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No amplo contexto de justiça, um sentido para o direito

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Resumo: O presente artigo analisa o sentido do direito a partir das várias concepções do vocábulo justiça. O objetivo é demonstrar que o emprego de um comando jurídico não requer simplesmente a adequação do fato à norma, mas entender o contexto social no qual o fato se insere. A relação que ora se estabelece entre direito e justiça obriga não somente uma análise objetiva como se fazem necessárias estreitas abordagens em planos subjetivos. Sem essa compreensão não se atingem os objetivos desejados pelo sistema jurídico e tão pouco se estabilizam as relações sociais.


Palavras-chave: Direito, justiça, norma, conduta social


Abstract: The present article analyzes the direction of the right from some conceptions of justice. The objective is to demonstrate that the job of a legal command simply does not require the adequacy of the fact to the norm, but to understand the context social in which the fact inserts. The relation that however if establishes between right and justice not only compels an objective analysis as if they make necessary narrow boardings in subjective plans. Without this understanding the objectives desired for the legal system are not reached and so little the social relations are stabilized.


Keywords: Right, justice, rule, social behavior


Sumário: 1. Introdução. 2. Natureza do direito. 3. O direito na ordem social. 4. A ordem jurídica. 4.1 O direito como a ordem da conduta humana. 4.2 O direito como ordem coativa. 4.3 O direito como regra de conduta. 5. Critérios para a classificação do direito. 6. A essência social do direito. 7. O vocábulo justiça. 8. Uma teoria da justiça. 9. Justiça e igualdade. 10. Direito e justiça. 11. O problema da justiça. 12. Conclusão


1. INTRODUÇÃO


Nos estudos basilares de Sócrates e de Platão percebe-se que o homem recebe motivação fundamental para o seu agir na busca e no entendimento do bem. Assim, a noção ética de bem é a que envolve a ideia de conveniência, de utilidade e de justiça.


Pode-se imaginar que seres racionais e irracionais estejam ligados à noção do bem, à medida que a natureza é harmônica e proporciona o equilíbrio a todo e qualquer objeto ou ser vivente. É, portanto, indissociável o conteúdo da busca do bem através do que pode ser entendido por justo. E nas hastes de uma sociedade regrada por normas de conduta, o direito intercepta a noção de justiça.


Os referenciais pesquisados são unânimes ao sugerirem que a caracterização do direito, igualmente à sua conceituação, importa numa delicada abordagem em que, dependendo do vetor empregado, vários critérios são utilizados para caracterizar parâmetros fundamentais que regem o termo. A seguir algumas dessas considerações de relevo nessa amplitude.


2. A NATUREZA DO DIREITO


Em regra, cada escola filosófica adota uma natureza para o direito. Portanto, de plano, pode-se assumir a ideia de que é variável a natureza do direito. No entanto, à guisa de exemplos, destacam-se as seguintes:


a-) historicistas – o direito é um fenômeno historicamente determinado. A teoria de Savigny (direito como um conjunto orgânico de institutos que expressam relações vitais e concretas, elementos vivos em constante movimento, cuja historicidade se mostra na conexão espiritual da tradição) representa esse pensamento;


b-) naturalistas – para essa corrente, o direito é um fenômeno natural, empiricamente observável. Rudolf Von Jhering entendia o direito como um conjunto das condições existenciais da sociedade, coativamente asseguradas;


c-) positivistas – nessa orientação, o direito perfaz uma condição altamente formal de certas atividades humanas. A teoria de Kelsen bem representa esse pensamento;


d-) teólogos – o direito é uma orientação divina apta a regular a convivência entre os homens e o entre estes e o meio em que vivem. A teoria de Cathrein, na qual o direito tem a sua raiz na vontade racional divina, bem representa tal envergadura;


e-) culturalistas – o direito é um fenômeno da cultura, um produto humano, resultante da experiência do homem na sua convivência. Para Miguel Reale o direito é um bem cultural, ou seja, uma vinculação bilateral-atributiva da conduta humana para a realização ordenada dos valores da convivência, havendo sempre no direito uma exigência axiológica;


f-) formalistas – os seguidores dessa escola entendem o direito como uma categoria transcendental da experiência humana. O pensamento de Stammler é no sentido de que o direito é uma forma do querer tomado como um conceito teleológico que opta por fins e a eles subordina meios.


Também pode ser entendido que o problema que envolve a natureza do direito encontrar-se fora do âmbito da ciência jurídica, sendo necessário realizar um aporte acerca do que seja a “expressão lingüística”. Os significados que podem tomar expressões diferentes pode levar a caminhos distintos e tornar a interpretação relativa em conformidade com o que se esteja almejando. Nesse sentido: “Toda expressão lingüística possui um significado expressivo, que é a manifestação ou sintoma de algo. Isto quer dizer que como um elo num todo psicofísico, a expressão se refere àquela experiência que lhe deu origem. Não importa o que eu diga, minha expressão tem que ter sido causada por circunstâncias emotivovolitivas que me impeliram a em expressar, um impulso para comunicar ideias aos outros ou uma emoção que espontaneamente requer expressão. Certas expressões lingüísticas possuem, adicionalmente, um significado representativo, quer dizer, a expressão indica, simboliza ou representa um estado de coisas. Não se trata de uma relação causal, mas lógica” (ROSS, 2003, p. 29).


O versado autor distingue três tipos de expressões lingüísticas, quais sejam: expressões de asserção (com significado representativo), exclamações (sem significado representativo e sem intenção de exercer influência) e diretivas (sem significado representativo mas com intenção de exercer influência), aduzindo que as orações encontradas nas regras jurídicas pertencem à categoria das expressões lingüísticas do tipo diretivas. A regra jurídica não é verdadeira, nem falsa; é diretiva, porque “as leis não são promulgadas a fim de comunicar verdades teóricas, mas sim a fim de dirigir as pessoas – tanto juízes quanto cidadãos particulares – no sentido de agirem de uma certa maneira desejada. (…) Fica particularmente claro que as regras jurídicas, por seu teor lógico, são diretivas quando notamos que há regras jurídicas que contêm expressões comumente usadas em diretivas. É o caso, por exemplo, de normas penais que expressam que qualquer pessoa sob certas condições “deverão ser punidas” (sic) de um certo modo, e no direito civil regra que expressam que uma pessoa “tem que” ou “pode” fazer algo” (ROSS, 2003, p. 32-33).


Um interessante ponto advém do raciocínio supra. E tal se faz acerca do conteúdo das proposições que são lidas num livro de direito, acerca de sua natureza diretiva ou não. Pelo ora exposto tudo indica que, aparentemente, seja, vez que parece não haver quaisquer diferenças entre orações empregadas pelos escritores de direito e as que figuram nas normas jurídicas, levando-se em consideração que as proposições contidas num livro visam a “descrever” e não prescrever.


Analisando as diversas abordagens na contribuição de Wittgenstein, no sentido de construir a linguagem e o mundo a partir de elementos atômicos, observa-se que houve falhas em sua proposição. Isso porque o filósofo não havia tentado para o modo como a linguagem realmente atua. Concluiu, posteriormente, que a linguagem não se deixa analisar de um só modo e que a busca de objetos absolutamente simples representa a busca de um sonho. Nesse sentido tem-se que “a linguagem é, segundo uma imagem do próprio Wittgenstein, como uma nebulosa constituída de múltiplos locais, regiões, sublinguagens mais ou menos aparentadas entre si, e é nelas e nas transgressões de suas fronteiras internas que o filósofo deve focalizar sua atenção. Mesmo que exista uma unidade geral da linguagem, ela não chega a ser relevante para a investigação filosófica” (COSTA, 2002, p. 35).


Sobre a problemática que envolve a natureza do direito e o seu significado, Ross conclui que o aparente desacordo entre os doutrinadores está na razão de que suas obras encontram-se tacitamente baseadas em diferentes conjeturas em relação ao significado do conceito de direito vigente. Qualquer aproximação, por sua vez, também poderá não representar uma unidade conceitual uma vez que se trata de uma peculiaridade do estudo do direito e “não tem paralelo, por exemplo, na psicologia ou nas ciências naturais. Explica porque a “natureza do direito” constitui o principal problema da filosofia do direito. Despido de sua formulação metafísica, o problema da “natureza do direito” é o problema de como interpretar o conceito de “direito vigente” (de Illinois, da Califórnia, da common law) como uma parte construtiva integrante de toda proposição do estudo doutrinário do direito (ciência do direito). Qual significado representativo deve ser atribuído a esse conceito? Este problema se encontra além da esfera do advogado profissional, pelo que é destinado à filosofia do direito” (ROSS, 2003, p. 34).


A natureza do direito encontra realmente barreiras na sua delimitação vez que a utilização da língua relativiza a abstração de objetos jurídicos, sendo inegável observar que não há como obter definições reais de tais objetos, por mais que a utilização de um termo possa refletir, através da verbalização, a coisa a que se refere. Observando essa dimensão, pode-se atestar que “embora não neguem o caráter vago do termo direito, que ora designa o objeto de estudo, ora é o nome da ciência (por exemplo: a “Ciência do Direito” estuda o “direito”), ora o conjunto de normas, ou das instituições (por exemplo: o direito brasileiro prescreve pena para o crime de morte, o direito não deve mais admitir a pena de banimento) – direito objetivo –, ora é direito no sentido dito subjetivo (meu direito foi violado), todos eles não se furtam à tentativa de descobrir o que é o “direito em geral”. E aí entram numa polêmica de séculos, cujas raízes, obviamente, estão, entre outros motivos, em sua concepção de língua” (FERRAZ JR., 2003, p. 35).


Nesse sentido a crítica à natureza do direito, enquanto busca a definição para o termo (direito), que em essência utiliza-se de um elevado número de abstrações e generalidades, com aparência universal e imprestável para contornar os limites necessários para atingir-se um denominador comum. Isso porque a “língua é vista como um sistema de signos, cuja relação com a realidade é estabelecida arbitrariamente pelos homens. Dado esse arbítrio, o que deve ser levado em conta é o uso (social ou técnico) dos conceitos, que podem variar de comunidade para comunidade. Desse modo, a caracterização de um conceito desloca-se da pretensão de se buscar a natureza ou essência de alguma coisa para a investigação sobre os critérios vigentes no uso comum para usar uma palavra. Se nos atemos ao uso, toda e qualquer definição é nominal (e não real), isto é, definir um conceito não é a mesma coisa que descrever uma realidade, pois a descrição da realidade depende de como definimos o conceito e não do contrário. Ou seja, a descrição da realidade varia conforme os usos conceituais” (FERRAZ JR., 2003, p. 36).


3. O DIREITO NA ORDEM SOCIAL


Na sua Teoria Pura do Direito, Hans Kelsen admite que a conduta de um indivíduo pode ser considerada em relação a um ou vários indivíduos, mas que isso não se faz necessário. Isso, segundo tal pensamento, para atestar que o indivíduo pode comportar-se de determinado modo em face de outros semelhantes. Essa assunção faz-se tendo em vista a possibilidade do indivíduo comportar-se ante a outros objetos que não sejam serem humanos (plantas, animais, dentre outros).


Como corolário lógico desse pensamento, atesta o citado mestre (KELSEN, 2001, p. 27) que uma ordem normativa regula a conduta humana na medida em que  a mesma está considerada em relação com outras pessoas, sendo denominada de ordem social. Designa a Moral e o Direito como ordens sociais dessa envergadura. Nesse sentido, deve-se entender que a função de uma ordem social está na medida da obtenção de uma determinada conduta por parte daquele que a esta ordem encontra-se subordinado, fazendo com que tal indivíduo omita determinadas ações consideradas como socialmente prejudiciais e que, ao viés, venha a realizar determinadas ações que sejam socialmente úteis.


Na abordagem do filósofo alemão, a ordem jurídica como ordem social pode prescrever uma determinada conduta pela razão de conectar-se à conduta oposta uma desvantagem, como uma privação verdadeira. Isso para atestar que a conduta condicionante da sanção é proibida e a conduta oposta é prescrita e que “a conduta prescrita, não é a conduta devida; devida é a sanção. O ser-prescrita significa que o contrário desta conduta é pressuposto do ser-devida da sanção. A execução da sanção é prescrita, é conteúdo de um dever jurídico, se a sua omissão se torna pressuposto de uma sanção. Se não for esse o caso, ela apenas pode valer como autorizada, e não também como prescrita. Visto não podermos admitir um regressum ad infinitum, a última sanção nesta série apenas pode ser autorizada, e não prescrita” (KELSEN, 2001, p. 28).


O direito é, sobretudo, uma ordem coercitiva, na medida em que estabelece de imediato uma reação a determinadas condutas humanas e, também, podendo atuar como reação contra situações que não necessariamente representem condutas humanas. Assim, em Kelsen, o ordenamento traduz a ideia de que no caso da conduta humana deve ser aplicada uma sanção, no sentido mais amplo do prêmio ou de pena.


4. A ORDEM JURÍDICA


Entende Hans Kelsen que uma teoria que visa estudar o direito, deve determinar, inicialmente, a conceituação do seu objeto. O filósofo alemão parte do uso da linguagem, ou seja, do significado da palavra no idioma alemão e o correspondente nas demais Línguas.


4.1 O DIREITO COMO A ORDEM DA CONDUTA HUMANA


Preocupou-se Kelsen, nesse contexto, em determinar se os fenômenos sociais designados pelo verbete “direito” apresentavam características comuns através das quais pudessem ser distinguidos de outros fenômenos semelhantes, e se estas características eram significativas para servirem de elementos de um conceito de conhecimento científico sobre a sociedade. Tal desiderato se justificava à medida que, a partir da palavra “direito”, no seu significado em alemão, confrontado com os seus equivalentes em outras línguas, resultasse uma variedade tão grande de significados que implicaria numa impossibilidade de obter um conceito comum.


O que percebera é que ao realizar a confrontação entre os objetos, determinados pela palavra “direito”, a partir de suas concepções em diferentes povos e em diferentes épocas, restou que todos eles se apresentam como ordens de conduta humana, vez que “uma “ordem” é um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo fundamento de validade. E o fundamento de validade de uma ordem normativa é uma norma fundamental da qual se retira a validade de todas as normas pertencentes a essa ordem. Uma norma singular é uma norma jurídica enquanto pertence a uma determinada ordem jurídica, e pertence a uma determinada ordem jurídica quando a sua validade se funda na norma fundamental dessa ordem. As normas de uma ordem jurídica regulam a conduta humana. É certo que, aparentemente, isto só se aplica às ordens sociais dos povos civilizados, pois nas sociedades primitivas também o comportamento dos animais, das plantas e mesmo das coisas mortas é regulado da mesma maneira que o dos homens” (KELSEN, 2001, p. 34).


Destarte, ao regular a conduta dos homens e não a de vegetais, objetos e animais, sancionando os seres humanos, as modernas ordens jurídicas não excluem as relações de conduta entre os homens e os demais. Ao contrário, valorizam todas as relações humanas, inclusive as com o meio em que vivem. O que deve ser destacado é que para Kelsen tais normas jurídicas regulam a conduta do homem, ação ou omissão, contra o qual se dirige a ameaça da pena.


4.2 O DIREITO COMO ORDEM COATIVA


Outra característica implementada por Kelsen ao Direito é a de que as ordens sociais são ordens coativas, no sentido de que reagem contra as situações consideradas indesejáveis, por serem socialmente nocivas com um ato de coação (com um mal). No entanto o próprio autor adverte que pode haver casos em que esse ato de coação seja visto como um bem por parte daquele que deve sofrer tal coação (alguém que comete um crime para ser condenado e receber habitação e alimentos no sistema prisional).


Na esteira desse raciocínio, preocupa-se o filósofo alemão em deixar clara a constatação que está presente no sentido em que se coloca o direito como norma coativa. “Dizer que o Direito é uma ordem coativa significa que as suas normas estatuem atos de coação atribuíveis à comunidade jurídica. Isto não significa, porém, que em todos os casos da sua efetivação se tenha de empregar a coação física. Isso só deverá suceder quando essa efetivação encontrar resistência, o que não é normalmente o caso. (…) Como ordem coativa, o Direito distingue-se de outras normas sociais. O momento coação, isto é, a circunstância de que o ato estatuído pela ordem como conseqüência de uma situação de fato considerada socialmente prejudicial deve ser executado mesmo contra a vontade da pessoa atingida e – em caso de resistência – mediante o emprego da força física, é o critério decisivo” (KELSEN, 2001, p. 37-38).


4.3. O DIREITO COMO REGRA DE CONDUTA


Os apontamentos de Norberto Bobbio indicam que ao se considerar o direito como um conjunto de normas ou regras de conduta aproxima-se da experiência jurídica e amplia a dimensão dos seus traços característicos. Para tanto, adota a premissa de que a vida humana se desenvolve dentro de um mundo de normas. Percebe que o ser humano acredita ser livre quando, na realidade, está envolto numa complexa rede de regras de conduta que regem-no desde o nascimento até a morte, sendo que boa parte dessas regras nem mais se percebe de tanto já acostumado a elas. “Há, indubitavelmente, um ponto de vista normativo no estudo e na compreensão da história humana: é o ponto de vista segundo o qual as civilizações são caracterizadas pelos ordenamentos de regras nas quais as ações dos homens que as criaram estão contidas. A história se apresenta então como um complexo de ordenamentos normativos que se sucedem, se sobrepõem, se contrapõem, se integram. Estudar uma civilização do ponto de vista normativo significa, afinal, perguntar-se quais ações foram, naquela determinada sociedade, proibidas, quais ordenadas, quais permitidas; significa, em outras palavras, descobrir a direção ou as direções fundamentais em que se conduzia a vida de cada indivíduo” (BOBBIO, 2003, p. 25).


Para o filósofo de Turim, as normas jurídicas não passam de uma parcela da experiência normativa, estas que são compostas, em sociedade, de várias outras, tais como normas comunitárias, religiosas, administrativas, políticas, dentre tantas. Embora distintas em vários aspectos, todas têm em comum um traço característico, qual seja, são preposições que têm a finalidade de influir o comportamento dos seres e dos grupos, de dirigir as ações dos mesmos em direção a certos objetivos.


Para delimitar o conceito de direito, entende que, antes, deve ser retomado o conceito de sociedade, vez que não há sociedade sem que nela se manifeste o fenômeno jurídico. Também deve ser excluído cada elemento que conduza ao arbítrio puro ou à força material, invocando, para tanto, a ideia de ordem social. Admite-se que o direito pressuponha a sociedade ou, ainda, que seja o resultado da vida social, todavia, não é salutar concluir que a sociedade como um todo seja jurídica.


5. CRITÉRIOS PARA A CLASSIFICAÇÃO DO DIREITO


É sempre uma árdua missão estudar o conceito e a classificação do direito, devido a variedade metodológica que pode ser invocada nessa empreitada. Um raciocínio satisfatório, no entanto, é encontrado quando da análise acerca da teoria do ordenamento jurídico proposta por Bobbio, o qual assume que uma definição satisfatória do direito só se faz possível se realizada do ponto de vista do citado ordenamento. Caso se admita a norma isolada, pode-se frustrar a caracterização do direito tendo em vista ser este entendido num todo e nunca numa unidade isolada.


Um dos eixos observados na teoria do ordenamento jurídico indica a existência de quatro critérios como sendo avaliáveis para uma tentativa de caracterizar o direito através de algum elemento da norma jurídica, quais sejam: o formal; o material; o critério do sujeito que põe a norma; e o critério do sujeito ao qual a norma se destina (BOBBIO, 1999, p. 23).


Em relação ao critério formal, deve ser entendido este pelo qual a definição do direito se faz através de qualquer elemento estrutural constante nas normas que comumente são denominadas de jurídicas. O critério material é aquele capaz de ser extraído do conteúdo das normas jurídicas, ou seja, das normas reguladas. O filósofo entende serem ambos os critérios inconcludentes, vez que possuem campo muito vasto em relação ao que pode ser regulado.


Quando quer se referir à teoria que considera as normas postas pelo poder soberano como jurídicas, aduz ao critério do sujeito que põe a norma. Tal critério parece ser eficiente para o filósofo, vez que quando o direito é definido através do conceito de soberania, o que vem em primeiro plano não é a norma isolada, mas o ordenamento. E conclui que “aquele que está em condições de exercer a força para tornar eficazes as normas é justamente o poder soberano que detém o monopólio do exercício da força. Portanto, a teoria do Direito como regra coativa e a teoria do Direito como emanação do poder soberano são convergentes. (…) Se é verdade que um ordenamento jurídico é definido através da soberania, é também verdade que a soberania em uma determinada sociedade se define através do ordenamento jurídico. Poder soberano e ordenamento jurídico são dois conceitos que se referem um ao outro. (…) dizer que norma jurídica é a emanada do poder soberano equivale a dizer que norma jurídica é aquela que faz parte de um determinado ordenamento; caracteriza a norma apenas enquanto ela é considerada como parte do ordenamento” (BOBBIO, 1999, p. 25-26).


Em relação ao critério do sujeito ao qual a norma é destinada, podem ser aferidos dois destinatários: o súdito ou o juiz. Nesse diapasão, admite-se que a norma jurídica é seguida da crença na sua obrigatoriedade, ou seja, em caso de violação há uma interferência do Poder Judiciário com a provável aplicação de uma sanção. Sob o ângulo de ser o juiz o destinatário, entende-se que este é o responsável pela atribuição da sanção após uma decisão, devendo-se abandonar a norma para agasalhar o ordenamento como uma aplicação de direito.


Das premissas lançadas pela teoria ora em comento, tendo em vista um ponto comum na amplitude dos critérios utilizados para a caracterização do direito, percebe-se que caso se apreenda como adequada a hipótese de ser o direito uma característica de certos ordenamentos normativos, muito mais do que de certas normas, necessita-se definir o que seja um ordenamento normativo, para que se galgue êxito no resto do raciocínio. Com o disposto na teoria do ordenamento jurídico é plausível admitir que o vocábulo “direito” está associado a uma concepção de direito objetivo e indica um tipo de sistema normativo e, não, um tipo de norma jurídica.


6. A ESSÊNCIA SOCIAL DO DIREITO


Uma das orientações aqui defendida é a de que o direito pressupõe, necessariamente, a existência do ser humano e da atividade por ele desenvolvida. O ordenamento jurídico brasileiro ampara o ser humano desde o momento em que ocorre sua concepção. E assim, após o seu nascimento acompanha-o até o momento de sua morte (produzindo reflexos para além). O direito considera o homem também como parte de uma congregação maior, que se denomina sociedade. Nessa razão é que sociedade e direito forçosamente se pressupõem, não podendo existir um sem o outro.


Um dos iniciais corolários postos indica que a origem do direito parece estar na própria natureza do homem, este havido como um ser social e criado à semelhança de Deus. Nesse aspecto misturam-se direito e ser, sendo isso indissociável para muitos dos estudiosos do direito. Como o equilíbrio almejado por todos os estudiosos sociais está na harmonia que deve pautar o cotidiano dos seres humanos, o direito procura estabelecer uma proporção tendente a criar e a manter tal equilíbrio.


É inegável que, nos dias atuais, o direito age como uma equação que visa estabelecer direitos e deveres aos indivíduos, poderes ou faculdades, organiza instituições, enfim, atua na harmonização social. Para o professor Vicente Ráo torna-se imperativo avaliar o direito em relação frente a cada um, entendendo sempre, ao final, o todo. Isso porque “o limite do direito de cada um é o direito dos outros e todos estes (sic) direitos são respeitados, por fôrça (sic) dos deveres, que lhes correspondem. (…) Constitui, pois, o direito, o fundamento da ordem social” (RÁO, 1952, p. 40-41).


Sob o ponto de vista do elemento constitutivo do direito, conferido pelo poder público, a proteção (que também é coerção) assume conotação jurídica e pode implicar numa intervenção eventual da força para assegurar-se a ordem social efetiva, mediante a manutenção das faculdades atribuídas aos indivíduos e aos deveres impostos. É inerente que a proteção nessa visão assume o condão de elemento essencial do direito objetivo, com o destaque para o seu caráter coercitivo. Dessa forma, observa-se que o direito não pode contentar-se somente com a comunhão humana. Sua finalidade está mais relacionada ao aperfeiçoamento social mediante o aperfeiçoamento do indivíduo.


Esse raciocínio está evidente na grande preocupação social do filósofo Alf Ross que enverga esforços no sentido de verificar as dimensões do impacto que as normas causam quando de sua utilização (efetivação) na sociedade. Demonstra isso de forma clara ao indagar a tarefa legislativa e judiciária para tanto, esclarecendo que “mesmo quando o conhecimento sociológico jurídico dos efeitos das medidas legislativas sobre a sociedade é valioso para o legislador (…), sua decisão depende também de seus objetivos imediatos e de sua filosofia social como um todo, ou seja, das metas e valores últimos que o legislador reconhece como padrões para a vida social e a atividade criadora de direito dele. O mesmo é verdadeiro também em relação ao juiz na medida em que direito novo é criado através da prática dos tribunais. A expressão “política jurídica” é introduzida para designar a atividade criadora de direito do legislador ou do juiz e a discussão racional dessa atividade” (ROSS, 2003, p. 48).


A inegável essência de ordem social que está intrínseca na compreensão do direito está no fato de ser este considerado como um compartimento da vida social. Traduz uma tentativa de realizar a justiça num determinado meio social, escolhendo uma determinada metodologia que seja aplicável ao contexto em que se aguardam os resultados da análise desenvolvida.


7. O VOCÁBULO JUSTIÇA


As principais obras especializadas em filosofia identificam o vocábulo justiça como a conduta daquele que se ajusta a uma norma. No tratado do italiano Nicola Abbagnano, observam-se dois sentidos diretos e principais para a justiça, quais sejam: “1º. Justiça como conformidade da conduta a uma norma; 2º. Justiça como eficiência de uma norma (ou se um sistema de normas), entendendo-se por eficiência de uma norma certa capacidade de possibilitar as relações entre os homens. No primeiro significado, esse conceito é empregado para julgar o comportamento humano ou a pessoa humana (…) No segundo significado, é empregado para julgar as normas que regulam o próprio comportamento” (ABBAGNANO, 1998, p. 593-594).


A associação do que venha a ser justiça com os ideais de felicidade parece que sempre foi pauta para os filósofos estudiosos do tema. Aristóteles sempre propugnou pelo emprego das leis como pano de fundo para que a felicidade seja plenamente satisfeita e que a ordem política pudesse ser também restabelecida. Para os sofistas a justiça foi identificada com a utilidade, como forma de expressão máxima do objeto envolvido. Isso representaria não somente a felicidade mas também a segurança e a ordem.


A aproximação da noção de justiça com a de liberdade fora realizada com maestria por Immanuel Kant. Em seus apontamentos registra que o Iluminismo é o pressuposto que poderá eliminar os entraves que se opõem à liberdade do indivíduo. Ora, isso se deve à tarefa suprema da natureza em relação à espécie humana, apontando para “uma sociedade em que a liberdade sob leis externas esteja unida, no mais alto grau possível, a um poder irresistível, o que é uma constituição civil perfeitamente justa (…). Segundo esse ponto de vista, o iluminismo é a condição que derivará da progressiva eliminação dos obstáculos opostos à liberdade da espécie humana” (ABBAGNANO, 1998, p. 595).


O conceito de justiça pode estar intimamente relacionado com duas acepções: subjetiva e objetiva. É exatamente esse o destaque das considerações do professor Franco Montoro, o qual admoesta para uma concepção de justiça não somente ao de resultado (um fim justo), mas, também aos meios com os quais se alcança um resultado justo. O conceito de justiça apresenta uma variedade de sentidos. “A circunstância de ser o conceito de justiça utilizado por juristas e moralistas explica essa diferença. Ocupando-se da atividade pessoal do homem, o moralista vê na justiça uma qualidade subjetiva do indivíduo, o exercício de sua vontade, uma virtude. O jurista tem outras preocupações; interessa-lhe fundamentalmente a ordem social objetiva. Por isso, ele vê na justiça, em primeiro lugar, uma exigência da vida social” (MONTORO, 2000, p. 125).


Assevera Franco Montoro, ainda, que a palavra justiça pode ser empregada no sentido extensivo para realçar o Poder Judiciário e seus órgãos, incumbidos de dar solução justa aos casos que lhe sejam submetidos, assim como se estende também ao sentido de legislação. O sentido fundamental do conceito de justiça para o citado filósofo deve partir de um conceito análogo, ou seja, por analogia de relação ou atribuição, não deixando de esquecer que em sentido próprio e direto a justiça significa a virtude, a vontade constante de dar a cada qual aquilo que parece ser o seu direito. Nesse sentido, para o filósofo, somente as ações humanas podem ser justas ou injustas (MONTORO, 2000, p. 125).


Não há como existir justiça sem que o ser humano venha a se libertar das amarras do egoísmo, vez que ao reivindicar o que seja seu, como bens por exemplo, o indivíduo egóico afeta a órbita de interesses de outrem. O querer para si demonstra a intenção de estar à frente do próximo. Observa-se que a justiça se opõe ao egoísmo, exigindo que sejam respeitados os direitos e as pretensões das demais pessoas. Não se atinge os fins da justiça sem a vontade de ser equânime, sem se preocupar com o semelhante.


Assumindo a justiça como vontade ou disposição do espírito, ela exige uma atitude de respeito para com o próximo. Assim, a justiça não é o sentimento que cada qual tem do seu próprio bem-estar ou felicidade, mas, se trata do reconhecimento de que cada qual deve respeitar o bem e a dignidade dos outros, implicando um valor absoluto do indivíduo. Não pairam dúvidas quanto a isso.


Aristóteles associa a justiça à virtude, ou seja, à prática das boas ações. Destaca que a justiça é a forma perfeita de excelência moral uma vez que ela é a prática efetiva da excelência moral perfeita. E, para tanto, considera-se que “a justiça, e somente ela entre todas as formas de excelência moral, é o “bem dos outros”; de fato, ela se relaciona com o próximo, pois faz o que é vantajoso para os outros, quer se trate de um governante, quer se trate de um companheiro da comunidade. O pior dos homens é aquele que põe em prática a sua deficiência moral tanto em relação a si mesmo quanto em relação aos seus amigos, e o melhor dos homens não é aquele que põe em prática sua excelência moral em relação a sim mesmo, e sim em relação aos outros, pois esta é uma tarefa difícil” (ARISTÓTELES, 2001, p. 92). O filósofo macedônio entende que justiça e excelência moral são expressões tautológicas, as quais se apartam somente quanto à sua essência.


8. UMA TEORIA DA JUSTIÇA


Para o professor André Franco Montoro a teoria da justiça é entendida como um dos pontos fundamentais do estudo da Ciência Jurídica. Entende que o pilar fundamental de apoio da ordem jurídica é a noção do justo e um dos modos pelos quais se alcança o significado do vocábulo “direito” é o de considerá-lo como exigência da justiça, muito embora ressalve que a visão de Kelsen restringe o direito a um sistema de normas positivas que regem a vida de determinada comunidade (MONTORO, 2000, p. 123).


Ao empreender autonomia ao pensamento jurídico estudando as diversas formas de conceber a justiça, Norberto Bobbio atesta que não há teoria da justiça que não analise alguns dos seus critérios mais comuns, os quais habitualmente são apresentados como especificações da máxima “dar a cada um o que é seu”, ressaltando que “embora a escolha desse ou daquele critério seja em parte determinada pela situação objetiva, depende freqüentemente – e, por vezes, em última instância, ainda que nem sempre conscientemente – das diversas concepções gerais da ordem social, como é plenamente demonstrado por disputas ideológicas (…). Nas situações concretas, os vários critérios são freqüentemente temperados uns com os outros (…)” (BOBBIO, 2000, p. 19-20).


Levando-se em conta a possibilidade de avaliar um conceito de justiça a partir do pensamento escoimado no direito natural, Alf Ross estabelece um feixe de críticas no sentido de evidenciar uma nítida distinção entre o que é o ideal de justiça tendo como parâmetro o direito natural e, na mão oblíqua, como base o direito específico. E aduz que “O direito natural insiste que em nossa consciência reside uma ideia simples e evidente, a ideia de justiça, que é o princípio mais elevado do direito em oposição à moral. A justiça é a ideia específica do direito. Está refletida em maior ou menor grau de clareza ou distorção em todas as leis positivas e é a medida de sua correção” (ROSS, 2003, p. 313).


Ao longo do raciocínio aqui esboçado e pelas obras e pensadores destacados é coerente observar que na filosofia antiga o sentido empreendido para a justiça significou a virtude suprema que abrangia a qualquer coisa, não sendo possível, assim, diferenciar direito e moral. Perfazia o seu conceito o amor a Deus e ao bem. Nota-se, ainda, que por volta do século IV a.C. a justiça identificou-se com a igualdade; princípio então formulado pelos seguidores de Pitágoras, os quais buscavam acrescer ao ideal de justiça o predicado de harmonia entre os desejos e pretensões da vida social numa determinada comunidade. Em arremate a esse encarte histórico, nota-se que uma vez assimilada a idéia de que todos os conflitos de ordem jurídica são problemas de distribuição de direitos e/ou deveres, então uma teoria que procure estudar a justiça acata a exigência de haver igualdade na distribuição de ônus ou vantagens.


9. JUSTIÇA E IGUALDADE


Os estudos que confrontam justiça e igualdade partem de várias premissas. Aproximando os dois elementos Norberto Bobbio é agudo ao advertir que o conceito e o valor da igualdade mal conseguem distinguir-se do conceito e do valor da justiça em boa parte de suas acepções. A aproximação de ambos está diretamente relacionada à similitude que as identifica com a expressão liberdade e igualdade. Pavimenta o seu raciocínio a partir da grande visão de justiça empreendida por Aristóteles, o qual, por seu turno, associou justiça com dois eixos: legalidade e igualdade.


Constrói o seu amplo entendimento a partir dos ideais de justiça aceitos por Aristóteles e, desse modo, formula o encadeamento de sua lógica, sempre tendo por base os preceitos de igualdade. Na associação com a legalidade, é “justa a ação realizada em conformidade com a lei (não importa se leis positivas ou naturais), justo o homem que observa habitualmente as leis, e justas as próprias leis (por exemplo, as leis humanas) na medida em que correspondem a leis superiores, como as leis naturais ou divinas” (BOBBIO, 2000, p. 14). Tendo como mote a igualdade é “justa uma ação, justo um homem, justa uma lei que institui ou respeita, uma vez instituída, uma relação de igualdade”. (BOBBIO, 2000, p. 14).


No entanto, os dois significados de justiça (como ação e como lei) não são facilmente distinguidos, uma vez que “(…) uma ação seria justa quando conforme a uma lei e uma lei seria justa quando conforme ao princípio de igualdade: tanto na linguagem comum como na técnica, costuma-se dizer – sem que isso provoque a menor confusão – que um homem é justo não só porque observa a lei, mas também porque é equânime, assim como, por outro lado, que uma lei é justa não só porque é igualitária, mas também porque é conforme a uma lei superior” (BOBBIO, 2000, p. 14).


Parece inconteste que o referencial que une justiça e igualdade é o sentido de ordem, ou equilíbrio, ou harmonia, ou concórdia da partes de um todo, sendo que a representação de justiça encontra-se figurada na virtude. Dessa forma, ao admitir-se que há certa igualdade entre os homens e que a sociedade respeita a legalidade, acatam-se duas condições para que se atinja (e se conserve) a harmonia dos sistemas sociais. Logo, diante se está das necessárias condições para que se realize a justiça.


Bobbio deixa claro que a igualdade representa um patamar desejado pelo homem, na medida em que é considerada como justa, ou seja, como uma ordem a instituir, um parâmetro de harmonia das partes de um todo. A ideia do todo está intrinsecamente ligada à durabilidade. De nada adianta a harmonia passageira. Preza-se pelo caráter duradouro desse equilíbrio.


É de bom alvitre entender que a igualdade não pode ser tomada no sentido absoluto, ou seja, no sentido de que todos, independente das circunstâncias que os cerquem, devem ser tidos exatamente na mesma posição que os demais. A relativização do sentido de igualdade é o desiderato do que se entende geralmente por justiça. Haver distinções entre seres, situações, posições de domínio, por exemplo, são requisitos da justiça, de modo a vislumbrarem-se direitos, deveres e obrigações levando-se em conta as circunstâncias pelas quais são condicionados.


O requisito de aproximação da justiça com a igualdade serve basicamente para atender aos reclames da impossibilidade de que alguém seja submetido a um tratamento diferente, discriminante, de exclusão, sem que, para tanto, haja um mínimo de tolerância legal (social) e que não seja um único caso frente a todos os seus pares. Assegura-se que as diversas formulações de justiça voltada para grupos ou diversos contextos deve incluir um padrão de avaliação, além da igualdade, que deve ser aplicado como condição para a definição da categoria cujos membros devem ser tratados com igualdade. Isso mostra que a pura exigência formal de igualdade não significa em si muito, mas o conteúdo prático da exigência de justiça depende de pressupostos que estão localizados externamente ao princípio da igualdade.


A proposta que vislumbra uma aproximação entre direito e justiça tem como escopo que a consciência humana seja um parâmetro avaliável no sentido que se deve ter por justiça. O homem como ator social está inserido nas constantes demandas que acabam por gerar conflitos. Ora, por essa perspectiva não há como admitir-se a possibilidade do homem alcançar a felicidade sem atuar com justiça. E isso se faz com atos, através de comandos moralmente aceitos.


10. DIREITO E JUSTIÇA


O bem é tido, de modo genérico, como um parâmetro que atrai todas as coisas para a realização da natureza destas, possuindo um primeiro significado físico, nesse contexto. Para o homem, em específico, o bem é a motivação fundamental na prática de suas ações. Já se tem relacionado a prática do bem a um fundamento de ética. Por seu turno, a ética também se encontra extremamente vinculada à ideia de justiça.


Enquanto seres minerais, vegetais e animais irracionais buscam o bem e tendem a realizá-lo, somente ao homem é proporcionado realizar o justo. Parece que a relação entre bem e justiça é inconteste. Isso mostra que “o vínculo entre a moral e o direito é a justiça. Através da justiça – do bom-porque-justo – ligam-se um ao outro os dois grandes domínios do agir humano: o moral (interior) e o jurídico (exterior)” (MATA-MACHADO, 1986, p. 30).


Ao analisar os patamares que se entrelaçam no tema direito e justiça, o professor Montoro indaga aos seus leitores até que ponto o direito pode identificar-se com o que seja justo? Até que ponto seria possível sustentar que todas as exigências do direito sejam baseadas nos critérios de justiça? Sustenta em seu trabalho que para alguns autores, como Carnéades e Epicuro, o direito é simples convenção não tendo relação nenhuma com os ideais de justiça.


Para os seguidores do positivismo jurídico, firma-se o entendimento de que o direito está reduzido a uma imposição de força social enquanto que a justiça é considerada como um elemento estranho à sua formação e validade. Em Kelsen observa-se que os critérios de justiça são simplesmente emocionais e subjetivos, sendo que sua determinação deve ser reservada para a religião ou metafísica. Nesse sentido percebe-se um nítido distanciamento entre a justiça e os parâmetros do sentimento humano.


A justiça pode ser vislumbrada como a prática de um hábito, o modo de ser justo, de assumir a justiça o caráter social, de cunho comunitário. Assume contornos visíveis de ser um valor, um ideal. A singularidade da justiça está na razão em que seu “objeto não se refere à pessoa que a pratica, mas ao outro. Justo é quem dá o seu a seu dono, é quem dá a cada um o que lhe é devido. Este seu que incumbe à justiça e a quem a pratica dar a outro, essa COISA-DEVIDA que importa por justiça, que seja dada “a quem de direito”, segundo se diz na linguagem vulgar, esse seu, esse debitum (o-que-é-devido) constitui, precisamente, o que chamamos direito” (MATA-MACHADO, 1986, p. 32).


11. O PROBLEMA DA JUSTIÇA


Hans Kelsen ao analisar a envergadura da justiça frente aos questionamentos sociais, firma o pressuposto de que a justiça tem que significar uma virtude dos indivíduos. Enquadra a justiça como pertencente ao domínio da moral. Para tanto, estatui que a qualidade ou virtude da justiça atribuída a um indivíduo ganha materialidade quando da conduta do mesmo frente aos demais indivíduos.


Destarte, pode-se falar em conduta justa ou injusta. É justa quando “corresponde a uma norma que prescreve essa conduta, isto é, que a põe como devida e, assim, constitui o valor justiça” (KELSEN, 2003, p. 3). É injusta a conduta quando “contraria uma norma que prescreve uma determinada conduta. A justiça de um indivíduo é a justiça a sua conduta social; e a justiça da sua conduta social consiste em ela corresponder a uma norma que constitui o valor justiça e, nesse sentido, ser justa. (KELSEN, 2003, p. 3).


Entende o filósofo alemão que a norma de justiça é uma norma moral e considera como norma de justiça somente aquela que prescreva um determinado tratamento de um indivíduo por outro indivíduo. E destaca como tal o tratamento dos indivíduos por parte do legislador ou do juiz. Kelsen traz à baila uma problemática pautada na contradição que pode haver com o fato de a justiça (ou injustiça) ser também afirmada como uma qualidade de normas, com o fato de também as normas serem apreciadas como boas ou más, justas ou injustas, ao afirmar-se que o direito positivo pode ser bom ou mau, justo ou injusto.


Ainda de seus apontamentos extrai o sentido de que há uma pressuposição de que a norma de justiça e a norma do direito positivo sejam consideradas como simultaneamente válidas e isso não é possível, se as duas normas estão em contradição, ou seja, entram em conflito uma com a outra. Em derradeiro, claro está que somente uma das duas normas pode ser considerada válida. Remete o conceito de validade na esteira de que por validade “deve entender-se aqui validade objetiva. Dizer que uma norma do direito positivo, isto é, do direito posto por meio de atos humanos, “vale” significa que o sentido subjetivo do ato – sentido segundo o qual as pessoas devem conduzir-se de determinada maneira – é interpretado como sendo também o seu sentido objetivo” (KELSEN, 2003, p. 6).


Quando kelsen considera o direito natural, aduz que o direito positivo somente pode ser válido quando estiver em consonância com o jusnaturalismo. Isso leva a uma incongruência, conclui o mestre, a de que somente o direito natural pode assumir o contorno de validade. O direito positivo não. Se a estatuição da norma do direito positivo corresponde à norma de justiça, logo o valor jurídico constituído pela norma do direito positivo coincide com o valor de justiça estatuído pela norma de justiça. Daí a falar-se que a norma de direito positiva é justa.


No caso de haver contrariedade entre o predisposto na norma do direito positivo com a norma de justiça, os dois valores não coincidem (valor de justiça e valor jurídico). Forçoso é concluir que a norma de direito positivo somente pode ser injusta sob esse ângulo. Aí há que se diferenciar o ato de sua qualidade. A justiça e a injustiça ponderadas devem ser consideradas como qualidades do ato e não como qualidades da norma.


Ao analisar a teoria da justiça de Kelsen, denota-se que ao indicar que a norma do direito positivo seja justa ou injusta, no fundo quer-se discutir o ato cujo sentido subjetivo esteja inserta essa norma. Logo, atesta-se que justo ou injusto será o ato conforme corresponda ou não à norma de justiça.


12. CONCLUSÃO


É inegável que o estudo sobre o direito e a justiça seja apaixonante, vez que desperta os mais elevados valores de questionamento acerca da própria razão de viver do ser humano. Conceitos como “ser justo”, “ser honesto”, liberdade, igualdade, além é claro das variantes conceituais para direito e justiça, permeiam a doutrina jurídica e as obras filosóficas antigas e contemporâneas. Estudar o direito é, sem sombra de dúvidas, estudar a justiça.


Das mais diversas lições extraídas para a elaboração do vertente raciocínio, importantes pontos imergem de um verdadeiro oceano de conhecimentos, frutos de árduos trabalhos de pesquisa e das experiências de vida dos seus autores. Cumpre destacar alguns pontos em conclusão.


Parece não haver dúvidas que o direito pressupõe necessariamente a coexistência social, ou seja, a própria atividade do ser humano que se exterioriza através de suas relações com os seus semelhantes. E nisso é forçoso admitir que a origem do direito está na própria natureza do homem, havido como ser social. A razão de ser do direito é a própria razão de ser da humanidade; não simplesmente o direito como um conjunto de regras.


A justiça, por seu turno, é admitida no seu núcleo como a excelência moral, a mais completa, vez que sintetiza outras excelências. A justiça pode ser avaliada tanto individual como coletivamente, defendendo-se a máxima de que a justiça deveria definir o arcabouço legislativo, e não o contrário. Com Aristóteles pode-se assumir que é na justiça que se resume toda a excelência, a perfeição.


É também plausível identificar a justiça com a virtude da convivência humana. Trata-se de uma atitude subjetiva de respeito à dignidade de todos os homens, de respeito no trato com o semelhante. É muito pouco reduzir o sentido de justiça para ordenamento ou órgãos do Poder Judiciário.


Já a dimensão que pode ser dada a partir da definição do “direito” está na razão de caracterizar o significado nominal e real do termo. O primeiro, em proporcionar o verdadeiro sentido para o vocábulo. O segundo, em atestar o que na realidade significa o mesmo. O conceito do direito é, portanto, análogo. Deve-se entendê-lo como norma, à medida em que corresponda à regra social obrigatória. Como faculdade, quando designe poder. Como justiça quando há uma obrigatoriedade e resultado pré-existentes. Como ciência quando há o caráter da epistemologia. E, finalmente, como fato social, quando revela-se um fenômeno da vida coletiva. Os critérios são didáticos e vislumbrados na prática.


O direito é muito difícil de ser definido com rigor. Qualquer tentativa pode pecar por desprezar alguns dos elementos necessários para sua aproximação com a realidade. Vislumbra-se, na prática, uma imponente visão de que o direito é proporcionar a alguém aquilo que lhe seja de direito. Aqui coadunam, ao mesmo tempo, um conceito aberto e uma restrição de objeto.


Em relação à problemática trazida quando das considerações de justiça, percebe-se que o ponto crucial está no quociente havido entre direito positivo e justiça. Uma vez que a justiça pertence ao domínio da moral e o direito positivo representa a expressão de um desejo humano, como representar através das normas a justiça?


Ao que tudo aponta, um indicativo de resposta está no imperativo de que somente normas que prescrevam o tratamento dos indivíduos por parte de um legislador ou juiz podem ser consideradas como normas de justiça. Seguindo esse raciocínio desenvolvido admite-se o preceito de que a justiça absoluta não seja cognoscível pela razão humana. Destarte, o ideal de justiça absoluta não está na razão, nem tampouco deve ser tratado num plano de consideração subjetiva.


 


Bibliografia

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução: Alfredo Bosi. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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COSTA, Cláudio Ferreira. Filosofia da linguagem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

KELSEN, Hans. O problema da justiça. Trad.: João Baptista Machado. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

MATA-MACHADO, Edgar de Godoi. Elementos da teoria geral do direito (para os cursos de introdução ao estudo do direito). 3. ed. Belo Horizonte: UFMG, 1986.

MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 25. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. São Paulo: Max Limonad, 1952. v. 1.

ROSS, Alf. Direito e Justiça. Tradução: Edson Bini. Bauru: Edipro, 2003.

Informações Sobre o Autor

Hamilton da Cunha Iribure Jr.

Mestre e Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Advogado em SP. Professor de Direito.


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