1 Conceito e etimologia.
A advocacia pode ser entendida como a arte de defender e é personalizada na figura do advogado. O Direito Romano define essa pessoa como “aquele que expõe ante o juiz competente a sua intenção ou a demanda de um amigo, ou para bem combater a pretensão de outro” [1]. Para o ordenamento jurídico brasileiro, “é o sujeito que defende os interesses de terceiros em juízo, estando para isso habilitado de acordo com o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil” [2].
Etimologicamente, a palavra tem sua origem no latim, “advocatus”; desmembrado em duas partes, temos o “ad” que se entende por “para junto”, em seguida temos o “vocatus” que se traduz por “chamado”, portanto, é aquele que é invocado ou convocado para estar junto às partes, para ajudar em suas alegações. Podemos encontrar, ainda, definições do tipo “postulandi” ou “advocati”, uma vez que possuía o ofício de postular. Ao longo da história, descobrimos outras formas de denominações, como “causidicus”, “togatus”, “oratores”, “patronus”, ou seja, qualidades sempre relacionadas ao conhecimento, à proteção e à oratória, refletindo toda a dimensão dessa famigerada profissão.
Portanto, o advogado deverá ser sempre aquele que protege, que patrocina o cliente, aconselhando-o, defendendo-o e, com todo o seu conhecimento técnico, dando-lhe o suporte necessário.
Para o professor Louis Crémieu, o advogado é conceituado como “toda pessoa licenciada em direito e munida do diploma profissional, regularmente inscrita na Ordem, cuja profissão consiste em consultar, conciliar e pleitear em juízo” [3]. Em sua opinião, são três as maiores satisfações do advogado, “o prazer de conciliar; o prazer de pleitear e o prazer de ganhar o processo”; essa definição pode ser considerada como uma das mais abrangente, porém ele se esquece daquele que deveria ser o principal prazer da profissão, a busca incansável pela Justiça.
Napoleão Bonaparte, certa vez, apesar de toda sua desconfiança e antipatia, advertiu a figura do advogado, como qualidades essências à profissão, desta forma: “manter a probidade, a delicadeza, o amor pela verdade e pela Justiça, o espírito de conciliação e o zelo esclarecido em relação aos fracos e oprimidos” [4]; demonstrando que apesar de toda sua aversão, respeitava e temia o esclarecimento dessa estimada classe. Nesse diapasão, Justiniano observa “como sendo o maior de todos os guerreiros e como homem das maiores virtudes” [5].
Contudo, não podemos esquecer que essa conceituação deve alcançar também o campo moral, permitindo apresentar esse personagem como aquele que só teme as sanções de sua própria consciência, trabalhando em prol da justiça, de acordo com sua verdade interior.
2 Origens históricas.
Apesar de existirem diversos estudos acerca do surgimento da profissão de advogado, historiadores são unânimes em afirmar que não se tem elementos suficientes para precisar exatamente esse momento na história, porém é notório que o ofício é um dos mais antigos da humanidade. Segundo Zanardelli, “o primeiro homem que defendeu com a sua palavra ou sua autoridade o seu semelhante contra a violência, a injustiça ou a fraude foi o primeiro advogado”.
No entanto, há praticamente um consenso em considerar Atenas como o berço da advocacia, principalmente no período Axial. Na Grécia Antiga, os cidadãos compareciam pessoalmente, para pleitear ou defender seus direitos, diante dos juizes; após a era de Dracon, vieram às leis de Sólon, que facultavam às partes o direito de serem acompanhadas por um amigo, conhecido como “amici”, que se postava em segundo plano, somente “auxiliando”, porém sem nenhum conhecimento legal. Ao longo dos anos, surgiu a classe dos “oratores” ou como poderiam também ser chamados de “logografos”, que tinham como principal característica à retórica, os primeiros advogados conhecidos da História faziam parte dessa categoria, eram eles, Demóstenes, Esquines, Hipérides e Péricles. O número de “oratores” foi se tornando crescente, na medida em que aumentavam as questões, tanto de ordem privada, quanto de ordem pública.
Adiante os “oratores” foram “substituídos” pelos “sofistas”, conhecidos como os pensadores que tinham por costume “disfarçar” a verdade, para confundir o magistrado, estes pensadores eram mal vistos pela maioria dos ilustres filósofos, tendo em vista o poder de ludibriar as pessoas e seu entendimento subjetivo da justiça. O grande orador Antífon separou-se dos sofistas, mas se inclinou à filosofia; ele possuía eloqüência arrebatadora e uma forte personalidade. Lisias foi outro personagem que se destacou, pois seu raciocínio era frio, simples, objetivo e enérgico. Contudo, quem mais se sobressaiu e que podemos considerar como o primeiro advogado, foi o ateniense Demóstenes, pela sua dedicação ao estudo das leis, por sua peculiar vocação para a interpretação e comparação dos textos legais da época. Porem, não é pacifico esse entendimento, existe uma corrente que afirma que o primeiro advogado profissional foi Péricles, no entanto em nada atinge a inabalável reputação pioneira de Demóstenes.
O pensamento Grego influenciou decisivamente o modelo social e cultural de Roma, tendo a Magna Grécia exercido papel crucial nessa relação, inclusive na estrutura de seu Direito. Podemos notar esse fenômeno, pela quantidade e freqüência com que se invocavam textos de origem grega a título de autoridade.
Em Roma, a profissão adquiriu individualidade e autonomia; em vez da retórica ateniense, passou a existir a técnica pela casuística, pela ciência; o discurso deu lugar ao parecer jurídico; a forma oral foi substituída pela escrita, formando-se assim a instrumentalidade do processo. Os cidadãos romanos se dividiam em classes, a primeira era a dos Senadores. Nesse mesmo nível, havia os “Patronus”, que eram homens de saber; eles defendiam os Plebeus, que eram chamados de “clientes”, provenientes de uma classe inferior.
Os “clientes” eram subordinados aos “Patronus”, e por estes tinham verdadeiro respeito e fidelidade, uma vez que eles os protegiam e assistiam, de forma ampla e irrestrita, tanto nas questões de cunho judicial, quanto nas questões de vida comum, inclusive aconselhando nos negócios. Paralelamente, surge a pessoa do “Jurisconsultus”, que gozava de enorme prestígio na vida social e na vida política de Roma, Cícero, conhecido como o grande promotor romano, os via como “oráculos da cidade” [6], pois eles exerciam as funções de orientadores, conselheiros de leis e de guerra, assistiam os “clientes” contra adversários e juristas no intuito de evitarem o sofisma, a fraude e a ignorância da clientela.
Outrossim, encontramos a profissão do advogado inclusive na Bíblia, quando ela se refere “aos defensores caritativos”[7], que defendiam os órfãos, pobres, ignorantes e viúvas, logicamente sem um caráter legal.
Ademais, após esse longo período, na Grécia/Roma, em que a profissão foi adquirindo forma, na idade média alcançou novo patamar, precisamente em Portugal, onde à advocacia aparece durante o Reinado de Afonso V, quando surgiram as Ordenações Affonsinas, que tinham como organizador João das Regas, mais tarde, ampliadas e modificadas por João Mendes e outros ilustres mestres.
Em seguida, vieram as Ordenações Filipinas durante o Reinado de D.Felipe; exigiam-se para o profissional, oito anos de estudos na Universidade de Coimbra, de Direito Canônico ou de Direito Civil. Para que obtivesse o pleno direito de advogar, o candidato deveria ter posse do Livro das Ordenações e, ao mesmo tempo, não podendo requerer, alegar ou aconselhar contra elas.
Na França, a denominação usual era de “batonier”, essa palavra originou-se de uma confraria que tinha sua sede na Capela Saint Nicolas no Palais, Palácio da Justiça, composta de advogados e solicitadores, e cujo chefe era um bacharel ao qual se dava o titulo de “batonier”, em decorrência, da sua habitual função, de conduzir as procissões com o bastão, onde pendia a bandeira do Santo.
Por tudo isso, não há com deixar de valorizar o exercício da advocacia, uma profissão que sempre foi digna e reconhecida, desde os primórdios da civilização, que em uma primeira aparição concentrava-se na figura do advogado, e depois sendo relacionada ao saber, essencial à sociedade e sempre tendo “o Justo” por objetivo principal.
3 O Dever para com a justiça
O advogado serve ao Direito e à Justiça, defende a vida, a honra, a liberdade e os interesses do cidadão comum, assumindo a independência de sua função e, assim, cumprindo seu dever ético-social. Sua missão é a de impor e de zelar pela justiça, por aqueles que se encontram envolvidos em conflitos e lutas. A qualquer momento, de forma repentina, o advogado é confrontado com choques de interesse, de fatos sociais e é nesse momento que ele deve interceder com seus conhecimentos técnicos, respeitando e sempre de acordo com sua consciência moral, imóvel, inflexível e inabalável.
Os operadores do Direito devem ter como principal fundamento e requisito a interiorização das regras deontológicas fundamentais e uma elevada consciência moral e conseqüentemente profissional.
A palavra Deontologia tem sua origem no Grego, deontos/logos; sua tradução é o estudo dos deveres; tem como premissa o conjunto de regras ético-jurídicas e estas têm como finalidade pautar o comportamento social e profissional do Advogado. Essas normas estão expressas, no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil[8] e no Código de Ética e Disciplina da OAB[9].
Na introdução desse Código podemos observar que, já em primeiro lugar, o legislador contemplou o primado da Justiça, “nortear-se por princípios que formam a consciência profissional do advogado e representam imperativos de sua conduta, tais como: o de lutar sem receio pelo primado da Justiça…”[10], ou seja, deve imperar na conduta do advogado, a batalha, sem medo, pela primazia da Justiça.
Permitimo-nos dizer por analogia, de uma forma metafórica, que o advogado é o “Guerreiro da Justiça”, pois combate as iniqüidades e as desigualdades de toda maneira, é incansável na procura do meio-termo da “balança”, protetores daquilo que é justo, “instrumento da verdade” no exercício da função social, atendendo às exigências e os anseios da sociedade.
A advocacia não existe sem a liberdade e sem a intervenção do advogado não há justiça; portanto, sua atuação é condição imprescindível para o funcionamento da sociedade, por isso exposto, afirmamos que ele é o Guardião do Estado de Direito, sem ele não há justiça, nem liberdade. Podemos elucidar melhor essa questão à luz do art 133 da Constituição Federal vigente, que prescreve, “o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”[11].
Logicamente, no que diz respeito à sua indispensabilidade para a administração da Justiça, sua posição não se estrutura por um privilégio, por uma homenagem ou ainda por uma distinção da classe, pois sendo o Judiciário, órgão que só age por motivação, a advocacia é o seu verdadeiro impulso oficial, a sua força matriz. Essa profissão é tão fundamental, que nossa Carta Magna, por exemplo, reserva a esses profissionais “um terço dos cargos de Ministro do Superior Tribunal de Justiça e um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal e territórios e da Justiça do Trabalho”[12].
Seu papel é, igualmente, o de precioso colaborador do magistrado, pois trabalha a seu serviço, recolhendo materiais de litígio, assumindo uma função de “investigador”, em busca de vestígios que iluminem questões conflitantes, “colhendo” a verdade, através de seu oficio, sempre com muito zelo, cautela, responsabilidade e honestidade. Ele é e sempre será a pessoa ideal, legalmente autorizada a agir em juízo, oralmente ou via expressa, em defesa dos direitos do seu assistido.
Os valores deontológicos, éticos, serão sempre primordiais para a sua conduta e seu progresso; suas “virtudes” serão demasiadamente importantes para seu desempenho, ao lado da ética, da moral, devendo prevalecer à honra, a sinceridade, a disciplina, a honestidade, a perícia e a prudência, como requisitos obrigatórios ao profissional cidadão. Para se obter sucesso nessa carreira, é preciso aprimorar-se e entender a natureza humana, estar sempre atento aos fenômenos sócio-culturais, conhecer profundamente a legislação e a história, para não cometer “erros do passado”, principalmente, acreditar, ter fé na Justiça humana, sem nunca se abater pelos percalços da vida, ainda que a tarefa seja árdua, procurando incansavelmente a verdade das coisas, da lei, rebuscando o “caminho do justo”.
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