Resumo: O alcance do TAC firmado pelo Ministério Público do Trabalho levando em consideração o Poder de Polícia da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego – SRTE. Impossibilidade de autuação administrativa do órgão SRTE ao firmatário de TAC, pelo mesmo objeto, perante o MPT. Bis in idem, com reflexo no desestímulo e esvaziamento dos objetivos do TAC. Mitigação da obrigatoriedade de autuação do Auditor-Fiscal do Trabalho prevista nos artigos 626 e 628 da CLT e na Lei n.º 10.593/2002.
Palavras-Chave: TAC. Obrigatoriedade de autuação. Mitigação.
Sumário: Introdução. 1.Termo de Ajustamento de Conduta: SRTE vs. MTE. 2.Alcance do TAC e estudo de caso. 3.Efeitos do TAC: analogia com o Termo de Compromisso firmado na seara ambiental. Conclusão.
INTRODUÇÃO
O atual panorama do Poder Judiciário aponta cada vez mais incentivos para a utilização de vias alternativas que evitem movimentar a máquina judiciária, divulgadas diuturnamente, v.g por instituições como o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, Ordem dos advogados do Brasil – OAB e Ministério Público do Trabalho – MPT.
Este movimento se espraia em todos os órgãos do Poder Judiciário, influenciando, inclusive, os procedimentos na seara laboral.
Por se tratar de tema relativamente novo, existem várias limitações e problemas ainda não respondidos que surgiram com a novel tentativa de desjudicializar os procedimentos e atos, tudo em busca da pretendida celeridade processual.
No âmbito do Direito do Trabalho as Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho apontam como lideranças na utilização de mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos.
As Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego – SRTE´s atuam ora na função educativa e orientadora prevista no artigo 627 da CLT, ora com caráter repressor, cominando multas administrativas aos descumpridores da legislação trabalhista, sendo comum a realização de mesas redondas para apresentação de documentos ou até mesmo para simples averiguações de rotina.
Via de regra, quando realizada a fiscalização e constatada qualquer irregularidade é lavrado auto de infração pela SRTE, com aplicação de multa à empresa descumpridora da legislação trabalhista, cabendo à empresa autuada aviar recurso administrativo para reverter os termos da autuação ou acatar a notificação e pagar a multa, geralmente com abatimento de 50% em caso de ausência de recurso administrativo, sendo ambas as opções de notório caráter extrajudicial.
Frise-se, ainda, outro mecanismo extrajudicial utilizado pela SRTE, que é a possibilidade da dupla visita do Fiscal do Trabalho, afastando por completo tanto a invocação do Poder Judiciário, quanto a expedição de multa à empresa, fazendo com que a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego se torne em verdadeira entidade educadora e orientadora da legislação trabalhista.
A dupla visita reflete a preocupação do legislador de expressar que os órgãos administrativos trabalhistas devem assessorar, colaborar e orientar, não se resumindo suas tarefas em fiscalizar, autuar e multar, até mesmo porque o objetivo primeiro da inspeção do trabalho não é arrecadar a receita das multas para o Estado.
Nesta esteira, a utilização correta dos instrumentos fiscalizatórios, orientadores e repressivos à disposição da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego minimiza substancialmente a possibilidade de a empresa autuada invocar a Jurisdição do Estado, vg, a impetração, por determinada empresa, de Mandado de Segurança ou Ação Anulatória perante da Justiça do Trabalho em busca de anular eventual fiscalização ou ato procedido em excesso ou sem fundamentação legal.
De outro lado, o Ministério Público do Trabalho também possui à sua disposição o Termo de Ajustamento de Conduta – TAC – como eficiente medida extrajudicial de resolução de conflitos.
O Inquérito Civil Público (previsto na Lei 7.347/85), que possui natureza administrativa e inquisitorial, serve de base para o Ministério Público do Trabalho aviar Ação Civil Pública perante a Justiça do Trabalho.
Entrementes, o MPT pode deixar de ajuizar Ação Civil pública caso a empresa investigada concorde na assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta.
Firmado o Termo de Ajustamento de Conduta entre a empresa e o Ministério Público do Trabalho, este instrumento se tornará título executivo extrajudicial, sendo sua execução, em caso de descumprimento, da competência da Justiça do Trabalho.
Neste diapasão, o Termo de Ajustamento de Conduta é o meio administrativo pelo qual o Ministério Público do Trabalho persegue o cumprimento do ordenamento jurídico trabalhista pelas empresas, localizando-se, portanto, dentre o rol de métodos extrajudiciais de resolução de conflitos, de extrema relevância para a diminuição das lides.
Conforme dito alhures, tanto a SRTE quanto o MPT são paradigmas na utilização de meios extrajudiciais de resolução de conflitos na seara laboral.
No entanto, as medidas extrajudiciais efetuadas e estimuladas pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, por meio das Superintendências Regionais do Trabalho, podem colidir com as do Ministério Público do Trabalho – MPT.
Cita-se, como exemplo desta colisão de poderes, o poder fiscalizatório e sancionador da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego diante da existência de Termo de Ajuste de Conduta celebrado por empresa com o Ministério Público do Trabalho.
Nesta linha, o ponto fulcral será o estudo em torno da seguinte questão: ao firmar TAC perante o MPT, buscando a regularização de determinada medida prevista em lei, a empresa está ou não sujeita à fiscalização resultante do poder de polícia da SRTE referente ao período anterior à assinatura do referido Termo?
Trata de tema relativamente novo na seara Juslaboral, não havendo entendimento pacífico ou predominante, mesmo porque parcas são as doutrinas que versam sobre o tema e poucos são os Tribunais Regionais do Trabalho que ventilaram o assunto, não havendo, ainda, manifestação do TST.
1.Termo de Ajustamento de Conduta: SRTE vs. MTE.
Diante das medidas extrajudiciais à disposição da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego e do Ministério Público do Trabalho, existe a possibilidade de sobreposição de sanções sobre o mesmo ato do empregador em descumprimento da Lei.
Para melhor elucidar o tema citamos como exemplo o caso de uma empresa que está em descumprimento com determinada regra trabalhista. Após uma denúncia anônima, o MPT chega a esta empresa e lhe oferece possibilidade de firmar TAC para que seja sanado o vício objeto da denúncia. O empregador imediatamente firma o Termo de Ajustamento de Conduta com MPT, onde consta o prazo de seis meses para que seja cumprido o objeto do termo de compromisso, prazo este que além de ser um requisito essencial do TAC, reflete, outrossim, termo para que sejam regularizados os atos do empregador em violação da lei, incluindo neste período todas as ações e abstenções que são necessárias para tanto, o que é cediço que exige tempo para serem efetivadas.
No dia seguinte a mídia impressa e digital publica em todos os seus meios a notícia de que o MPT realizou excelente trabalho ao firmar Termo de Ajustamento de Conduta com empresa de grande vulto no mercado nacional.
De posse destas informações noticiadas na imprensa, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego destaca um Fiscal do Trabalho para realizar a fiscalização da empresa que firmou TAC com o MPT. O Fiscal do Trabalho acaba por multar a referida empresa sob três argumentos: (i) que ao firmar o TAC a empresa confessa que está em descumprimento com a legislação trabalhista; (ii) a empresa deve regularizar imediatamente a infração trabalhista constatada sob pena de nova autuação, não podendo utilizar do prazo de seis meses constante do TAC; e (iii) O TAC não “apaga” o passado da empresa, que pode ser autuada sobre a mesma infração objeto do TAC, inclusive sobre período anterior.
No caso, os atos extrajudiciais advindos do poder de polícia da SRTE além de serem contraditórios com os termos do TAC firmado pelo MPT, acaba por sobrepor dois atos, advindos de duas Instituições diversas, sobre a mesma empresa, tornando sem efeito o Termo de Ajustamento de Conduta firmado pelo Ministério Público do Trabalho, bem como o prazo que foi conferido à empresa para ajustar sua conduta.
Urge salientar, ainda, que os argumentos trazidos pelo fiscal do trabalho não podem ser levados a feito. A uma porque a assinatura de TAC não gera a confissão do empregador. Quanto ao tema a Lei 8.884 se manifesta expressamente pela inexistência de confissão. A duas, pois a concessão de prazo pelo Ministério Público do Trabalho para a execução da obrigação de fazer ou não fazer constante do TAC visa primordialmente o cumprimento e viabilidade da obrigação, razão pela qual não pode ser desconsiderada. A três porque caso o TAC revolva todo o passado da empresa, não haveria segurança jurídica a amparar e estimular o empresário a firmar o TAC, pois sempre estaria na mira da SRTE, mormente se firmar o TAC, acabando por esvaziar o Instituto.
2. Alcance do TAC e estudo de caso.
O TRT da 10ª Região manifestou, no julgamento do Recurso Ordinário de nº 569/2006-013-10-00.0, interessante debate acerca do poder fiscalizatório e sancionador da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego diante da existência de Termo de Ajuste de Conduta celebrado por empresa com o Ministério Público do Trabalho.
Urge salientar que trata de tema relativamente novo na seara Juslaboral, não havendo entendimento pacífico ou predominante, mesmo porque poucos são os Tribunais Regionais do Trabalho que trataram sobre o assunto.
No julgado em análise, o Juiz JOSÉ LEONE CORDEIRO LEITE, da 13ª Vara do Trabalho de Brasília, declarou nulo o auto de infração lavrado pela DRT (atual SRTE) e a multa correspondente, considerando que a existência de Termo de Ajuste de Conduta firmado entre a rede de supermercados WALL MART e o Ministério do Público Trabalho impedia a cominação imposta.
Em sua fundamentação, o Juízo a quo adotou o entendimento de que ao firmar o TAC perante o MPT, buscando a regularização da cota de PNE´S (Portadores de Necessidades Especiais) previsto na Lei 8.213/91, a empresa não está sujeita à fiscalização resultante do poder de polícia da DRT (atual SRTE) referente ao período anterior à assinatura do referido Termo.
Entrementes, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, reformou a sentença de piso, ponderando para tanto a incontrovérsia nos autos de que o WALL MART BRASIL LTDA não cumpriu determinação legal que impõe o preenchimento mínimo de seu quadro de funcionários com trabalhadores portadores de deficiência física.
O relator do recurso, GRIJALBO FERNANDES COUTINHO, ressaltou a evidência da violação legal, “tanto é assim que em 19 de novembro de 2003, firmou Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público do Trabalho- Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região”.
Partindo da premissa que houve violação do ordenamento jurídico, o acórdão passou a debater o cerne da questão: o alcance do Termo de Ajuste de Conduta, de modo a tolerar, perdoar ou não infrações trabalhistas praticadas pela empregadora.
Decidiu o TRT da 10ª Região que a SRTE, mediante o Auditor-Fiscal do Trabalho, tem o poder-dever de aplicar multa administrativa às empresas não cumpridoras da legislação trabalhista e que o Termo de Ajuste de Conduta não confere perdão ao infrator pelas irregularidades antes praticadas.
O acórdão embasa sua posição nos seguintes pontos: a) o artigo 21, inciso XXIV, da Constituição Federal, estabelece a competência da União para “organizar, manter e executar a inspeção do trabalho”, bem como os artigos 626 e 628 da CLT além da Lei n.º 10.593/2002, que organiza a carreira de Auditor-Fiscal do Trabalho, relacionando as atribuições para os ocupantes do cargo, não havendo como o poder de polícia deixar de ser executado, eis que decorre de força cogente estatal; b) as atribuições exercidas pelo auditor detêm caráter administrativo, não se confundindo com a atuação do Poder Judiciário; e c) o TAC jamais teve a pretensão de substituir ou de tornar sem efeito os atos da autoridade do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE.
A ementa do julgado em análise foi vazada nos seguintes termos, in verbis:
“EMENTA: MULTA APLICADA PELA DRT. TERMO DE AJUSTE CONDUTA.
ALCANCE LIMITADO DO INSTRUMENTO UTILIZADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.
Frente ao quadro normativo, constitucional e legal, que confere ao auditor-fiscal do trabalho o poder-dever de aplicar multa administrativa às empresas não cumpridoras da legislação trabalhista, em observância, ainda, aos fundamentos previstos no artigo 1º da Carta Política, III e IV, não se vislumbra qualquer possibilidade da mera confissão patronal e do Termo de Ajuste de Conduta conferirem ao infrator um perdão pelas irregularidades antes praticadas. É que o denominado Termo de Ajuste de Conduta, em que pese a sua notável eficácia dentro do contexto da valorização das ações do imprescindível Ministério Público do Trabalho e do desafogamento da máquina judiciária, cuja regulação é feita por normas legais distintas( Lei nº 7.347/85; Lei nº 8.078/90; Lei nº 75/93), jamais teve a pretensão de substituir ou de tornar sem efeito os atos de autoridade do Ministério do Trabalho e Emprego, a ponto não só de invalidar o regramento autorizador da fiscalização estatal e da respectiva punição administrativa, como também provocar o absoluto esvaziamento de uma legislação material trabalhista construída pela legítima pressão da sociedade brasileira. A fixação de multa pela DRT, longe de configurar interesse do órgão estatal em aumentar arrecadação, impõe-se como medida fundamental para coibir condutas empresariais agressivas ao conjunto de normas trabalhistas protetoras do empregado e de sua dignidade humana, tendo, ainda, um claro caráter pedagógico. O TAC não é instrumento adequado para esquecer e perdoar condutas as quais têm justa sanção pecuniária como resposta às irregularidades trabalhistas constatadas pela Delegacia Regional do Trabalho. Recursos conhecidos e providos.”
Em que pesem os argumentos expedidos pelo acórdão em análise, proferido pelo TRT da 10ª Região, no julgamento do Recurso Ordinário n.º 569/2006-013-10-00.0, de relatoria de GRIJALBO FERNANDES COUTINHO (3ª TURMA. DJ 17.08.2007), entendemos que o tema ainda merece melhor debate tanto por parte da doutrina como pela Jurisprudência, pois se é certo que houve violação legal da empresa, também é certo que houve assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta, visando tal instituto justamente enquadrar a empresa às exigências legais, concedendo a esta prazos dilatados para que seja possível o cumprimento dos ajustes necessários para o cumprimento da legislação.
Característica de fundamental importância no Termo de Ajustamento de Conduta é que a sua assinatura em momento algum gera confissão.
Elucida Geisa de Assis, in verbis:
“A desnecessidade de confissão ou reconhecimento de culpa é elemento facilitador da celebração do ajuste, o que muitas vezes não se consegue em juízo, quando a imagem do responsável já pode ter sido arranhada publicamente pelo só fato do ajuizamento da ação. Neste sentido a norma do caput do artigo 53 da lei n° 8.884/94 que determina que a celebração do compromisso de cessação, espécie de ajustamento de conduta, ‘não importará confissão quanto à matéria de fato nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada’, deve ser interpretada como um estímulo à negociação.”[1]
Destarte, a assinatura de TAC não gera confissão do firmatário, até mesmo porque a tutela preventiva nada tem a ver com culpa. Diante esta realidade, é questionável, permissa venia, o argumento utilizado no acórdão objeto do estudo de caso que aponta a evidência da violação legal decorrente de assinatura, pela empresa, de Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público do Trabalho.
Outro ponto importante a ser tratado é que ao firmar Termo de Ajustamento de Conduta, fixando prazo para o seu cumprimento, o MPT autua nos limites de sua competência, em matéria de natureza transindividual que comportava tal aprazamento, qual seja: cumprimento da regra de percentual mínimo na contratação de aprendiz, sendo cediço que os trâmites administrativos para a seleção e contratação de aprendizes exigem determinado tempo para ser efetuado.
Geisa de Assim expõe em seu estudo que 65% dos ajustamentos de conduta têm prazo estipulados para o cumprimento de determinada obrigação, sendo este elemento essencial para o monitoramento do êxito do cumprimento das obrigações pactuadas[2].
Acrescenta-se, outrossim, que os prazos conferidos pelo MPT no TAC encontram guarida no princípio da proporcionalidade, eis que os prazos e condições fixados para o enquadramento da conduta às exigências legais devem ser adequados para a proteção do direito transindividual defendido. Tem-se, assim, a impossibilidade de se fixar um padrão abstrato de prazos ou de condições a serem cumpridas, eis que a singularidade de cada caso permitirá a fixação da formulação das cláusulas adequadas ao gravame concreto a ser reparado ou evitado com a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta[3].
Caso tratasse de matéria que não possibilitasse a assinatura de TAC, vg. a condição de empregados em situação análoga à escravo, não restam dúvidas que o caminho ser trilhado pelo MPT seria o ajuizamento de Ação Civil Pública com comunicação do fato à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego competente, não havendo meios jurídicos para conferir prazo de ajustamento ante a gravidade da violação (apenas como exercício de raciocínio, o MPT não poderia firmar TAC em que o empregador continuaria explorando mão de obra de seus funcionários, que trabalham em condição semelhante à de escravos. As atitudes tomadas devem ser tão firmes quanto à gravidade da conduta ilegal exige, não havendo que se cogitar na fixação de prazo para eventual ajustamento de conduta).
Mais. Se a empresa não aceitar firmar o TAC também entendemos possível a notificação da Superintendência Regional do Trabalho – SRTE, além de ajuizamento de Ação Civil Pública pelo MPT, caso haja direito transindividual a ser defendido, pois enquanto a SRTE tutelará os direitos individuais dos trabalhadores da empresa autuada no caso concreto, o MPT defenderá os direitos transidividuais transgredidos, que reflete negativamente perante a sociedade.
Não obstante, caso seja firmado o TAC e este não seja adimplido, haverá a execução da multa perante o Poder Judiciário, retratando, portanto a sanção decorrente do poder de polícia estatal, que não poderia se acumular sobre eventual notificação da SRTE, pois incidiriam duas penas sobre o mesmo fato gerador.
Apenas por exercício de raciocínio, imagine que determinada empresa firme TAC em 15 dezembro do ano de 2008, por exemplo, comprometendo-se dentro do prazo de um mês cumprir a cota de PNE´S. No dia 16 de dezembro de 2008 comparece à empresa o Auditor-Fiscal do Trabalho e multa o estabelecimento por não cumprir a cota de deficientes prevista na Lei 8.213/91. Destaca-se que o próprio Ministério do Trabalho e Emprego estaria desestimulando a assinatura do TAC, pois não houve tempo para a empresa se adequar aos ajustes firmados com o MPT. Ademais, caso a empresa não consiga almejar o cumprimento do TAC, além de ter de pagar a multa expedida pela SRTE, terá de responder, perante a Justiça do Trabalho, a execução do TAC com o pagamento de multa constante do termo, em evidente bis in idem.
O argumento de que as atribuições exercidas pelo Auditor-Fiscal do Trabalho detêm caráter administrativo, não se confundindo com a atuação do Poder Judiciário, não pode ser adotado, eis que o TAC também é realizado na esfera administrativa, o que mais uma vez demonstra o bis in idem: dois órgãos administrativos multando a mesma empresa pelo mesmo ato.
Insta frisar que não se trata do TAC substituir ou tornar sem efeito os atos da autoridade do Ministério do Trabalho e Emprego, mas sim de se buscar uma solução para que o instrumento que possui o MPT não seja esvaziado pela atuação do MTE.
Ambas as estruturas devem caminhar juntas, p. ex., caso a empresa se recuse a assinar TAC, o MPT ajuíza Ação Civil Pública, se houver algum dano na seara coletiva, e comunica o MTE da irregularidade constatada, para que este órgão inste a SRTE a fiscalizar o local e multe o estabelecimento.
Constata-se, portanto, que o tema merece debate para que evolua até chegar ao ponto que seja prestigiada tanto o MPT quanto o MTE e para que não haja o esvaziamento da autoridade deste ou daquele órgão, chegando-se à posição de que o fiel cumprimento do entabulado no TAC afasta a possibilidade de notificação da SRTE referente aos atos ocorridos anteriormente ao TAC, desde que a matéria tenha sido abordada pelo TAC e que haja o cumprimento pela empresa do acordado perante o MPT.
3.Efeitos do TAC: analogia com o Termo de Compromisso firmado na seara ambiental
Utilizando da analogia, trazemos à lume a abordagem dos efeitos do Termo de Ajustamento de Conduta na área ambiental, ressaltando que este instrumento tem sido deveras utilizado pelo Ministério Público, principalmente diante da dimensão continental do Brasil, tudo em busca da coibição do desmatamento florestal e também da exploração indevida de áreas públicas ou devolutas, servindo de paradigma para a matéria posta em análise.
A doutrina discorre que caso haja assinatura do TAC entre o infrator e o órgão administrativo, no caso o IBAMA, atingindo o objetivo do Instituto, qual seja, a prevenção e reparação tempestiva e integral, não há motivo para o ajuizamento de Ação Penal em busca da persecução de eventual crime cometido pelo compromissário.
Quanto ao tema Édis Milaré assevera, in verbis:
“A orientação político-criminal mais acertada é a de que a intervenção penal na proteção do meio ambiente seja feita de forma limitada e cuidadosa. Não se pode olvidar jamais que se trata de matéria penal, ainda que peculiaríssima, submetida de modo inarredável, portanto, aos ditames rígidos dos princípios constitucionais penais – legalidade dos delitos e das penas, intervenção mínima e fragmentariedade, entre outros -, pilares que são a sanção penal do Estado democrático de direito. É a última ratio do ordenamento jurídico, devendo ser utilizada tão-somente para as hipóteses de atentados graves ao bem jurídico ambiente. O Direito Penal neste campo cinge-se, em princípio, a uma função subsidiária, auxiliar ou de garantia de preceitos administrativos, o que não exclui sua intervenção de forma direta e independente, em razão da gravidade do ataque.
Em outras palavras, quando no caso concreto as demais esferas de responsabilização forem suficientes para atingir integralmente aqueles dois objetivos primordiais (prevenção e reparação tempestiva e integral), a verdade é que, em tese, não há mais razão jurídica para a incidência do Direito Penal.”[4]
Com propósito meramente ilustrativo imaginemos que a atividade de uma determinada empresa venha sendo exercida irregularmente, com a licença de operação vencida, até ser adquirida por um grupo econômico, que passa, então, a tomar providências tendentes a regularização. Entrementes, a atividade permanece por 2 (dois) anos, sem resultar em dano para o meio ambiente ou à saúde da população, até o cumprimento das exigências impostas pelo Poder Público, por meio de assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta e, finalmente, com a expedição da licença de funcionamento[5]. (5)
Neste caso, uma vez contornada a irregularidade não subsiste o interesse para o ajuizamento de Ação Penal, pois para os novos titulares da atividade, eventual persecução penal após o total cumprimento do acordo (TAC), viola o princípio da segurança jurídica que deve nortear as relações entre os particulares e o Estado.
Coaduna do mesmo entendimento a remansosa jurisprudência, ex vi:
“HABEAS CORPUS – TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL – CRIME AMBIENTAL – AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA – TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA – MATERIA PENAL DESCONSTITUÍDA – POSSIBILIDADE. – A assinatura do termo de compromisso de ajustamento da conduta ambiental (TAC) junto aos órgãos competentes antes do oferecimento da denúncia pelo “Parquet” obsta a propositura da mesma, ante a ausência de justa causa para a instauração da respectiva ação penal, devendo esta ser trancada. – Ordem concedida.”[6] (6)
Édis Milaré arremata ao discorrer que diante desta realidade a mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal autoriza que o Ministério Público deixe de oferecer denúncia, por razões de conveniência e oportunidade, resultando em atitude proativa que retrata a forma eficaz de incentivar a formalização do Termo de Ajustamento de Conduta.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, podemos concluir que se o TAC tem o condão de afastar a incidência da sanção penal do Estado, quem dirá do poder de polícia da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, órgão também estatal, porém da área administrativa.
Assim, trazida a tese para a seara Juslaboral, resta patente que a assinatura do TAC afasta os poderes da SRTE para autuar o firmatário sobre os mesmos fatos objeto do Termo de Ajustamento de Conduta, principalmente referente ao passado do empregador. E, repisa-se, não há qualquer prejuízo para a SRTE, que também está autorizada a exigir execução do TAC em caso de descumprimento, pois é entidade interessada na defesa dos diretos transindividuais constantes do instrumento, sendo certo que o ajustamento de conduta não se destina à proteção de terceiro, que precisa parear suas condutas às exigências legais, mas sim aos destinatários indeterminados, no caso dos direitos difusos, ou determináveis, no caso de interesses coletivos, a quem o TAC visa resguardar e proteger.
Utilizando o mesmo argumento que possibilita o Ministério Público mitigar o princípio da obrigatoriedade da ação penal, ante o cumprimento dos termos constantes no TAC firmado com o suposto infrator, não havendo que se falar em qualquer ofensa à exigência legal de instauração de ação penal por parte do parquet, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego pode deixar de autuar empresa que firmou Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público do Trabalho, mitigando a obrigatoriedade de autuação previstos nos artigos 626 e 628 da CLT e na Lei n.º 10.593/2002.
Portanto, ao respeitar os termos ajustados pelo MPT com o firmatário do TAC, além de instigar e fortalecer o Instituto, a SRTE estará contribuindo para a manutenção deste remédio extrajudicial que muito contribui para minimizar as demandas que aportam diuturnamente ao Poder Judiciário, sem olvidar que estará praticando, dentre outros princípios, o da preservação da empresa, da busca do pleno emprego, da multinormatividade do Direito do Trabalho, da razoabilidade, da boa-fé; da normalidade; e da tutela preventiva.
CONCLUSÃO
O Termo de Ajustamento de Conduta é medida extrajudicial de extrema relevância no ordenamento jurídico brasileiro, possuindo como ponto positivo a solução de conflito sem a necessidade de provocar a máquina jurisdicional.
Dentro deste contexto é louvável o munus do Ministério Público do Trabalho em firmar Termo de Ajustamento de Conduta para que empresas se adequem à legislação trabalhista. Entretanto, para que referido Instituto não perca sua razão de ser, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego deve interagir com o MPT, respeitando as obrigações dispostas no termo de ajuste, deixando de autuar, sobre o mesmo tema, empregador que firmou e cumpriu o acordado com o Ministério Público.
Cumpre registrar que não se está afirmando que a existência de TAC impede a fiscalização por parte da SRTE, mas sim que a sua existência impede a autuação da SRTE sobre o mesmo objeto do termo de ajustamento.
Assim, caso haja violação diversa da constante no TAC, a SRTE tem a obrigação legal de autuar o infrator. De outro lado, firmado e cumprido o Termo de Ajustamento de Conduta o Auditor Fiscal do Trabalho não possui legitimidade para autuar o compromissário sobre o mesmo ato objeto da redação do TAC, seja referente ao passado, seja no ínterim do termo aprazado pelo MPT para o cumprimento das obrigações.
Neste sentido já manifesta a doutrina e jurisprudência no que tange à possibilidade de persecução penal na seara ambiental, onde reside a teoria da mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal, autorizando que o Ministério Público deixe de oferecer denúncia, por razões de conveniência e oportunidade, tendo em vista a assinatura e cumprimento de TAC. Assim, importada analogicamente referida teoria para o Direito do Trabalho, haveria a mitigação da obrigatoriedade de autuação previstos nos artigos 626 e 628 da CLT e na Lei n.º 10.593/2002. Urge salientar que atualmente já existe relativa mitigação da obrigatoriedade de autuação por parte da SRTE, p. ex., na figura jurídica da Dupla Visita.
Destarte, a doutrina e jurisprudência trabalhista necessitam debater o tema, evoluindo o posicionamento exarado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª, para chegar à conclusão de que a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego não pode se sobrepor aos termos constantes do TAC, sob pena de cominar duas penalidades pelo mesmo ato do compromissário, que diga-se de passagem, contribuiu espontaneamente para cessar a violação da lei, vinculando suas condutas futuras a medida extrajudicial tutelada pelo Ministério Público do Trabalho[7].
Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP
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