ON, PN (sem direito de voto ou com sua restrição) e o poder de controle em companhias abertas com alto nível de governança corporativa: Direito, economia e política

Resumo: Por que é necessário vedar PNs sem direito de voto ou com restrição a este direito nas estruturas das companhias listadas no Novo Mercado da Bovespa? Por que estas ações são necessárias em outros níveis do mercado de capitais? Existe relação entre Democracia e Eficiência? Estes são os principais temas desenvolvidos neste artigo.


Palavras-chave: Ação Preferencial, Companhias Abertas, Poder de Controle, Democracia, Eficiência, Risco.


Abstract: Why is necessary not permit preferred stock without voting or with restriction to this right in the structures of companies listed in the Bovespa’s New Market? Why this type of stock is necessary in another levels of the capital market? Is there relation between Democracy and Efficiency? These are the main issues developed in this paper.


Keywords: Preferred Stock, Public-held Companies, Democracy, Power to Control, Efficiency, Risk.


Sumário: 1. Introdução – 2. Operacionalidade básica das espécies de ações e motivos pelos quais a proporcionalidade ON/PN (sem direito de voto ou com sua restrição) depende do estágio de desenvolvimento econômico do mercado e das próprias sociedades – 3. Visão macroeconômica: panorama do atual mercado de capitais brasileiro – 4. Por que uma sociedade formada apenas com ON é mais eficaz no controle do risco de investimentos? 5. Visão microeconômica: as etapas do desenvolvimento econômico-governamental da companhia – 6. Conclusão – Bibliografia.


1. Introdução


Analisar o poder de controle do destino de uma sociedade envolve, em um primeiro plano, interpretação sistemática dos diversos dispositivos estatutários e legais que a constituem e regem. No entanto, para se responder motivadamente a questão “Quem deve possuir o poder de decidir?” precisamos ir além de uma leitura formalista, utilizando-se de visão interdispiclinar que agregue conhecimentos oriundos da Economia e da Política.


E além desta visão interdisciplinar é preciso saber aplicar todo este instrumental teórico de diversas áreas do conhecimento nos casos concretos, de modo a transformar aquilo que se está fazendo na prática, com vistas a melhorá-la, e, concomitantemente, de modo a averiguar o grau de consistência destes conceitos quando de sua aplicação às novas situações que emergem do mercado e que devem ser racionalizadas. Teoria e prática são esferas indissociáveis e que se lapidam mutuamente.


Assim, quando atentamos para o Regulamento de Listagem do Novo Mercado, em sua Seção III (Autorização para negociação no Novo Mercado), item 3.1[i], e quando, a título de exemplo, atentamos para o Estatuto Social da Bovespa Holding S.A., em seu artigo 5º, Parágrafo Único[ii], estamos a atentar para o resultado de um processo histórico no qual teorias de várias áreas do conhecimento e a prática do mercado cunharam a noção de que um mecanismo de democratização do poder de controle via pulverização traz maior eficiência para as sociedades que estão em mercados desenvolvidos, mais dinâmicos. Deste modo, também é preciso entender o desenrolar teórico e prático que tornou a pulverização necessária.


A atual vedação no Novo Mercado da Bovespa de ações preferenciais na composição do capital social, com vistas a inviabilizar trocas entre (a) a totalidade ou parte dos direitos de voto sobre o destino da sociedade e (b) a prioridade no recebimento de dividendos e/ou reembolso do capital, explicita a idéia de que é necessário, sempre que for possível, agregar ao capital o componente organizacional-corporativo denominado decisão. Segundo este mecanismo, quem tem a propriedade é quem deve decidir. 


Entender o porquê desta vedação de PNs consiste em um dos objetivos deste estudo.


2. Operacionalidade básica das espécies de ações e motivos pelos quais a proporcionalidade ON/PN (sem direito de voto ou com sua restrição) depende do estágio de desenvolvimento econômico do mercado e das próprias sociedades


Primeiramente, é preciso delimitar o tema ressaltando que estamos a tratar de PN sem direito a voto ou com restrição a este direito, e não de outras classes de PNs que poderiam atribuir, por exemplo, direito de eleger, em votação separada, um ou mais membros dos órgãos de administração, como possibilita o artigo 18 da Lei 6.404[iii].


O conceito de PN não está necessariamente relacionado com a supressão do direito de voto, mas, sim, com as diferenças que possui em oposição ao conceito de ON (ações ordinárias, as que são tidas como as ações normais). Portanto, a PN caracteriza-se pela diferenciação (anormalidade) no modo como seu detentor participa na sociedade, e justamente por existirem várias maneiras desta participação se concretizar, sendo impossível prever todas em lei[iv], é que se deve explicitar pormenorizadamente no estatuto social os elementos que a distinguem, como dita o artigo 19 da Lei 6.404[v].


Segundo Tavares Borba, “Cada classe de preferenciais tem sempre alguma coisa a mais ou a menos…caracterizam-se, então, por oferecer a seus titulares: a) vantagens e desvantagens, cumulativamente; b) apenas vantagens…” [vi].  


Vejamos, então, a operacionalidade básica da ON e da PN sem direito de voto ou com sua restrição.


Na ON, os elementos propriedade e decisão não delegada (soberana) sobre esta propriedade se encontram na mesma pessoa, ao contrário do que ocorre na PN sem direito de voto ou com sua restrição. Em outras palavras, o acionista, quando o é por meio de uma PN deste tipo, não pode decidir sobre o próprio destino dos bens de que é dono, decisão esta que fica a cargo de outrem. Esta distância entre o acionista e seu patrimônio, por si só, é geradora de risco.


Sob um certo ângulo, o valor de venda do poder de voto é muito atrativo, pois, por exemplo, a prioridade no recebimento de dividendos é um mecanismo que possibilita o acionista com ações preferenciais retirar lucro da empresa de modo seguro (pois rápido) no acelerado capitalismo de mercado, o que parece lógico partindo-se da premissa que empresas são como organismos vivos, os quais ora estão saudáveis ora estão doentes em razão, muitas vezes, não só de elementos internos, endógenos, como má administração que traz prejuízo para a sociedade, mas, também, em razão de elementos alheios as suas próprias atitudes, como as constantes (porque regulares) crises econômicas, o nível de desemprego e a taxa de juros.


O sujeito que enxerga sob este ângulo é o investidor que quer alta liquidez em suas aplicações, que quer lucrar rápido, arriscando, para tanto, entregar o controle de sua propriedade para outrem, consistindo exatamente nesta dação seu principal risco, e, portanto, a medida que deve ser tomada como base do valor da perda de direitos políticos. 


Provavelmente, este investidor está mais atrelado ao imediatismo, o qual tanto é oriundo da sua necessidade de sobreviver, pois como todo e qualquer ser humano ele é vulnerável, quanto é oriundo da sua ânsia de maximização, pois, como todos, tal investidor busca maximizar seus benefícios para se tornar menos vulnerável e, conseqüentemente, aumentar suas chances de sobrevivência e de qualidade de vida.


E isto não exclui a sua racionalidade, pois ela é justamente a via pela qual calculamos o futuro para manter os níveis de segurança requisitados pela nossa sobrevivência e prover novos níveis de conforto. Assim, é possível racionalizar o argumento de que as PNs são necessárias no mercado ao se estabelecer uma causa natural, ou seja, da natureza humana. Tal argumento é importante tanto do ponto de vista de naturalizarmos o investimento de risco (que é uma das sementes do empreendedorismo) quanto do ponto de vista de isentarmos naturalmente o ser humano de qualquer juízo de valor sobre esta atividade.


Um exemplo de sujeito que enxerga PN sem direito a voto ou com restrição deste com bons olhos é aquele que se encontra na situação (de sobrevivência) do empresário brasileiro das décadas de 60 e 70, o qual, ante a abertura do mercado nacional para a concorrência globalizada de empresas muito mais eficientes, precisava de rápida capitalização cumulada com possibilidade de tomada de decisão ágil, porque concentrada nas mãos dos poucos detentores de ON.


A tomada de decisão ágil, sob esta perspectiva, é vislumbrada, então, como sinônimo de diminuição do nível de conflito de interesses, os quais retardam o processo deliberativo, via diminuição da possibilidade de negociação.


A Exposição de Motivos da Lei 6.404 que, em 1.976, aumentou de 50% para 2/3 a viabilidade de PN sem direito a voto ou com restrição deste na composição do capital social, traz como motivações para esta política econômica não apenas a liberdade empresarial e a necessidade de rápida capitalização, mas, também, a necessidade da proteção nacional, a qual, em última instância, pode ser vista como o interesse de todo e qualquer cidadão brasileiro, visto que a perda de controle dos meios privados para estrangeiros implica, necessariamente, em perda de soberania.


Segundo a Exposição de Motivos da referida lei, “recomendam este aumento de limite: a) a orientação geral…de ampliar a liberdade do empresário privado nacional na organização da estrutura de capitalização da sua empresa; b) o objetivo de facilitar o controle, por empresários brasileiros, de companhias com capital distribuído no mercado; c) a conveniência de evitar a distribuição, na fase inicial de abertura do capital de companhias pequenas e médias, de duas espécies de ações, em volume insuficiente para que atinjam grau razoável de liquidez”). Assim, os tipos de PN sob análise guardariam sua importância também em argumentos assentados sob uma perspectiva da coletividade que engloba a sociedade empresária e por esta é constituída em parte, ou seja, sob uma perspectiva da Teoria Geral do Estado.  


É interessante notar que a estruturação do Estado [Pessoa Jurídica (sociedade) de Direito Público] guarda relação com a estruturação da sociedade empresária [Pessoa Jurídica (sociedade) de Direito Privado].


A partir das evidentes semelhanças entre os significados técnicos da Política e do Direito que estes dois entes fenomênicos guardam, podemos questionar: A comunhão de interesses que constitui a pessoa jurídica é aquela que deve geri-la?


Tanto a Política, que se ocupa em criar uma teoria da representação que embasa racionalmente a democracia indireta, procurando dar valor ao voto do cidadão, quanto o Direito Societário, que se ocupa em criar também uma teoria da representação, só que para embasar racionalmente o seu dirigismo no capitalismo de mercado, o que é feito via decisões em assembléias gerais, a ciência e a filosofia destas duas disciplinas (Política e Direito Societário) dirão que sim, que a comunhão de interesses que constitui a pessoa jurídica é aquela que deve geri-la.


Isto porque uma PN com restrição a este direito é o mesmo que o cidadão poder votar no Presidente, mas não poder votar no Prefeito, ou ao contrário, e isto não faz sentido, porque os níveis de poderes são, constitucionalmente, independentes, não existindo meio voto para eleger aqueles que governaram os diferentes níveis de espaço público em que o cidadão está inserido.


De um ponto de vista político-tributário, o cidadão-contribuinte paga tributos na esfera federal, estadual e municipal. Deste modo, é direito do cidadão-contribuinte escolher quem vai governar o dinheiro que ele, enquanto membro da comunidade política, investiu no Estado, o qual, como a sociedade empresária, é um meio do ser humano sobreviver e obter mais conforto em sua vida.


A relação entre o ente estatal é a sociedade empresária é tão grande do ponto de vista organizacional que podemos pensar as estruturas de uma Sociedade Anônima analogicamente com o Estado no seguinte sentido:


(i) a Assembléia Geral representa o Poder Legislativo, que funciona como mecanismo de expressão da vontade do Povo (constituídos por aqueles com capacidade jurídica para votar), que utiliza tal mecanismo por meio do legislador. O conjunto de acionistas com poder de voto, no caso, é o mesmo que o Povo;


(ii) o Conselho de Administração e a Diretoria representam o Poder Executivo, os quais devem tomar as decisões de gestão que mais viabilizem a satisfação da vontade do Povo (conjunto de acionistas com poder de voto);


(iii) o Conselho Fiscal averigua e denuncia se a execução da gestão orquestrada pelos conselheiros e diretores está conforme as regras do estatuto e os ditames da lei, o que o aproxima de um Poder de Polícia do Estado (Poder Executivo) e defesa de sua ordem (Poder Judiciário).


(iv) o Conselho Nacional de Justiça pode ser entendido como os mecanismos de auditorias externas das Sociedades Anônimas.


 Ocorre que, tanto em relação ao indivíduo acionista e cidadão[vii], quanto em relação à sociedade empresária e política, existem argumentos igualmente sustentáveis em sentido contrário.


Contra as PN sem direito a voto ou com restrição ao exercício deste, podemos dizer, sob a perspectiva do indivíduo, que não apenas as partes sempre estarão melhor quanto melhor estiver o todo (devendo o interesse da sociedade ser visto em primeiro plano), como, também, é coerente pensar que não é prudente deixar alguém dispor de um bem de sua propriedade, ainda que em seu nome, em um ambiente no qual erros são de dificílima reparação, mesmo que houvesse seguro para tanto, o que, necessariamente, representaria um custo e, assim, diminuição de patrimônio. Metaforicamente, pode-se dizer que o investidor que opta por adquirir ações preferenciais deixou seu patrimônio à deriva (sem controle algum de sua parte), pois, simplesmente, deixou de ter a competência para decidir nas Assembléias Gerais sobre o destino de alocação dos seus recursos.


E quando analisamos pelo prisma da coletividade (tanto da sociedade civil da qual fazemos parte quanto das companhias), verificamos que, a longo prazo, em razão daquelas mesmas citadas intempéries exógenas que inevitavelmente atingem à sociedade, e também em razão dos problemas endógenos acima citados, como má administração, o que acaba por permitir a salutabilidade financeira da empresa é, justamente, impossibilitar a retirada rápida de seu capital, bem como, é fortalecer o comprometimento daqueles que tem a propriedade sobre ela, como ficará melhor explanado no tópico 4 deste artigo.


O preferencialista que, por exemplo, tenha direito de receber dividendo 10% maior do que o atribuído à ação ordinária não apenas está corroborando para o desequilíbrio estrutural da sociedade, que deixa de estar solidamente voltada para a acumulação de capital que seria aplicado em futuras expansões, mas tal preferencialista está, também, menos vinculado e, portanto, menos comprometido com o desenvolvimento sustentável da companhia.


Bloquear esta relação parasitária (e necessária em certas conjunturas) do acionista para com a sociedade é uma atitude típica de mercados mais velhos, desenvolvidos.


A analogia com a Política, neste ponto, é que, em uma sociedade desenvolvida do ponto de vista cultural, a maior noção de que o voto é aquilo que vincula a vontade do representado à ação do representante político, que foi eleito por afinidade de interesses, tal maior noção é aquilo que fortalece o comprometimento do cidadão para com o Estado. O sentimento de patriotismo é, analogicamente, aquele que o sócio exige que o outro tenha para com a empresa, ou seja, tanto em um nível relacional de cidadão-Estado, quanto em um nível relacional de sócio-empresa, encontramos a necessidade do ser humano de fazer parte de um todo e de torcer para e lutar por este todo.  


Deste modo, existem tanto justificativas plausíveis para a defesa no uso das PNs sem direitos de voto ou com este restrito no Novo Mercado, como, também, existem ótimas justificativas para não as utilizar. Isto fica claro quando analisamos a racionalidade permeada no desenvolvimento histórico da proporção entre ações ordinárias e ações preferenciais do subtipo sob análise e verificamos que ora se fez necessário dar incentivo à prevalência destas PNs, ora se fez necessário reprimir seu uso. A primeira inferência que podemos tirar disto é que a solução perfeita só é perfeita para determinada(s) situação(ões), mas não para toda e qualquer situação. A segunda inferência é a de que a noção econômica segundo a qual existe uma constância no acontecimento de crises, havendo uma natural oscilação do mercado, é aquilo que torna necessária a alteração das normas que regulam o mercado, estando o Direito e a Economia em constante interação de lapidação mútua.


Ao analisarmos o desenvolvimento histórico da legislação, verificamos que, primeiro, o Decreto 21.526, de 15.06.1.932, que trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro a PN, não estabelecia limites para a emissão desta espécie de ação, depois, verificamos que o Decreto-lei 2.627, de 26.09.1940, em seu Artigo 9º, § Único [viii], limitou a emissão de ações preferenciais sem direito de voto em 50% do capital social, como terceiro movimento histórico, verificamos que a Lei 6.404, de 15.12.1.976, em seu Artigo 15, § 2º [ix], alargou o limite de 50% de ações preferenciais sem direito a voto para 2/3 do capital social e acrescentou, ainda, que qualquer restrição do direito de voto deve observar este limite de 2/3, e, por fim, verificamos que a Lei 10.303, de 31.10.2.001, dando nova redação para o referido § 2º [x], retornou o limite para 50%, mantendo o acréscimo feito pela lei anterior de se também vedar neste limite qualquer restrição do direito de voto.


O movimento percorrido pela lei é o que Hegel (filósofo alemão do século XVIII/XIX) denomina de movimento dialético, o qual pode ser explanado como a passagem de uma tese para uma anti-tese que resulta em uma síntese, que será uma nova tese, em um processo com prazo de duração indeterminado. Assim, primeiro não se estabeleceu limite algum (tese), depois, estabeleceu-se uma negação desta tese com o limite de 50% para a expedição de ações preferenciais (anti-tese). Da interação dialética da tese com a anti-tese, elevou-se o limite para 2/3 (síntese) e, desta síntese, a qual é uma nova tese, foi contraposta uma nova anti-tese com a Lei 10.303, que retornou o limite de ações preferenciais para 50%.


O que é importante neste movimento dialético é que há uma racionalidade na história e, portanto, no modo como o mercado e as normas evoluem. Porém, ante a natural impossibilidade de se determinar o futuro a partir da análise do caos, a não ser precariamente, temos um limite de previsibilidade dos acontecimentos do mercado e, assim, não conseguimos apreender a racionalidade na história a não ser nos voltando para o passado. Os economistas sabem que as crises acontecem periodicamente, mas não sabem determinar exatamente quando.


Além dos economistas, os historiadores também compreendiam este mecanismo de racionalidade na história e compreendiam que havia uma natural degradação e ressurgimento das coisas, inclusive dos regimes políticos.


Políbio, historiador grego que viveu na Antiguidade (203 a.C. – 120 a.C.) e se dedicou a estudar como em quase cinqüenta anos o povo romano dominou todos os povos vizinhos, criou uma teoria política sobre o melhor regime de governo segundo a qual o regime misto explicitado pela constituição romana de sua época (em que tanto os cônsules, quanto o senado e o povo participavam de processos decisórios) seria o melhor. Tal governo misto seria o melhor, porque, dentre outros argumentos, retardava a natural degradação dos regimes políticos puros causada pela nata instabilidade que cada um destes regimes trazia em seu bojo. Assim, em razão de haver um processo circular na história pelo qual se passava de uma forma de governo para outra, e, após um ciclo completo, retornava-se para a primeira forma, era preciso mesclar todas estas formas para retardar à inevitável ação do tempo. Por exemplo, um regime de governo em que apenas os aristoi (= melhores, por isto Aristocracia) decidem já carrega em si um germe de degradação. Por isto, para Políbio, cônsules, senado e povo (cada um como sendo ator principal das formas de governo por ele identificadas) deviam estar juntos na tomada das decisões do destino da sociedade[xi].


O que Políbio tem a nos ensinar, junto com os economistas, é que a oscilação entre desenvolvimento e recessão é um processo inevitável e circular, que, no entanto, pode ser acelerado ou desacelerado pelo ser humano. Este pode, em certa medida, interferir no meio em que se encontra, sendo a regulação do mercado prova disto.


Quando pensamos em sociedades com alta quantidade de PNs sem direito a voto ou com restrição a este direito, estamos a vislumbrar um processo (necessário para a viabilização de empresas de grande porte) que consiste na aceleração da capitalização empresarial, pois empresa que não tem patrimônio para crescer acaba sendo extinta. Em contra partida, o baixo índice de ONs na composição do capital social indica distanciamento do processo democrático de pulverização do poder de controle da sociedade.


Neste sentido, podemos dizer que a utilização de PNs dos subtipos que estamos analisando consiste em uma etapa natural de desenvolvimento da sociedade empresarial (questão analisada no item 4 deste artigo) e de desenvolvimento do mercado, os quais tem suas devidas importâncias nos devidos tempos e que, portanto, têm prazo determinado de duração, que pode ser dilatado ou contraído, até certo ponto, por um corpus jurídico tanto externo quanto interno à companhia.  


A partir destas explanações, a questão que devemos levantar para conseguirmos responder motivadamente a questão colocada no início (“Quem deve possuir o poder de decidir?”) é: “Em que estágio de desenvolvimento nosso mercado de capitais está, tanto econômica quanto regularmente?”.


3. Visão macroeconômica: panorama do atual mercado de capitais brasileiro


Dois são os modos pelos quais podemos analisar o desenvolvimento econômico atual do mercado de capitais, consistindo o primeiro em uma análise comparativa externa, ou seja, do mercado de capitais brasileiro com os mercados de capitais de outros países, e consistindo o outro modo em uma análise entre diferentes momentos do mercado de capitais interno.


Para tanto, utilizaremos os dados estatísticos da Federação Mundial de Bolsas de Valores (World Federation of Exchanges) referentes à soma do valor de mercado das companhias listadas em três mercados diferentes, conforme tabela a seguir.


Capitalização dos mercados domésticos – US$ milhões





















































































































 



São Paulo SE



Hong Kong Exchanges



NYSE



1990



11.201,2



83.385,9



2.692.123,0



1991



32.152,1



121.880,9



3.484.340,3



1992



45.416,4



171.983,5



3.798.238,1



1993



96.779,1



385.042,7



4.212.956,0



1994



189.303,3



269.507,8



4.147.936,7



1995



147.636,8



303.705,3



5.654.815,4



1996



216.906,2



449.218,8



6.841.987,6



1997



255.478,0



413.322,6



8.879.630,6



1998



160.886,4



343.566,5



10.277.899,8



1999



227.962,1



609.090,4



11.437.597,3



2000



226.152,3



623.397,7



11.534.612,9



2001



186.238,6



506.072,9



11.026.586,5



2002



121.640,5



463.054,9



9.015.270,5



2003



226.357,7



714.597,4



11.328.953,1



2004



330.346,6



861.462,9



12.707.578,3



2005



474.646,9



1.054.999,3



13.632.303,0



2006



710.247,4



1.714.953,3



15.421.167,9



2007



1.369.711,3



2.654.416,1



15.650.832,5




Fonte: World Federation of Exchanges[xii]


A capitalização de uma Bolsa é calculada, basicamente, pelo número total das ações (ordinárias e preferenciais) das companhias negociadas em Bolsa multiplicado pelas cotações destas ações em determinados períodos, excluindo-se fundos de investimento, direitos, warrants, ETFs, instrumentos convertíveis, opções, futuros, ações das holdings e de companhias estrangeiras.


Quando analisamos os dados estatísticos concernentes à soma do valor de mercado das companhias brasileiras listadas na Bovespa, verificamos que, em 17 anos, houve um crescimento de 12.228,25% deste valor.


Em perspectiva com as bolsas de outros países, verificamos que o mercado de capitais brasileiro refletido pela Bovespa teve um crescimento muito maior do que o refletido pelas Bolsas de Hong Kong e de Nova York.


Mesmo em sendo estes mercados maiores, em 17 anos, o crescimento do mercado brasileiro de US$ 11.201,2 milhões (em 1990) para US$ 1.369.711,3 milhões (em 2007), ou seja, de 12.228,25%, é maior do que o crescimento do mercado refletido pela Bolsa de Hong Kong, que foi de US$ 83.385,9 milhões (em 1990) para US$ 2.654.416,1 milhões (2007), ou seja, de 3.183,29%, bem como, é maior do que o crescimento refletido pela Bolsa de New York, que foi de US$ 2.692.123,0 milhões (em 1990) para US$ 15.650.832,5 milhões (2007), ou seja, de 581,35%.


Vê-se em números, portanto, que o mercado brasileiro está crescendo em ritmo mais acelerado do que o mercado do seu parceiro no grupo dos “países emergentes” (“BRIC”) e, até mesmo, está crescendo em ritmo mais acelerado do que o dos EUA, que também cresce vertiginosamente mesmo em meio a um declínio econômico que alguns economistas estão a chamar de “a década perdida dos EUA”, em alusão às décadas perdidas de outros países, como foi a década de 1980 para os brasileiros.


E o que é importante notar é que todo este crescimento se deu em meio a fatores internacionais negativos como as crises mexicana (1995), asiática (1997) e russa (1998), o ataque às torres gêmeas (2001) e a guerra do Iraque (2003), bem como, deu-se em meio a fatores negativos nacionais, como o Plano Collor (1990), o que demonstra que o crescimento do mercado de capitais, no mundo e no Brasil, é sustentável.


Obviamente, este extraordinário crescimento de 12.228,25% não advém apenas do crescimento de empresas que já estavam listadas, mas, também, é fruto de adesões de inúmeras sociedades que viram na abertura de capital um meio muito mais eficaz de capitalização do que aquela viabilizada pelos financiamentos do sistema bancário, bem como, viram um meio alternativo às operações de private equity (aquisição de empresas para posterior venda com lucro em razão de racionalização de seus processos), venture capital (participação capitalista em empresas novas que atuam na área de ponta, viabilizando as idéias dos empreendedores que não possuem recursos financeiros suficientes, nem gestão eficiente, para manter uma empresa de modo competitivo) e project finance (operação pela qual há financiamento de um projeto em razão do retorno futuro que os ativos deste trarão ao financiador). A distribuição (e, portanto, a amortização) do risco inicial do empreendimento entre os acionistas já é, por si só, uma ótima razão a se apontar para cada vez mais empresas estarem abrindo seu capital.


A quantidade de capital que a área privada brasileira conseguiu arrecadar via mercado de capitais, que está aliada à notável concretização de um direito regulatório, cujas estruturas, segundo Yazbek, “…se justificam não apenas pelo seu rigor e tecnicidade, mas também (e especialmente) por permitir aquela inserção [do país na economia global e nas redes financeiras internacionais]”[xiii], são elementos mais do que suficientes para podermos dizer que o mercado de capitais brasileiro é sólido o bastante para, ao mesmo tempo, garantir os investidores contra riscos que de outro modo não conseguiriam se proteger, e para garantir a retenção de crises do sistema financeiro, minimizando danos que impactam diretamente a sociedade.


Ou seja, as estruturas do mercado já possuem suas raízes tanto voltadas para a proteção do acionista-investidor quanto voltadas para a proteção da sociedade.


Definitivamente, estamos no momento econômico certo e com a estrutura jurídica adequada para começarmos a implantar, no estrito sentido democrático do termo, as verdadeiras public companies aqui no Brasil. E já estamos começando a fazer isto, sendo o Novo Mercado da Bovespa a expressão mais forte deste fenômeno social político e econômico.


Como os dados demonstram, há investimento constante nos setores econômicos brasileiros das empresas de grande porte via mercado de capitais, estando tais setores e muitas destas empresas já suficiente e sustentavelmente capitalizados para consolidar a etapa de desenvolvimento das sociedades na qual o poder de controle deve ser desconcentrado (democratizado) para que, com isto, se possa melhor controlar os riscos dos investimentos da companhia e, consequentemente, para que se possa trazer mais eficiência para o mercado.


4. Porque uma sociedade formada apenas com ON é mais eficaz no controle do risco de investimentos


     O folheto da Bovespa, dedicado à apresentação do Novo Mercado, é essencial para começarmos a refletir sobre como uma composição de capital social apenas com ONs pode diminuir riscos de investimentos tanto para a companhia quanto para aquele que quer investir no mercado de capitais brasileiro: “A melhoria da qualidade das informações prestadas pela Companhia e a ampliação dos direitos societários reduzem as incertezas no processo de avaliação e de investimento e, conseqüentemente, o risco. Assim, em virtude do aumento da confiança, eleva-se a disposição dos investidores em adquirirem ações da Companhia, tornando-se seus sóciosA redução do risco também gera uma melhor precificação das ações que, por sua vez, incentiva novas aberturas de capital e novas emissões, fortalecendo o mercado acionário como alternativa de financiamento às empresas[xiv].


Desde logo, vê-se que o termo chave é risco, sendo este proveniente, dentre inúmeros outros fatores, do princípio econômico segundo o qual informações perfeitas em um processo decisório não existem, pois, em razão da complexidade da realidade, só conseguimos trabalhar com modelos abstratos limitados, os quais operam sobre a realidade com apenas algumas informações.


Em outras palavras, é impossível apreender todas as variáveis de um processo e, por isto, precisamos escolher e trabalhar apenas com algumas e as relações que entre elas existem. Assim, este natural gap de informações é o elemento que, genericamente, traz a incerteza (do amanhã) para a atividade decisória empresarial, ou seja, que traz o risco.


Reflexamente, apreendemos que o controle do risco só pode ser feito por um processo que diminua este gap de informações. Mesmo que não se possa fazer esta redução totalmente, porque não possuímos capacidade de prevermos com perfeição os efeitos futuros causados pelos eventos determinados no presente, é possível fazer a redução do risco trazido pela incerteza a partir de vários mecanismos de governança corporativa e, principalmente, a partir da defesa do direito de voto como direito que não deve ser suprimido quando a sociedade já está mínima e sustentavelmente capitalizada para a consecução de seu objeto social.


É importante apreendermos que a retirada de um intermediário no processo decisório faz com que o risco do investidor diminua e, não obstante, precisamos lembrar que quando o investidor opta por ações preferenciais ele opta por correr o risco máximo dentro dos limites regulados pela prática do mercado, justamente, porque ele aliena a sua própria possibilidade de decidir sobre a alocação de seus próprios bens e, portanto, fica a cargo da discricionariedade dos acionistas que detêm o direito de voto (intermediários) nas Assembléias Gerais, evento deliberação de máximo da sociedade.


Ora, se as empresas já estão capitalizadas o suficiente para terem um desenvolvimento minimamente sustentável (ótimo grau de liquidez), que é o caso, por exemplo, das sociedades listadas no Novo Mercado da Bovespa, o que deve passar a constituir a ordem do dia é o ganho que se tem pela diminuição do gap de informações quando da democratização, via proteção do direito de voto, do controle social interno (que é o controle social exercido por agente que atua no interior da companhia, destacadamente, que atua nas Assembléias Gerais).


Quando pensamos em controle social, devemos pensar que tanto maior é o poder quanto maior for o grau de imposição e menor for a possibilidade de negociação. Onde não há negociação, não há pacificação adequada, a qual se mostra como aquela que é construída diretamente pelas partes do conflito, e não apenas por uma delas ou por um terceiro alheio.


O direito de voto é o instrumento pelo qual se negocia diferentes interesses e sua ausência representa a impossibilidade de uma das partes manifestar-se quando está insatisfeita e, consequentemente, representa a impossibilidade de emergência de um empreendimento comum que satisfaça o maior número possível dos seus integrantes, pois, basicamente, impede-se a participação de todos. Portanto, é conveniente a diluição do poder, desconcentrando-o, democratizando-o, visto que, quanto maior participação houver menor será o risco no processo decisório.


Os artigos 116 e 243, § 2º, da Lei 6.404[xv], expressam que o poder de controle é o poder, efetivamente exercido, de eleger os administradores da sociedade e comandar as atividades sociais.


O Contrato de Participação no Novo Mercado da empresa CPFL Energia S.A. nós dá uma dimensão prática do poder de controle: “’Poder de Controle’ significa o poder efetivamente utilizado de dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da Companhia, de forma direta ou indireta, de fato ou de direito. Há presunção relativa de titularidade do controle em relação à pessoa ou ao grupo de pessoas, vinculado por acordo de acionistas ou sob Controle comum (“grupo de controle”) que seja titular de ações que lhe tenham assegurado a maioria absoluta dos votos dos acionistas presentes nas três últimas assembléias gerais da Companhia, ainda que não seja titular das ações que lhe assegurem a maioria absoluta do capital votante.”[xvi]


E, segundo Proença, “a doutrina brasileira define as várias formas de controle interno em cinco possíveis situações: a) controle da participação completa ou quase completa – ocorre na sociedade unipessoal, na qual o controle é exercido por e em interesse do titular único do capital social; b) controle pela maioria; c) controle exercido por algum mecanismo jurídico, como, por exemplo, uma holding ou o sistema de franquia; d) controle pela minoria; e e) controle administrativo ou gerencial, exercido pelos administradores, independentemente do controle acionário”[xvii].


Ora, pela análise da lei, da praxis e da doutrina, verificamos que o acionista de PNs sem direito de voto ou com restrição a este não exerce nenhuma forma de controle, o que o deixa distante da sociedade, e, deste modo, alheio aos interesses da companhia.


Uma objeção que é possível levantar a favor destas PNs consiste no argumento de que existem investidores que procuram retorno rápido e que não estão interessados em participar da vida da sociedade.


Mas como já se evidenciou em tópico anterior deste artigo, esta objeção está correta até o limite em que adentramos em uma dimensão de desenvolvimento do mercado na qual as empresas já se capitalizaram suficientemente para um crescimento sustentável, dimensão esta que deve, portanto, atribuir menor espaço de atuação para esta espécie de investidor. Este investidor mais imediato tem sua importância diminuída para o mercado quando, em razão de sua própria natureza, age de modo a realizar o seu interesse pessoal sem observar o interesse da companhia, significando tal ausência de interesse que ele está mais preocupado em retirar capital da empresa do que fazê-la crescer. E este distanciamento aumenta o risco, que afeta diretamente a precificação das ações.


A importância do elemento “comprometimento” para a maximização sustentável dos lucros pode ser vislumbrada não apenas na esfera mais básica e poderosa de poder interno da sociedade (o poder de decisão em Assembléia Geral), mas, também, tal fenômeno apresenta-se no controle administrativo ou gerencial (exercido pelos administradores, independentemente do controle acionário) quando se analisa o sistema de remuneração dos seus agentes. Se grande parte desta remuneração advém de bônus oriundos de lucro de curto prazo, o administrador tenderá a aumentar as atividades de risco da sociedade. O mecanismo de maximização pela constante e rápida retirada de capital que vislumbramos na relação do administrador com a sociedade é o mesmo mecanismo que com esta tem o detentor de PNs sem direito a voto ou com restrição a este.


O fato que devemos extrair destas análises é que somos maximizadores, somos auto-interessados e, deste modo, é preciso evitar as situações em que a maximização individual pode trazer malefícios para a maximização social, o que, na dimensão mais básica de poder dentro de uma companhia, faz-se por meio da supressão de PNs sem direito de voto ou com restrição a este na composição do capital social que já se mostra suficiente para o desenvolvimento sustentável da atividade lucrativa.


Neste sentido da relação comprometimento/crescimento sustentável, devemos lembrar que o direito de voto traz, junto consigo, deveres.


O artigo 115 da Lei 6.404, ao expressar que “o acionista deve exercer o direito de voto no interesse da companhia”, não visa expressar que o acionista não deve ter interesse privado (pois isto é natural que ele tenha), antes, o dispositivo legal está expressando que tal interesse não pode ser impeditivo de concretização do interesse público.


Ora, a própria distribuição de dividendo em porcentagem maior do que a atribuída à ação ordinária para os acionistas detentores de certas classes de PNs, por exemplo, explicita claramente esta mecânica de conflitos de interesses que o Artigo 115 da Lei 6.404 objetiva evitar (mesmo que, por outras disposições legais e certas condições econômicas, esta distribuição desproporcional acabe por ser lastreada juridicamente).


As responsabilidades em relação ao voto, tanto no condizente a eventuais conflitos de interesse de caráter formal (definidos pela lei, ou seja, a priori)[xviii], como no condizente aos conflitos de caráter substancial (que são aqueles não previstos pela lei e que, portanto, devem ser analisados casuisticamente, ou seja, a posteriori), tais responsabilidades quando do exercício de voto apontam para a necessidade de comprometimento do indivíduo para com o meio que integra e constitui, indo muito além da mera responsabilidade que os acionistas possuem de integralização do capital.


Assim, quando todos votam, em razão das responsabilidades oriundas deste exercício, as quais acabam por aproximar o acionista da sociedade, torna-se possível mitigar o risco de investimentos da empresa e do próprio indivíduo que optou por alocar seus recursos no mercado de ações. Comprometimento e risco possuem uma relação inversamente proporcional.


Uma questão que poderia ser levantada contra a idéia de que a pulverização do poder de controle em ON traz necessariamente eficiência e democracia, consiste na consideração de que, inevitavelmente, para que o acionista faça prevalecer a sua vontade dentro da companhia, este acionista precisa se juntar a outros com iguais interesses e eleger um representante que unifique estas suas vontades em comum, tornando-as mais fortes e, conseqüentemente, formando micro conjunto de poderes dentro da companhia. E este mecanismo, segundo a hipotética objeção levantada, tenderia a concentrar o poder novamente, não adiantando de nada a pulverização do poder de controle em ONs.


Esta argumentação não prevalece simplesmente porque é possível limitar o grau de concentração do poder dos grupos de controle, garantindo-se uma pulverização democratizada, pela qual a força daqueles que estão em conflito na deliberação é suficiente para garantir um processo decisório que engendre julgamentos equânimes, plurilaterais sobre o destino da sociedade.


5. Visão microeconômica: as etapas do desenvolvimento econômico-governamental da companhia


Como já demonstrado acima (quando, por exemplo, da alusão à necessidade de capitalização das empresas brasileiras nas décadas de 60 e 70) a proporção entre ON e PN sem direito de voto ou com restrição a este, além de variar em razão da conjuntura econômica do país, também se modifica conforme a etapa de desenvolvimento econômico em que se encontra cada sociedade.


Obviamente, uma empresa precisa passar por um processo inicial de capitalização, residindo nesta etapa a importância das PNs sob análise, que possuem maior liquidez e comercialização no mercado do que as ON e, assim, representam um modo de valorizar rapidamente a empresa.


Para sustentar a valorização feita é preciso pulverizar o controle acionário, o que pode ser feito, por exemplo, com a diminuição de PNs e o aumento de ONs via conversão daquelas nestas.


Tal pulverização do poder é necessária em razão da já aludida diminuição do risco de investimentos (da empresa e daquele que aloca seus recursos no mercado) que se tem com (i) a participação do acionista no processo deliberativo sobre o destino da sociedade e com (ii) o maior comprometimento do acionista para com esta.


Aquilo que é importante apreender do ponto de vista interno da companhia é que (i) a partir do momento em que o desenvolvimento econômico-governamental interno da sociedade está intimamente relacionado com sua estrutura jurídica constitutiva[xix], (ii) a partir da visão a priori (porque científica)[xx] das etapas naturais de crescimento e involução das empresas, e (iii) a partir de teorias como a Teoria dos Jogos, a qual se volta para o estudo das estratégias de maximização do retorno de indivíduos que interagem entre si, (i + ii + iii) torna-se possível criar soluções regulamentares e societárias pré-programadas para que haja disparo automático de determinados mecanismos de distribuição da proporção entre ON/PN sem direito de voto ou com restrição a este quando ocorrerem determinadas alterações econômicas do mercado, da empresa e do controle político desta.


6. Conclusão


Após termos tecido uma análise interdisciplinar (jurídica, econômica e política), sem desconsiderar a indissociabilidade entre a teoria e a prática (1), acerca dos motivos que fazem a pulverização do poder de controle trazer eficiência e, conseqüentemente, acerca dos motivos que fazem com que a pessoa que tem a propriedade de parte da sociedade seja aquela que deve decidir em Assembléia Geral (2), tendo demonstrado que:


     a) (ON = propriedade + decisão própria = segurança) e (PN sem direito de voto ou com restrição a este = propriedade + decisão alheia = risco);


b) que existem argumentos a favor do uso da PN sob análise tanto do ponto de vista do indivíduo [(prioridade de recebimento = segurança ante a natural oscilação do mercado); (perda do poder de controle da propriedade = risco = base para precificação da PN); (somos vulneráveis, auto-interessados e racionais)] quanto do ponto de vista da coletividade (determinada época exigiu PN sem direito de voto ou com restrição a este para a proteção da soberania nacional) –;


c) que a relação intima entre Estado e Sociedade Anônima nos permite evidenciar que um detentor de uma PN sem direito a voto está na mesma situação do que um cidadão que só pode votar no Presidente ou no Prefeito, ou seja, de um cidadão que tem meio direito de escolher sobre quem irá gerir partes dos recursos que constantemente aporta no Estado para sua segurança individual, via recolhimento de tributo. 


     d) que existem argumentos contra o uso da PN sob análise tanto do ponto de vista do indivíduo (o bem do todo acarreta em bem para a parte e há risco oriundo da separação entre decisão e propriedade) quanto da companhia (é saudável impossibilitar a retirada rápida de capital da companhia e fortalecer o maior comprometimento do acionista para com esta) –  


e) que soluções perfeitas são dadas dentro de quadrantes previamente determinados, que há uma racionalidade no desenvolvimento da legislação societária , que o ser humano pode acelerar ou desacelerar a natural ordem dos acontecimentos, que a utilização de PN sem direito de voto ou com restrição a este está relacionada ao grau de desenvolvimento do mercado e da companhia;


f) que estamos em uma fase de crescimento sustentável e de forte capitalização e existe adequada regulamentação do mercado brasileiro;


g) que o gap de informações oriundo da introdução de intermediários em processo decisório aumenta incerteza e, conseqüentemente, o risco;


h) que desconcentração implica em maior participação que implica em diminuição de risco;


i) que o acionista de PNs sem direito de voto ou com restrição a este não possui qualquer espécie de controle da companhia;


j) que somos maximizadores e tendemos a ver nossos interesses antes do que os dos outros, que comprometimento e risco possuem uma relação inversamente proporcional;


k) e que o conhecimento das etapas do desenvolvimento da empresa permite a construção de soluções regulamentares e societárias pré-programadas;


podemos concluir que


A) a vedação de PNs sem direito de voto ou com restrição deste direito, em companhias abertas já suficientemente capitalizadas para um crescimento sustentável, é um verdadeiro imperativo do atual estágio de desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro;


B) e que quando realizamos um estudo interdisciplinar entre Direito, Economia e Política, averiguamos que Democracia e Eficiência são conceitos que estão intimamente relacionados. RDC. 11.07.2008.


 


Bibliografia

– BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 9ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004;

– COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005;

– COSTA E SILVA, Francisco. ‘As ações preferenciais na lei 10.303, de 31.10.2001: proporcionalidade com as ações ordinárias; vantagens e preferências’ em Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. Editora Forense, 2002.

– FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis e PROENÇA, José Marcelo Martins como coordenares. ‘Direitos e deveres dos acionistas’ em Direito Societário: sociedades anônimas. Série GVlaw: São Paulo, 2007;

– BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985.

– HEGEL, George Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. Tradução de Noberto de Paula Lima, adaptação e notas Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1997;

– YAZBEK, Otávio. Regulação do mercado financeiro e de capitais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007;

– MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia: princípios de micro e macroeconomia. Tradução da 2ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2001.

 

Notas:

[i] Regulamento de Listagem no Novo Mercado. “Seção III. 3.1. Autorização para Negociação no Novo Mercado. O Diretor Geral da BOVESPA poderá conceder autorização para negociação no Novo Mercado para a Companhia que preencher as seguintes condições mínimas: (vi) tenha seu capital social dividido exclusivamente em ações ordinárias, exceto em casos de desestatização, se se tratar de ações preferenciais de classe especial que tenham por fim garantir direitos políticos diferenciados, sejam intransferíveis e de propriedade do ente desestatizante, devendo referidos direitos ter sido objeto de análise prévia pela BOVESPA”;

[ii] Estatuto Social da Bovespa Holding S.A. “Artigo 5º, Parágrafo Único. O capital social será sempre dividido exclusivamente em ações ordinárias, sendo vedada a emissão de ações preferenciais”;

[iii] Lei 6.404. “Capítulo III. Seção III. Vantagens Políticas. Artigo 18: O estatuto pode assegurar a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração.”

[iv] É importante notar o condicional “podem” constante do Artigo 17 da Lei 6.404: “Capítulo III. Seção III. Espécies e Classes. Ações Preferenciais. Artigo 17. As preferências ou vantagens das ações preferenciais podem consistir: I – em prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo; II – em prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele; ou III – na acumulação das preferências e vantagens de que tratam os incisos I e II.”

[v] Lei 6.404. “Capítulo III. Seção III. Regulação no Estatuto. Art. 19. O estatuto da companhia com ações preferenciais declarará as vantagens ou preferências atribuídas a cada classe dessas ações e as restrições a que ficarão sujeitas, e poderá prever o resgate ou a amortização, a conversão de ações de uma classe em ações de outra e em ações ordinárias, e destas em preferenciais, fixando as respectivas condições.”

[vi] BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 9ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 219 e 226.

[vii] Indivíduo deve ser entendido neste contexto como a parte (que pode ser pessoa natural ou jurídica, ou mesmo um grupo de acionistas unidos por acordo) integrante e constitutiva de um todo (a sociedade).

[viii] Decreto-lei 2.627, de 26.09.1940: “Artigo 9º, § Único. A emissão de ações preferenciais sem direito de voto não pode ultrapassar a metade do capital da companhia”.

[ix] Lei 6.404, de 15.12.1.976: “Artigo 15, § 2º. O número de ações preferenciais sem direito a voto ou sujeitas a restrições no exercício desse direito, não pode ultrapassar 2/3 (dois terços) do total das ações emitidas”.

[x] Lei 10.303, de 31.10.2001: “Lei 6.404, Artigo 15, § 2º. O número de ações preferenciais sem direito a voto, ou sujeitas a restrição no exercício desse direito, não pode ultrapassar 50% (cinqüenta por cento) do total das ações emitidas”.

[xi] Para a teoria política de Políbio, ver BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985.


[xiii] YAZBEK, Otávio. Regulação do mercado financeiro e de capitais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 279.


[xv] Lei 6.404. “Artigo 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.”; “Artigo 243, § 2º. Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores”.


[xvii] FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis e PROENÇA, José Marcelo Martins como coordenares. ‘Direitos e deveres dos acionistas’ em Direito Societário: sociedades anônimas. Série GVlaw: São Paulo, 2007. p. 75.

[xviii] Lei 6.404. “Artigo 115, § 1º. O acionista não poderá votar nas deliberações da assembléia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.”.

[xix] O Regulamento do Novo Mercado nos explicita isto pela seguinte disposição: “Seção III, 3.2., Pedido de Autorização. O pedido de autorização para negociação no Novo Mercado deverá ser instruído pelas companhias com os seguintes documentos:… (v) cópia do estatuto social atualizado, adaptado a cláusulas mínimas divulgadas pela BOVESPA”.

[xx] É importante deixar claro que não há que se confundir esta visão a priori com o método de construção das ciências econômica, administrativa e jurídica, o qual além de se valer de conceitos puros, também se vale de empirismo.


Informações Sobre o Autor

Rafael Augusto de Conti

Formado em Filosofia pela USP e em Direito pela MACKENZIE. Mestrando em Ética e Filosofia Política pela USP. Advogado em São Paulo.


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