Resumo: este artigo aborda a importância da participação da mulher na política brasileira, os avanços históricos para que essa participação aumente e questiona a eficácia das cotas eleitorais. Embora haja leis que determinem a obrigatoriedade de mulheres na vida política do país, especialmente no Legislativo, essa participação ainda é tímida, pois, tanto a má qualidade da lei de cotas eleitorais ofertada pelo poder público como a responsabilidade quase que exclusiva das mulheres com os afazeres domésticos, a vida em família, a criação dos filhos, etc., faz com que a participação na vida pública ainda seja mais difícil para as mulheres do que para os homens. A igualdade de gênero na política ainda é um sonho distante no Brasil e os mecanismos desenvolvidos pelo poder público para efetivar essa igualdade não tem ofertado os resultados desejados.
Palavras-chave: Mulher. Política. Cotas eleitorais. Participação política. Igualdade de gênero
Abstract: this article discusses the importance of women's participation in Brazilian politics, the historic progress to increase this participation and questions the effectiveness of the electoral quota. Although there are laws mandating that women in the political life of the country, especially in the Deputy chambers, this participation is still limited because both the poor quality of the law of electoral quotas offered by the government as the almost exclusive responsibility of women with household chores, family life, child rearing, etc.., makes participation in public life even more difficult for women than for men. Gender equality in politics is still a distant dream in Brazil and the mechanisms developed by the government to enforce this equality has not offered the desired results.
Keywords: women in politics. Electoral quota for women. Gender equality. Brazilian politics.
Sumário: Introdução. 1. A importância das mulheres nos espaços de poder. 2. As cotas eleitorais. 2.1 As cotas não funcionaram? Conclusão.
Introdução
O objetivo deste artigo é levantar algumas questões referentes à importância da participação feminina nas esferas de poder institucional, mais especificamente nas casas legislativas federais, e quais os caminhos possíveis para fomentar essa participação. Para tanto, procedeu-se à revisão da literatura sobre o tema em questão e apoiou-se em dados estatísticos dos órgãos oficiais do Brasil. Autores renomados foram consultados para embasar as opiniões aqui refletidas.
A história das mulheres na vida política brasileira se mistura com a história do Brasil. Desde os tempos coloniais, as mulheres participaram das lutas sociais, lutaram nas revoltas, envolveram-se com as transformações políticas em curso.
Entretanto, foi a partir do século XIX que as mulheres brasileiras, influenciadas pelos movimentos sufragistas da Europa e dos EUA, intensificaram a luta por direitos políticos. Na assembleia constituinte de 1891, o voto feminino esteve presente em inúmeros debates e fez com que as militantes da causa acreditassem que a primeira Constituição Republicana do Brasil garantiria a participação de todos e todas.
Mas não foi o que ocorreu. O art. 70 da referida Constituição determinava que: “São eleitores todos os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei” e, apesar de a proibição não ter sido expressa, a jurisprudência de época entendeu que as mulheres não estavam contempladas entre os cidadãos.
Como muito bem disse Celi Pinto, em seu artigo Mulher e Poder: “não se citou a mulher em 1891, não se lhes prescreveu limites, simplesmente se excluiu, não se reconheceu a sua existência.”[1]
Sob influência dos movimentos europeus de sufrágio universal, foi fundado, em dezembro de 1910, no Rio de Janeiro, o Partido Republicano Feminino e, mesmo as mulheres não sendo eleitoras ainda, o partido conseguiu o registro oficial em 1911 e se tornou um espaço para lutar pelo direito ao voto. Pinheiro aponta que:
“A criação do partido foi marcante, uma vez que se constituiu em um partido político formado por pessoas sem direitos políticos e cuja possibilidade de atuação teria que se dar, portanto, fora da ordem estabelecida.”[2]
Bertha Luz, bióloga feminista, em seu artigo publicado na Revista da Semana, em 14 de dezembro de 1918 apontou que:
“As mulheres russas, finlandesas, dinamarquesas, norueguesas, suecas, alemãs e inglesas — quer dizer, uns cento e vinte milhões de mulheres na velha Europa — já partilham ou brevemente partilharão do governo, não só contribuindo com seu voto para a eleição dos legisladores, como podendo ser elas próprias para o exercício do poder legislativo.”[3]
Nos anos seguintes a luta continuou e, em 1922, no mesmo ano que foi fundado o Partido Comunista do Brasil, foi fundada por Bertha Luz a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, instituição que iniciou um processo de negociação pelo sufrágio universal junto à elite política do país.
Bertha Lutz pertencia à elite intelectual e econômica do Brasil, formada na França, a bióloga organizou o movimento sufragista a partir de uma postura de diálogo com os homens. O modus operandi do movimento era o do convencimento da importância do voto para as mulheres e não do enfrentamento sobre a condição da mulher na sociedade.
A partir do movimento sufragista, o governador do Rio Grande do Norte, decidiu modificar a constituição estadual e, na redação final do art. 77, determinou que: “No Rio Grande do Norte poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por lei”. A professora Celina Guimarães Vieira, de Mossoró, tornou-se a primeira eleitora brasileira.
No mesmo estado da federação, Alzira Soriano foi eleita em 1928 para o cargo de prefeita, tornando-se a primeira prefeita eleita no Brasil, porém, por decisão da Comissão de Poderes do Senado, não conseguiu concluir seu mandato.
Finalmente, 1932, o então presidente Getúlio Vargas, promulgou o Decreto n° 21.076/32, instituindo o Código Eleitoral Brasileiro e determinando em seu artigo 2° que eram eleitores todos aqueles cidadãos maiores de 21 anos sem discriminação por sexo.
Interessante apontar que, apesar do direito ao voto ter ocorrido tardiamente, se comparado à Nova Zelândia, à Inglaterra e aos EUA, na America Latina o Brasil foi precursor, estando atrás apenas do Equador e do Chile. A França, por exemplo, conhecida pela bandeira da igualdade, liberdade e fraternidade, só autorizou o voto feminino em 1945 e Portugal só retirou todos os empecilhos ao voto das mulheres em 1976.
No Brasil, em um primeiro momento só poderiam votar as mulheres casadas, desde que autorizadas pelos maridos, e as viúvas e solteiras com renda, mas na Assembleia Constituinte de 1934 todas as restrições foram extintas e o voto feminino se consolidou como um direito das mulheres.
Ainda em 1932, a médica paulista Carlota Pereira de Queiroz foi eleita, pelo estado de São Paulo, a primeira deputada federal do Brasil. Nas eleições regionais de 1934 foram eleitas deputadas em Santa Catarina, em Alagoas, no Rio Grande do Norte e em São Paulo.
Após a Segunda Guerra Mundial, aflorou mundialmente o desejo por democracia e liberdade. No Brasil convocou-se uma nova assembleia constituinte em 1946 e dezoito mulheres foram candidatas a deputadas federais, mas nenhuma foi eleita para compor a Assembleia. Nas eleições de 1950, Ivete Vargas, parente de Getúlio Vargas, elegeu-se por São Paulo e tornou-se única mulher da nova legislatura.
Nas eleições de 1954, Ivete Vargas foi reeleita e Nita Costa foi eleita pela Bahia, mas nas duas legislações seguintes, 1958 e 1962, apenas Ivete Vargas se manteve na Câmara Federal.
Após o golpe de 1964, as mulheres, irmãs, mães dos deputados cassados pelos militares se candidataram a fim de representá-los, caso que fez com que seis mulheres fossem eleitas em 1965. Todavia, nas eleições de 1974, retornou-se ao patamar prévio, sendo apenas uma mulher eleita para a Câmara Federal.
A primeira mulher a ocupar a cadeira do Senado Federal foi Eunice Michilles, em 1979, na vaga de João Bosco Lima que faleceu no percurso do mandato, e apenas em 1990, duas senadoras foram eleitas para o cargo.
O processo de redemocratização do país fez com que no início dos anos de 1980 a participação das mulheres aumentasse. Nas eleições de 1982 oito foram eleitas deputadas federais e na Assembleia Constituinte de 1986, vinte e quatro mulheres tornaram se deputadas constituintes.
A Organização das Nações Unidas-ONU aprovou, em 1979,a convenção para a eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher. Cinco anos depois o Brasil ratificou a convenção com ressalvas. Em 1994, retirou as ressalvas e assumiu um compromisso internacional com a igualdade de gênero. Entre as obrigações dos Estados estão:
“Art. 7-Os Estados-Partes tomarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e pública do país e, em particular, garantirão, em igualdade de condições com os homens, o direito a:
b) participar na formulação de políticas governamentais e na execução destas, e ocupar cargos públicos e exercer todas as funções publicam em todos os planos governamentais”.
A partir dessa convenção, o Estado brasileiro se tornou obrigado a desenvolver formas para promover maior equidade de gênero na esfera política.
A convenção abriu caminho para a idealização de uma política pública que estimulasse a participação feminina nos espaços da política institucional, pois na última década do século XX, a representatividade das mulheres não chegava a 5% do total de cadeiras do Congresso Nacional.
No intuito de transformar essa realidade, a deputada Marta Suplicy, com o apoio da bancada feminina, propôs e aprovou em 1995, a Lei 9100/95, que determinou que os partidos políticos reservassem a cota mínima de 20% para as mulheres nas chapas para o legislativo municipal do ano seguinte. Em 1997, foi aprovada a Lei 9.504/97, que então fixou em 30% o percentual de vagas ao sexo minoritário e não mais às mulheres.
Em 2009, com Lei 12.034/2009, conhecida como a minirreforma eleitoral, os partidos foram obrigados a preencher, e não só reservar, 30% nas chapas eleitorais para as candidatas.
Entretanto, os primeiros resultados pós-modificação legal não demonstraram mudanças significativas na situação em tela. Para Bandeira e Melo:
“As cotas que existem desde então não alteraram nada deste quadro partidário. A taxa de participação de candidatas e elites permanece estagnada. Comparem as bancadas eleitas em 2006 e 2010, tem-se um mesmo número de mulheres eleitas, nem parece que houve uma mudança na legislação eleitoral que determinou em 2009 uma mudança na legislação eleitoral para estimular as candidaturas femininas… Estas regras estão escritas nas leis, mas não nas vidas das mulheres.”[4]
Vale ressaltar que a política de cotas trata apenas dos cargos eletivos no legislativo, isto é, os cargos majoritários, os prefeitos/as, governadores/as, senadores/as e presidente da república, não estão submetidos a nenhuma restrição por gênero.
A participação das mulheres nas eleições majoritárias também é desproporcional à população feminina, entretanto, a eleição majoritária em si tem o objetivo de eleger um vencedor ou vencedora, que irá governar para todos, independente do grupo social a que o eleito ou a eleita pertença. Nas eleições proporcionais, por sua vez, o congressista defende ou representa uma parcela da sociedade, um grupo social, uma causa.
1. A importância das mulheres nos espaços de poder
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, em novembro de 2010, que a população brasileira ultrapassava os 190 milhões e que as mulheres correspondiam a 51,3% dos brasileiros.
O mesmo instituto, na pesquisa PNAD/IBGE de 2008, informou que 43% das mulheres ocupadas encontravam-se em situação precária, sem os direitos trabalhistas garantidos e, em alguns casos, sem remuneração alguma, enquanto os homens, na mesma situação, não chegavam a 28%.
As mulheres, atualmente, são maioria na educação superior. O senso da educação 2009 aponta que as mulheres ocupam 55, 1 % das vagas, nos cursos presenciais e 69,2% das vagas nos curso a distância.
A maior escolaridade, por sua vez, não modificou a realidade salarial. Bandeira e Mello nos explicam que:
“Em 2008, enquanto as mulheres brancas ganhavam, em média, 63% do que ganhavam homens brancos, as mulheres negras ganhavam 65,8% dos homens do mesmo grupo racial e apenas 35,3% do rendimento médio de homens brancos.”[5]
Os argumentos acima citados são exemplos de que a desigualdade de gênero e raça ainda é uma realidade no Brasil.
Para defender uma política pública que garanta a participação equânime das mulheres é preciso entender qual é a importância dessa participação para a diminuição da desigualdade, para a afirmação da cidadania e para a consolidação da democracia no Brasil.
A Constituição brasileira de 1988 representa o reconhecimento da vitória da democracia em nosso país, pois sua base ideológica está no Estado Democrático de Direito e seus pilares são a garantia dos direitos sociais e individuais: a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a justiça e a igualdade.
A igualdade pretendida na Constituição engloba a igualdade formal e a igualdade material, isto é, além de positivar que todos são iguais perante a lei, a Carta Magna determina, em seu preâmbulo constitucional, que o Estado brasileiro seja: “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.
O Estado brasileiro tem o compromisso de buscar a igualdade de oportunidades, onde as diferenças são respeitadas e consideradas nas ações estatais. Para Piovesan, “Ao lado do direito à igualdade, surge também, como direito fundamental, o direito à diferença.”[6]
A Cidadania, por sua vez, “pressupõe a igualdade entre todos os membros da sociedade, para que inexistam privilégios de classes ou grupos sociais no exercício de direitos.”[7]
A visão clássica de cidadania incluía apenas os nacionais do país, como ocorrera no Brasil até a Constituição atual. A partir de 1988, cidadania passou a ser mais do que um titulo de identidade, mais do que direitos políticos de participação, a cidadania passou a ser um princípio norteador para consolidar os direitos e deveres fundamentais da sociedade brasileira.
Interessante salientar que o princípio da cidadania não garante apenas direitos aos cidadãos, mas também imputa a participação. A cidadania como um direito que demanda a participação do indivíduo na vida em sociedade está presente na Constituição Brasileira de 1988.
No tocante à consolidação da democracia, o Brasil dispõe de arcabouço legal para que o Estado aja de forma a igualar as oportunidades de todos e todas, até porque “a implementação do direito à igualdade é tarefa essencial a qualquer projeto democrático, já que em ultima analise a democracia significa igualdade.”[8]
Logo, para combater essa desigualdade foi assegurado o desenvolvimento de políticas publicas de caráter afirmativo, isto é, políticas do Estado que ofereçam meios de enfrentar as injustiças ocasionadas por preconceitos, por falta de oportunidade, por dificuldades intrínsecas a determinada condição, as conhecidas ações afirmativas. Para Piovesan:
“Faz-se necessário combinar a proibição da discriminação com políticas compensatórias que acelerem a igualdade enquanto processo… a igualdade e a discriminação pairam sob o binômio inclusão-exclusão… não é suficiente proibir a exclusão, quando o que se pretende é garantir a igualdade de fato, com a efetiva inclusão social de grupos que sofreram e sofrem um persistente padrão de violência e descriminação.” [9]
Retornando ao debate de gênero e sobre a importância da participação das mulheres nos espaços de poder institucionais, Miguel defende que: “Há, em primeiro lugar, uma questão de justiça intuitiva: não pode estar certo que metade da população seja representada por apenas 5% dos membros do Congresso.”[10]
Para Pinheiro, “há um entendimento de que a ausência de mulheres nessas esferas remete ao silêncio e corresponde, portanto, à ausência de representação de seus interesses.” [11]
Outro argumento muito comum na defesa da participação das mulheres na política e de que, como as mulheres estão acostumadas a cuidar da família, dos filhos, da casa, logo seu tratamento para com a coisa pública seria mais solidário, mais responsável, mais preocupado com questões sociais como saúde, educação. Tal justificativa se baseia em uma atuação feminina voltada única e exclusivamente para as questões de gênero, como se outras identidades, compromissos ideológicos, trajetórias políticas não fossem interferir na atuação das mulheres.
Essa argumentação tem sido rechaçada por diversas correntes feministas, pois reafirma um lugar inferiorizado para a mulher, além de desobrigar os homens das tarefas sociais. Miguel, no mesmo artigo diz:
“O discurso da política maternal insula as mulheres neste nicho e, desta forma, mantém a divisão do trabalho político uma divisão que, mais uma vez, destina aos homens as tarefas socialmente mais valorizadas.” [12]
O último argumento aqui apresentado, e talvez o mais sólido, é sobre a necessidade e o direito das mulheres de serem representantes delas mesmas. Como o gênero mais populoso, suas especificidades precisam ser levadas em conta e ninguém melhor do que as próprias mulheres para apontar suas necessidades.
Pinheiro conclui que “a presença de mulheres nos parlamentos representaria a construção de canais por meio dos quais as tornaria possível ouvir as vozes, as necessidades e os interesses da população feminina.” [13], e não apenas nas temáticas relacionadas às questões de gênero, mas sobre todas as questões inerentes à sociedade, incluindo economia, transporte, guerra e o que mais o parlamento debater.
Quando levantada a importância da participação feminina, discursos feministas enfatizam que a presença das mulheres é necessária, pois só assim a defesa de temas como aborto, creche, divisão dos trabalhos domésticos, porém como salienta Pinto:
“Esta presença não garante que as mulheres tenham se eleito com plataformas feministas ou sejam feministas. Mesmo assim é muito mais provável que as demandas por direitos das mulheres sejam defendidas por mulheres do que por homens, independente da posição política, ideológica e mesmo de inserção no movimento feministas.”[14]
Todavia, defendendo ou não temas historicamente femininos, a participação das mulheres é essencial para concretizar a igualdade de gênero na sociedade e, com o objetivo de atender a essa demanda foi instituída a política de cotas eleitorais no Brasil.
2. As cotas eleitorais
A Constituição de 1988 determina proteção especial às crianças, aos idosos, aos índios, aos negros, às mulheres, entre outros, absorvendo a lógica de que é preciso implementar a igualdade e que o Estado precisa oferecer caminhos para impedir a discriminação e possibilitar o acesso de todos e todas aos seus direitos.
Entre os grupos que precisam de proteção especial para alcançar a igualdade estão as mulheres. Com o entendimento de que as mulheres são sujeitos de direitos e que, para conquistar esses direitos, é necessária uma proteção especial por parte do Estado.
O intuito da criação de cotas nas chapas dos partidos políticos foi garantir uma discriminação positiva, uma ação afirmativa para buscar equilibrar a participação política entre os gêneros. Para Alves e Cavenagui “Existe uma distorção na representação política parlamentar de gênero no Brasil. Durante mais de 500 anos os homens monopolizam o exercício dos cargos de direção política.”[15]
A implementação das cotas reconhece a disparidade entre homens e mulheres na representação política e oferece um instrumento para modificar essa realidade.
Em 29 de setembro de 1995 foi promulgada a lei nº 9100/95, que estabelecia as normas para as eleições municipais de 1996. Nos artigos referentes ao registro dos candidatos, foi determinado no art. 11°, § 3, que os partidos políticos deveriam preencher as vagas nas chapas eleitorais com, no mínimo, 20% de mulheres.
A forma com que foi redigida a lei acima citada “deu margem ao questionamento sobre a inconstitucionalidade do artigo, pois estabeleceu um tratamento diferenciado para o sexo feminino.”[16]
Em 1997, o Congresso Nacional aprovou uma nova versão para a ação afirmativa, a Lei 9.504, e, em vez de apenas citar a reserva de vagas para as mulheres, garantiu a reserva de “o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo.”[17]
A modificação encerrou o debate constitucional, porém, o impacto causado pelas duas leis foi pequeno nas eleições municipais para a legislatura 1997-2000. As mulheres passaram de 8% para 11% das cadeiras legislativas municipais.
A avaliação feita na época responsabilizava o pouco tempo de existência da lei e a má divulgação junto à sociedade pelo fraco desempenho da ação afirmativa. As perspectivas para as eleições nacionais e estaduais de 1998 eram de um maior resultado da política de cotas.
Entretanto, não foi o que aconteceu, apesar da cota, apenas 29 mulheres foram eleitas deputadas federais, quatro a menos que na legislatura anterior. A despeito dos esforços, o Brasil atravessou o novo milênio com uma representação feminina no Congresso Nacional por volta de 6%.
Em 2002, foram eleitas 42 mulheres para a câmara dos deputados, um aumento de 45% em relação à eleição anterior, mas na eleição seguinte, 2006, o número de deputadas passou de 42 para 45, aumento pouco significativo e a estagnação de menos de 10% do total de congressistas na casa legislativa federal.
Em 2009, foi aprovada a Lei 12.34/09, conhecida como a minirreforma eleitoral, com o propósito de alterar a lei dos partidos políticos de 1997, a lei em voga determinou uma série de mudanças na estrutura eleitoral, com início na eleição presidencial de 2010.
Dentre as determinações da nova lei, estava a reafirmação da cota de gênero, porém, os partidos deixaram de ter que reservar as vagas e passaram a ser obrigados a preencher vagas das chapas dos partidos políticos com, no máximo, 70% e, no mínimo, 30% de cada gênero.
Além das cotas, com já dito anteriormente, a minirreforma garantiu 5% do fundo partidário para a promoção e difusão da participação das mulheres na política e 10% do tempo de propaganda gratuita para difundir a participação política feminina.
A eleição de 2010 foi também a eleição da primeira presidente mulher do Brasil, fato que fez com que fosse amplamente debatido pelos organismos de imprensa, acadêmico, estatísticos, entre outros a participação feminina no poder.
Para a surpresa das feministas, a nova cota, maior e mais incisiva, não foi capaz de alterar o quadro eleitoral, foi eleito o mesmo número de deputadas e a legislatura da primeira mulher na presidência conta com 9,6% de deputadas.
2.1 As cotas não funcionaram?
As ações afirmativas, nas quais as políticas de cotas estão incluídas, visam igualar as oportunidades por meio de uma discriminação positiva. É uma ação do poder público para possibilitar que grupos socialmente subjugados possam competir em pé de igualdade com os outros grupos sociais Em relação às mulheres, Rangel defende que:
“Ações afirmativas para as mulheres são necessárias para equalizar o acesso à política institucional, levando em conta a perspectiva social e as trajetórias diferenciadas. As cotas são indicadas por funcionarem como mecanismos de discriminação positiva para combater o problema estrutural da baixa participação feminina.”[18]
Alves, por sua vez, aponta que pesquisas de opinião (Instituto Vox Populi) revelam que “O eleitorado não discrimina o sexo feminino, ao contrário, considera as mulheres mais competentes, sensíveis e honestas ao ocuparem cargos de responsabilidade pública.”[19]
O instituto Patrícia Galvão e o Ibope conduziram uma pesquisa de opinião sobre a lei de cotas para as mulheres e revelaram que 75%(setenta e cinco por cento) da população brasileira apoia as cotas. Por que então uma política de discriminação positiva não está modificando a porcentagem de participação das mulheres nos espaços institucionais de poder, especialmente no legislativo?
Em primeiro lugar podemos apontar a própria lei de cotas que, mesmo depois da minirreforma eleitoral, não impôs penalidades aos partidos políticos que não obedeceram a porcentagem mínima de gênero e as vagas não preenchidas pelas mulheres pouco atrapalham os partidos.
Isso ocorre porque, quando da aprovação da política de cotas, o número de candidatos que um partido ou coligação pode oferecer ao eleitorado foi aumentado para 150% (cento e cinquenta) do número de vagas nas casas legislativas.
Logo, se um determinado estado tem 50 cadeiras de deputados, cada partido ou coligação pode produzir uma chapa de candidatos com 75 (setenta e cinco) nomes.
Tal resolução fez com que os homens, na verdade, não fossem obrigados a abrir mão de 30% (trinta por cento) das suas vagas, as vagas das mulheres se tornaram vagas extras. Para Miguel:
“Não há sentido em serem lançadas mais candidaturas do que as vagas em disputa (O Brasil é um dos poucos países que permitem tal contrassenso). Com menos candidatos, os votos obtidos pelas mulheres tornam-se mais importantes, o que estimularia as direções partidárias a buscar candidatas competitivas.”[20]
Outra dificuldade no caminho das mulheres é a estrutura eleitoral de lista aberta, em que todos os candidatos e candidatas competem com os demais pelo voto do eleitor e da eleitora. Nesse sistema o que mais conta é a campanha nominal, a personalidade pública, a capilaridade da figura do candidato na sociedade. Para isso, quem decide se candidatar precisa ter uma estrutura partidária e financeira à disposição, precisa ter acesso aos meios de comunicação, em especial ao programa eleitoral gratuito, precisa ter correligionários imbuídos em eleger, enfim, precisa de uma base política e o acesso das mulheres a essa base ainda é muito inferior ao dos homens. Alves e Cavenagui constatam que “Não existe vazio na política. A ausência das mulheres das instancias de decisão parlamentar é, em grande parte, o reflexo do monopólio masculino sobre a atividade política institucional.”[21]
A dificuldade acima descrita se transforma em um empecilho na chegada das mulheres nos espaços legislativos porque as cotas não são referentes aos congressistas em si, mas sim aos candidatos e candidatas. A escolha de fato está vinculada ao voto, e o voto, na eleição brasileira, está vinculado às condições acima descritas.
Os partidos políticos talvez sejam os maiores responsáveis pela baixa representação feminina, pois é a estrutura partidária que irá determinar quem tem acesso a recursos, quem terá tempo de propaganda eleitoral gratuita, quais candidatos serão agraciados com apoios políticos, com dobradas eleitorais. Sem a estrutura partidária uma campanha eleitoral não consegue se desenvolver.
A partir desse entendimento que a minirreforma eleitoral aprovou uma reserva de no mínimo 5% (cinco por cento) do fundo partidário para a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, impondo inclusive um aumento de 2,5% (dois e meio por cento) quando o partido não cumprir e destinou 10% (dez por centos) do tempo da propaganda eleitoral gratuita dos partidos para a divulgação da importância da participação feminina.
Tais medidas, implementadas apenas nas eleições de 2010, ainda precisam ser observadas por mais tempo para se chegar a algum resultado.
A questão familiar também é uma das amarras sociais para a participação das mulheres na política em geral. Como a manutenção da vida ainda está a cargo delas, o tempo disponível para se dedicar à vida político-partidária é inferior ao tempo do homem. Para Rangel, “o alto grau de desigualdade na divisão sexual do trabalho social na sociedade brasileira, combinado ao peso da dupla jornada, possui impacto direto na desmobilização das mulheres comuns em relação à política.”[22]
Importante salientar que, mesmo que a mulher consiga galgar cargos eletivos, suas obrigações familiares e domésticas não serão assumidas pelos homens, mas serão transferidas a outra mulher, seja ela uma funcionária ou membro da família.
Conclusão
A situação da representação feminina no Brasil é um problema para a democracia brasileira, pois a falta de mulheres nos espaços políticos institucionais causa uma desigualdade política e impede que o país se torne a sociedade justa, igualitária e fraterna que a Constituição Federal de 1988 promulgou em seu preâmbulo.
A luta das mulheres brasileiras perfaz a nossa história. O desejo de participar, de interagir politicamente esteve presente de forma organizada desde o século XIX e até hoje as conquistas femininas estão atreladas às lutas dessas mulheres pioneiras.
Desde os anos 1980 o Brasil assume compromissos internacionais para garantir mais equidade entre homens e mulheres nos espaços de poder e desde o final século XX o país conta com uma política de cotas eleitorais. Tal política se baseou em oferecer vagas às mulheres nas listas de candidatura dos partidos políticos, na intenção de que a partir da presença de mulheres entre os candidatos fosse crescer o número de mulheres eleitas.
A ação afirmativa obteve resultados e a presença feminina vem crescendo de forma gradativa desde sua implementação. Em 1994, última eleição sem política de cotas, eram 32 deputadas federais. Em 2010 são 46 mulheres congressistas.
Entretanto, o aumento não ocorreu da forma esperada. Ainda hoje a porcentagem de mulheres no legislativo federal não passa de 10%, enquanto as mulheres representam 51,3% da população brasileira.
As dificuldades em mudar essa realidade são muitas: em primeiro lugar a própria lei de cotas que, mesmo depois de reformas, não pune de forma contundente os partidos que não respeitam a porcentagem de, no mínimo, 30% e no máximo 70% de cada gênero em suas chapas eleitorais.
A estrutura de lista aberta, vigente no Brasil, também dificulta o acesso das mulheres, pois, como todos os candidatos disputam entre si pelo voto do eleitor, prevalece aquele que tem mais tempo disponível e mais estrutura familiar e partidária à disposição.
O que nos encaminha para os entraves das estruturas partidárias que, por meio do financiamento das campanhas e do controle da propaganda eleitoral gratuita, restringe as chances das candidatas quando as renegam à própria sorte, no entendimento que a obrigação se encerra na oferta da vaga na chapa eleitoral.
Por último, as obrigações familiares e domésticas se apresentam como um enorme empecilho para a participação feminina na política em geral, impondo às mulheres uma falta de tempo e uma certeza de que, em caso de vitória, as obrigações domésticas e familiares não serão encampadas pelos parceiros.
Podemos concluir que ainda há uma estrada a trilhar até que a igualdade de gênero seja uma realidade na esfera política, mas, para que haja progresso efetivo nesse campo, as ações institucionais precisarão levar em conta outros pontos para formular leis e/ou políticas públicas que de fato transformem a realidade atual.
A adoção de um sistema eleitoral de lista fechada com a obrigatoriedade de alternação de gênero, isto é, um homem, uma mulher, e assim em diante, é uma possibilidade para auxiliar na busca por igualdade.
Outra ação, mais simples de ser implementada, é a diminuição de vagas nas chapas, retornando ao patamar de listas de candidatura com no máximo 100% dos cargos oferecidos e não mais 150% como ocorre atualmente.
Todavia, a mudança mais importante e que poderá modificar a desigualdade imposta, é a transformação social das relações entre homens e mulheres.
Apenas quando o lugar da mulher na sociedade não for predeterminado, quando a reprodução da vida, não no sentido da geração de filhos, mas no sentido da manutenção do cotidiano, não ficar única e exclusivamente sob a responsabilidade das mulheres, será possível vivenciar uma forte presença feminina nos espaços políticos.
A democracia de fato precisa assegurar iguais condições de disputas a homens e mulheres e, para isso, precisa viabilizar novas formas de gerir a sociedade que não se baseie na dupla jornada de trabalho feminino.
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