Resumo: O acesso à informação pública não é apenas um direito resguardado pela Constituição Federal, mas sim um direito fundamental individual e coletivo que visa a instrumentalizar o exercício da cidadania, pilar da democracia. Tão essencial que mereceu especial atenção de leis e regulamentos de Direitos Humanos no nível internacional.
Palavras-chave: acesso à informação pública; direito fundamental; cidadania; democracia; direitos humanos.
Abstract: Access to public information is not only a right protected by the Federal Constitution but also an individual and collective fundamental right that aims to instrumentalize the exercise of cityzenship, base of the democracy. It is so essential that it deserved special attention of Human Rights laws and regulations in the internacional level.
Key words: access to the public information; basic right; citizenship; democracy; human rights.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. O direito de acesso à informação pública como direito individual e coletivo. 4. O acesso à informação pública como direito essencial ao exercício de outros direitos. 4.1. Exercício da democracia participativa. 4.2. Exercício da liberdade de expressão. 4.3. Exigibilidade de direitos sociais. 5. A positivação do direito de acesso à informação pública. 5.1. Constituição Federal de 1988. 5.2. Ordenamento infraconstitucional. 5.3. Convenção Americana dos Direitos Humanos. 5.4. Declaração Universal dos Direitos dos Homens. 6. As exceções ao direito de acesso à informação pública. 7. Direito ao acesso à informação nos Estados Unidos da América. 8. Conclusão. Referência Bibliográfica.
1.Introdução
A Constituição Federal de 1988 adotou o sistema democrático de direito, sendo instituída a república presidencialista. Para isso elegeu como um de seus preceitos fundamentais a cidadania, que deve ser exercida de forma direta (p.ex. associações) ou indireta (voto). Adotou, também, como um de seus pilares, a separação dos três poderes, objetivando o controle do poder pelo próprio poder.
Portanto, para a existência de uma ordem democrática pressupõe-se, entre outros fatos, o controle de um Poder pelo outro, sendo todos fiscalizados pelo povo, que é de onde emana a força do Estado existente. Contudo, para isso se faz necessário o conhecimento, por parte destes, dos fatos, atos ou omissões acontecidos no âmbito estatal, já que só assim será possível a formação de opinião para poder distinguir e julgar as políticas públicas adotadas.
A cidadania, como um direito fundamental que é, implica ao acesso à informação pública para o seu mais amplo exercício, já que não se pode, apenas, restringir cidadania ao ato de escolher seus representantes, e, mesmo que assim o fosse, sem as informações necessárias à livre formação das convicções, haveria exclusivamente a maquiagem de um dos preceitos basilares do estado democrático de direito adotado pela pátria tupiniquim.
O acesso à informação pública, aqui, será tratado como um direito inerente de cada cidadão brasileiro, e não como o dever que cada Poder tem de informar o outro para exercer o sistema de freios e contrapesos.
Por mais fundamental que o direito ao acesso à informação pública seja, no ordenamento jurídico pátrio há apenas o seu asseguramento, não havendo qualquer norma que discipline exatamente, ou, pelo menos, minimamente o ser exercício. O que há são apenas leis ordinárias ou decretos presidenciais que regulam de forma pormenorizada o sigilo às informações, ou seja, apenas a exceção foi regulamentada, e a regra depende, na grande maioria dos casos, do entendimento do que é ou não “res publica” por parte do Poder Judiciário, através de Habeas Data ou Mandado de Segurança.
2. Conceito
O conceito de acesso à informação pública, em adiante DAIP[1], não se confunde com o direito à informação, já que este é um direito individual a favor apenas da particular, que o exerce da forma que melhor o satisfazer (BASTERRA, 2006, p. 10).
O Estado não é uma criação natural, mas sim cultural. Assim sendo, o DAIP não é inerente ao ser – humano como tal, mas sim ao nascimento do Estado, e não qualquer um, apenas os democráticos[2]. Assim, por mais parecido que sejam as expressões, suas naturezas são completamente distintas, tendo nascimento, objeto e finalidade diferentes[3].
Pelo DAIP ter caráter exclusivamente público, o Estado é o sujeito de obrigações, sendo toda a sociedade sujeito ativo, uma vez que o objetivo é o exercício da democracia através da cidadania. Desta maneira, o interesse público sobrepuja totalmente qualquer outro interesse, exceto nos casos em que se faz necessário haver sigilo sobre determinados documentos, motivo do tópico 6.
O DAIP não é toda informação em poder do Estado, já que há um abismo entre o interesse público e interesse do público. O primeiro é toda informação que faz parte da democracia enquanto exercício para o seu desenvolvimento, seja na cobrança de explicações dos governantes sobre políticas públicas adotadas, seja no acompanhamento de obras que irão beneficiar a sociedade em si, seja, também, até na assiduidade dos homens públicos na prestação de seus cargos. Já o interesse do público é algo que tem caráter essencialmente privado, podendo ter caráter público[4]. São informações que denotam, em sua maioria das vezes, grande cobertura por parte da mídia sensacionalista, como p.ex, a vida matrimonial de alguma pessoa ocupante de um cargo público ou até mesmo uma carta entre amigos de conteúdo da vida familiar interceptada pela Ditadura Militar.
Não é um direito apenas fundamental, mas sim protegido pelo ordenamento internacional dos Direitos Humanos. Assim mereceu tal tratamento, uma vez que toda pessoa que está submetida a uma hierarquia estatal tem o direito de ter prestado informações com caráter que tanto subsidiem o livre convencimento como sirvam para o controle e prevenção de corrupção na esfera do Estado.
O direito à verdade é inseparável de qualquer direito. Não há de se cogitar alguma informação prestada, ainda mais pelo Estado, que não seja verossímil, pois, neste caso, não haveria a concreção do DAIP, pois não houve informação, mas tão somente um documento sem valor algum, que visa induzir a erro o receptor. Assim, todos os atos de qualquer pessoa, e também do Estado, devem, necessariamente, estarem em consonância com o princípio da verdade.
“O direito a receber informações verdadeiras é um direito de liberdade e caracteriza-se essencialmente por estar dirigido a todos os cidadãos, independentemente de raça, credo ou convicção político-filosófica, com a finalidade de fornecimento de subsídios para a formação de convicções relativas a assuntos públicos.”[5]
A informação pública não é apenas o documento impresso, mas sim qualquer outro formato em que se encontra (digital, fotografia, vídeo, etc.) em poder de órgãos e agentes estatais, bem como de empresas que lhe faça às vezes, prestando serviço público ou explorando um bem de domínio público.
Domínguez (apud BASTERRA, 2006, p. 21) esclarece o significado estrito do DAIP como direito fundamental que pesa sobre o Estado, no âmbito dos três poderes e em seus três níveis de descentralização autônoma, de fazer ser efetivo o direito dos cidadãos para consentir a um bem coletivo que é a informação estatal[6].
3. O direito de acesso à informação pública como direito individual e coletivo
O DAIP está correlacionado diretamente com a liberdade de expressão, como adiante será abordado. Com isso nasce para cada indivíduo um Direito Público Subjetivo, no qual cada cidadão tem direito a formar seu livre convencimento através do discernimento de informações prestadas. Com um caráter visivelmente individual, “cumpre o papel de maximizar o exercício de uma autonomia pessoal”[7].
O direito individual ao acesso à informação pública está interligado com o exercício da cidadania em fiscalizar os atos governamentais. Não deve ser confundido com o direito de informação a dados pessoais em poder do Estado, já que este está inserido no rol de garantias de direito à informação, que contém, também, o direito a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, e não é abarcado pelo DAIP.
Outro enfoque necessário da natureza do DAIP é o caráter coletivo que todo bem público tem. As informações contidas no Estado democrático é res publica, sendo necessário o seu conhecimento pela sociedade, que é quem legitima o exercício do poder. Esta é a única medida eficaz que há para o controle institucional, pois sem o exercício deste direito inerente a cidadania, haverá o sufocamento do interesse público em detrimento do interesse pessoal que será convertido em corrupção.
Os bens públicos têm caráter não distributivo, ou seja, são inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis. Assim, o DAIP é um direito indisponível, tendo, além de natureza pública, caráter individual e coletivo simultaneamente. Está vinculado diretamente com o princípio da publicidade que o Estado se atém, pois há a necessidade da transparência dos fatos e atos praticados ou de sua omissão. Não há que se falar apenas em um direito coletivo, pois se assim o fosse, haveria a supressão de um direito individual esculpido na Carta Cidadã, e alguns direitos, tal como a liberdade de expressão, estariam impedidos de se concretizar.
O DAIP é um só, porém os interesses coletivos a ele ligados têm natureza transindividual, sendo três diferentes tipos: a) interesse individual homogêneo aquele ligado a um indivíduo, contudo há um grupo que também goza dos mesmos interesses[8]; b) interesses coletivos, assim entendidos aqueles que são titulares um grupo, categoria ou classe; e c) interesses difusos, onde há uma indeterminação dos titulares[9].
Não há hierarquia entre um direito individual e coletivo, já que devido a sua coexistência há autonomia entre ambos. Se houver algum conflito, como p. ex. a necessidade do caráter sigiloso ou a supressão em algum dado de um documento público, haverá de ser sopesado apenas no caso concreto, objeto de discurso do capítulo 6.
4. O acesso à informação pública como direito essencial ao exercício de outros direitos
O DAIP tem uma finalidade muito maior do que apenas conseguir a concreção em si mesmo, pois não é um direito autônomo, mas sim um instrumento necessário para efetivação da participação da sociedade civil, da liberdade de expressão e, por fim, um meio eficaz para se exigir os direitos sociais preceituados e protegidos pela Carta Magna. Portanto, se torna um pré-requisito para o livre exercício da cidadania, envolto na participação política do Estado, bem como na requisição de direitos inerentes ao ser – humano. Como já discorrido anteriormente, não se trata apenas de um direito constitucional fundamental, mas sim um direito humano, que tem como escopo atingir outros direitos igualmente constitucionais fundamentais e humanos.
4.1. Exercício da democracia participativa
Democracia é o regime de governo que é legitimado pelo povo, sendo que há a democracia representativa e participativa. Nosso ordenamento jurídico incorporou as duas formas, sendo que a primeira é exercida através do voto, que é universal e direto, no qual, através da maioria dos cidadãos, são eleitos pessoas do povo para representá-los e governá-los, serão, então, a boca do povo. Já a democracia participativa é aquela em que o povo participa efetivamente, seja fiscalizando os atos de seus representantes, seja opinando diretamente sobre alguma política pública[10].
Nenhum cidadão poderá exercer a democracia participativa se não tiver conhecimentos dos fatos, atos ou omissões praticados pelo governo, já que para a emissão de um juízo de valor sobre algo necessita-se de um conhecimento prévio, porque só assim a decisão tomada será consciente e responsável. A soberania popular não é exercida apenas pelo voto, que se dá em momentos únicos e pré-determinados. Esta só não será relegada se a sociedade efetivamente participar das decisões do governo, uma vez que há o interesse de toda uma coletividade no acerto de tais tomadas de decisão.
Ao transcender o exercício da cidadania apenas pelo voto, estar-se-á dando um grande passo a maior transparência do Estado, tendo como conseqüência direta a diminuição expressiva dos casos de corrupção, pois esta só acontece quando não há agentes fiscalizatórios eficazes. O povo é o maior e único interessado na celeridade e eficiência da aplicação de verbas públicas, assim, se este não tiver conhecimento das informações públicas, não haverá o controle necessário que tal atividade demanda. Portanto, não há como separar a democracia participativa do DAIP.
4.2. Exercício da liberdade de expressão
O ponto de partida do exercício da liberdade de expressão está contido no art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos que declara:
“Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha”.
A liberdade de expressão não é apenas o direito do indivíduo em difundir suas idéias, já que como condicionante da formação de opinião está o embasamento em fatos. Desta maneira, mais que necessário, é pré-requisito a liberdade de buscar e receber as informações necessárias para o exercício livre deste direito.
O estado democrático de direito conclama que haja a liberdade de expressão, uma vez que é condicionante para o exercício de um direito fundamental da auto-realização do indivíduo. Esta liberdade não é irrestrita, já que condiciona o exercício responsável e sem abuso por parte do manifestante.
O direito de se expressar livremente provém da publicidade dos atos do governo. A democracia é um autogoverno coletivo, no qual se elegem representantes para concretizar o interesse da maioria. Para tanto, uma sociedade livre com controle através da participação ativa apenas se dá quando há o acesso à informação pública. Isso fortalece a democracia, uma vez que com o conhecimento de dados o debate público fica robustecido.
Quando há restrição à liberdade de expressão, há a supressão de um direito privado, mas ao mesmo tempo há o cerceamento de um direito público, que é o direito da coletividade em receber o pensamento alheio. Assim, quando o DAIP é restringido, a liberdade de expressão não terá pré-condições para se manifestar, tendo como afronta direta toda a sociedade que ficará sem receber a opinião do manifestante.
4.3. Exigibilidade de direitos sociais
Os direitos sociais dependem da política pública adotada pelo Estado para haver seu asseguramento. Contudo, a sociedade depende de informações estatais para conhecer se há a aplicação correta dos planos traçados. Ademais, sem tais informações não há como haver a exigibilidade dos direitos assegurados na Constituição Federal. Para tanto, se faz necessário o acesso à informação pública, que é pré-requisito para o exercício deste direito inerente à democracia.
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESCE)[11] em seu Preâmbulo, veio ratificar o que há está preceituado na Carta Magna, estabelecendo que o ideal do homem livre não pode ser realizado sem a criação de condições que permitam a cada um gozar de seus direitos econômicos, sociais e culturais, assim como de seus direitos civis e políticos, impondo aos Estados a obrigação de promover o respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades da pessoa humana.
Assim, a sociedade tem direito à promoção do bem estar social, devendo agir como agente fiscalizatório direto das políticas adotadas, ou que vão ser adotadas, pelo Estado. Contudo, sem o DAIP não será possível tal atitude por parte dos cidadãos, que não terão dados necessários ao livre discernimento para exercitar tal direito. Desta maneira, se encontra como pré-condição o acesso à informação pública.
5. A positivação do direito de acesso à informação pública
O constituinte originário adotou a forma positiva do estado de direito, ou seja, todas as regras existentes devem estar positivadas para que tenham força normativa. Diferente do sistema do commom law, a fonte primária do direito pátrio é a lei. Portanto, apenas há a vinculação dos cidadãos brasileiros às regras posta e explícitas, que seguiram as formalidades instituídas a partir do art. 59 da CF.
Por se tratar de um direito fundamental o acesso à informação pública está resguardado desde a Carta Magna, até regras contidas na legislação infraconstitucional, como também àqueles provenientes de regras internacionais. Contudo, a lei e o decreto que tratam especificamente sobre o DAIP traçam apenas diretrizes, não instituindo regras procedimentais para o seu exercício.
Como veremos, no ordenamento jurídico pátrio apenas há conceitos do que seja o DAIP e diretrizes traçadas para a efetivação deste direito. Contudo, por não existir regras procedimentais claras, esse direito fundamental inerente à cidadania na maioria dos casos só é efetivado após o entendimento do Judiciário, que é conclamado a se manifestar através do Habeas Data ou do Mandado de Segurança por haver a negativa do Estado a prestar informações que visam o seu controle. Lembrando que esse direito é um desdobramento lógico do princípio da transparência dos atos públicos.
5.1. Constituição Federal de 1988
A promulgação da Constituição Federal em 5 de outubro de 1988 foi uma grande avanço em todas as áreas, porém, mais especificamente no que concernem os direitos fundamentais da pessoa. Tanto o é, que Ulysses Guimarães a apelidou de Carta cidadã por pormenorizar os direitos e garantias da pessoa humana, privilegiando a ordem democrática de direito através de sua legitimação que advêm do povo.
A democracia tem como fomento a opinião pública, que é fonte direta da afirmação de valores.
“Os cidadãos com acesso à informação têm melhores condições de atuar sobre a sociedade, de articular mais eficazmente desejos e idéias e de tomar parte nas decisões que lhe dizem respeito diariamente”[12].
O artigo 5º[13] da CF assegurou o DAIP através dos incisos XIV[14], XXXIII[15] e XXXIV[16]. O primeiro inciso assegurou a legitimidade ampla e irrestrita a todos os cidadãos. Já o segundo inciso resguarda tanto o direito de ser prestadas informações de natureza particular em poder do Estado, como o DAIP, que foi regulado pelas Leis 8.159/91 e 11.111/05 e pelo decreto presidencial 4.553/02, no qual serão abordados no próximo sub-capítulo. Este mesmo inciso tratou, também, do direito ao sigilo[17] que, por ter caráter imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, é a única exceção ao DAIP além da observância do direito, assegurado a todos, ao respeito à privacidade, à honra e à imagem, conforme previsão constitucional[18]. Já o inciso XXXIV do artigo 5º da CF, assegurou o regular exercício de um direito que é inerente à cidadania, tendo que ser prestado de qualquer maneira a título gratuito, como dispõe a Lei 9.265/96.
Os princípios que norteiam a Administração Pública estão esculpidos no artigo 37[19] da CF. Entre eles está o princípio da publicidade dos atos públicos, que é o originário do DAIP. Todo ato do Estado deve visar apenas, e tão somente, o bem público, portanto, há de ser efetivamente levado a conhecimento dos legitimadores do governo todos os fatos, atos ou omissões causados pela Administração Pública. Deve ser resguardada a necessidade imperiosa que os cidadãos têm de obter informações públicas para o correto e mais amplo exercício da cidadania, qual seja o de controle através da transparência de tais condutas.
Assim, a Carta Cidadã apenas institui o DAIP, deixando a cargo do legislador infraconstitucional a regulamentação deste direito essencial à manutenção da ordem democrática.
5.2. Ordenamento infraconstitucional federal
A primeira lei criada para regular o DAIP foi a Lei 8.159 de 8 de janeiro de 1991, na qual instituiu a Política Nacional de arquivos públicos e privados. Nela foram reafirmados os direitos previstos constitucionalmente, bem como houve o esclarecimento do conceito de arquivos públicos[20] e privados[21]. Descriminou, ainda, no art. 17 da lei supracitada a competência de cada ente federativo. Por último, estabeleceu as condições para a imposição do sigilo[22] e declarou que o acesso pode ser privado por até 30 anos, podendo ser prorrogada uma única vez por mais 30 anos[23]. Caso o conteúdo se refira à honra e à imagem das pessoas este prazo será de até 100 anos[24].
Para regular os diferentes tipos de grau de sigilo foi expedido o Decreto presidencial 4.553/02. Tratou detalhadamente os tipos de classificação, manuseio, consulta, transmissão, manutenção e guarda de dados ou informações sigilosas. Regulou, também, o direito ao acesso à informação sigilosa “ao cidadão, naquilo que diga respeito à sua pessoa, ao seu interesse particular ou do interesse coletivo ou geral, mediante requerimento ao órgão ou entidade competente”[25].
Finalmente a Lei 11.111/05 regulamentou estritamente o sigilo ao acesso à informação pública. Criou a Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas[26] com poderes para decretar o sigilo eterno[27]
A Lei 9265/96 tornou gratuito todos os atos necessários ao exercício da cidadania. Assim, o DAIP não foi restringindo através do pagamento de taxa. Reconheceu o poder público que nem mesmo o custo da informação prestada, por ser um direito fundamental, deve ser ônus do cidadão.
Após tanta preocupação em assegurar a exceção ao DAIP, as regras procedimentais para o exercício deste direito não foi regulado, tendo como conseqüência direta a dificuldade de se conseguir informações públicas que dizem respeito à coletividade ou até mesmo ao próprio particular interessado.
5.3. Convenção Americana dos Direitos Humanos
Como já discorrido no sub-capítulo próprio do exercício da liberdade de expressão o artigo 13 da Convenção Americana dos Direitos Humanos trouxe ao ordenamento jurídico pátrio apenas um reforço do que já era resguardado pela Carta Cidadã: o reconhecimento formal do direito em receber informação e dela usufruir da maneira que melhor lhe convier.
5.4. Declaração Universal dos Direitos dos Homens
A Declaração Universal dos Direitos dos Homens surgiu em 1948, pós segunda grande guerra mundial, visando à proteção dos direitos inerentes a todos os seres – humanos. Um destes direitos é o de acesso à informação pública, onde foi assegurado em seu artigo 19[28]. Por assim dizer, além de ser um direito essencial que cada ser humano tem, há, também, a imperiosidade da liberdade de procurar, receber e transmitir dados que estão relacionados com o exercício da cidadania.
6. As exceções ao direito de acesso à informação pública
A legislação até hoje vigente tratou expressamente e minuciosamente apenas da exceção ao DAIP, através do Decreto 4.553/02 e das Leis 8.159/91 e 11.111/05. Esta preocupação surgiu após o termino da ditadura militar, onde houve, e há o medo de se escancarar os acontecimentos ocorridos nos porões da ditadura.
A legitimação do DAIP é proveniente do interesse público, e o sigilo de tais informações é amparado, também, pelo interesse público. A legitimação para o acesso é a mesma que impõe o sigilo. Casos estes que visam à proteção do público. A lei n. 8.159/91 que dispõe sobre arquivos públicos preserva
“os documentos cuja divulgação ponha em risco a segurança da sociedade e do Estado, bem como aqueles necessários ao resguardo da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas são originariamente sigilosos”[29]
Fixa, ainda, um prazo de 30 anos para o sigilo[30], podendo ser prorrogado por igual período. Os documentos que digam respeito à honra e imagem das pessoas serão preservados por 100 anos. A classificação do sigilo ou do tempo da inacessibilidade por parte do público é de competência do decreto ou decisão de funcionário público.
Já em seu artigo 23, transfere ao decreto, posteriormente editado com o número 4.553/02, a fixação de sigilo que deverão ser obedecidos pelos órgãos públicos. Preservou-se, portanto, a segurança da sociedade e do Estado, bem como à inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.
O sigilo de documentos públicos com caráter público pode ser decretado quando há risco à segurança da sociedade ou do Estado. Contudo, o conceito de o que seja segurança da sociedade ou do Estado depende, tão somente, do entendimento da Administração Pública, que tem natureza subjetiva e não objetiva como demanda todos os atos do Poder Público. A insegurança desses dois institutos abre margem ao comportamento antiético, imoral e à corrupção dos exercentes da atividade política que causa danos graves e irreparáveis ao erário. Porém, o dano mais gravoso se dá à cidadania, que é pedra angular do estado democrático de direito, não podendo ser exercido o controle pela sociedade, por não haver os instrumentos necessários à livre formação da convicção. Haverá, neste caso, o afastamento do interesse público em detrimento aos interesses escusos dos particulares que integram a Administração Pública.
Toda recusa ao acesso livre à informação pública deve ser justificada, com embasamento no interesse da coletividade, seja da sociedade em si ou do Estado, para haver a preservação da incolumidade da soberania estatal. Mas nunca para ocultar acontecimentos ilícitos, como é o que ocorre com os arquivos da ditadura militar ou até mesmo com a lista de presença dos vereadores da câmara municipal de alguma cidade.
Houve um avanço negativo com o advento da Lei 11.111/05, no que concerne ao sigilo eterno assegurado em seu art. 6º, §2º. Um retrocesso, pois se há o sigilo que poderá ser eternamente decretado, não há mais direito ao público em obter essas informações, uma supressão direta de direitos fundamentais instituídos na Carta Magna e declarados como cláusula pétrea pelo art. 60, §4º da CF. Tanto o é, que o Conselho Federal da OAB ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade[31] no Supremo Tribunal Federal questionando integralmente a Lei 11.111/05, bem como alguns dispositivos da Lei 81.59/91[32].
Esta discussão se faz importante, uma vez que o DAIP está intrinsecamente ligado ao exercício da cidadania, e para isso a opinião pública, através da sociedade civil organizada deve se insurgir contra o Estado para que adote uma verdadeira política de prestação de contas, e, conseqüentemente, uma maior transparência dos atos praticados.
7. Direito ao acesso à informação nos Estados Unidos da América
O Brasil não tem uma lei de acesso à informação pública, mas apenas uma lei regulando a exceção, decretando o sigilo. Diferentemente, alguns países[33] já têm leis que especificam o DAIP. O exemplo mais difundido é o dos EUA com o FoIA (“Freedom of Information Act”), lei de 1966. Esta lei veio resguarda direitos já preceituados na Constituição Federal brasileira, já pormenorizando que cada agência governamental deve prestar informações sobre quaisquer arquivos, fichas, informes, etc. dentro de certo período de tempo[34], envolvendo todo tipo de informação pública. Os prazos máximos de sigilo são de até 25 anos, podendo, apenas em caso que envolva armas de destruição em massa, ser estendidos por mais 25 anos.
O direito resguardado pelo FoIA está ligado à documentos e não a informação, uma vez que o Estado não tem o dever de buscar e criar documentos que satisfaçam as exigências feitas. Contudo, há uma extensa lista que discriminam os deveres que as agências devem manter periodicamente para prestar informações, tais como políticas adotadas ou a maneira de sua organização.
As informações prestadas podem ser cobradas, porém visam tão somente à manutenção do sistema.
“A demanda por informações públicas, nesses países, aumenta a cada ano. Em 2003, os EUA registraram 3.266.394 pedidos de informação com base no FoIA, um aumento de mais de um milhão de solicitações em relação a 2001. Os requerimentos de jornalistas representam apenas uma fração mínima desse número. O acesso a informações públicas é uma demanda da sociedade, e não apenas da corporação jornalística. Essa transparência tem um custo para o Estado. Embora os interessados tenham de pagar pelas fotocópias, o governo norte-americano tem de se organizar, colocar funcionários à disposição para fazer pesquisas. Em 2003, os requerimentos de informação custaram US$ 323 milhões –pouco mais de US$ 1 por habitante e cerca de um milésimo do orçamento destinado pelo país à Defesa”.[35]
O modelo norte-americano é plausível no que atenta à maneira organizacional adotada para o regular exercício do DAIP, vinculando o Estado a prestar qualquer informação que já está pormenorizada, não podendo se escusar de tal obrigação. Entretanto, ao resguardar apenas o acesso à informação com documentos pré-existentes na Administração Pública, restringe o acesso a um direito fundamental de toda democracia, qual seja da participação efetiva da sociedade no controle estatal, pois alguns documentos necessários à fiscalização podem não estar englobados na lei devido algumas pequenas particularidades.
8. Conclusão
Depreende-se que o direito ao acesso à informação pública não é inerente ao ser – humano, mas sim ao cidadão, que surge com a criação do Estado democrático.
Institucionaliza o controle do Estado através do DAIP, exercendo, desta maneira, o direito preservado à democracia participativa, à liberdade de expressão e à condição de exigibilidade de direitos sociais. Todos advindos do princípio da publicidade e transparência dos atos do Estado. Portanto, não é um direito em si, mas um instrumento para o exercício de outros direitos.
Por ser um direito fundamental tanto individual como coletivo, mereceu proteção explícita da Constituição Federal por se tratar de um dos pilares do exercício relacionada à cidadania. Mais ainda, houve o seu resguardo através de várias normas e regulamentos no âmbito internacional, sendo reconhecido o status de Direito Humano ao DAIP.
A legislação infraconstitucional vigente tratou apenas do sigilo que envolve o DAIP, não esclarecendo conceitos necessários para o não abuso desta exceção. Trouxe, também, o conceito de sigilo eterno, retirando totalmente o caráter público de algumas informações. Não regulou regras procedimentais que garantam o livre acesso à informação pública, relegando tão somente ao Poder Judiciário a interpretação do que realmente é ou não res publica. Porém, institui a gratuidade do exercício de direitos que concernem à cidadania.
Após 20 anos da promulgação da Carta Magna, é imprescindível a regulamentação dos procedimentos necessários ao regular exercício do acesso à informação pública, tendo como base a legislação norte-americana, que primou por regular especificamente os deveres e prazos que cada órgão tem para prestar as informações requeridas.
O único controle eficiente do Estado é aquele proveniente da sociedade civil organizada, que é a maior e única interessada na legalidade dos fatos e atos praticados. Há de ser efetivado esse direito para o exercício da cidadania, que não se esvai com o voto de seus representantes. A opinião popular apenas poderá ser formada se houver informações que a de embasamento, através do livre acesso à informação da res publica que advêm do princípio da transparência estatal, que é inversamente proporcional a pratica de interesses particulares na Administração Pública.
Mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo 2017. Pós-graduado lato sensu em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2011. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas 2008. Procurador da Fazenda Nacional 2013
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