Notícia do jornal O Estado de S.
Paulo de 22/6/2006 – página A17: “Ação contra Maluf fica sem extratos
da Suíça”. “O Tribunal Regional Federal decidiu ontem excluir do processo
contra o ex-prefeito Paulo Maluf documentos bancários que foram enviados pela Suíça,
comprovando movimentação de US$ 446 milhões. A decisão acolhe mandado de
segurança que a Procuradoria da República impetrou por temor de perder a
colaboração suíça em outras apurações. A defesa do ex-prefeito recebeu a medida
como uma vitória –o processo fica esvaziado sem os extratos. A procuradoria
chegou a pedir a prisão de Maluf, mas a Justiça negou. O Ministério Público
pediu a exclusão dos papéis porque não podia usá-los para processar Maluf por
sonegação e evasão, que não são crimes na Suíça. Para a procuradora Ana Lúcia
Amaral, a decisão do TRF não influi na ação contra Maluf.”
A situação é, ao mesmo tempo, vergonhosa para o MPF e lamentável para o Brasil.
Quando este caso teve início, estava sob os cuidados do Ministério Público
Estadual, na esfera criminal. Ocorreu que, por indisfarçável vaidade, dois
procuradores do Ministério Público Federal, quiseram abraçar o caso, ao invés
de realizar trabalho conjunto. A juíza federal suscitou conflito de
competência, e, com a concordância do Procurador Federal que deu o parecer, o
STJ decidiu equivocadamente, enviando o caso à Justiça federal. A verdade com
freqüência sofre, mas nunca se extingue.
Lutamos e alertamos. Insistimos. Repetimos. Mas infelizmente a força política
do MPF prevaleceu.
Tentaram prosseguir. Os extratos finalmente vieram da Suíça,
mas o castelo de areia desabou, e as autoridades suíças, experientes, trataram
de analisar a situação e, mesmo querendo colaborar com o Brasil, perceberam que
o processo continha um grave erro estrutural, de fácil compreensão.
Ocorre que a legislação brasileira exige, para a configuração do crime de
lavagem de dinheiro, que o dinheiro lavado tenha procedência de um dos crimes
que a própria lei enumera. Dentre eles, não estão contemplados a evasão de
divisas e a sonegação fiscal. Fácil e óbvio. E assim, não existia a pretendida
colaboração de dados bancários. Se as autoridades suíças tivessem entendido
antes a sistemática da legislação brasileira, não teriam sequer enviado os
extratos bancários. E tanto isso é verdade, que a própria Procuradoria da
República apressou-se em buscar solução para a devolução dos documentos, antes
que o Brasil fosse “queimado” perante a comunidade jurídica
internacional.
Enquanto a investigação era realizada na esfera estadual, o crime antecedente
era contra a administração pública, pelo crime de corrupção, pelo
superfaturamento do túnel Ayrton Senna, construído com o dinheiro dos cofres
municipais. Tudo estaria perfeito e o caso, a estas alturas, seguramente já
estaria sentenciado. Mas a equivocada remessa do caso à Justiça Federal, para
satisfação do procuradores federais, desencadeou uma série de impropriedades
processuais, minando o caso, no que diz respeito àquela investigação, por crime
de lavagem de dinheiro. A competência era mesmo, fica claro, mais que nunca, da
Justiça estadual.
Então, se parte do dinheiro era sujo, como indicavam todas as evidências, agora
a prova da movimentação na Suíça está descaracterizada, sem materialidade. E
agora, como ficará a utilização dos extratos provenientes de Jersey? O tempo se
encarregará de nos mostrar a verdade, uma vez mais.
Se há outra parte de dinheiro que configura os crimes de evasão de divisas e
sonegação, estes podem estar prescritos, e o processo inteiro estará perdido…
É…quando a vaidade dos promotores se sobrepõe à ação pelo interesse público,
algo anda mal, muito mal.
Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia
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