Novas perspectivas sobre a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas

Resumo: Por meio deste texto, pretende-se tratar de novas perspectivas sobre a responsabilidade civil do Estado por conta de condutas omissivas.

Palavras-chave: Estado. Omissão. Perspectivas.

Abstract: This text intends to deal with new perspectives on the civil responsibility of the State due to omissive conduct.

Keywords: State. Omission. Perspectives.

Sumário: Introdução.  1. A teoria da responsabilidade objetiva. 2. A responsabilidade civil estatal por condutas omissivas será regida pela teoria objetiva ou pela subjetiva? Considerações finais. Referências.

Introdução

O texto constitucional brasileiro atual estabelece, no § 6º do art. 37[1], que as pessoas jurídicas de direito público e aquelas de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando-se o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Encontra-se consagrada, assim, a responsabilidade civil objetiva extracontratual do Estado tanto no que diz respeito a administração direta quanto no que pertine a atuação da administração indireta, sendo necessária, unicamente, para a sua incidência, a demonstração do nexo de causalidade (segundo a corrente majoritária) entre a conduta comissiva do agente estatal ou pessoa privada prestadora de serviço público e o dano sofrido.

Nosso foco é debater se, por outro lado, quando de condutas omissivas dos agentes públicos no sentido de cumprir suas obrigações, a responsabilidade civil do Estado seguiria essa linha da responsabilidade objetiva, ou, por se tratar de uma inércia no sentido de agir, a responsabilidade subjetiva deva ser considerada.

1. A teoria da responsabilidade objetiva

O dispositivo constitucional supracitado impõe a responsabilidade civil objetiva ao Estado no que tange os danos causados aos terceiros, não sendo necessário assim, para que se lhe imponha o dever de indenizar, sejam apresentados os elementos subjetivos dolo e culpa. Para que isso ocorra, basta haver a conjugação de certos requisitos: o fato administrativo ou a conduta do agente público, o dano e o nexo causal, como o Supremo Tribunal Federal aferiu:

“Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes. O dever de indenizar, mesmo nas hipóteses de responsabilidade civil objetiva do Poder Público, supõe, dentre outros elementos (RTJ 163/1107-1109, v.g.), a comprovada existência do nexo de causalidade material entre o comportamento do agente e o eventus damni, sem o que se torna inviável, no plano jurídico, o reconhecimento da obrigação de recompor o prejuízo sofrido pelo ofendido.[RE 481.110 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 6-2-2007, 2ª T, DJ de 9-3-2007.] Vide ARE 663.647 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, j. 14-2-2012, 1ª T, DJE de 6-3-2012” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 624).

Quanto ao primeiro, há que se visualizar a conduta do agente público ainda que sua atuação esteja fora das suas funções, mas sob o seu pretexto, como Carvalho Filho fomenta: “Ainda que o agente estatal atue fora de suas funções, mas a pretexto de exercê-las, o fato é tido como administrativo, no mínimo pela má escolha do agente (culpa in eligendo) ou pela má fiscalização de sua conduta (culpa in vigilando)” (CARVALHO FILHO, 2017, p. 377). Matheus Carvalho, citando, inclusive, um exemplo trivial, corrobora a ideia do seguinte modo:

“Dessa forma, ainda que o agente público não esteja em seu horário de trabalho, caso ele se aproveite da qualidade de agente para ensejar o dano, estará configurada hipótese de responsabilização do ente público. A situação é corolário da teoria da imputação (ou teoria do órgão) que define que a conduta do agente público deve ser imputada ao ente estatal que ele representa. Exemplo clássico da situação exposta ocorre quando um determinado policial militar que, mesmo estando fora do horário de serviço e sem farda, atira em alguém com a arma da corporação, com a intenção de separar uma briga de rua, gerando sua conduta responsabilização do ente estatal” (CARVALHO, 2017, p. 343).

Logo, é relevante, aqui, evidenciar se a conduta do agente foi determinante para o ato causador do dano, como Alexandrino e Paulo aludem:

“[…] Porém – e esse aspecto é de grande importância -, para restar configurada a responsabilidade civil objetiva da pessoa jurídica, é imprescindível que, ao praticar o ato lesivo, o seu agente estivesse atuando, corretamente ou não, na condição de agente público (ou de agente de delegatária de serviço público), no desempenho das atribuições próprias de sua função pública, ou, a pretexto de exercê-las. Nada importa perquirir se a atuação do agente foi lícita ou ilícita. O que interessa é exclusivamente a qualidade de agente público (ou de agente de delegatária de serviço público) ostentada na sua atuação. É pertinente, tão só, verificar se a condição de agente público (ou de agente de delegatária de serviço público) foi determinante para a prática do ato. Enfim, basta que, ao praticar o ato, lícito ou ilícito, o agente esteja atuando "na qualidade de agente público” (ALEXANDRINO; PAULO, 2017, p. 921-922).  

Pelo segundo, o dano, obviamente, não se pode falar em dever no sentido de se indenizar, se a pessoa não demonstrar que a prática de um ato em conformidade com as passagens acima tenha lhe causado um prejuízo de ordem material e/ou moral. 

O terceiro, nexo de causalidade, por sua vez impõe, o Estado somente será responsabilizado se o ato praticado por seu agente tenha sido elementar para a ocorrência do dano, como Carvalho salienta:

“- Nexo de causalidade: Como regra, o Brasil adotou a teoria da causalidade adequada, por meio da qual o Estado responde, desde que sua conduta tenha sido determinante para o dano causado ao agente. Assim, se condutas posteriores, alheias à vontade do Estado, causam o dano a um terceiro, ocorre o que se denomina, na doutrina, de teoria da interrupção do nexo causal a excluir a responsabilidade estatal” (CARVALHO, 2017, p. 345).

Encontra-se consagrada, portanto, a chamada teoria do risco, originária do direito francês, pela qual (CAVALIERI FILHO, 2007) aquele que pratica atos perigosos, com probabilidade de dano, deve assumir o risco e reparar eventual prejuízo dele decorrente. 

Embora essa seja a regra, há, contudo, exceções, as quais, em ocorrendo, eximem o dever do Estado no sentido de indenizar, pois não está consubstanciada, em nosso direito, a teoria do risco integral. Referimo-nos à culpa exclusiva da vítima; à força maior e; ao fato exclusivo de terceiro.

Relativamente à primeira, impera analisar, por vezes, a conduta do lesado se mostra imprescindível para a ocorrência ou não do dano. Dessa maneira:

“Se o lesado em nada contribuiu para o dano que lhe causou a conduta estatal, é apenas o Estado que deve ser civilmente responsável e obrigado a reparar o dano. […] Entretanto, pode ocorrer que o lesado tenha sido o único causador de seu próprio dano, ou que ao menos tenha contribuído de alguma forma para que o dano tivesse surgido. No primeiro caso, a hipótese é de autolesão, não tendo o Estado qualquer responsabilidade civil, eis que faltantes os pressupostos do fato administrativo e da relação de causalidade. O efeito danoso, em tal situação, deve ser atribuído exclusivamente àquele que causou o dano a si mesmo. […] Se, ao contrário, o lesado, juntamente com a conduta estatal, participou do resultado danoso, não seria justo que o Poder Público arcasse sozinho com a reparação dos prejuízos. Nesse caso, a indenização devida pelo Estado deverá sofrer redução proporcional à extensão da conduta do lesado que também contribuiu para o resultado danoso. Desse modo, se Estado e lesado contribuíram por metade para a ocorrência do dano, a indenização devida por aquele deve atingir apenas a metade dos prejuízos sofridos, arcando o lesado com a outra metade. É a aplicação do sistema da compensação das culpas no direito privado. Exemplo interessante foi o de acidente de trânsito em que dois veículos colidiram em cruzamento por força de defeito no semáforo: provado que ambos trafegavam com excesso de velocidade, contribuindo para o resultado danoso, foi-lhes assegurada indenização do Poder Público apenas pela metade dos danos” (CARVALHO FILHO, 2017, p. 379).  

Como exemplo da hipótese, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o suicídio em hospital público não gera a responsabilização estatal:

“A discussão relativa à responsabilidade extracontratual do Estado, referente ao suicídio de paciente internado em hospital público, no caso, foi excluída pela culpa exclusiva da vítima, sem possibilidade de interferência do ente público. [RE 318.725 AgR, rel. min. Ellen Gracie, j. 16-12-2008, 2ª T, DJE de 27-2-2009.]” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 622).

No segundo caso, a força maior, subentende-se, a princípio, não se tratar de responsabilidade estatal o ressarcimento daqueles danos decorrentes de fenômenos da natureza, os quais são classificados como inevitáveis[2].

Já na terceira oportunidade, de acordo com Gonçalves, quanto a eventual responsabilização do Estado, necessário compreender:

“[…] a Constituição Federal o responsabiliza objetivamente apenas pelos danos que os seus "agentes" causarem a outrem, agindo nessa qualidade. Não o responsabiliza por atos praticados por terceiros, como assaltos em via pública, atos predatórios etc., que não são causados por seus agentes” […] A Constituição não adotou a teoria do risco integral. O Poder Público só poderá ser responsabilizado nesses casos se restar provado que sua omissão concorreu diretamente para o dano, deixando de realizar obras ou de tomar outras providências indispensáveis, que lhe incumbiam (se os policiais, por exemplo, alertados a tempo, omitiram-se e, negligentemente, nenhuma providência tomaram para evitar o assalto). Nesse caso, a responsabilidade estatal será definida pela teoria da culpa anônima da administração” (GONÇALVES, 2017, p. 104).

2. A responsabilidade civil estatal por condutas omissivas será regida pela teoria objetiva ou pela subjetiva?

Restou claro, até aqui, tratar-se de responsabilidade objetiva do Estado o dever de indenizar terceiro que sofra dano decorrente da conduta comissiva de seus agentes.

O que se questiona é, em se tratando de conduta omissiva, aplicar-se-ia ao Estado, também, a teoria da responsabilidade objetiva ou a teoria da responsabilidade subjetiva, quando a responsabilização estatal só será possível com a devida comprovação de ato decorrente de dolo ou culpa do agente.

Sobre a responsabilidade subjetiva, observemos os dizeres de Cleyson de Moraes Mello:

“A responsabilidade civil subjetiva é aquela que pressupõe a existência de culpa. Logo, não havendo culpa, não há falar-se em responsabilidade. A culpa é o pressuposto da responsabilidade civil subjetiva. […] A responsabilidade civil subjetiva poderá ocorrer por violação à norma contratual válida (responsabilidade subjetiva contratual) ou em virtude de violação a um dever genérico de conduta (responsabilidade subjetiva extracontratual). […] O artigo 927[3], caput, do nosso Código Civil, afirma que “aquele que, por ato ilícito (arts 186 e 187[4]), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Aqui, se desvela a responsabilidade subjetiva extracontratual, a partir da violação do dever genérico de conduta. […] A responsabilidade civil objetiva dispensar a análise do elemento culpa. O parágrafo único do artigo 927 determina que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. […] O artigo 931[5] do diploma civilístico representa uma cláusula geral de responsabilidade objetiva ao dizer que “ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação” (MELLO, 2017, p. 321).

Pois bem, há divergência sobre eventual aplicação de uma ou de outra teoria, sufragando a corrente majoritária pela última. De acordo com Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:

“Não há na Carta Política regra expressa acerca da responsabilidade civil relacionada a eventuais danos ocasionados por omissões do poder público. Alguns de nossos mais respeitados administrativistas prelecionam que, nos casos de danos ensejados por omissão estatal a responsabilidade extracontratual segue, em regra, a teoria da culpa administrativa – na jurisprudência, essa parece ser, também, a orientação predominante” (ALEXANDRINO; PAULO, 2017, p. 925).

De outra maneira, Carlos Roberto Gonçalves lembra que o Supremo Tribunal Federal já decidiu, por meio da 2ª Turma, no sentido de reconhecer a:

“culpa do Poder Público por não zelar devidamente pela incolumidade física de detento, ameaçado por outros presos e por eles assassinado, proclamou que, tratando-se de "ato omissivo do Poder Público, a responsabilidade passa a ser subjetiva, exigindo dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la"” (GONÇALVES, 2017, p. 106).  

Nesse horizonte, vejamos este acórdão do Pretório Excelso:

“A omissão do poder público, quando lesiva aos direitos de qualquer pessoa, induz à responsabilidade civil objetiva do Estado, desde que presentes os pressupostos primários que lhe determinam a obrigação de indenizar os prejuízos que os seus agentes, nessa condição, hajam causado a terceiros. [ARE 655.277 ED, rel. min. Celso de Mello, j. 24-4-2012, 2ª T, DJE de 12-6-2012.]” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 620).

Flávio Tartuce, fomentando o raciocínio da aplicação da responsabilidade objetiva em caso de omissão estatal relativamente à segurança pública, propõe a seguinte reflexão sobre a realidade social do país e sua relação para com a criminalidade:

“Nosso país vive uma triste realidade social. Nos grandes centros urbanos, a violência e a miséria se alastram. Turbas armadas, e até organizadas, causam terror e medo. Mesmo cidades do interior se veem invadidas por quadrilhas de criminosos profissionais, dispostos a assaltar os bancos locais. E o Estado Oficial nada faz. Em algumas cidades, há o Estado Paralelo, disputando poder com aquele que antes detinha o monopólio. […] Nesse cenário, balas traçam o ar. Algumas vezes atingem os alvos. Outras, atingem outros destinatários. Vivemos a realidade das balas perdidas. Algumas vezes, na verdade, balas achadas, como se quer denominar. Além de atingirem pessoas determinadas, não há dúvida de que as balas perdidas causam um enorme dano social. […] Diante dessa triste realidade contemporânea, parece a este autor que a ideia de dano social, antes exposta, pode servir para um novo dimensionamento à responsabilidade civil do Estado (no caso do Estado Oficial). Ora, se a responsabilidade civil tem um intuito pedagógico – ou punitivo como querem alguns –, o Estado não vem cumprindo as suas obrigações assumidas perante a sociedade. A sua conduta, nessa área, pode ser tida como socialmente reprovável. […] Desse modo, deve ser imediatamente revista e repensada a tese da responsabilidade civil do Estado por omissão e, portanto, subjetiva e dependente de culpa, nos casos de falta de segurança. […]” (TARTUCE, 2017, p. 605).    

Reforçando a ideia, sobre o viés criminalidade e suas relações para com a responsabilidade civil objetiva do Estado em casos omissos, enumeremos alguns entendimentos da nossa Corte Constitucional:

“1. Professora. Tiro de arma de fogo desferido por aluno. Ofensa à integridade física em local de trabalho. Responsabilidade objetiva. Abrangência de atos omissivos. [ARE 663.647 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, j. 14-2-2012, 1ª T, DJE de 6-3-2012” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 620).

“2. Latrocínio cometido por foragido. Nexo de causalidade configurado. (…) A negligência estatal na vigilância do criminoso, a inércia das autoridades policiais diante da terceira fuga e o curto espaço de tempo que se seguiu antes do crime são suficientes para caracterizar o nexo de causalidade. Ato omissivo do Estado que enseja a responsabilidade objetiva nos termos do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição do Brasil. [RE 573.595 AgR, rel. min. Eros Grau, j. 24-6-2008, 2ª T, DJE de 15-8-2008.]” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 623).

“3. Impõe-se a responsabilização do Estado quando um condenado submetido a regime prisional aberto pratica, em sete ocasiões, falta grave de evasão, sem que as autoridades responsáveis pela execução da pena lhe apliquem a medida de regressão do regime prisional aplicável à espécie. Tal omissão do Estado constituiu, na espécie, o fator determinante que propiciou ao infrator a oportunidade para praticar o crime de estupro contra menor de doze anos de idade, justamente no período em que deveria estar recolhido à prisão. Está configurado o nexo de causalidade, uma vez que, se a lei de execução penal tivesse sido corretamente aplicada, o condenado dificilmente teria continuado a cumprir a pena nas mesmas condições (regime aberto), e, por conseguinte, não teria tido a oportunidade de evadir-se pela oitava vez e cometer o bárbaro crime de estupro. [RE 409.203, rel. p/ o ac. min. Joaquim Barbosa, j. 7-3-2006, 2ª T, DJ de 20-4-2007.]” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 625).

“4. Morte de detento por colegas de carceragem. Indenização por danos morais e materiais. Detento sob a custódia do Estado. Responsabilidade objetiva. Teoria do Risco Administrativo. Configuração do nexo de causalidade em função do dever constitucional de guarda (art. 5º, XLIX). Responsabilidade de reparar o dano que prevalece ainda que demonstrada a ausência de culpa dos agentes públicos. [RE 272.839, rel. min. Gilmar Mendes, j. 1º-2-2005, 2ª T, DJ de 8-4-2005.] = AI 756.517 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, j. 22-9-2009, 1ª T, DJE de 23-10-2009. Vide RE 170.014, rel. min. Ilmar Galvão, j. 31-10-1997, 1ª T, DJ de 13-2-1998” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 625-626).

“5. Responsabilidade civil do Estado: caracterização: morte causada a particular por agente da Polícia Rodoviária em serviço: irrelevância, nas circunstâncias do caso, de ter sido o servidor absolvido por legítima defesa de terceiro, se a agressão a esse não atribuída à vítima, mas a outrem, não atingido” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 627).

“6. Ato omissivo do Poder Público: morte de presidiário por outro presidiário: responsabilidade subjetiva: culpa publicizada: faute de service. CF, art. 37, § 6º. A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. (…) Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário que foi morto por outro presidiário, por dano moral. Ocorrência da faute de service. [RE 179.147, rel. min. Carlos Veloso, j. 12-12-1997, 2ª T, DJ de 27-2-1998.]. Vide RE 272.839, rel. min. Gilmar Mendes, j. 1º-2-2005, 2ª T, DJ de 8-4-2005” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 628).

Carlos Roberto Gonçalves (2017), entretanto, citando Toshio Mukai, alerta que a conduta omissiva do agente deflagrador do evento causador do dano a terceiro é causa e não simples condição do evento danoso, devendo-se analisar, caso a caso, se o dano resultou de omissão gravosa do agente estatal.

Nessa esteira, José dos Santos Carvalho Filho parece sustentar que se deva fazer uma análise arrojada a partir das minúcias do caso concreto, pois

“quando a conduta estatal for omissiva, será preciso distinguir se a omissão constitui, ou não, fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir um dever legal; se assim for, não se configurará a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos” (CARVALHO FILHO, 2017, p. 717).  

Postas essas considerações, interessa afirmar ponto interessante a se discutir paralelamente às responsabilidades subjetiva e objetiva no sentido de serem aplicadas ou não ao Estado. Referimo-nos a responsabilidade pressuposta, à qual Flávio Tartuce se reporta fazendo menção a Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:

“É preciso visualizar novos horizontes para a responsabilidade civil, muito além da discussão de culpa (responsabilidade subjetiva) ou da existência de riscos (responsabilidade objetiva). Nesse contexto, deve-se pensar, antes de qualquer coisa e em primeiro lugar, em indenizar as vítimas, para depois verificar, em segundo plano, quem foi o culpado e quem assumiu os riscos de sua atividade. Em algumas situações a exposição de outrem ao risco ou ao perigo pressupõe a responsabilidade, como no caso da responsabilidade de ser Estado. […] A partir dessa ideia, os danos assumem o papel central na teoria geral da responsabilidade civil. Do ponto de vista das categorias jurídicas, anteriormente, poder-se-ia pensar ser inviável que a existência de danos pudesse gerar a responsabilidade civil sem que estivesse muito clara a existência do nexo de causalidade. A tese não mais prospera na realidade contemporânea com base na ideia de responsabilidade pressuposta. […] Em suma, o que se propõe, refletindo sobre os novos paradigmas da responsabilidade civil, é que seja dado um novo dimensionamento para a questão em debate. Como nos casos de balas perdidas há um dano em toda a sociedade, o Estado deve ser responsabilizado. O dano social entra em cena para reverter a antiga tese. A responsabilidade do Estado, por atos inoperantes de seus agentes, os quais não se preocupam com a segurança em sentido amplo ou estrito, deve ser objetiva. Além disso, pode-se até pensar que a responsabilidade do Estado é pressuposta, uma vez que as vítimas devem ser reparadas, para depois se investigar quem é o culpado” (TARTUCE, 2017, p. 609).

Considerações finais

A título de considerações finais, é preciso pontuar algumas questões a fim de se apurar em que sentido a responsabilidade civil do Estado se insere, com ênfase na omissiva.

Antes de mais nada, necessário afirmar, o direito, como fomenta Ricardo Lorenzetti (2011), foi idealizado para ser aplicado a um Estado cujos habitantes tenham raízes e ideais em comum, ou seja, uma base cultural homogênea. Isso pode apresentar indício justificador da sensação de muitos no sentido de ser o Estado responsável por conduzir nossas vidas, tendo surgido, talvez, por conta disso, quanto à responsabilidade civil, a teoria do risco integral.

Contudo, a sociedade atual, sob a égide do Estado Democrático de Direito, tem se mostrado, dia-a-dia, cada vez mais plural e heterogênea, o que tem propiciado severas reflexões acerca do posicionamento estatal.

Pensamos pertencer ao Estado, nesse contexto, um papel duplo, que envolve a prática de condutas positivas e, também, de comportamentos negativos, pois há que se respeitar e efetivar, tanto os interesses coletivos quanto aqueles individuais, desde que normativamente amparados, portanto, legítimos.  

Nesse sentido, por óbvio, em variadas situações, o Estado se coloca na posição de garante, como nos casos relativos à segurança pública e à criminalidade citados no decorrer deste texto, os quais se mostraram, até mesmo, em muitas ocasiões, extremos.

A propósito, o que pensar da ausência de manutenção ideal das vias públicas, bem como a falta de fiscalização no sentido de retirar animais dessas? Ambas situações têm causado acidentes graves, mortes e prejuízos patrimoniais variados. Nesses casos, do nosso ponto de vista, os interesses coletivos são uníssonos, portanto, a responsabilidade civil do Estado, pela conduta omissiva, seria incontestável.

Por outro lado, não se pode imaginar de antemão todas as possibilidades factuais oferecidas pela vida devido à celeridade das transformações cotidianas, o que pode prejudicar a aferição de tratar-se a responsabilidade do Estado de objetiva ou subjetiva, quando de omissões.

Posto isso, nos parece mais adequado considerar que a responsabilidade pressuposta deverá ganhar mais força de agora em diante, pois como desenvolveu Tartuce (2017), deve-se pensar, antes de qualquer coisa e em primeiro lugar, em indenizar os lesados, para depois verificar, em segundo plano, quem foi o culpado e quem assumiu os riscos de sua atividade.

 

Referências
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 25. ed. São Paulo: Método, 2017.
BRASIL. Lei Nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em 20 de maio de 2017.
CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 4. ed. Salvador: JusPODIVM, 2017.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007. 
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2017.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil 3 esquematizado – Responsabilidade Civil – Direito de Família – Direito das Sucessões. Pedro Lenza (Coordenador). 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
LORENZETTI, RICARDO Luis. Teoria da decisão judicial – fundamentos de direito. Trad. Bruno Miragem. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 
Mello, Cleyson de Moraes. Direito civil: obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2017.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A Constituição e o Supremo. 5. ed. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2016.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Obrigações e a Responsabilidade Civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
Notas
[1] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) […] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
[2] Lembramos, há divergência doutrinária acerca da força maior e do caso fortuito. Não aprofundaremos no tema aqui. Preferimos fazer uso do vocábulo força maior.
[3] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm.
[4] Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm.
[5] Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm.

Informações Sobre o Autor

Hugo Garcez Duarte

Mestre em Direito pela UNIPAC. Especialista em direito público pela Cndido Mendes. Coordenador de Iniciação Científica e professor do Curso de Direito da FADILESTE


Equipe Âmbito Jurídico

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