O conceito de sentença e a ressalva da ação de demarcação de terras

Resumo: O presente artigo tem como objetivo apresentar o conceito de sentença, analisando a exceção desta definição com relação à ação de demarcação de terras. Trata-se de análise da origem do termo sentença, bem como do seu significado dentro da legislação processual civil em vigor e do novo diploma legal instituído pela Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Ressalta-se a ressalva do artigo 203, §1º do novo diploma, com análise da sentença dentro do procedimento especial da ação de demarcação de terras. Do ponto de vista metodológico, aplicou-se o método indutivo, para a obtenção da conclusão.

Palavras-chave: Sentença. Conceito. Processo Civil. Procedimento Especial. Ação de Demarcação de Terras.

Abstract: This article aims to introduce the concept of sentence, analyzing exception to this definition regarding land demarcation action. It is analysis of the origin of the term sentence and its meaning within the civil procedural legislation and the new legislation introduced by Law No. 13105 of 16 March 2015. It is noteworthy the exception of Article 203, § 1 of the new law, with sentence analysis within the special procedure of land demarcation action. From a methodological point of view, it applied the inductive method, to obtain the conclusion.

Keywords: Judgment. Concept. Civil lawsuit. Special Procedure. Demarcation action Lands.

Sumário: Introdução. O conceito de sentença nas ações de demarcação de terra perante a Lei nº 13.105/2015. Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO

O termo sentença tem origem no Direito Romano como ato que manifesta a vontade do Estado por meio do juiz. No processo civil brasileiro, a definição do termo encontra-se expressa na legislação, bem como em diferentes doutrinas.

Nesse sentido, a lei disciplina que a sentença é ato do juiz que põe fim a fase cognitiva do processo, decidindo ou não o mérito da demanda.

Na nova legislação processual civil, instituída pela Lei 13.105/2015, verifica-se menção expressa a uma ressalva do conceito de sentença nos procedimentos especiais, conforme artigo 203, §1º.

Destarte, no procedimento especial da ação de demarcação de terras observa-se que a sentença não se configura como ato do juiz que põe fim ao processo, uma vez que apenas encerra parte da demanda.

Nesse diapasão, é necessário compreender qual a importância desta resalva em matéria processual e no cumprimento das decisões judiciais.

Para tanto, utiliza-se o método indutivo, partindo-se de informações específicas para se obter constatações gerais. Por indução que se chega a uma conclusão a partir da generalização da observação de um fenômeno.

Salienta-se que a construção do artigo científico constituiu nas seguintes etapas: a) determinação do tema-problema da pesquisa; b) escolha do método científico; c) determinação do referencial; d) levantamento bibliográfico; e) construção do trabalho; f)elaboração das considerações finais. .

1 O conceito de sentença nas ações de demarcação de terra perante a Lei nº 13.105/2015

Inicialmente, cumpre buscar a origem histórica do conceito de sentença. Assim, verifica-se que no Direito Romano, o processo era dividido em duas fases, sendo a primeira conduzida pelo petror e a segunda pelo árbitro, esta última possuindo também jurados.

A segunda fase, chamada de “in iudicio” era o momento no qual as provas eram produzidas e a “sententia” era proferida.

Nesse sentido, o conceito de sentença, estava ligado à edição de um ato de vontade estatal que punha fim ao processo, sendo certo que o termo utilizado traduzia a expressão de vontade do pretor – juiz – que sentia algo a despeito do mérito da causa e punha fim ao litígio.

Verificam-se inúmeras modificações trazidas pelo Código de Processo Civil Brasileiro de 1973, dentre as mais importantes o novo conceito de sentença como ato que punha fim ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.

Assim, a lei não considerava o conteúdo do ato para conceituá-lo como sentença, mas sua finalidade: “Não era relevante que o juiz tivesse apreciado o mérito, bastando que extinguisse o processo. Com isso, ficavam superadas as notórias dificuldades do Código de Processo Civil de 1939, que utilizava como critério o conteúdo do ato. Como este gerava frequentes divergências, eram comuns as dificuldades em relação ao recurso apropriado” (GONÇALVES, 2011, p. 21).

Ato contínuo, a Lei 11.232/2005, alterou a redação do artigo 162, § 1º, determinado que sentença corresponde ao ato do juiz que implica nas situações de extinção do processo, seja com ou sem resolução do mérito da causa.

Portanto, verifica-se que sempre que o juiz, sem examinar o pedido, puser fim ao processo, será proferida sentença, da qual caberá recurso de apelação.

Assim, afigura-se exata a lição de Nelson Nery Junior e Rosa Nery (2010, p. 427): “O pronunciamento do juiz será sentença se: a) contiver uma das matérias previstas nos artigos 267 ou 269 da Lei nº 5.869/1973 – artigo 162, §1º da Lei nº 5.869/1973  e, cumulativamente, b) extinguir o processo artigo 162, §2º da Lei nº 5.869/1973 , “a contrario sensu”, porque se o pronunciamento for proferido no curso do processo, isto é, sem que lhe coloque termo, deverá ser definido como decisão interlocutória impugnável por agravo, artigo 522, da Lei nº 5.869/1973, sob pena de instaurar-se o caos em matéria de recorribilidade desse mesmo pronunciamento”.

Segundo o entendimento de (GONÇALVES, 2011, p. 22) essa solução impede que um processo possa ter mais de uma sentença, pois se isso fosse possível existiriam inúmeras dificuldades com relação ao recurso cabível e ao cumprimento da determinação.

No entanto, verifica-se que o artigo 203, §1º, do novo Código de Processo Civil estabelece uma ressalva relativa aos procedimentos especiais: “Artigo 203: Os pronunciamentos do Juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.§1º.Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual, o juiz com fundamento nos artigos 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução (BRASIL, Lei nº13.105, 2015).

Assim, segundo a nova perspectiva o juiz põe fim a fase cognitiva do processo comum, pois em alguns dos procedimentos especiais a sentença não põe fim à esta fase processual.

Destarte, nota-se que o Código de Processo Civil que entrará em vigor inovou ao deixar a questão positivada, no que tange a exceção de que trata o § 1º do artigo 203 que ainda não estava expressa na legislação.

Sendo assim, resta evidente que nos procedimentos especiais, a sentença poderá consistir em ato que não põe fim ao processo. Perceba-se como exemplo a ação demarcatória de terras.

A demarcatória é procedimento especial de jurisdição contenciosa, por meio da qual o proprietário de uma área busca constranger seu confinante a procederem juntos à demarcação da linha limítrofe entre as duas áreas, aviventar limites apagados ou renovar marcos.

Nesse sentido, o artigo 950 do Código de Processo Civil em vigor enumera quais os requisitos da petição inicial na ação em comento, além das exigências comuns, constantes no artigo 282 do mesmo diploma legal.

Em especial, é necessário que o autor da demanda informe quais os imóveis a serem demarcados, suas descrições e a dos limites que devem ser constituídos. Ainda, é mister que indique qual a linha divisória que entende ser a certa (GONÇALVES, 2011, p. 323).

Continuamente, haverá a citação do réu e prazo para contestação. Não existindo resposta do réu, o juiz procederá ao julgamento antecipado do mérito, porém em caso positivo o procedimento seguirá o rito ordinário.

Diante disso, em qualquer das hipóteses não poderá haver julgamento sem a nomeação de dois árbitros e um agrimensor para analisar qual o traçado da linha limítrofe, nos termos do artigo 956 do Código de Processo Civil em vigor.

Desse modo, os técnicos apresentaram sua avaliação para que o juiz possa prolatar a sentença, pois mesmo que o réu seja revel não existe possibilidade de o magistrado concluir qual a demarcação sem a colaboração de peritos.

Destarte, superada esta fase o juiz proferirá sentença acolhendo ou não o pedido “(…) a sentença que acolher o pedido, julgando procedente a ação, determinará o traçado da linha demarcada. Ela tem natureza declaratória, e sua eficácia é ex tunc” (GONÇALVES, 2011, p. 328).

Portanto, a sentença proferida nesta fase processual da ação demarcatória é notadamente uma sentença que não coloca fim ao processo, pois resolve o mérito apenas em parte, não encerrando a fase cognitiva (CÂMARA, 2015, p. 264).

Isto porque, existem procedimentos bifásicos, em que a fase de cognição está divida em duas partes diferentes, sendo certo que a decisão que encerra a primeira parte é uma sentença parcial e a decisão que encerra a segunda parte é uma sentença final.

Logo, a sentença parcial versa sobre a existência ou não do direito material do autor, de modo que o processo só prossegue para a segunda etapa se o magistrado entender que assiste direito ao autor da demanda.

Dessa maneira, contra esta sentença proferida em primeiro momento que não põe fim ao processo é cabível recurso de apelação e não agravo de instrumento, pois não se trata de decisão interlocutória, mas sim de sentença propriamente dita.

Assim, o caso em tela enquadra-se nas hipóteses de exceção apresentadas do artigo 203, §1º, da Lei nº 13.105/2015.

Ato contínuo, transitada em julgado a sentença que resolve parcialmente o mérito, passa-se a fase de execução material da ação demarcatória de terras.

Cabe ao agrimensor efetuar a demarcação, colocando os marcos, conforme a planta e o memorial descritivo. Os artigos 961 a 963 do Código de Processo Civil em vigor estabelecem regras que devem ser observadas pelos técnicos para a demarcação da linha divisória.

Fixadas as marcações, os árbitros deverão percorrer a linha demarcatória, elaborando relatório que ateste que os marcos foram corretamente fixados, estando em conformidade com a planta elaborada pelo agrimensor.

Após a elaboração do relatório, o juiz dará às partes a oportunidade de se manifestarem e não existindo nenhuma correção para ser feita, será lavrado auto de demarcação descrevendo em minúcias os limites demarcados, de acordo com a planta e o memorial descritivo. Tal documento será assinado pelo juiz, agrimensor e pelos árbitros.

Finalmente, o processo estará pronto para prolação de sentença que ponha fim a fase de cognitiva. “Assinado o auto, o juiz proferirá uma sentença homologando a demarcação. Contra essa sentença caberá apelação apenas no efeito devolutivo. Essa sentença produzirá efeitos erga omnes, desde que levada para registro no cartório de registro de imóveis” (GONÇALVES, 2011, p. 329).

Diante disso, a sentença proferida na segunda parte da ação de demarcação de terras, tem caráter homologatório, sendo certo que o recurso de apelação oposto contra esta decisão não poderá ter efeito suspensivo, mas apenas devolutivo. Dispõe o Código de Processo Civil: “Artigo 520: A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que: I – homologar a divisão ou a demarcação […]” (BRASIL, Lei nº 5.869, 1973).

Logo, ressalvados os procedimentos especiais que sejam divididos em duas etapas, sentença é o ato judicial que põe fim ao processo ou a uma de suas fases, cognitiva o ou executiva. (CÂMARA, 2015, p. 264).

Outrossim, a Lei 13.105/2015 não deixa dúvidas sobre o conceito supra. Assim diz o artigo 316 que “A extinção do processo dar-se-á por sentença”.

Por todo o exposto, dúvidas não pairam que a sentença é ato do juiz que põe fim ao processo cognitivo, podendo decidir ou não o mérito da causa.

Nota-se que a definição de sentença é de grande importância para o cumprimento das decisões judicial e ainda mais no que diz respeito à matéria recursal, pois diante da dúvida do intérprete aplicador do direito, é possível que se interponha o recurso errado ou mesmo que não se cumpra uma decisão tempestivamente.

Nesse diapasão, a compreensão de que existem exceções à regra de que sentença põe fim ao processo, é de fundamental importância para o jurista.

Este é o caso da ação de demarcação de terras, tal procedimento especial possuirá duas sentenças dentro de um só processo, sendo certo que a primeira delas não se confundirá com decisão interlocutória, qual seja, aquela que tem cunho decisório, mas não põe fim ao processo nem versa sobre o mérito da causa.

Resta cediço, que a compreensão da exceção prevista no artigo 203, §1º, da Lei 13.105/2015, deixa uma alerta para que não existam erros em matéria de recurso nem ao que diz respeito ao cumprimento da decisão nos procedimentos especiais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho objetivou analisar o significado da sentença dentro da legislação processual civil em vigor, bem como das alterações trazidas pela Lei 13.105 de 2015.

Nesse sentido, demonstrou-se o conceito do termo, ressaltando a importância da sua compreensão para o jurista, do ponto de vista do cumprimento das decisões judiciais e, principalmente em matéria recursal.

Outrossim, o presente artigo deu ênfase para a ressalva expressamente positivada no artigo 203, §1º, da Lei 13.105/2015.

Assim, restou elucidado que nos procedimentos especiais a sentença poderá não ter o significado disposto na legislação, sendo certo que nestes casos a decisão chamada de sentença não colocará termo ao processo.

Diante disso, foi utilizado o exemplo da ação de demarcação de terras, demonstrando como o procedimento ocorre, a fim de se concluir que neste caso a sentença excepcionalmente não encerra o processo.

Destarte, o artigo comprovou que o recurso cabível contra a decisão que encerra parte da ação demarcatória de terras é a apelação, pois se dá a esta decisão o nome de sentença, não se confundido com decisão interlocutória.

Por todo o exposto, o que se pode aprender com o presente trabalho é que não se pode generalizar o conceito de sentença como decisão que encerra o processo, pois há ressalva nos casos dos procedimentos especiais.

 

Referências

BRASIL. Lei nº 13.105, 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 mar. 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 10 mar. 2016.

BRASIL. Lei nº 5.869, 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 jan. 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm>. Acesso em 10 mar. 2016.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo Processo Civil Brasileiro. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil Processo de Conhecimento e Procedimentos Especiais. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011.

JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 3.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.


Informações Sobre os Autores

Paula Treges Dovizio

Advogada, bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Pós-graduanda em direito processual civil pela Universidade Cândido Mendes- Curso Fórum

Juliana Giovanetti Pereira da Silva

Advogada Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Bolsista CAPES. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Lais Giovanetti

Advogada mestranda em Direitos e Garantias Fundamentais pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Bolsista CAPES. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas


Equipe Âmbito Jurídico

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