Sumário: 1. Introdução. 2. Vantagens e Desvantagens da Monitoração Eletrônica em relação ao preso. 3. Hipóteses legais previstas (Leis nº 12.258/10 e Lei nº 12.403/11) e os vetos presidenciais. Monitoramento eletrônico e substituição de regimes prisionais. Jurisprudência do STF. 4. Casos de sucesso da adoção da medida no Brasil. 5. Propostas do CNJ de alteração do Código Penal e do Código de Processo, mediante o Plano de Gestão das Varas Criminais e de Execuções Penais, com a adoção da implantação do monitoramento eletrônico como alternativa à crise do Sistema Prisional. 6. Conclusão.
1.Introdução
O presente trabalho tem por finalidade fazer um breve estudo acerca do tema monitoração eletrônica no ordenamento jurídico brasileiro e a sua utilização no Sistema Prisional Brasileiro.
A monitoração eletrônica é um método de controle da localização e do deslocamento de pessoas ou coisas, através do uso de tecnologias que se utilizam de ondas de rádio ou GPS (Global Positioning System).
Rogério Grecco, em brilhante exposição sobre o tema, assim descreveu a sua origem histórica[i]:
“Em que pese podermos atribuir as origens do monitoramento eletrônico aos irmãos Ralph e Robert Schwitzgebel, que realizaram as primeiras experiências no ano de 1964, nos EUA, com dezesseis jovens reincidentes, podemos apontar o Juiz Jack Love, do Estado do Novo México, como sendo o precursor da idéia que, atualmente, vem sendo utilizada em vários países.
O mais interessante é que o Juiz Jack Love inspirou-se numa edição de Amazing Spider-Man de 1977, onde o rei do crime havia prendido um bracelete ao homem-aranha, a fim de monitorar seus passos pelas ruas de Nova York. Após ler a história, o Juiz Jack Love achou que a idéia poderia, efetivamente, ser utilizada no monitoramento de presos, razão pela qual procurou seu amigo Mike Gross, técnico em eletrônica e informática, a fim de persuadi-lo a produzir os receptores que seriam afixados nos pulsos, tal como havia visto na história em quadrinhos.
Em 1983, ou seja, aproximadamente 6 anos depois, após ter realizado, durante três semanas, testes em si mesmo com o bracelete, o Juiz Jack Love determinou o monitoramento de cinco delinqüentes na cidade de Albuquerque, a maior cidade do Estado do Novo México. Nascia, também, naquele momento, conforme nos esclarece Edmundo Oliveira, a National Incarceration Monitor and Control Services, a primeira empresa a produzir instalações eletrônicas destinadas ao controle de seres humanos.
Atualmente, existem quatro opções técnicas de monitoramento eletrônico, que podem ser adaptadas à pessoa em forma de: a) pulseira; b) tornozeleira; c) cinto; e d) microchip (implantado no corpo humano). Nas quatro hipóteses apontadas, a utilização pode ocorrer de maneira discreta, permitindo que o condenado cumpra a sua pena sem sofrer as influências nefastas do cárcere.”(grifei).
A constatação e a conscientização dos efeitos maléficos do cumprimento das penas privativas de liberdades no sistema tradicional de cumprimento de pena – penitenciárias, outrora considerado o instrumento ideal de humanização das penas, segundo a concepção Iluminista liderada por Beccaria – impulsionaram alguns países à utilização do monitoramento eletrônico como eficaz alternativa no cumprimento da pena privativa de liberdade.
Os países anglo-saxônicos e nórdicos já utilizam o monitoramento eletrônico (intensamente) desde a década de 90 (do século XX). No final desta década, a Inglaterra já tinha mais de 50.000 pessoas controladas pelo sistema. Na Suécia, já havia cerca de 15.000 pessoas controladas (Gudín Rodriguez-Magariños). Também os Estados Unidos fazem uso dessa tecnologia há muito tempo.[ii]
A superpopulação carcerária, o contágio criminal, a transmissão de doenças e a destruição de valores éticos, entre outros efeitos negativos, são alguns dos motivos que levaram ao enfrentamento do tema da monitoração eletrônica pelas autoridades brasileiras (Jurisprudência, Ministério Público, Legislativo e Executivo), o que culminou com a introdução no ordenamento jurídico pátrio da possibilidade da referida medida mediante a edição da Lei nº 12.258/10 – esta alterou diversos artigos da LEP – Lei de Execuções Penais, possibilitando a aplicação da monitoração eletrônica nas saídas temporárias no regime semiaberto e na prisão domiciliar – e da Lei nº 12.403/11, que incluiu a monitoração como medida cautelar diversa da prisão no Código de Processo Penal.
Nesse vértice, atualmente a legislação brasileira permite o uso da monitoração eletrônica na hipótese prevista no art. 319, inciso IX, do Código de Processo Penal, como medida alternativa diversa da prisão cautelar ou provisória, e nas hipóteses do art. 146-B da Lei nº 7.210/84. Abaixo os referidos dispositivos:
“Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:(…)
IX – monitoração eletrônica.
Art. 146-B. O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando: (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
I – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
II – autorizar a saída temporária no regime semiaberto; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
III – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
IV – determinar a prisão domiciliar; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
V – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
Parágrafo único. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)”
Entretanto, a jurisprudência dos juízos de todo o país e dos Tribunais Superiores vem admitindo a utilização da monitoração eletrônica mesmo para casos não previstos nos dispositivos supracitados, como nas hipóteses de substituição de regimes de cumprimento de penas privativas de liberdade diante da inexistência de estabelecimentos adequados ao cumprimento dos regimes semiaberto e aberto impostos nas sentenças condenatórias.
Diante disso, respeitadas opiniões se insurgiram quanto a esta postura do Poder Judiciário, inclusive é possível a constatação de decisões mais antigas do próprio STF[iii] em sentido contrário à imposição de qualquer medida restritiva da liberdade diante dos referidos casos, sob o fundamento de que o descumprimento por parte do Estado da sua obrigação de garantir o cumprimento das penas em estabelecimentos adequados não pode se transmudar em ônus ou pena não prevista expressamente no ordenamento jurídico.
Ademais, outro argumento sustentado pelos que se opõem ao uso da monitoração eletrônica como alternativa à inexistência de vagas em estabelecimento adequado ao regime prisional é a ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, ante a possível estigmatização decorrente do uso das tornozeleiras e pulseiras eletrônicas.
2. Vantagens e Desvantagens da Monitoração Eletrônica
Baixo custo (se comparado ao presídio tradicional), evita a superpopulação carcerária (aplicação com prudência como medida substitutiva da prisão cautelar), evita o recolhimento de pessoas pouco perigosas junto a criminosos profissionais, possibilita que o condenado ou liberado trabalhe, que pague sua dívida com a vítima do delito, evita a dessocialização do presídio clássico, possibilita o controle da pessoa, evita o contágio criminógeno dos presídios, possibilita a ressocialização alternativa do condenado e é uma forma mais humana (em tese) de cumprimento de pena.
Outrossim, pode-se citar, ainda, como vantagens da monitoração eletrônica o seu papel de importante instrumento de segurança da ordem pública na progressão de regimes da pena, assim como a criação de situação benéfica e favorável à ressocialização do apenado na medida em que possibilita a este a convivência com a família, a sociedade, o trabalho e o lazer.
O emprego da monitoração eletrônica também ajuda a prevenir o crime e os desvios no cumprimento da pena imposta, contribuindo, assim, para um sistema penal eficaz sob o ponto de vista do papel constitucional do direito penal, qual seja, a garantia dos bens jurídicos e instrumento de realização de direitos fundamentais.
Lado outro, a monitoração eletrônica substitui o castigo físico da privação da liberdade pelo castigo moral e psicológico consistente na vigia constante e ininterrupta de suas atividades, o que, para alguns, configura verdadeira tortura mental.
No entanto, o principal argumento dos juristas que se posicionaram contra a monitoração eletrônica é a possível violação a direitos da personalidade, especialmente o direito à intimidade e à privacidade, uma vez que colocaria em exposição o condenado na medida em que todos poderiam visualizar a pulseira ou a tornozeleira eletrônica junto ao corpo do condenado. Contudo, ressalvados os direitos de não ser torturado e de submissão a trabalhos forçados, não há direitos absolutos.
Não se pode olvidar que a monitoração eletrônica, utilizada com parcimônia, adequação e proporcionalidade visa atender as finalidades da pena e, por conseguinte, favorece a proteção da dignidade da pessoa humana, quiçá diante de um juízo de ponderação entre os direitos aparentemente conflitantes em decorrência da sua aplicação – intimidade e finalidades da pena (retribuição, prevenção geral e especial e ressocialização).
3.Hipóteses legais previstas (Leis nº 12.258/10 e Lei nº 12.403/11) e os vetos presidenciais
A pioneira previsão da monitoração eletrônica no Brasil ocorreu com a Lei nº 12.258/10, que possibilitou a aplicação da medida nas seguintes hipóteses:
Art. 146-B. O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando: (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
I – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
II – autorizar a saída temporária no regime semiaberto; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
III – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
IV – determinar a prisão domiciliar; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
V – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
Parágrafo único. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)”
Logo, duas são as hipóteses de monitoramento eletrônico – na prisão domiciliar e nas saídas temporárias no regime semiaberto.
As outras três hipóteses do texto original (vetados), incisos I, III e V e parágrafo único do art. 146-B da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, modificados pelo art. 2º do projeto de lei, previam:
“I – aplicar pena restritiva de liberdade a ser cumprida nos regimes aberto ou semiaberto, ou conceder progressão para tais regimes;”
III – aplicar pena restritiva de direitos que estabeleça limitação de horários ou de frequência a determinados lugares;”
V – conceder o livramento condicional ou a suspensão condicional da pena.”
“Parágrafo único. Os usuários da monitoração eletrônica que estiverem cumprindo o regime aberto ficam dispensados do recolhimento ao estabelecimento penal no período noturno e nos dias de folga.”
Essas hipóteses foram vetadas pelo Presidente da República, sob os seguintes fundamentos constantes da sua mensagem enviada ao Senado com as razões do veto:
“Razões dos vetos
A adoção do monitoramento eletrônico no regime aberto, nas penas restritivas de direito, no livramento condicional e na suspensão condicional da pena contraria a sistemática de cumprimento de pena prevista no ordenamento jurídico brasileiro e, com isso, a necessária individualização, proporcionalidade e suficiência da execução penal. Ademais, o projeto aumenta os custos com a execução penal sem auxiliar no reajuste da população dos presídios, uma vez que não retira do cárcere quem lá não deveria estar e não impede o ingresso de quem não deva ser preso.”
Logo, considerando que o veto não foi derrubado pelo Congresso Nacional, resta claro que a vontade do legislador é no sentido da inaplicabilidade do monitoramento eletrônico nas hipóteses vetadas, ou seja, no regime aberto, nas penas restritivas de direito, no livramento condicional e na suspensão condicional da pena, mas apenas nas hipóteses expressamente previstas no texto legal sancionado.
Sinteticamente, as razões de veto são: a) a contrariedade da aplicação do monitoramento eletrônico nas hipóteses vetadas à sistemática do cumprimento da pensa e à individualização da pena; b) os custos decorrentes da sua implantação.
Contudo, a pergunta que se faz é: são válidas as razões do veto presidencial no que tange à inaplicabilidade da monitoração eletrônica aos regimes semiaberto e aberto? Diante da situação caótica dos estabelecimentos penais, da sua superlotação, da falência do Estado no cumprimento de seus deveres como garantidor de direitos sociais existenciais mínimos e do crescente debate da sociedade em torno do tema a resposta, sob o prisma constitucional, evidentemente deve ser negativa.
Não se mostram válidas as razões de veto, pois a monitoração eletrônica possui custos inferiores ao sistema tradicional de cumprimento de pena em penitenciárias e atende aos fins da pena, ao tempo em que funciona como importante instrumento de humanização desta e de ressocialização, conforme anteriormente já dito.
Ocorre que a jurisprudência mais recente do STF e do STJ vem admitindo a aplicação da monitoração eletrônica em substituição aos regimes semiaberto e aberto quando não houver vagas ou estabelecimento adequado para o cumprimento da pena nesses regimes, para submeter o preso ao cumprimento da pena em prisão domiciliar cumulada com o uso da monitoração eletrônica.
Assim decidiu o STF:
“Cumprimento de Pena e Prisão Domiciliar
PROCESSO
HC-95334
ARTIGO
Ante o empate na votação, a Turma deferiu habeas corpus para conceder ao paciente prisão domiciliar. Na espécie, a impetração insurgia-se contra as precárias condições de higiene, bem como a superlotação na casa de albergado em que o paciente — condenado a cumprimento de pena em regime aberto — se encontrava, aduzindo que, no ponto, inexistiria separação entre condenados que cumprem pena em regime semi-aberto e aberto. O pleito da defesa fora indeferido nas demais instâncias ao argumento de que não se enquadraria no rol do art. 117 da Lei de Execução Penal – LEP (“Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I – condenado maior de 70 (setenta) anos; II – condenado acometido de doença grave; III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV – condenada gestante.”). Enfatizou-se o fato de o paciente estar em estabelecimento cuja população superaria o viável, além de haver a junção de presos que cumprem a pena em regime aberto e aqueles que a cumprem no semi-aberto. Ademais, asseverou-se que o STF tem afastado o caráter taxativo da LEP relativamente ao direito, em si, da custódia domiciliar e que o faz quando não se tem casa do albergado. Nesse sentido, afirmou-se que a situação concreta seria em tudo semelhante à inexistência da casa do albergado. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, relator, e Menezes Direito que, assentando que o writ não se presta a revolver matéria fático-probatória, denegavam a ordem ao fundamento de que o paciente não se enquadraria em nenhuma das taxativas hipóteses de prisão domiciliar previstas pelo art. 117 da LEP. HC 95334/RS, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 3.3.2009. (HC-95334)
Íntegra do Informativo 537”
Como se vê do julgado acima, o Supremo Tribunal Federal vem admitindo a possibilidade de substituição de regimes semiaberto e aberto, quando inexistir estabelecimento adequado para tais regimes, pelo regime domiciliar mediante monitoração eletrônica.
Nota-se, então, evidente choque entre a vontade do legislador e da Suprema Corte.
4.Caso de sucesso da adoção da medida no Brasil
O estado de Goiás recebeu elogios do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo modelo de monitoração eletrônica implantado naquele estado da federação, após mutirão carcerário realizado pelo CNJ.
A Central de Monitoração Eletrônica de reeducandos de Goiás foi instalada em março de 2014. Na oportunidade da visita do CNJ estavam sendo monitorados 670 reeducandos. Deste número, foram registradas apenas nove violações. Dentre estas, três ainda estavam pendentes de apuração. O Secretário de Estado de Goiás, Edemundo Dias, que recebeu a comissão do CNJ no local, afirmou que o índice de violação é o mínimo possível, se comparado aos números do país. “No Brasil a média é de 10%, aqui em Goiás não chegam a 2%”, explicou o secretário[iv].
É certo que a monitoração eletrônica demanda alguns custos ao Estado (de R$500,00 a R$1.500,00. Total de R$4.000.000,00, em 2013), contudo, cada preso submetido às penitenciárias federais possui um custo anual muito maior, de R$40.000,00 (quarenta mil reais), e o preso submetido às penitenciárias estaduais possui um custo médio anual de R$22.000,00 (vinte e dois mil reais).
Evidentemente que a aplicação da medida de monitoramento eletrônico apenas nas hipóteses de saída temporária e de prisão domiciliar, conforme previsto no art. 146-B da Lei nº 7.210/84, só aumentaria os custos da sua implantação, pois anteriormente às alterações promovidas pela Lei nº 12.258/10, as hipóteses previstas neste dispositivo eram deferidas sem qualquer monitoração a custo zero, o que, inclusive, já foi objeto de insurgência por parte da doutrina.
Porém, a sua aplicação como forma alternativa ao sistema prisional penitenciário tradicional, em substituição às prisões cautelares e aos regimes aberto e semiaberto – nos casos de presos não perigosos ou de crimes menos graves – certamente trará maiores benefícios a todo o sistema penal, à sociedade e ao preso, tudo com a economia de dinheiro público.
5.Plano de Gestão das Varas Criminais e de Execuções Penais e as Propostas do CNJ de alteração do Código Penal e do Código de Processo para a adoção da implantação do monitoramento eletrônico como alternativa à crise do Sistema Prisional
No Plano de Gestão das Varas Criminais e de Execuções Penais do Conselho Nacional de Justiça, constou a sugestão de alteração do Código Penal e de Processo Penal, bem como da Lei de Execuções Penais, para o fim de incluir previsão legislativa acerca do cabimento da monitoração eletrônica no regime aberto domiciliar, mediante aceitação do preso.
Ponderou o Presidente do CNJ os motivos e as vantagens da adoção desta medida como forma alternativa de sistema de execução de penas no regime aberto, sem se olvidar das opiniões em sentido contrário à adoção da medida.
Assim dispôs o CNJ no item 7.2 do referido Plano:
“O cumprimento de pena em regime aberto, com recolhimento noturno a casa de albergado, segundo entendimento consensual dos juízes com exercício em varas de execução penal, não tem se mostrado medida eficaz, ademais de alimentar a criminalidade. O ideal, nesses casos, é que o regime aberto seja
cumprido mediante recolhimento domiciliar, com a fiscalização por meio de monitoramento eletrônico.”
Nesse diapasão, consta do Anexo II do multicitado plano o anteprojeto de lei que dispõe sobre a prisão domiciliar e a revogação do cumprimento de pena em regime aberto em casa de albergado:
“ANTEPROJETO DE LEI
Dispõe sobre a prisão domiciliar e revogação do cumprimento de pena em regime aberto em casa de albergado.
Art. 1º O art. 36 do Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal passa a vigorar com a seguinte redação:
Art.36
§1º O condenado deverá, mediante vigilância eletrônica, trabalhar, freqüentar curso ou exercer outra atividade autorizada, com recolhimento à prisão domiciliar, durante o período noturno e nos dias de folga, e comparecimento mensal ao juízo da execução;
Art. 2º. Fica revogado o capítulo IV (arts. 93 a 95) da Lei n. 7.210, de 11de julho de 1984 – Lei de Execução Penal.
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação. (grifei)”
Acolhendo a tendência da jurisprudência e dos demais Órgãos responsáveis pela execução penal, o Conselho Nacional de Justiça sugeriu ao Congresso Nacional a alteração do Código Penal e da Lei de Execuções Penais para revogar o regime prisional em casa de albergado, o que não deveria gerar nenhum espanto por parte dos juristas, já que é notória a escassez de estabelecimentos adequados a este regime por todo o país, e para substituir este regime pelo de prisão domiciliar mediante monitoração eletrônica.
Registre-se que os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski há muito defendem abertamente a adoção da monitoração eletrônica como forma alternativa de cumprimento de pena privativa de liberdade nos regimes semiaberto e aberto, como uma tendência mundial inevitável e benéfica.
A doutrina também respalda em sua maioria a adoção da monitoração eletrônica, conforme exposto com maestria pelo professor Luiz Flávio Gomes:
“Na atualidade a grande esperança ressocializadora e prisional reside na prisão domiciliar com monitoramento eletrônico. Essa é a prisão do presente e do futuro. Os velhos cárceres tendem a desaparecer. O cárcere eletrônico é o futuro. O velho sonho humanista do iluminismo (Beccaria à frente), de admitir a prisão como pena (no lugar das penas corporais então vigentes), transformou-se no maior pesadelo de todo sistema penal (em razão dos seus nefastos efeitos). O monitoramento eletrônico, por penoso que seja, desde que substitua a velha prisão e seja aplicado com razoabilidade, significa evolução da civilização[v].
Rogério Grecco também se mostra favorável a adoção do sistema de monitoração eletrônica, conforme demonstrado abaixo em trecho de artigo de sua autoria:
“O sistema prisional, com toda certeza, não seria o melhor ambiente para o cumprimento da pena aplicada ao condenado, que, em muitos países da América Latina, eliminariam a sua personalidade.
Assim, por mais que tenhamos que proteger o direito à intimidade daqueles que foram condenados pela Justiça Penal, entendemos que a submissão do autor da infração penal ao monitoramento eletrônico deve ser entendida em seu benefício, mesmo que venha a causar pequenos transtornos.
Por isso é que Rodríguez-Magariños propõe a criação de um novo sistema penitenciário, onde a privação de liberdade das pessoas passe de regra geral à exceção, reservando-se, outrossim, os estabelecimentos prisionais somente para aqueles reincidentes contumazes, que praticam crimes graves, demonstrando, dessa forma, desprezo pelos direitos de seus concidadãos. Como, acertadamente, afirma o renomado autor, a ‘vigilância eletrônica nem é a varinha mágica nem é a panacéia, nem cobre – e menos hoje em dia – todos os desejos, mas indubitavelmente é o princípio do fim de um sistema penitenciário baseado em um axioma absurdo: encerrar, dessocializar um indivíduo para fazer dele o homem apto para viver em sociedade’.[vi]”
Como visto e demonstrado, doutrina e jurisprudência caminham na direção da admissibilidade da monitoração eletrônica como alternativa aos regimes aberto e semiaberto nas hipóteses de inexistência de vagas e/ou estabelecimentos adequados ao cumprimento do regime, conquanto haja respeitáveis opiniões em sentido contrário.
6.Conclusão
Concluo o presente trabalho, ressaltando a tendência já consolidada na jurisprudência e na doutrina majoritária no sentido da admissibilidade da imposição de monitoração eletrônica como forma de substituição dos regimes semiaberto e aberto, apesar da ausência, atualmente, de previsão legal expressa nesse sentido, quando presente situação justificadora, como a inexistência de vagas e/ou estabelecimentos prisionais adequados e suficientes ao cumprimento do regime e de seus respectivos fins.
Traçando um breve paralelo com o tema da interferência do Poder Judiciário nas políticas públicas, nota-se que a problemática aqui tratada reflete, mais uma vez, a manifestação da eficácia normativa dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, pois nem mesmo a vontade do legislador e a ausência de previsão legislativa podem se constituir em obstáculos à garantia do núcleo fundamental dos direitos do homem, especialmente da dignidade da pessoa humana, que é violentada diante da situação precária do sistema carcerário brasileiro.
A temática exposta neste breve artigo demonstra o fenômeno da constitucionalização do direito em todos os seus ramos e especialidades, inclusive do Direito Penal, e a eficácia normativa da Constituição como parâmetro obrigatório de atuação dos Poderes Públicos em todas as suas esferas, fruto da nova Ordem Constitucional.
O fenômeno da constitucionalização do direito penal não possui importância apenas teórica, mas também prática, na medida em que afeta direta ou indiretamente a vida da sociedade, razão pela qual grande parte dos problemas sociais encontra uma solução ou um parâmetro de solução para os conflitos sociais na Carta Maior, conforme vem se desenhando a questão da monitoração eletrônica.
Importante ressaltar que há uma tensão permanente entre a pretensão punitiva do Estado e os direitos individuais dos acusados. Para serem medidas válidas, a criminalização de condutas, a imposição de penas e o regime de sua execução deverão realizar os desígnios da Constituição, precisam ser justificados, e não poderão ter natureza arbitrária, caprichosa ou desmesurada. Vale dizer: deverão observar o princípio da razoabilidade-proporcionalidade, inclusive e especialmente na dimensão da vedação do excesso e da proteção deficiente[vii].
Logo, a monitoração eletrônica, se utilizada com observância do princípio da proporcionalidade – necessidade, adequação e razoabilidade – constitui em eficaz e poderosa ferramenta alternativa ao sistema prisional tradicional, sem que isto signifique que ela seja a varinha mágica da salvação.
Notas:
[i] http://www.rogeriogreco.com.br/?p=1397
[ii] http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20100621151555150&mode=print
[iii] HC 94.526/SP Rel. Orig. Min. Cármem Lúcia, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, j. 24.06.2008. Informativo 512 STF.
[iv]http://www.sapejus.go.gov.br/noticias/cnj-elogia-monitoracao-eletronica-de-reeducandos-em-goias.html##
[v] GOMES, Luiz Flávio. Monitoramento Eletrônico. Disponível em http://www.lfg.com.br – 21 de junho de 2010.
[vi] http://www.rogeriogreco.com.br/?p=1397
[vii] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os Conceitos Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. 4 ed. Editora Saraiva.
Analista Judiciário da Justiça Federal do Tribunal Regional da 3 Região
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