de modernidade líquida é uma versão nociva da "dança das cadeiras", jogada para valer. O verdadeiro prêmio nessa competição é a garantia temporária de ser excluído das fileiras dos destruídos e evitar ser jogado no lixo. Atualmente, há ênfase em eliminar as coisas, descartando-as, abandonando-as e livrando-se delas. É uma cultura do desengajamento, da descontinuidade e do esquecimento.

Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


Equipe Âmbito Jurídico

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