Em meio à disputa (perdida) pela prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF), em 29.11.2007 foi publicada uma importante decisão proferida pelo Juiz Federal de São Paulo, Douglas Camarinha Gonzales, por meio da qual foi concedida liminar que afastou a incidência da contribuição sobre os aportes feitos pelas empresas destinados ao custeio dos planos de previdência privada de seus empregados.
Ao analisar o pedido de antecipação de tutela deduzido pela CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgotos – empresa de economia mista com sede na Capital do Rio de Janeiro), o Magistrado entendeu pela existência dos elementos necessários à outorga do provimento cautelar, concedendo a medida liminar e determinando ao Delegado da Delegacia Especial de Instituições Financeiras (DEINF) da 8ª Região Fiscal que se abstenha de cobrar a CPMF da CEDAE “nas contribuições vertidas para entidades de previdência complementar, destinadas ao custeio dos planos de benefícios previdenciários em favor de seus empregados”.
Merecedora de aplausos, a decisão do Juiz da 7ª Vara Federal da Sessão Judiciária de São Paulo primou pela concisão, sem contudo deixar margem a quaisquer dúvidas, por meio de fundamentação firme e objetiva.
O Mandado de Segurança n° 2007.61.00.031067-7 foi impetrado objetivando o reconhecimento da abrangência da isenção concedida pela Lei Complementar nº 109/01 também em relação à CPMF. Explica-se:
Por força do disposto no art. 202 da Constituição Federal, com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional n° 20/98, a regulamentação do regime de previdência privada foi atribuída a lei complementar. Resultado dessa atribuição, a Lei Complementar n° 109/01 ao regular o tema determinou que:
“Art. 69. As contribuições vertidas para as entidades de previdência complementar, destinadas ao custeio dos planos de benefícios de natureza previdenciária, são dedutíveis para fins de incidência de imposto sobre a renda, nos limites e nas condições fixadas em lei.
§ 1° Sobre as contribuições de que trata o caput não incidem tributação e contribuições de qualquer natureza.
§ 2° Sobre a portabilidade de recursos de reservas técnicas, fundos e provisões entre planos de benefícios de entidades de previdência complementar, titulados pelo mesmo participante, não incidem tributação e contribuições de qualquer natureza.”
De se notar que, nos termos do § 1° acima transcrito, não há que se falar em incidência de quaisquer tributos ou contribuições sobre os valores vertidos para as entidades de previdência complementar.
Nada obstante, em sua peculiar interpretação, a antiga Secretaria da Receita Federal (SRF), atual Receita Federal do Brasil (RFB), se posicionou inúmeras vezes pela incidência da CPMF em casos análogos, como é exemplo a Decisão em Solução de Consulta n° 45, de 31.01.2005, da Superintendência Regional da 9ª Região Fiscal, da qual se extrai a ementa abaixo:
“EMENTA: INCIDÊNCIA DA CPMF. CONTRIBUIÇÕES A PLANOS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. PORTABILIDADE. Incide a CPMF nos lançamentos a débito em conta-corrente de participantes de planos de previdência complementar, relativos ao pagamento de suas contribuições. Não incide a CPMF quando for exercido o instituto da portabilidade do direito acumulado pelo participante para outro plano, ou seja, quando ocorrer a transferência dos recursos de um plano de previdência complementar para outro, por ocasião do rompimento do vínculo empregatício com o patrocinador do primeiro plano.”
Sem que se saiba o porquê, o Fisco entende que a isenção da CPMF só se aplica à portabilidade, como visto na Solução de Consulta acima.
Não se detendo em analisar o dilema consubstanciado no motivo por trás do posicionamento da Receita, a já aqui aplaudida decisão, após transcrever o art. 69 e seus parágrafos da Lei Complementar n° 109/01, analisou a referida norma e consignou objetivamente o seguinte:
“Ora, a redação da lei é de clareza solar, para a exclusão da hipótese de incidência tributária a contribuição de seus participantes, o que representa o aval estatal de extrafiscalidade, na otimização de recursos para tais fins, quer em homenagem aos destinos de satisfação de política de previdência à população, quer em incentivo à poupança e melhores padrões financeiros à nação.
Enfim, a magnitude da e extensão da isenção em pauta alcança sem maior elucubração a CPMF, pois representa exceção – da própria natureza da isenção tributária – à hipótese de incidência do tributo em pauta […]”
Com efeito, maiores elucubrações não são necessárias para se constatar que a isenção referida no § 1° do art. 69 da Lei Complementar n° 109/01 abarca a CPMF.
Resguardando a possibilidade de posterior modificação do entendimento por parte do Magistrado, parece que a tese tem boas chances de prevalecer nesta primeira instância, confirmando-se a liminar que, segundo informou o procurador da empresa em entrevista concedida ao jornal Valor Econômico, foi a primeira do gênero.
Ainda que a derrota sofrida pelo Governo na tentativa de prorrogar a CPMF tenha mitigado os efeitos da liminar em questão, a decisão mantém sua relevância não só pela possibilidade de a CPMF ser reintroduzida no mundo jurídico, como também pela restituição dos valores até então recolhidos a este título. Resta aguardarmos o posicionamento que os Tribunais adotarão sobre o tema.
Advogado formado pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Cursando a Especialização em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET). Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rio de Janeiro. Membro do Grupo de Debates Tributários do Rio de Janeiro (GDT-Rio).
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