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Novo capitalismo e a governança corporativa

Os jornais noticiaram recentemente que
o governo está para intervir em alguns fundos de pensão. Os rombos em alguns
desses fundos chegam a ultrapassar UM BILHÃO de reais. E como terão chegado a
essa situação? É sabido que no passado houve muita corrupção nesse campo. O
mercado financeiro empurrava para os fundos toda espécie de “lixo”:
moedas podres, ações podres, até mesmo empresas inteiras que estavam perto da
falência. Isso é muito grave, não apenas para os funcionários beneficiários dos
fundos. No momento em que só a Previ tem patrimônio de 30 bilhões, várias vezes maior do que o do Banco do Brasil que a criou,
tendo se tornado de longe o maior investidor do país, esse problema não é só
dos beneficiários diretos: é de todos nós.

Com freqüência a chefia dos fundos foi
substituída, por pessoas supostamente honestas. Acontece que os valores
envolvidos eram tão grandes que os “honestos” acabavam sendo
corrompidos pelos hábeis e inescrupulosos financistas. Vamos supor que hoje em
dia tudo isso acabou e que finalmente os fundos, de modo geral, são geridos por
pessoas honestas e que, além disso, o governo criou um sistema de fiscalização
eficiente. Vamos só pensar na competência dessa gestão.

Há não muito tempo, três ou quatro anos
no máximo, assisti a uma palestra do então presidente da Previ. Ele contava
como a Previ exercia seu potencialmente enorme poder de nomear membros do
Conselho de Administração em dezenas das principais empresas do país. Ele
recrutava os conselheiros entre seus colegas, funcionários aposentados do Banco
do Brasil. Exigia que a empresa pagasse ao conselheiro pelo menos três mil
reais por mês. E, dizia ele, “… a missão do conselheiro é apoiar a
gestão.” Ou seja, o conselheiro não fazia nada de útil. Não fiscalizava,
não cobrava: o poder da Previ não era exercido. Esse presidente, responsável
pela maior carteira de investimentos do país, não tinha a menor noção de qual
era seu papel. Nunca tinha ouvido falar de “governança
corporativa”.

Essa expressão, que está “na
moda” (sim, administração de empresas também tem modismos), tem sido muito
mal compreendida. Algumas pessoas a tem confundido com outro assunto do
momento, a “proteção aos minoritários”. Este é um assunto importante,
mas é outro assunto. Uma coisa tem pouco a ver com a outra. Para entender
melhor o que é “governança corporativa” (diga-se de passagem uma ma tradução de “corporate governance”) é
útil ir à origem da expressão. “Corporate”
vem de “corporation”, que é o equivalente
em inglês da nossa “S. A.”. No caso, podemos simplesmente pensar em
“empresa”. “Governance” vem do
latim “gubernare” e tem a ver com
“governar”. Em resumo, a expressão significa “o sistema de
governo da empresa”. Assim como nosso país tem lá em Brasília seu governo,
composto dos três poderes, executivo, legislativo e judiciário, qualquer
empresa tem o seu equivalente. No caso da empresa moderna, considera-se que o
principal instrumento de “governo” é o Conselho de Administração, chamado
em inglês de “Board of
Directors”. Acima destes estão os acionistas,
que escolhem e monitoram a atuação do Conselho. Abaixo do Conselho está a diretoria, escolhida e monitorada por este. Um outro
eventual órgão da governança, não obrigatório, é o
Conselho Fiscal.

Não se pode, portanto, como tem feito a
imprensa com freqüência, falar em empresas que têm ou não “governança”. Elas a tem
sempre, podendo ela ser boa ou ruim. No caso dos fundos de pensão, e também de
outros grandes investidores institucionais como o sistema BNDES, ela tem sido,
geralmente, ruim. Estes órgãos têm freqüentemente o direito de nomear um
conselheiro para as empresas onde têm participação. Esse conselheiro teria como
papel acompanhar de perto a gestão, cobrando, fiscalizando, pedindo
providências. Ora, se ele não recebeu treinamento para isso, e se dizem a ele
que sua missão é “apoiar a gestão”, sua efetividade é zero. Está se
criando no Brasil um novo capitalismo, diferente do modelo americano. Este
último foi baseado na pulverização do capital através da Bolsa de Valores. O nosso, que era baseado no tripé estatais/multinacionais/empresas
familiares, está substituindo as estatais ou esses híbridos rivatizados
que geralmente têm um acionista estrangeiro, um grupo privado brasileiro, e a
Previ ou outro dos grandes fundos. Existem Acordos de Acionistas que especificam
como os Conselhos serão compostos, com representantes de cada um dos
acionistas. E, pelo que  se lê na imprensa, o Conselho muitas vezes é um
campo de batalha onde cada conselheiro fica tentando proteger o interesse de
quem o indicou. Além de isso ser uma situação absurda, é ilegal. A lei das S.A.
diz claramente que a obrigação de um conselheiro, uma vez eleito,
é para com a empresa como um todo. Se quisermos implantar algum dia um
capitalismo minimamente eficiente, precisamos urgentemente levar a sério as
normas da boa Governança Corporativa.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Antonio Carlos Vidigal

 

Consultor de empresas e sócio do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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