Sumário: 1 Introdução. 2 ADI que prejudica os contribuintes. 3 ADI que favorece os contribuintes. 4 Conclusões.
1. Introdução
Os Atos Declaratórios Interpretativos – ADIs – expedidos pela autoridade administrativa tributária competente inserem-se no âmbito das normas complementares das leis, tratados e convenções internacionais e dos decretos, nos termos do art. 100, do CTN.
A sua observância pelo contribuinte livra-o de imposições de penalidades, da cobrança de juros de mora e da atualização monetária da base de cálculo, conforme expresso no parágrafo único do art. 100, do CTN.
Esses ADIs servem para uniformizar a atuação dos agentes do fisco em determinada matéria, onde são possíveis interpretações divergentes. Obrigam o fisco como decorrência do princípio da vinculação da Administração a seus próprios atos. Costuma-se sustentar que vincula a Administração até mesmo em hipótese de erro.
Entretanto, esses ADIs não obrigam o contribuinte em virtude do princípio da universalidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF).
Contribuinte que não concordar com os termos do Ato Declaratório Interpretativo poderá provocar a atividade jurisdicional do Estado para invalidá-lo, quer preventivamente, quer repressivamente.
Alguns ADIs são contrários aos interesses do contribuinte, outros são favoráveis, independentemente de serem corretos ou não, isto é, legais ou ilegais, ou, constitucionais ou inconstitucionais.
Examinemos essas duas espécies para o perfeito entendimento da matéria objeto deste artigo.
2 ADI que prejudica os contribuintes
Para efeito de elevar a arrecadação do IRPJ e da CSLL a Receita Federal do Brasil expediu o Ato Declaratório Interpretativo nº 20, de 13-12-2007, prescrevendo que “considera-se prestação de serviço as operações de industrialização por encomenda quando na composição do custo total dos insumos do produto industrializado por encomenda houver preponderância dos custos dos insumos fornecidos pelo encomendante”.
Se a operação de industrialização por encomenda for considerada serviço a base de cálculo do IRPJ será de 32% da receita bruta ao invés de 8% (art. 15, § 1º, III, a da Lei nº 9.249/95), e, a base de cálculo da CSLL será de 32% da receita bruta ao invés de 12% (art. 20 da Lei nº 9.249/95). Daí o interesse do fisco federal na caracterização da prestação de serviço.
Ocorre que esse ADI não pode generalizar para considerar prestação de serviço toda e qualquer industrialização por encomenda, mas apenas aquela em que a industrialização configura atividade-meio para atingir a atividade-fim que é a prestação de serviço tributável pelo ISS. Como se sabe, não pode haver bitributação jurídica: determinada operação ou configura circulação de mercadoria tributável pelo ICMS/IPI, ou configura circulação de serviços tributável pelo ISS.
Logo, onde não há previsão de serviço na lista nacional de serviços, anexa à LC nº 116/2003, não há que se falar em prestação de serviço.
No caso de embalagens personalizadas, calendários personalizados, agendas personalizadas etc. é possível falar-se em prestação de serviços porque envolve necessariamente composição gráfica personalizada, que é atividade prevista na lista de serviços. No caso, o fim é a composição gráfica personalizada que resulte em embalagem ou calendário personalizado, não produzível em série de forma padronizada. O mesmo acontece com o cartão de visita.
A generalização promovida pelo ADI nº 20/2007 viola o conceito de produto industrializado previsto no parágrafo único do art. 46, do CTN. Por isso, ele foi revogado pelo ADI nº 5, de 26-4-2008, que para o efeito de apuração do IRPJ e da CSLL considera produto industrializado aquele assim definido na legislação do IPI.
O ADI nº 5/2008, por ter natureza meramente interpretativa, tem aplicação retroativa à luz do art. 106, I[1], do CTN.
3 ADI que favorece o contribuinte
O art. 11 da Lei nº 9.779, de 11 de janeiro de 1999, dispõe que “o saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI – acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, observadas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda”.
Esse art. 11 assegurou a manutenção dos créditos do IPI oriundos da aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem que não venham a ser utilizados no pagamento do IPI devido
quando da saída do produto industrializado, inclusive nas hipóteses de isenção ou de alíquota zero.
A Instrução Normativa nº 33/1999 da SRF, hoje SFB, ao regular esse art. 11 ampliou o benefício fiscal ao incluir a hipótese de imunidade conforme art. 4º que assim prescreve:
“Art. 4º – O direito ao aproveitamento, nas condições estabelecidas no art. 11 da Lei nº 9.779, de 1999, do saldo credor do IPI decorrente da aquisição de MP, PI e ME aplicados na industrialização de produtos, inclusive imunes, isentos ou tributados à alíquota zero, alcança, exclusivamente, os insumos recebidos no estabelecimento industrial ou equiparado a partir de 1º de janeiro de 1.999”.
Essa Instrução Normativa nº 33/1999[2] extrapolou os termos do art. 11 da Lei nº 9.779/1999 que não se refere à imunidade.
Não concordamos com o posicionamento de alguns autores que equiparam, para o efeito do benefício fiscal de que estamos falando, a imunidade às hipóteses de isenção e de alíquota zero.
A imunidade atua no âmbito de definição de competência tributária, isto é, no nível constitucional. Por isso, alguns autores de renome a denomina de hipótese de incompetência tributária, isto é, falece à entidade política tributante competência para instituir imposto sobre pessoas, rendas ou bens e serviços declarados imunes pela Constituição Federal.
A isenção e a tributação por alíquota zero situam-se no âmbito do exercício da competência tributária, isto é, no plano infraconstitucional. A entidade política tributante, espontaneamente abre mão da instituição e cobrança do imposto. Por isso mesmo, o art. 11 da Lei nº 9.779/1999 determina a manutenção do crédito do IPI nesses dois casos. A Lei de Diretrizes Orçamentárias, que orientará a elaboração da Lei Orçamentária Anual, deverá dispor sobre as leis isentivas ou de tributação por alíquota zero para efeito de correta estimação de receitas tributárias (art. 165, § 2º, da CF).
Exatamente porque estava extrapolando os limites da lei, a SRF editou o ADI nº 5/2006 promovendo a correta interpretação do texto legal, prescrevendo que o disposto no art. 11 da Lei nº 9.779/1999 e no art. 4º da IN nº 33/1999 não se aplica aos produtos não tributados (com a notação “NT” na TIPI), aos amparados por imunidade e aos excluídos do conceito de industrialização por força do art. 5º, do Decreto nº 4.544/2002[3]. Com relação à imunidade excetuou-se os produtos amparados pela imunidade em decorrência de exportação para o exterior.
Entendemos que a partir da publicação do ADI nº 5/2006 os produtos industrializados imunes perderam o direito à manutenção do crédito do IPI por ausência de amparo legal.
Em relação ao período abrangido pela vigência de IN nº 33/1999 o contribuinte faz jus ao benefício fiscal. Certo ou errado a Instrução Normativa da SRF vincula o fisco. A alteração nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto ao fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução (art. 146 do CTN).
Contudo, esse nosso posicionamento não é pacífico. Alguns autores sustentam a manutenção do benefício fiscal após a edição do ADI nº 5/2006 em função do princípio da não cumulatividade do IPI que, ao contrário da não cumulatividade do ICMS, não comporta flexibilização nas hipóteses de isenção ou não incidência (art. 155, § 2º, II da CF).
Se o princípio constitucional da não cumulatividade do IPI fosse suficiente para assegurar o crédito do IPI em qualquer hipótese não teria sentido as disposições legais que asseguram a manutenção do crédito nas hipóteses de isenção e de alíquota zero como o faz o art. 11 da Lei nº 9.779/1999.
O certo é que o STF decidiu que a manutenção do crédito do IPI decorrente de saída isenta ou tributada à alíquota zero só se tornou possível com o advento da Lei nº 9.779/1999[4]. Esse posicionamento da Corte Suprema tem amparo no § 6º, do art. 150 da CF que submete ao princípio da legalidade específica a outorga de isenção, redução da base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia etc. Outrossim, o princípio da não cumulatividade como enfatizado no voto do Ministro Relator pressupõe dupla incidência, e não a incidência de certa base e isenção na seguinte.
Maucir Fregonesi Junior e Diego Diniz Ribeiro entendem que o STF equivocou-se porque o princípio da não cumulatividade do IPI é pleno (art. 153, § 3º, II da CF) não se sujeitando a restrições, diferentemente do que ocorre com o ICMS[5].
Como se sabe, o STF alterando seu entendimento anterior fixou posição pela validade da legislação que veda o direito de crédito do IPI na hipótese de tributação por alíquota zero[6].
Seja como for, a crítica de Maucir Fregonesi Junior e Diego Diniz Ribeiro, ainda que pertinente para os casos de isenção e de alíquota zero, parece-nos não ter sustentação para a hipótese de imunidade que atua no campo de definição de competência tributária, caso em que a não tributação não deriva da vontade do legislador ordinário que implementa a competência impositiva.
Finalmente, a permissão de manutenção do crédito na hipótese de imunidade que estava prevista no § 2º, do art. 195 do Regulamento do IPI baixado pelo Decreto nº 4.544/2002 já revogado pelo Decreto nº 7.212/2010, lembrada pelos referidos autores, também, não socorre a tese da manutenção do crédito na hipótese de imunidade. É que o conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, e não há base legal para permitir o aproveitamento do crédito do IPI, gerado na aquisição de MP, PI e ME aplicados na industrialização de produtos imunes.
4 Conclusões
Atos Declaratórios Interpretativos contrários aos interesses dos contribuintes podem ser questionados perante o Poder Judiciário, quer preventiva, que repressivamente. Sua revogação surte efeitos retroativos.
Atos Declaratórios Interpretativos favoráveis aos interesses dos contribuintes podem ser utilizados pelos contribuintes ainda que ilegais. Vinculam o fisco. Sua revogação não surte efeitos retroativos.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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