Muitas foram as mudanças
no Código de Processo Civil (CPC) com a edição das Leis 10.352/2001,
10.358/2001 e 10.444/2002, algumas com mais significância que outras, algumas
com mais dúvidas quanto a sua aplicação nos processos em curso.
A lei processual tem vigência imediata, conforme
art. 1.211 do CPC que dispõe: “Este Código regerá o processo civil em
todo o território brasileiro. Ao entrar em vigor, suas disposições
aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes“. Portanto, as normas
processuais dispõem para o futuro, não possuindo efeito retroativo.
Mas a norma citada, bem
como o art. 6º da Lei de Introdução do Código Civil e o art. 5º, XXXVI, da
Constituição Federal, que também regulam a eficácia das normas no tempo, não
solucionam o problema da aplicação das novas leis aos processos em curso,
principalmente no que diz respeito aos atos procedimentais que se perpetuam no
tempo e que podem ser atingidos pela nova lei no meio de uma fase, a exemplo
dos recursos.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem firmado
entendimento de que o cabimento do recurso, aí incluídas as respectivas
condições de admissibilidade, regula-se pela lei do tempo em que proferida a
decisão, as regras procedimentais, entretanto, reger-se-ão pela lei nova.
(Recurso Especial 115.183/GO, STJ, relator ministro Costa Leite, julgado em
29/06/1998).
Recentemente, no Recurso Especial 360.334/RN, sob a
relatoria do ministro Ruy Rosado de Aguiar, julgado
em 09/04/2002 e publicado em 20 de maio do mesmo ano, o tribunal reafirmou o
posicionamento acima, entendendo que a lei vigente ao tempo do julgamento da
apelação regula o cabimento dos embargos infringentes contra julgamento em que
a divergência surgiu no exame de questão preliminar.
O cabimento dos embargos infringentes segundo a
Nova Reforma Processual
Os embargos infringentes apresentam a singular
característica de ser um recurso que se fundamenta no voto isolado de um dos
componentes do órgão julgador.
O objetivo do recurso é reapurar
a juridicidade do julgado por maioria, buscando-se o consenso noutro órgão
julgador.
Em que pesem as críticas
da manutenção desse tipo recursal em nosso sistema jurídico, o fato é que ele
permanece sendo usado e calcado em apenas um voto, indicando que a falta de
unanimidade enseja a necessidade de nova reflexão acerca do thema iudicandum.
Além da necessidade da não-unanimidade, para
autorizar os embargos infringentes ainda se impõe que a decisão colegiada
majoritária tenha sido tomada no julgamento de apelação ou ação rescisória. A
jurisprudência, entretanto, tem temperado a exegese do dispositivo, admitindo a
interposição dos embargos infringentes em agravo, nos casos de interlocutórias
agraváveis, que versam sobre matéria de mérito cuja sede de solução seria a
sentença (1).
Na redação originária, anterior à reforma de 2001,
os embargos infringentes eram cabíveis contra qualquer decisão não unânime
proferida em apelação ou em ação rescisória. Entretanto, visando minimizar os
dispêndios do sistema recursal brasileiro, o legislador limitou o cabimento do
mesmo às hipóteses em que a decisão “reforma” o julgado apreciado
pelo tribunal. Quando o confirma, ainda que majoritariamente, não cabem
embargos infringentes.
Outro ponto da reforma do art. 530 é a limitação de
cabimento para questões de mérito. A divergência de votos no julgamento de
apelação ou ação rescisória só autoriza a interposição de embargos infringentes
quando a sentença for de mérito, excluindo as questões meramente formais e
preliminares, como o juízo negativo de admissibilidade do recurso de apelação
ou extinção da ação rescisória sem julgamento do mérito.
Da decisão em tela
As limitações impostas pelas recentes reformas aos
embargos infringentes, por óbvio, jamais se aplicam aos embargos já opostos,
pois a retroação das normas processuais é vedada por lei.
Com o Recurso Especial 360.334/RN e em consonância
com o entendimento do STJ antes esposado, nos processos em curso, as restrições
ao cabimento dos embargos infringentes previstos com a Lei 10.352, de 26 de dezembro de 2001, somente
alcançarão os processos em que à época do julgamento da apelação já vigorava
tal lei.
A doutrina também se manifesta nesse sentido. Nelson Nery Junior,
defende que “a lei vigente no dia em que foi proferido o julgamento é a
que determina o cabimento do recurso; a lei vigente no dia em que foi
efetivamente interposto o recurso é a que regula o seu procedimento” (2).
Para Teresa Arruda Alvim Wambier
e Luiz Rodrigues Wambier, “a lei do recurso é
a que está em vigor no momento em que a decisão é proferida” (3).
Cândido Rangel Dinamarco, com pequena variação,
defende que “a admissibilidade de um recurso se afere pela lei do tempo
da publicação da sentença ou acórdão recorrível” (4).
Como se pode ver, na esteira da melhor doutrina, o
STJ tem primado pela estabilização dos direitos e situações jurídicas
consolidadas sob a égide de lei anterior.
Notas:
(1) Recurso Especial 122.998/MG; STJ, relator
ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 02/02/1999; Recurso Especial
160.038/SP, STJ, relator ministro Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 05/03/1998,
unânime;
(2) Nelson Néri Junior, Princípios Fundamentais –
Teoria Geral dos Recursos, RT, São Paulo: 2000, pg.
426.
(3) Luiz Rodrigues Wambier
e Teresa Arruda Alvim Wambier, “Breves
Comentários à 2ª Fase da Reforma do Código de Processo Civil”, RT, São
Paulo: 2002, pg. 173; também Teresa Arruda Alvim Wambier, “Os Agravos no CPC Brasileiro”, RT, São
Paulo, 2000, pg. 489.
(4) Cândido Rangel Dinamarco,
A Reforma da Reforma, Malheiros, São Paulo, 2002, pg. 208.
Advogada, mestranda em Processo Civil pela PUC-SP.
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