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O conceito de autonomia da vontade na teoria moral e jurídica de Kant

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Resumo: O presente artigo pretende expor e esclarecer alguns conceitos essenciais para a compreensão da Moral e do Direito em Kant, particularmente o conceito de autonomia da vontade. Estando este conceito, todavia, invariavelmente associado, na ética kantiana, com outros conceitos, tais como o de vontade em geral, vontade pura e imperativo categórico, foi necessário apresentar anteriormente estes conceitos, demonstrando o seu lugar na teoria ética kantiana.


Palavras-chave: Kant; Autonomia da vontade; Vontade pura; Imperativo categórico.


Abstract: This article intends to expose and clarify some concepts that are essential for the understanding of Moral and Law in Kant, particularly the concept of autonomy. Standing this concept invariably associated, in Kantian ethics, with other concepts, such as will in general, the pure will and the categorical imperative, was necessary to present these concepts earlier, showing their place in Kant’s ethical theory.


Key-Words: Kant; Autonomy of the will; Pure will; Categorical imperative.


Sumário: 1. Introdução; 2. A vontade em geral; 3. A vontade pura; 4. O imperativo categórico; 5. Conclusão; Referências;


Summary: 1. Introduction; 2. The will in general; 3. The pure will; 4. The categorical imperative; 5. Conclusion; References;


1 Introdução


O conceito de autonomia da vontade em Kant, i.e., a faculdade de a razão pura ser, ela mesma, promotora e seguidora de princípios práticos está no cerne da teoria moral kantiana, já que a autonomia da vontade é condição necessária para a Ética, tal como procuraremos demonstrar.


A vontade em Kant, todavia, não é unitária. Tal como afirma Salgado, ela aparece de formas diferentes (SALGADO, 1986, p. 161). Nesses termos, preciso analisar qual das formas pela qual a vontade aparece está ligada ao conceito de autonomia.


Estudadas estas formas de apresentação da vontade, restarão evidentes os pressupostos, fundamentos e efeitos da autonomia da vontade em Kant.


2 A vontade em geral


A crítica da razão pura mostrou que não podemos conhecer a liberdade, mas isso não pode ser confundido com uma afirmação de nós agimos sem liberdade, ou seja, sem moralidade possível. A ideia de liberdade, apesar de não poder ser conhecida, pode ser pressuposta (KANT, 2002, p. 79-80).


Pressupor o homem como livre (e também todos os seres racionais em geral) significa pressupô-lo como portador de uma vontade pura, ou seja, uma vontade capaz de agir segundo princípios práticos que ela mesma se impõe, ou seja, a vontade é determinada simplesmente pela razão, independente dos móbiles sensíveis (KANT, 2002, p. 81).


Todavia, os princípios práticos são as proposições que determinam em geral a vontade (KANT, 2002, p. 27). Caso esteja estão ligados a objetos da faculdade de desejar que lhe servissem como fundamentos materiais de determinação da vontade são empíricos e, portanto, não oferecem necessidade e universalidade. Isso porque a matéria da faculdade de desejar (objeto cuja realidade é desejada) está ligada ao prazer ou desprazer na representação deste objeto ao sujeito e o prazer e desprazer não são conhecidos a priori, mas, ao contrário, somente podem ser conhecidos após a experiência (KANT, 2003, p. 29-30).


Os princípios práticos que possuem a validade conhecida pelo sujeito apenas para a sua vontade são chamados princípios práticos subjetivos ou máximas (KANT, 2003, p. 27). Além de poderem referir-se a representação da realidade do objeto (matéria), as máximas podem referir-se simplesmente à forma das leis práticas, ou seja, como se verá adiante, à validade universal ou universalidade da legislação (KANT, 2003, p. 36).


3 A vontade pura


Os princípios práticos que são considerados válidos para todo ser racional, ao contrário, são chamados leis práticas e, portanto, possuem validade objetiva. Possuir realidade objetiva significa dizer que os princípios práticos objetivos são validos universalmente para todo ser racional. Todavia, a existência de princípios práticos objetivos está condicionada à possibilidade de a própria razão poder determinar a priori a vontade (KANT, 2003, p. 27).


A determinação a priori da vontade pela razão pura é explicada por Kant com base em uma evidência, um fato da razão pura, a lei moral ou lei fundamental. Com efeito, a lei moral é imposta por si mesma a nós como uma proposição sintética a priori segundo a qual, devido à universalidade da legislação, as máximas da vontade devem ser confrontadas com a vontade pura (prática a priori), a qual condiciona a ação à conformidade com o principio segundo o qual a máxima desta ação possa ser universalizada (KANT, 2003, p. 40-43).


A vontade pura, assim, diferencia-se da vontade sensivelmente determinada por não possuir como fundamento de determinação (matéria) o princípio de felicidade, mas, ao contrario, o principio de determinação da vontade pura é a lei moral, ou seja, a capacidade da máxima de se tornar principio em uma legislação universal (KANT, 2003, p. 42).


As máximas, portanto, são os princípios subjetivos da ação e, assim, são válidas, a principio, apenas para o sujeito agente (KANT, 2003, p. 27-28). A lei moral, todavia, é uma principio prático de universalização de máximas, de sorte que algumas máximas possam ser válidas, não apenas para o sujeito que a elege como principio de sua ação, mas para todos os seres racionais que virtualmente se encontrem na mesma situação deste sujeito (KANT, 2002, p. 82-83).


4 O imperativo categórico


Em um ser que fosse apenas dotado de vontade pura a lei moral seria apenas descritiva, uma vez que, pela natureza deste ser, ele invariavelmente agiria de acordo com a lei moral, i.e, as máximas de suas ações seriam sempre passíveis de se tornarem leis universais (KANT, 2002, p. 86-87).


Como o homem é dotado não apenas de vontade pura, mas também de uma vontade passível de ser determinada pelos móbiles sensíveis, a lei moral, para nós, toma a forma de imperativo categórico, o qual ordena de forma incondicionada e necessária o seguinte princípio: “Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa valer sempre como princípio de uma legislação universal” (KANT, 2003, p. 43).


Além do imperativo categórico, Kant ensina que existem outros imperativos ditos hipotéticos, pois estão ligados a um fim específico e ordena uma ação enquanto boa para se alcançar tal fim, enquanto o imperativo categórico, como se viu, ordena uma ação incondicionalmente, pois é boa em si mesma (SALGADO, 1986, p. 212-214).


A dependência da vontade em relação ao imperativo categórico chama-se obrigação, enquanto a ação determinada pela coação intelectual da razão pura através do imperativo categórico é chamada dever (KANT, 2003, p. 42).


O imperativo categórico, assim, é possível porque diante da pressuposição da idéia da liberdade tomamos conhecimento que fazemos parte também de um mundo inteligível, possuindo, por isto, uma vontade que, sendo pura, pode ser lei para si mesma (razão prática), i.e, uma vontade autônoma (KANT, 2002, p. 84-85). Todavia, a vontade possui também realidade sensível, logo, não necessariamente está em consonância com a lei moral, daí se explica a necessidade do imperativo categórico (KANT, 2002, p. 86-87).


Como o imperativo categórico impõe à vontade o dever categórico de agir em conformidade com a lei moral é mister atentar para o fato de que esse dever categórico é uma proposição sintética a priori, pois está-se ligando uma vontade enquanto empiricamente determinada à vontade enquanto autolegisladora (KANT, 2002, p. 87-88), i.e, a própria razão pura é causa eficiente de determinação da vontade (KANT, 2003, p. 57-60).


Como toda ação possui uma máxima correspondente, o procedimento da Ética kantiana[1] será inicialmente o de identificação da máxima da ação para, posteriormente, verificar se tal máxima pode ser erigida em lei universal, i.e, se tal máxima possui a forma de lei prática.


O imperativo categórico, por sua vez, na medida em que coage a vontade a agir, exige objetivamente a ação em conformidade com o dever. Entretanto, subjetivamente o que é exigido é o respeito pela lei moral, de sorte que a ação seja não apenas em conformidade com o dever, mas por dever. Assim:


“O motivo da ação moral é o próprio dever, que gera no homem o sentimento moral. Esse sentimento moral não é externo, não vindo da sensibilidade (inclinações): é o próprio respeito pela lei moral, que é o motivo da ação, o que o caracteriza como um sentimento produzido pela razão” (TRIVISONNO, 2004, p. 127).


Segundo Kant, o sentimento moral, ou o respeito pela lei moral, advém do vislumbre da lei moral, na medida em que esta expõe o sujeito humano agente à evidência da superioridade da sua constituição inteligível ou transcendental face à sua constituição sensível (KANT, 2003, p. 92-99).


5 Conclusão


A teoria da obrigatoriedade de Kant, portanto, está condicionada à possibilidade de a razão ser ela mesma o único fundamento de determinação da vontade. Assim, pressupor a razão pura como portadora de um princípio prático, uma racionalidade livre, no sentido transcendental, é o próprio pressuposto da autonomia em Kant (KERSTING, 2009, p. 157-159).


De outro lado, a autonomia da vontade é também o cerne da filosofia moral de Kant. Por sermos autônomos, livres, é que podemos agir moralmente. Por outro lado, pelo fato de não necessariamente seguirmos a lei moral, i.e., não agirmos sempre com autonomia, é que se faz necessário o imperativo categórico para coagir a vontade a agir conforme a lei moral.


 


Referências

TRIVISONNO, Alexandre Travessoni Gomes. O Fundamento de Validade do Direito: Kant e Kelsen. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Claret, 2003.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Martin Claret, 2002.

KERSTING, Wolfgang. O Fundamento de Validade da Moral e do Direito em Kant. In: TRIVISONNO, Alexandre Travessoni Gomes (Coordenador). Kant e o Direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2009.

SALGADO. Joaquim Carlos. A ideia de justiça em Kant. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1986.


Nota:

[1] Adota-se aqui a terminologia de Trivisonno. Ver: TRIVISONNO, 2004, p. 128-130.

Informações Sobre o Autor

Vitor Amaral Medrado

Mestrando em Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e graduando em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Advogado


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Equipe Âmbito Jurídico

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