Resumo: Em 7 de agosto de 2009, os estudiosos do Direito voltaram suas atenções, ansiosos, para o conteúdo da nova lei do mandado de Segurança. Imbuída de entendimentos jurisprudenciais já consolidados e inovações um tanto quanto retrógradas, tem sido objeto de críticas por diversos doutrinadores, que aspiravam por mudanças mais profundas, realmente inovadoras. O presente trabalho digna-se a analisar o novel diploma, artigo por artigo, expondo as posições jurisprudenciais e doutrinárias, além de acrescentar considerações críticas a respeito das alterações.[1]
Palavras-chave: Mandado de Segurança. Lei 12.016. Alterações. Doutrina. Jurisprudência.
Abstract: On August 7, 2009, the Law scholars turned their attention, eager, for the content of the new law of Writ. Steeped in already established jurisprudential understandings and innovations somewhat backward, has been criticized by a lot of scholars, who was aspiring for greater changes, really innovative. This work worthy to examine the new law, article by article, exposing the jurisprudential and doctrinal positions, and adds critical considerations about the changes.
Keywords: Writ. 12.106th Law. Changes. Doctrine. Jurisprudence.
Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Alterações por artigo (do primeiro ao 28). 3. Considerações finais. 4. Bibliografia.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, mais conhecida como “nova lei do mandado de segurança”, trouxe disposições antes inexistentes no ordenamento jurídico brasileiro, as quais, notoriamente, resultam de reflexos das discussões jurisprudenciais e doutrinárias desenvolvidas sobre o instituto, bem assim de disciplinamento necessário diante da nova ordem constitucional, referindo-nos muito especialmente à disciplina do mandado de segurança coletivo.
É importante registrar, de pronto, que a norma em questão foi responsável pela revogação na íntegra das principais normas que disciplinavam o mandado de segurança, as quais o faziam em sede de legislação esparsa, a saber: Leis nº 1.533, de 31 de dezembro de 1951; 4.166, de 4 de dezembro de 1962; 4.348, de 26 de junho de 1964; 5.021, de 9 de junho de 1966. Isso como resultado de disposição expressa ubicada em seu último artigo (art. 29)[2].
Diante disso, pode-se inferir, logo de início, que os dispositivos das leis anteriores que tratavam sobre assuntos não contemplados pela Lei nº 12.016/2009 não mais podem ser trazidos à tona como regramento subsidiário.
Observe-se, ainda, que a nova lei não trouxe, ao contrário da outra, nenhum dispositivo – tal como era o antigo artigo 20, da Lei nº 1.533/51 – prevendo a não incidência dos artigos do Código de Processo Civil vigente, porquanto se compreende que as normas deste diploma normativo se aplicam subsidiariamente à disciplina do mecanismo constitucional-processual em tela. Como bem ensina Talamini (2009, p. 50), “bem ao contrário, são reiteradas as remissões ao Código (v.g., Lei 12.016/2009, art. 6º, parágrafo 5º, art. 7º, parágrafos 1º e 5º, art. 24…)”.
O presente trabalho objetiva discorrer, de maneira sintética, contudo crítica, acerca do regramento promulgado recentemente para o mandado de segurança, a garantia constitucional-processual peculiar ao ordenamento jurídico brasileiro, pela sua nova lei, analisando-se sistematicamente os seus dispositivos e considerando, frente a cada um, quais inovaram e quais não encerraram mudanças, levando-se em conta se incorreram em uma inovação ou repetição benéfica ou prejudicial ao sistema.
2 AS ALTERAÇÕES POR ARTIGO
Consoante proposto no início, a seguir se destacam, relativamente a cada artigo da Lei nº 12.016/2009 em ordem crescente de numeração, as considerações válidas.
No art. 1°, foi somado ao habeas corpus o habeas data, conforme já dispunha o art 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, além de dirimir possíveis dúvidas quanto a legitimidade da pessoa jurídica para impetrar a ação, prevendo isto expressamente em seu texto.
No parágrafo primeiro, foi clareado sobre o possível sujeito passivo para o Mandado de Segurança, consolidando entendimento trazido pelo STF, na súmula 510:
“Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial.”
O §2° não encontra correspondente no antigo diploma, e traz delimitação quanto aos atos praticados pela Administração Indireta passíveis de ataque pelo instituto em tela. Quais sejam: somente atos administrativos de caráter público.[3]
Em relação a este dispositivo, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB – veio a contestá-lo por ADIn (4.296/DF, rel. Min. Marco Aurélio), alegando que vem a cercear a possibilidade de apreciação pelo Poder Judiciário dos atos de gestão comercial, tendo a lei interferido diretamente na harmonia e independência entre os Poderes.
O §3º do artigo em tela prevê, em reprodução de texto já existente, que “Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança”, em consagração à regra que afasta o litisconsórcio ativo necessário em prol do acesso à justiça, como ponto benéfico da lei.
O Art. 2° amplia de autarquias federais para quaisquer entidades controladas pela União como sujeito passivo do mandamus.
O art. 3° trouxe objetividade à antiga previsão quando estipulou prazo de 30 dias (e não apenas “razoável”, como critério definidor de antes) após a notificação de terceiro, para que tome a iniciativa quando não o houver feito o titular. Deve ser, para tanto, observado o prazo decadencial de 120 dias previsto no Art. 23° – parágrafo único – sem correspondente.
Esse mesmo dispositivo continuou a consagrar a substituição processual por terceiro titular de “direito decorrente”.
O artigo 4° e parágrafos (dois novos) também receberam alterações pelo legislador. Primeiro pela ampliação dos requisitos, para impetração, para além do corpo de sua lei regulamentadora; segundo por acrescentar mais meios de comunicação para com a autoridade, como nos casos de urgência (§1°), por quaisquer meios desde que garantida a devida autenticidade. Após o envio, o texto original da petição deverá ser apresentado nos 5 dias úteis seguintes (§2°); e terceiro e último, ao aplicar a Lei Federal 11.419/2006, sobre os documentos eletrônicos.
O art. 5° foi acrescido e suprimido de incisos, conforme se verá.
O inciso primeiro seguiu sem alteração; quanto ao segundo, foi acrescido do entendimento sumulado do STF:
“Súmula n° 267. Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição”
O segundo, a contrario sensu da súmula 429 do Supremo Tribunal Federal:
“a existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso do mandado de segurança contra omissão da autoridade.”
veio a exigir o exaurimento das vias administrativas para se impetrar o mandado. Numa iniciativa notavelmente inconstitucional, pecou o legislador com tal novidade, que é objeto, vale salientar, da Adin proposta pela OAB alhures mencionada.
O terceiro inciso foi suprimido e criado um novo, dessa vez amparado por súmula do Supremo Tribunal Federal:
“Súmula n° 268. Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado.”
Houve, na aprovação deste diploma, veto ao seu parágrafo único, que disporia da seguinte redação: “Parágrafo único. O mandado de segurança poderá ser impetrado, independentemente de recurso hierárquico, contra omissões da autoridade, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, após sua notificação judicial ou extrajudicial.” Como razão do veto, tem-se: “A exigência de notificação prévia como condição para a propositura do Mandado de Segurança pode gerar questionamentos quanto ao início da contagem do prazo de 120 dias em vista da ausência de período razoável para a prática do ato pela autoridade e, em especial, pela possibilidade da autoridade notificada não ser competente para suprir a omissão.”
Ora, se a cabeça do parágrafo não trazia qualquer motivo para ser vetada, deveria, portanto, ser mantida, a primeiro, porque benéfica ao cidadão, a segundo porque expurgaria qualquer dúvida sobre o cabimento do mandamus nessa situação, e a terceiro, porque amenizaria os efeitos do inciso segundo deste mesmo artigo.
O art. 6° foi sobremaneira alterado. Seu parágrafo único foi convertido em mais cinco parágrafos (o quarto destes foi vetado). No caput, foi acrescida expressão integrativa à sistemática processual, exigindo a observância de todos os requisitos legais para a petição inicial do Mandado, ao invés de somente os artigos 158 e 159 do CPC.[4]
Ademais, exigiu-se acrescer à peça inaugural a determinação da pessoa jurídica integrada, vinculada ou da qual exerce atribuições, pela autoridade coatora. Além de tal mudança, foi admitida ainda a exibição de documento necessário à prova do alegado que esteja em posse de terceiro.
No novo parágrafo (terceiro), conceitua-se autoridade coatora como a que praticou o ato ou aquela de quem emanou a ordem, merecendo – no primeiro ponto – rápida crítica, haja vista que, se embora praticando o Ato, não seja a autoridade capaz de desfazê-lo, jaez de incompetente no pólo passivo do mandado, esmaecendo a definição trazida.
Já no quinto parágrafo, determina-se a possibilidade de denegação de segurança também nos casos de extinção do processo sem análise do mérito (art. 267 do CPC). Parágrafo sexto: denegado o mandado de segurança sem resolução de mérito, sua renovação poderá ocorrer, apenas, dentro do prazo decadencial de 120 dias.
No art. 7°, foi reduzido o prazo de 15 para 10 dias (em consonância com a lei 4.348) para que a autoridade coatora preste as informações que achar necessárias, em benefício da celeridade; o novo inciso segundo dispõe que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada para que, querendo, ingresse no feito – não havia correspondente nesse sentido. Tal dispositivo corrobora a tese há tempos construída pela doutrina e jurisprudência de que a parte ré não é a autoridade coatora, mas sim o ente público a quem o coator se vincula (e.g., REsp 846581 / RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. 19/08/2008, p. 11/09/2008).
O antigo inciso segundo teve alterações e agora passou a ser o terceiro, com conteúdo restritivo à concessão de liminar, já que a nova lei prevê a possibilidade de o juiz determinar que seja prestada caução, fiança ou depósito, destinado a assegurar eventual ressarcimento à pessoa jurídica.
Contra essa possibilidade, destaca Wladeck (2009, p. 53) a existência de doutrina e jurisprudência expressiva que defendia a impossibilidade dessa medida, “por seu o mandado de segurança garantia individual fundamental – art. 5º, inciso LXIX, da Constituição – preordenada a assegurar, aos que demonstram deter direito líquido e certo, o pronto, amplo e certo acesso à ordem jurídica justa”. Nesse sentido: REsp 249647/SP, 2ª Turma, rel. Min. Eliana Calmon, p. 18.02.2002; REsp 90225/DF, 1ª Turma, rel. Min. José Delgado, p. 14.10.1996.
A Associação dos Advogados de São Paulo e a OAB propuseram, durante o processo legislativo, que fosse vetado esse dispositivo, com base nos incisos LXIX e XXXV do artigo 5º da CF/88, não obtendo êxito. Na Adin 4.296, o Conselho Federal da OAB suscitou o entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto às medidas restritivas a liminares em leis ordinárias:
“ ADin 1576 – “Inconstitucional a lei que verse sobre a exigência de Caução para fins de concessão de liminares/proteção de direitos fundamentais”.
Logo, a lei 12016/09 inovou mais uma vez a revés da jurisprudência e dessa vez, substancialmente, a revés da doutrina.
O antigo parágrafo único foi convertido em cinco novos com o novel diploma, o primeiro especificando o recurso cabível contra sentença que defira ou indefira liminar no mandado de segurança: agravo de instrumento; o segundo restringe ainda mais a possibilidade de concessão de liminares com três novas situações:
a) a compensação de créditos tributários;
“Súmula nº 212. Compensação de Créditos Tributários – Medida Liminar. A compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida liminar.”
Entretanto, de forma paralela, também mediante súmula, o STJ admitiu o cabimento do mandado de segurança sobre a matéria de compensação de tributos:
“Súmula nº 213. Mandado de Segurança – Compensação Tributária. O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária.”
b) a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior.
“STF. Súmula 323. “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”.
Ora, como agir o contribuinte quando a alfândega, coagindo-o ilegal ou abusivamente a pagar determinado tributo, bloquear uma entrega de produtos perecíveis, senão impetrando um Mandado de Segurança com medida liminar?
c) Concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza
“STF. Súmula 339. Não cabe ao poder judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia”.
Assim, ampliou-se o número de limitações mesmo para o pagamento de “valores de qualquer natureza”. Essa tendência da lei, sob o argumento de proteção do interesse público e do erário, mitigou, de pleno, os préstimos do instrumento do mandado de segurança, na sua condição de garantia constitucional contra ilegalidades.
O terceiro parágrafo do Art. 7º (novo) determina que deferida a liminar, seus efeitos durarão até a prolação da sentença, podendo ser revogada ou cassada, mas não determinado seu “prazo de validade” como fazia a lei anterior, em benefício do jurisdicionado.
O último dos parágrafos (novo), todavia, disciplina que deferida a liminar, o processo terá prioridade para julgamento. A despeito de aparentar uma celeridade conferida ao processamento do mandamus, pode acabar por agravar a situação daqueles processos que estão sendo afastados pela lei da possibilidade de concessão de liminar.
Por fim, o quinto e último parágrafo declara que as vedações relacionadas com a concessão de liminares então previstas se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil.
O artigo oitavo, que contém redação semelhante ao revogado artigo 2º da Lei n 4.348/64, renova a crença na utilidade de sua disposição – pois, paralelamente, estavam sendo utilizadas outras medidas coercitivas na tentativa de efetivar a tutela – busca a lealdade processual, determinando que será decretada a perempção ou caducidade da medida liminar ex officio ou a requerimento do Ministério Público quando, concedida a medida, o impetrante criar obstáculo ao normal andamento do processo ou deixar de promover, por mais de 3 (três) dias úteis, os atos e as diligências que lhe cumprirem.
Assim, aquele litigante que, satisfeito com a medida liminar lhe deferida, buscar travar o andamento processual para usufruir dos seus efeitos, poderá ser penalizado pela revogação de sua liminar.
O art. 9° com regra que apresenta muita similitude com o revogado artigo 3º da Lei nº 4.348/64, prevê que as autoridades administrativas, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas da notificação da medida liminar, deverão remeter ao órgão a que se acham subordinadas tal qual seu representante legal, cópia autenticada do mandado notificatório, assim como elementos para defesa ou suspensão daquela.
Tal medida busca, certamente, assegurar a apreciação por parte do órgão hierarquicamente superior da medida liminar deferida contra seu subordinado. Evitam-se, assim, demoras pela intervenção daquela no feito, tal qual lhe garante amplo exercício do seu direito de defesa.
O artigo 10 acrescenta o princípio da motivação das decisões judiciais àquela que indeferir de plano o mandado de segurança quando: lhe faltar algum dos requisitos legais (abrangendo leis outras que disciplinem a matéria); decorrido o prazo legal para a impetração ou mesmo se a medida não for o meio adequado.
O seu parágrafo primeiro estabelece, em acordo com a lei antiga e com a sistemática recursal do Código de Processo Civil (Buzaid), qual o recurso cabível contra esta decisão: apelação. Ademais, retira sombras de possíveis dúvidas ao esclarecer que, quando a competência para o julgamento do mandado de segurança couber originariamente a um dos tribunais, do ato do relator caberá agravo regimental.
O parágrafo segundo deste décimo artigo não possui similar e acrescenta não ser admissível o ingresso de litisconsorte após o despacho da petição inicial. Busca-se a celeridade processual, tal qual evitar a interferência de litigantes oportunistas no feito, que aguardem a concessão da liminar em processos de outros para escolherem em qual juízo ingressar, o que, para alguns doutrinadores, fere o princípio do juízo natural.
Em consonância com a sistemática trazida pelas próprias inovações, o artigo undécimo determina a juntada dos comprovantes notificatórios enviados à autoridade coatora e seu representante judicial, além da comprovação da remessa nos casos de urgência trazidos à baila no artigo quarto. Este artigo corresponde ao nono da lei revogada, somado às discrepâncias ora assinaladas.
O artigo 12, em similitude ao antigo 10, foi alterado no prazo para a oitiva do Ministério público, passando de 5, para 10 dias, embora, como de sabença, seja este impróprio. No seu parágrafo primeiro, dilatou-se por conseguinte o prazo para a decisão do juiz – 30 dias – com ou sem o parecer do Ministério Público.
O décimo terceiro – correspondente ao antigo undécimo – melhorou a redação do artigo e acrescentou a necessidade de notificação da decisão que defere a segurança à pessoa jurídica interessada – além, obviamente, da autoridade coatora, consagrando, em conjunto com o inciso II do artigo 7º, a entidade pública de cujo quadro qual faz parte a autoridade coatora como parte demandada no processo.
O antigo parágrafo único, pela caducidade em relação às novas tecnologias e burocracia exacerbada, foi revogado. O novo, em obediência à sistemática trazida para os casos de urgência (art. 4°), previu que pode o magistrado se utilizar para tal notificação de telegrama, radiograma, fax ou outro meio eletrônico de autenticidade comprovada.
O artigo 14, em seu caput, dispôs sobre o cabimento de apelação diante de sentença prolatada, repetindo o regramento anterior e seguindo o modelo do sistema recursal estabelecido pelo Código de Processo Civil de 1973. Ocorre, todavia, que não foi regulamentada a interposição do recurso – nem mesmo com relação ao respectivo prazo. Diante disso, entendemos pela aplicabilidade do regramento da lei geral adjetiva civil, assim como para todo o sistema recursal do rito especial do mandamus, o que nos leva, inclusive, a enxergar como equívoco a proibição de embargos infringentes pelo artigo 25, problemática mencionada à frente.
Faça-se um breve interregno para aclarar a aplicabilidade da legislação processual geral no rito especial do mandamus. Levando-se em consideração o sistema recursal, em virtude do momento oportuno para tanto, tenha-se em conta a ausência de regramento para a apelação, os recursos especial, ordinário e extraordinário já comentados, bem assim do agravo de instrumento. Pela regra básica de hermenêutica, se o sistema possui um regramento geral, aplica-se-o quando do silêncio do rito especial, presumindo-se uma atitude extremamente reflexiva por parte do legislador.
Eduardo Talamini (2009, p. 50) explica com destreza o equívoco que levava os juristas a acreditarem no afastamento do CPC em termos de mandado de segurança:
“Invocava-se o artigo 20 da Lei 1.533/1951, para daí se extrair a inaplicabilidade das regras do CPC ao mandado de segurança. A tese não procedia. O art. 20 da antiga Lei, ao estabelecer que “revogam-se os dispositivos inseridos no Código de Processo Civil sobre o assunto e mais disposições em contrário”, tinha de ser compreendido em seu contexto histórico. Até a edição da Lei 1.533/1951, o processo do mandado de segurança era regulado por dispositivos inseridos no Código de 1939. Foi a aplicação de tais regras específicas, e não necessariamente de outras, que se pretendeu afastar.”
Tal regra da legislação vetusta era anacrônica, por despicienda, já que a lei especial afasta a aplicação de dispositivos da lei geral que com aquela entrem em dissonância.
Considere-se, inclusive, que, por diversas vezes, a nova lei traz referência à aplicabilidade do diploma processual civil para o rito do mandamus, para que se conclua sobre a clara aplicabilidade do Código de Processo Civil.
O §1º do art. 14, em inovação legislativa, dispõe caber remessa necessária – ou seja, ser “obrigatório” o duplo grau de jurisdição, não estando na legislação anterior a expressão da obrigatoriedade, o que suscitava dúvidas – em relação apenas sentença que conceder a segurança. Não restou clara, todavia, a obediência ao princípio geral estabelecido no CPC, de que somente se submete à revisão a sentença desfavorável à Fazenda Pública que exceda o valor de sessenta salários mínimos (segundo a orientação do artigo 475 do CPC). Mais uma vez, posicionamo-nos pela aplicabilidade do artigo 475 do CPC, pelo já exposto, bem assim em virtude de ser igualmente possível de se afastar o princípio da lesão ao interesse público para o caso de mandado de segurança.
Em análise preliminar, o dispositivo pode parecer compatível com a política de proteção ao interesse público, estabelecida no artigo 475 do CPC. Todavia, deve-se considerar que se trata de mandado de segurança, instrumento, conforme já dito, que representa não apenas um instrumento processual, como incorpora uma garantia constitucional fundamental utilizada pelo cidadão para defesa contra as arbitrariedades do Estado. É incompatível com a lógica do instituto, já que confere à sentença que possa prejudicar a Fazenda Pública maior importância do que à sentença que eventualmente prejudique, pela denegação, a tutela de direito de envergadura constitucional – a ponto de se submeter ao reexame obrigatório apenas o primeiro caso.[5]
Destaque-se que, mais uma vez, o legislador, em sua redação, restringiu o “recurso voluntário” às sentenças, ficando de fora os acórdãos.
Outra novidade sobre a qual é oportuna a consideração é a possibilidade de a autoridade coatora recorrer, regra inserta no §2º do art. 14.
Muitas e duradouras foram as discussões doutrinárias acerca da legitimidade recursal atribuível ou não à autoridade coatora. O Superior Tribunal de Justiça vinha esposando a tese de que não era admissível que a autoridade coatora recorresse:
“Mandado de segurança. Recurso especial interposto por prefeito municipal. Impossibilidade. Legitimidade recursal de pessoa jurídica de direito público. Precedentes. Agravo regimental improvido.” (AgRg no Ag 1068039/SC, rel. Min. Nilson Naves, j. 20.11.2008, p. 09.02.2009)
Em outro entendimento da mesma corte superior, defendeu-se que ela o poderia fazer apenas como terceira interessada, defendendo interesses outros que não o público:
“PROCESSO CIVIL – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – MANDADO DE SEGURANÇA LIMINAR: ATAQUE VIA AGRAVO DE INSTRUMENTO – LEGITIMIDADE PARA RECORRER. 1. Tem legitimidade para recorrer, no mandado de segurança, em princípio, o órgão público, e não o impetrado, que age como substituto processual da pessoa jurídica na primeira fase do writ. 2. Ao impetrado faculta-se, não obstante, a possibilidade de recorrer como assistente litisconsorcial ou como terceiro, apenas a fim de prevenir sua responsabilidade pessoal por eventual dano decorrente do ato coator, mas não para a defesa deste ato em grau recursal, a qual incumbe à pessoa jurídica de direito público, por seus procuradores legalmente constituídos. 3. Embargos de divergência conhecido, mas improvido.” (REsp 180613/SE. Embargos de divergência. Rel. Minª. Eliana Calmon,Corte Especial, 17.11.2004, p. 17.12.2004)
A tese que prevaleceu nessa nova sistemática imposta pela legislação foi a de que a autoridade coatora é, sim, legítima para recorrer, afastando-se, como conclusão, a tese de que ela apenas representaria uma mera prestadora de informações ao julgador do mandado de segurança. Em primeiro grau, presenta a pessoa jurídica de direito público, na tese de Pontes de Miranda (apud MARINONI e ARENHART, 2009), sendo em segundo grau, com a nova lei, assistente litisconsorcial, terceira interessada no processo na visão do acórdão exposto, proveniente do STJ, pois interessada em livrar a responsabilidade pessoal daquele que ocupa o cargo no qual exerceu a suposta conduta ilegal ou abusiva.[6]
É possível questionar, ainda, se tal dispositivo se referiu à possibilidade recorrer, em geral, ou se apenas à possibilidade de apelar, já que o dispositivo está localizado no artigo referente à apelação (MACHADO, 2009). Deve-se ter em conta a intenção de economia processual que motiva a extensão da participação da autoridade coatora no processo, porquanto deve ser o dispositivo interpretado da maneira mais ampla possível.
O §3º do mesmo artigo, por sua vez, consagra mais uma disposição que vai de encontro à ideologia da tutela fundamental promovida pelo mandado de segurança. Isso porque veda a execução provisória à sentença que verse sobre matérias acerca das quais é proibida a concessão de liminar. Afora a discussão sobre a arbitrariedade da vedação da concessão de liminar nessas matérias, que não é assunto deste dispositivo, é possível invocar o questionamento acerca da arbitrariedade repisada por este parágrafo, que impede a execução de um pronunciamento dotado de certeza jurídica consubstanciado na sentença, a qual não mais se trata de cognição mitigada característica de uma liminar.
O §4º do art. 14, como último do dispositivo, estende aos servidores pertencentes à administração autárquica estadual e municipal a restrição que faz. Impede o dispositivo que se pleiteiem vencimentos e vantagens referentes a período anterior ao ajuizamento do mandamus, o que já era explicado pelo Excelso Pretório pelo motivo de que o “mandado de segurança não é substitutivo da ação de cobrança” (Súmula 269 do STF). Conseqüência disso é que a “concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria” (Súmula 271 – STF). Razoável previsão, se se considerar a cognição sumária deste rito e o caráter de urgência, consubstanciado na busca da tutela específica pelo provimento jurisdicional mandamental.
O artigo 15 desta lei merece bastante atenção. Esse conjunto de dispositivos estampa a perda da oportunidade de melhora da legislação em prol do cidadão, daquele que se vale do mandado de segurança para se proteger dos arbítrios do Estado. Houve reprodução, neste dispositivo, dos termos do antigo artigo 4º da Lei nº 4.348/64, porquanto o execrável instituto da “suspensão da segurança” se renovou.
Como primeira consideração sobre o instituto,
Continua, assim, possível para o Presidente do Tribunal – a quem couber conhecimento de eventual recurso especial ou extraordinário no bojo do mandado de segurança -, que, sob a justificativa de “evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”, critério demasiadamente amplo e prejudicialmente sujeito à subjetividade do julgador, suspenda os efeitos da concessão da segurança em liminar ou em sentença (caput do novel artigo 15), abrindo-se caminho para que o Estado perpetue os abusos cometidos contra aqueles que se acham, em tese, protegidos pelo remédio heróico.[7]
Amplia-se, ainda, a legitimidade para o requerimento da suspensão ao Ministério Público, evidenciando a intenção do legislador de promover a permanência deste dispositivo no ordenamento jurídico pátrio (caput do art. 15).
Como revigoramento deste instituto teratológico para os cortes de um Estado Democrático de Direito, continuou prevista a possibilidade de se requerer uma nova suspensão, dessa vez diretamente aos Presidentes do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, quando da denegação da primeira (artigo 15, §1º); quando do provimento, pelo órgão colegiado, de agravo de instrumento interposto pelo impetrante contra a primeira decisão concessora da suspensão (proferida pelo Presidente do Tribunal a quo), ou, ainda, quando da denegação de agravo de instrumento interposto contra o despacho que defere a liminar (§2º do artigo 15).
É bastante válida, sobre isso, a observação de Hugo de Brito Machado (2009, p. 46) que se registra a seguir:
“A suspensão da liminar e da sentença que concede o mandado de segurança fica, agora, a depender de apenas duas autoridades judiciárias, a saber, o Presidente do Supremo Tribunal Federal e o Presidente do Superior Tribunal de Justiça. Isto significa dizer que os provimentos judiciais de urgência, contra o Poder Público, somente subsistem se contarem com o apoio dessas duas autoridades.”
O §3º do artigo 15 continuou, também, registre-se, a estabelecer que a interposição de agravo de instrumento em face de decisão concessora da liminar nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes “não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão”, o que concede mais uma chance ao Poder Público, fracassado em sede de liminar em outro processo, de obter decisão vantajosa para si.
O §4º do artigo 15 em questão prevê, por sua vez, dando continuidade ao acréscimo que trouxe para a Lei nº 8.437/92 a Medida Provisória nº 2.180-35, em 2001, que “o presidente do tribunal poderá conferir ao pedido [de suspensão] efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida”. Ou seja, em fortalecimento ao instituto da suspensão de segurança, admite-se até mesmo cognição de natureza sumária na análise de tal pedido de suspensão.
Perpetuando o enfraquecimento da lógica do instituto do mandado de segurança, o §5º vem endossar a força política do instituto da suspensão da segurança quando permite ao presidente do tribunal, em liminares cujo objeto seja idêntico, suspendê-las “em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original”. Tal decisão já era prevista através da Medida Provisória nº 2.180-35/2001. Endossa uma equiparação de processos e o julgamento do incidente de maneira similar a um “julgamento de causas repetitivas”.
Como piora adicional, foi reduzido o tempo para interposição de agravo que questione o despacho concessor da segurança. Enquanto antes era de 10 dias, de acordo com a Lei nº 1.533/51, agora é de cinco dias o prazo máximo para manifestação da irresignação com o teor da suspensão. Continua a ausência de efeito suspensivo a tal recurso (caput do artigo 15).
O artigo 16, caput, segunda parte, inovou quando permitiu a defesa oral na sessão do julgamento. Cabe agora o questionamento de se tal “defesa oral” deveria ser interpretada, a bem do impetrante, de maneira ampla, permitindo o pronunciamento de ambas as partes do processo, ou se de maneira restritiva, de modo a permitir apenas ao Estado apresentar sua defesa, na condição de réu do processo, em suposta observância ao interesse público primário – que, muitas vezes, pode encerrar um conteúdo de interesse secundário.
Em correspondência à previsão do §1º do artigo 7º da lei em discussão, o parágrafo único do artigo 16 trouxe regramento sobre a tramitação do mandado de segurança no âmbito dos tribunais que detenham competência originária de processamento e julgamento. Permitiu que ambas as partes se valham de agravo interno em caso de concessão ou denegação da liminar, em sintonia com a tramitação de feitos de outra natureza de competência originária dos tribunais.
O artigo 17, trazendo disposição nova, consagra a necessidade de celeridade na prestação jurisdicional que envolva o mandado de segurança, ao prever que “Nas decisões proferidas em mandado de segurança e nos respectivos recursos, quando não publicado, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data do julgamento, o acórdão será substituído pelas respectivas notas taquigráficas, independentemente de revisão”. Saliente-se que as notas taquigráficas registram todos os incidentes solvidos, as questões de ordem suscitadas pelos juízes ou patronos, bem assim os votos na íntegra dos magistrados – quando atuantes em colegiados -, enfim, as ocorrências durante o ato que finaliza o processo em determinada instância, servindo até como fundamentação para recurso contra decisão ou acórdão cujos fundamentos não se encontrem em consonância com o registrado nas notas taquigráficas.
O artigo 18, com redação também inédita no âmbito do mandado de segurança, exerceu a função de regulamentar a previsão constitucional de cabimento de recursos ordinário e extraordinário diante das decisões em mandados de segurança proferidas em única instância (arts. 102, III, e 105, III, da CF/88). Ademais, dispôs sobre o cabimento de recurso ordinário, este apenas nos casos de denegação da ordem pleiteada, previsão também existente na Lei Maior de 1988 (arts. 102, II, e 105, II, da CF/88).
O artigo 19 da Lei nº 12.016/2009 foi responsável pelo esclarecimento de dispositivo correspondente na legislação anterior, em conformidade com a doutrina majoritária que se formou em prol de sua interpretação: restringiu expressamente a possibilidade de renovação de discussão da matéria que antes estava em sede de mandado de segurança. Tal restrição se deu em relação às causas que já tiveram seu mérito analisado no mandamus, em respeito à coisa julgada.
Em conseqüência, novo pleito, dessa vez não por tutela específica, mas por efeitos patrimoniais, formulado em razão da mesma causa de pedir, somente poderá se dar quando a sentença tenha sido favorável ao impetrante e caiba ressarcimento ou, ainda, quando o mérito não tenha sido apreciado em sede do mandamus.
O artigo 20, caput, reitera a prioridade já existente do julgamento de mandados de segurança em relação a outros feitos, à exceção do habeas corpus. O §1º do dispositivo em tela também reproduz texto anterior, que intenciona conferir celeridade ao processamento do remédio constitucional.
O §2º, por sua vez, observando o contexto do uso massificado do mandado de segurança no atual contexto processual brasileiro[8], bem como do grande volume de trabalho das secretarias judiciárias dos últimos tempos, aumenta o prazo máximo para conclusão ao julgador competente dos autos de mandados de segurança, lapso extendido de vinte e quatro horas para cinco dias.
O artigo 21 consiste em pedra angular no bojo da legislação processual brasileira. Isso porque, mais de vinte anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, proporcionou a regulamentação do processamento e julgamento de um instrumento de tamanha monta para o contexto social hodierno, que consiste no mandado de segurança coletivo – artigo 5º, LXX, da Constituição Federal.[9]
Afirma Daniel Zanetti (2009, p. 20) que “as peculiaridades do mandado de segurança coletivo se restringem à legitimidade ativa e à especificidade de seu objeto, relacionado à tutela de direitos coletivos e individuais homogêneos”.
No tocante, pois, ao rol de legitimados, de acordo com a cabeça do artigo em questão, estes são os partidos políticos, as organizações sindicais, as entidades de classe ou associações legalmente constituídas há pelo menos um ano.
Os partidos políticos tiveram sua legitimidade limitada, na lei, à “defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária”. Na mesma esteira, limitaram-se as matérias a serem abordadas pelas associações e entidades de classe ao se estabelecer que devem ser “pertinentes às suas finalidades”. Vale observar que nenhuma dessas restrições está no texto constitucional.
De conformidade com a Súmula 629 do STF, previu-se no caput do artigo em tela a dispensa de autorização especial para as associações ou entidades de classe. Isso porque, bem analisada a natureza do direito em questão, trata-se aqui de substituição processual, não de representação, bastando àquela, pois, ser prevista expressamente em lei para que seja exercitada.
Ainda no tocante ao caput do art. 21, em consonância com a Súmula 630 do STF, prevê-se a possibilidade de a entidade de classe defender um interesse que não seja propriamente indivisível – de toda a categoria -, mas de apenas parte dela. Cria legitimação extraordinária para a proteção de interesses coletivos lato sensu.[10]
No que atine ao objeto, os incisos I e II do parágrafo único do artigo 21 apenas mencionaram e definiram direitos “coletivos” e “individuais homogêneos” como sendo objeto do mandamus, pondo fim à controvérsia doutrinária sobre o eventual cabimento de mandado de segurança para tutela de direitos difusos. Isso foi ao encontro da maioria da doutrina e jurisprudência – que cria na possibilidade de tal abrangência -, embasando-se no entendimento de que a processualística mandamental não se adequa às peculiaridades dos direitos difusos, os quais, indivisíveis e fluidos, restam de difícil demonstração em um rito que exige pré-constituição de prova documental.
O artigo 22, ainda regrando o mandado de segurança coletivo, omite-se acerca de se a coisa julgada se fará secundum eventum litis, ou seja, apenas em face de determinadas situações – já que o processo coletivo é dotado de peculiaridades, especialmente no campo probatório, que impedem a extensão da coisa julgada desfavorável à coletividade como um todo. Ocorre, todavia, que não cabe, para o rito sumário do mandamus, em que se exige prova pré-constituída, a ontologia da sentença de improcedência por insuficiência de provas. Isso porque o que ocorre, em verdade, é a denegação do mandado de segurança por ausência de prova pré-constituída, uma das condições da ação (art. 267, III, do CPC). Inexiste, nesse caso, sequer a análise do mérito, porquanto é possível propor ação diversa com o mesmo propósito, de acordo com o permissivo do artigo 19 da nova lei.
A primeira parte do §1º do art. 22, dessa vez em sintonia com as peculiaridades exigidas por essa espécie de tutela, dispõe que “O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais”. Todavia, a segunda parte do dispositivo estabelece que “os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva”. Está tal previsão distante daquela ditada pelo código consumerista, uma vez que o artigo XX deste último permite à parte apenas suspender o seu processo individual e aguardar pelo resultado do processo coletivo, já que a intenção da regra é, claramente, a economia processual. Em malefício do impetrante – e conseqüente proteção ao Poder Público, que tem amenizados contra si os instrumentos processuais usuais – é a regra, dissidente, mais uma vez, da merecida ampla proteção pelo mandado de segurança, em decorrência de sua origem constitucional.
O §2º do artigo em questão gerou críticas contra si. Isso porque reproduz o hostilizado artigo 2º da Lei nº 8.437/92. Prevê o dispositivo da nova lei que “a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas”. É bem verdade que muitas das prerrogativas da Fazenda Pública são postas em observância à isonomia material no processo, quando se tem a harmonização e, por consequência, um conflito apenas aparente entre a proteção do interesse público e os princípios da igualdade processual e efetividade da prestação de tutela jurisdicional. Todavia, a redação do dispositivo – “só poderá” – peca gravemente ao não deixar margem de discricionariedade ao magistrado à primeira leitura, podendo se tornar ferramenta de arbitrariedades em favor daqueles que não se esforçam por interpretá-lo em conformidade com a Constituição.
O artigo 23, por sua vez, perpetua o entendimento de que sofre decadência no lapso de cento e vinte dias o direito ao uso do mandado de segurança – jamais o direito objeto da ação. Conflita essa previsão, mais uma vez, com a essência constitucional fundamental da garantia que se propõe o ordenamento a tutelar.[11]
Todavia, de encontro a essa orientação está o entendimento do Supremo Tribunal Federal que, no verbete nº 632 de sua Súmula definiu que “É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração do mandado de segurança”, a qual aqui se combate face à sua inconstitucionalidade – art. 5º, XXXV, da CF. De qualquer maneira, já se excluem da incidência de tal prazo, por sua própria natureza, as impetrações preventivas, as relações jurídicas de trato sucessivo ou atos omissivos continuados, pois se renovam de mês a mês. Isso de acordo com entendimento do STJ (REsp 247884/DF, 6ª T, rel. Min. Vicente Leal, p .25.06.2001, p. 253), já combatido pelo STF (RMS 18387, Min. Barros Monteiro, RTJ 50/174).
Vale salientar que o projeto de lei referente à Lei nº 12.016/2009, em regramento ainda mais prejudicial ao impetrante, encerrava dispositivo que, mesmo evidenciando o direito do autor à emenda da petição inicial para corrigir a indicação da autoridade coatora, estabelecia que a emenda somente poderia ocorrer dentro do prazo decadencial de cento e vinte dias. Seria o artigo 6º, §4º, que sabiamente foi vetado pelo Chefe do Executivo.
O artigo 24 estabelece a aplicabilidade do instituto do litisconsórcio, tal como regulado no Código de Processo Civil – arts. 46 a 49 -, ao mandado de segurança. Regra equivalente já existia no artigo 19 da Lei nº 1.533/51. A nova lei não dispôs sobre a possibilidade de cabimento de assistência litisconsorcial, como vinha sendo defendido pela doutrina de, v.g., Sérgio Ferraz e Hely Lopes (apud LOPES, 2004). Em verdade, qualquer restrição pela Lei Maior no uso do mandamus deveria ser reputada inconstitucional, até mesmo pela afronta ao princípio do acesso à justiça.[12] Eduardo Talamini (2009), com acuidade, soluciona a questão com o artigo 54 do CPC, afirmando que a assistência litisconsorcial se submete ao regime jurídico do litisconsórcio.
Em adoção da tese que circulava na jurisprudência majoritária, a nova lei estabeleceu o não cabimento de honorários sucumbenciais em sede de mandado de segurança – artigo 25 – , assim como ocorre com o habeas corpus, isto tudo sob a alegação da envergadura constitucional de ambos os institutos processuais, bem assim da inaplicabilidade do artigo 20 do CPC ao rito especial, o que já ocorria com o diploma anterior.[13] Deve-se ter em conta, porém, que o acesso à justiça não é mitigado pela condenação em honorários sucumbenciais, já que se tem à disposição do realmente necessitado a técnica da Lei nº 1.060/50. Ainda, o Código de Processo Civil é adotado no rito especial do mandado de segurança, no que não for contrário a este.
Além disso, ausência de condenação em honorários advocatícios pode subverter a ordem propagada pelo instituto, estimulando o uso leviano do instrumento por quem não tem certeza de seus direitos. Ainda, na visão de Hugo de Brito Machado (2009), possui o novo diploma “o inconveniente de impedir a reparação integral do direito lesado por ato ilegal ou abusivo, pois o impetrante suportará, sempre, o ônus dos honorários de seu advogado”. Atente-se para que se excluem desta previsão, ao menos, os ônus sucumbeciais atribuídos no caso de litigância de má-fé.
Ademais, o mesmo artigo 25 também prevê não cabíveis embargos infringentes no seio deste procedimento, consolidando súmulas (597 do STF; 169 do STJ) das Cortes Superiores. Está-se diante da perpetuação de um equívoco trazido pela interpretação majoritária da lei anterior, que inadmitia qualquer aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, o que não ocorre, conforme já se frisou oportunamente. “Não há justificação lógica ou jurídica para impedir a utilização dos embargos infringentes (…). A especialidade e a ausência de tipicidade do recurso na lei do mandado de segurança não podem ser utilizadas como argumento sério”, lecionam MEDINA e ARAÚJO (2009, p. 235).
O artigo 26 da nova lei faz referência a um tipo penal, que é o crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), esclarecendo-se a múltipla incidência de punições (civil, penal e administrativa) em uma única conduta, a de descumprimento de ordens emanadas do judiciário em sede de mandado de segurança, mas isso de encontro à orientação do STJ (HC 92.655/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 18.12.2007, DJ 25.02.2008). Isso é fruto da evolução doutrinária registrada por eminentes doutrinadores, a exemplo de Hely Lopes Meirelles (apud LOPES, 2004), que entendia não caber novo mandado de segurança diante do descumprimento da ordem judicial, mas sim medidas coercitivas, além de que isso consiste em crime já tipificado no Código Penal (art. 330). Deve-se, todavia, observar a impropriedade da referência ao artigo 330 do CP, ao invés da criação de novo tipo penal mais abrangente – providência mais apropriada, que tornaria mista a nova lei. Isso porque o tipo referido no código criminal consiste em crime de particular contra a Administração, o que não posiciona como sujeito passivo os funcionários públicos no exercício de sua função, justamente, em muitos casos, os responsáveis pelo entrave do direito pleiteado no mandamus (art. 319, CP – TRF4 HC 3191/RS, 8ª T, rel. juiz Élcio Pinheiro, p. 29.05.20002, p. 639 e TRF3 HC 11865/SP, 2ª T, rel. juíza Arice Amaral, j. 27.05.2002, p. 282).
O legislador cuidou, ainda, no mesmo dispositivo, de não afastar a jurisdição administrativa, bem assim os crimes políticos configurados por conduta similar no tocante às autoridades de alto escalão, por serem crimes próprios, em lugar do delito de desobediência de que aqui se trata. Deveria haver o legislador previsto, ainda, a inafastabilidade da punição a título de improbidade administrativa, de conformidade com a atual sistemática de proteção ao interesse público primário atentado pelo agente público, quando cria uma quarta esfera de responsabilização – além da civil, penal e administrativa -, a qual pune a conduta ímproba (art. 37, §4º, da CF/88), como produto da intolerância às ofensas deflagradas contra o princípio da moralidade administrativa.
A regra extraída do artigo 27 visa a proporcionar às Cortes do Judiciário, responsáveis pela escolha do procedimento que melhor se adequa às realidades de sua jurisdição, o tempo de cento e oitenta dias para adaptação de seus regimentos internos às disposições da novel lei, a fim de conferir a necessária eficácia à nova disciplina promulgada para o mandado de segurança. Todavia, resta o questionamento acerca de que norma seria aceita durante esse lapso temporal: aquela disposta no regimento interno – acerca de, v.g., um determinado prazo mais extenso que a nova previsão legal – ou a prevista na lei. Parece mais razoável a compreensão de que se deve aceitar, mesmo ainda não adaptada, a norma regimental, se beneficie o jurisdicionado, já que esse período suscitará dúvidas sobre a norma aplicável, ainda mais se considerada a disposição do artigo 28, a seguir.
Em relação ao artigo 28, tal dispositivo traz a previsão de entrada em vigor da lei na data de sua publicação. Diante disso, deve-se atentar para a prejudicialidade dessa medida, uma vez que o mandado de segurança, antes de ser um instituto processual, sobre o qual, portanto, são aplicadas as normas tão logo entrem em vigor – tempus regit actum -, é uma garantia de estirpe constitucional, a qual encerra conteúdo de direito fundamental. Deve-se atentar para o equívoco do legislador ao promover essa previsão, já que a inexistência de vacância para a lei não permitiu aos respectivos patronos uma análise mais detalhada da norma, a qual evitaria equívocos que comprometeriam o acesso à justiça para obtenção de uma garantia nascente na própria constituição.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A nova lei do mandado de segurança (Lei n° 12.016/09) chegou com o condão principal de redimir dúvidas e ao mesmo tempo solidificar pacíficos entendimentos jurisprudenciais, das principais cortes do país, a respeito instituto. É o que se observa em análise apressada do aspecto geral da novel lei.
Recebeu a lei, todavia, severas críticas quanto à possível diminuição da abrangência do remédio constitucional, assim como da redução de possibilidades de concessão de liminar.
Doutrinas de grande envergadura condenam esse novel dispositivo, afirmando que reduziu os préstimos de garantia constitucional tão importante do cidadão. Como aduz Scarpinella Bueno (apud MACHADO, 2009, p. 41), “o mandado de segurança não pode renascer velho. Uma nova lei do mandado de segurança deve espelhar e transpirar os ares de hoje. O processo do mandado de segurança não pode, por definição, conspirar contra aquele que tem razão na contramão do que as mais recentes reformas do Código de Processo Civil têm pregado e posto em prática”.
Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Advogado.
Acadêmica de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Os danos existenciais representam uma modalidade específica de dano imaterial que surge quando uma pessoa…
O direito brasileiro prevê diferentes formas de indenização para reparar prejuízos causados por atos ilícitos…
A espondilodiscoartrose é uma doença crônica que causa desgaste nas articulações da coluna, afetando ossos,…
A espondilite anquilosante é uma doença crônica e progressiva que pode causar impactos significativos na…
A espondiloartrose anquilosante, também conhecida como espondiloartrite em fases iniciais, é uma doença inflamatória crônica…
Como reverter um indeferimento do INSS? Para reverter um indeferimento do INSS, o segurado pode…