O concurso público e a prática jurídica na jurisprudência dos tribunais superiores

Resumo: O presente trabalho analisou o sistema jurídico dos concursos públicos, evolução histórica, conceito e regramento constitucional. Por meio de uma abordagem prática, buscou delimitar o conceito de prática jurídica e o que é abrangido por ele. Realizou cotejo analítico entre o estágio acadêmico e a atividade jurídica, a fim de concluir se aquele está contido nesta. Também observou o posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema, especialmente no que concerte ao entendimento dos Tribunais Superiores.

Palavras-chave: concursos públicos, evolução histórica, prática jurídica, estágio acadêmico, Tribunais Superiores, jurisprudencial.

Abstract: This work examined the juridical system of the public contests, historical evolution, concept and constitucional rules about it. In a practical aproach, tried to delimit the concept of judicial practice and what is covered in that. Make a relation between the academic intership and the judicial practice, and tried to conclude if the first one is covered by the second one. Also analysed the jurisprudential and doctrinaire position about the theme, especially in Superiors Courts understanding.

Keywords: public contest, historical evolution, judicial practice, academic intership, Superiors Courts, jurisprudential

Sumário: Introdução; 1. Elementos introdutórios; 1.1. Evolução história do concurso público; 1.2. Conceitos iniciais inerentes ao sistema jurídico do concurso público; 1.2.1. Concurso público; 1.2.2. Prática jurúdica x Prática forense x Atividade jurídica; 1.2.3. Estágio acadêmico; 2. A prática jurídica no âmbito dos tribunais superiores; 2.1. Os requisitos para ingresso na carreira pública e o princípio da legalidade; 2.1.1. Exame psicotécnico e limite de idade; 2.2. A legitimidade da exigãncia de prática jurídica; 2.2.1. A omissão constitucional e o silêncio eloquente; 2.2.2. O Superior Tribunal de Justiça e a exigência de prática jurídica; 2.2.3. O Supremo Tribunal Federal e a exigência de prática jurídica; 2.3. O entendimento do Supremo Tribunal Federal e a sua aplicação ao estágio acadêmico. Considerações finais.

INTRODUÇÃO

O artigo buscou realizar um cotejo analítico entre o conceito de prática jurídica e o estágio acadêmico, se este encontra-se abrangido por aquele, à luz do posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema.

No primeiro capítulo, foi realizada uma abordagem histórica do concurso público, bem como conceituou-se o que é concurso público, estágio acadêmico e prática ou atividade jurídica, bem como as diferenças em relação à prática forense.

No segundo capítulo, abordou-se a relação entre os princípios da legalidade, da razoabilidade e do amplo acesso aos cargos públicos, a fim de demonstrar a legitimidade ou não da exigência de prática jurídica como requisito para ingresso na carreira pública.

Observou-se o conceito amplo de prática jurídica na visão do Superior Tribunal de Justiça e da doutrina pertinente. Também analisou o recente julgado do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, que considerou como atividade jurídica não só a atividade privativa de bacharel em Direito, mas outras atividades, como a de técnico judiciário, desde que comprovada a pertinência das atividades realizadas pelo indivíduo.

Nas considerações finais, foi possível observar que a interpretação do que vem a ser prática jurídica deve ser a mais ampla possível, englobando o estágio acadêmico no seu conceito, haja vista a finalidade deste, bem como o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema.

Assim como o cargo de técnico judiciário pode gerar prática jurídica, desde que demonstrada a pertinência das atividades realizadas pelo técnico, o estágio acadêmico em Direito, também, observados os mesmos pressupostos.

1 ELEMENTOS INTRODUTÓRIOS

O presente capítulo tem por objetivo apresentar a evolução histórica dos concursos públicos bem como os conceitos iniciais do que é concurso público, prática jurídica e estágio acadêmico, para só então dar-se início à problemática do presente trabalho.

1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRIA DO CONCURSO PÚBLICO

O concurso público como procedimento administrativo de seleção para o ingresso nos cargos públicos remonta à França napoleônica, mas antes disso é de bom alvitre comentar-se acerca dos procedimentos de seleção anteriores ao concurso público.

Quatro foram as principais formas de seleção pública que antecederam o concurso: o sorteio, a compra e venda de cargos, a livre nomeação e a eleição, que evoluíram para se adequarem ao momento político vivido pelo Estado.

O sorteio como forma de seleção para atribuição de cargos públicos teve origem na antiguidade. Podia ser conceituado como procedimento de seleção por um critério condicional, ou seja, o candidato não era selecionado por atributos pessoais, tais como competência, merecimento, dentre outros, mas por um critério que derivava da sorte de modo exclusivo[1].

Tratou-se de procedimento de aplicação restrita no tempo, não se adequando à evolução do Estado, fato que ensejou a utilização de métodos mais eficazes para o ingresso no serviço público.

A compra e venda de cargos públicos, com refúgio na Idade Média, transformou os cargos públicos em verdadeiras mercadorias do Estado, o que privilegiou a classe mais abastada da população. Nos dizeres de Agapito Machado Júnior, tal método de seleção, embora trouxesse riqueza para o Estado, também não selecionaria o candidato mais apto, porém o mais rico[2].

O terceiro procedimento, a livre nomeação, deriva de um ato discricionário da autoridade, que atribuía a alguém um cargo público. Divide-se em absoluto, quando é de competência de apenas uma autoridade, e relativo, quando deriva da vontade de duas ou mais autoridade, trata-se de um ato complexo neste caso[3].

No que pese a possibilidade de auferir as características subjetivas do candidato, a depender do critério escolhido pela autoridade nomeante, a livre nomeação encontra óbice no nepotismo, hoje vedado expressamente pelo súmula vinculante 13 do Supremo Tribunal Federal, mas que já encontrava respaldo nos princípios da moralidade e da eficiência previstos na Constituição Federal.

Este método ainda é utilizado no Brasil para o provimento de cargos em comissão, conforme aduz o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, embora não seja a regra do sistema jurídico brasileiro.

Por fim, o sistema de eleição para o provimento de cargos públicos. Não se tem dados suficiente sobre a origem exata da eleição como método de ingresso no serviço público, tal procedimento remonta aos primórdios da sociedade.

De uma forma sucinta, é o procedimento político por meio do qual indivíduos votam a fim de eleger um representante de seus interesses. Como forma de escolha para os cargos públicos em geral não teve grande acolhimento, mas como forma de seleção para os cargos políticos é utilizada até os dias atuais, em atendimento ao princípio democrático.

Ademais, segundo leciona Agapito Machado Júnior, tal método, mesmo havendo a possibilidade de selecionar o candidato democraticamente, ou seja, com o crivo da sociedade, acabou tornando-se forma de atribuição de cargos políticos a classes dominantes, tendo em vista o alto custo das eleições[4].

O concurso público, conforme acima mencionado, teve origem na França, especificamente no período em que Napoleão Bonaparte assumiu o poder.[5] Na tentativa de estabelecer uma Administração Pública menos corruptível, tal procedimento visava à seleção de candidatos mais bem preparados para o serviço.

O método de seleção que tem por critério a meritocracia, obteve grande força com o movimento da burocratização da Administração Pública, que deixou de ser patrimonialista e hoje é classificada como gerencial.

No Brasil, a evolução do concurso público teve como marco inicial a Constituição Imperial de 1824, cujo método de seleção era o da live nomeação, evoluindo com a Constituição Republicana de 1991, que não deixou de aplicá-la, mas se passou a exigir alguns elementos pessoais do candidatos a fim de auferir sua capacidade para o cargo[6].

A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar de forma expressa sobre o concurso público, contudo, sem o aspecto geral que este alcança hoje, vale dizer, possuía aplicação restrita aos cargos organizados em carreira[7]. Não houve modificações significativas nas de 1937, 1946 e 1967.

A Constituição Federal de 1988 trouxe o instituto do concurso público como ele é nos dias de hoje, tratou-o de forma mais detalhada, dando aspecto geral ao procedimento, que passou a ser a regra do ingresso nos cargos públicos no Brasil.

1.2 CONCEITOS INICIAIS INERENTES AO SISTEMA JURÍDICO DO CONCURSO PÚBLICO

Feitas as devidas considerações acerca da evolução história do Concurso Público, passemos ao estudo dos conceitos necessários à devida compreensão do tema aqui abordado.

1.2.1 Concurso público

 Segundo José dos Santos Carvalho Filho, o concurso público é um procedimento administrativo que visa à seleção dos melhores candidatos para o provimento de cargos públicos:

 “Concurso público é o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas. Na aferição pessoal, o Estado verifica a capacidade intelectual, física e psíquica de interessados em ocupar funções públicas e no aspecto seletivo são escolhidos aqueles que ultrapassam as barreiras opostas no procedimento, obedecida sempre a ordem de classificação. Cuida-se, na verdade, do mais idôneo meio de recrutamento de servidores públicos. Abonamos, então, a afirmação de que o certame público está direcionado à boa administração, que, por sua vez, representa um dos axiomas republicanos”[8].

Segundo o referido autor, o concurso trata-se de um procedimento administrativo, não se fazendo aqui qualquer distinção entre processo e procedimento, haja vista a divergência doutrinária sobre o tema[9]. É um conjunto de atos encadeados a fim de alcançar um objetivo, no caso, o provimento de cargos e empregos.

Alexandre Mazza complementa tal entendimento, afirmando ser um procedimento externo e concorrencial: “Trata-se, ainda, de um procedimento externo e concorrencial. É externo porque envolve a participação de particulares. É concorrencial porque enseja uma disputa, cujo resultado final favorece alguns competidores em detrimento dos demais”[10].

A Constituição Federal de 1988 consagrou a regra dos concursos públicos no seu artigo 37, inciso II, informando que a investidura em cargo e empregos públicos depende da aprovação em concurso de provas ou provas e títulos, pondo a salvo os cargos em comissão de livre nomeação e exoneração.

Assim, pode-se conceituar Concursos Públicos como o procedimento administrativo que envolve a realização de provas a fim de avaliar e selecionar o candidato mais adequado para o provimento de cargos ou empregos públicos da Administração Pública direta e indireta.

1.2.2 Prática jurídica x Prática forense x Atividade jurídica

No que concerte à atividade jurídica, prática jurídica ou forense, prevalece na doutrina que prática ou atividade jurídica é muito mais ampla do que prática forense. Para a doutrina, prática forense trata-se exclusivamente da atividade do foro, exercida por meio do processo judicial litigioso:

“Quanto aos cientistas do direito, estes entenderam que o legislador não optou pelo termo prática forense. Como afirma Dayse Coelho de Almeida a expressão prática forense é, em si, restritiva porque se refere à prática do foro, dos tribunais.

Atividade jurídica é um conceito muito mais amplo que prática forense. Atividade jurídica reputa toda e qualquer ação vinculada ao direito, ou a seara jurídica. Assim, atividade jurídica é gênero da espécie prática forense, o que gera o entendimento lógico que atividade jurídica é prática forense e abrange algo mais, obviamente dentro do ramo jurídico.

Não é preciso ser advogado ou estagiário da OAB para se tornar juiz ou promotor. Não é necessário ter atuado efetivamente em processos judiciais. O funcionário público impedido de advogar não está impossibilitado de se inscrever para tais funções, desde que exerça atividade jurídica[11].

Quando a Constituição federal fez referência ao instituto em comento, expressou-se com o termo “atividade jurídica”, como é possível observar no artigo 93, inciso I, daquela.

Para Francisco Lobello de Oliveira Rocha, a expressão “atividade jurídica” deve ser entendida de forma ampla, englobando toda e qualquer atividade que requeira do indivíduo o conhecimento jurídico necessário para o exercício dela. Ainda segundo o autor, a “atividade jurídica“ deve englobar, por exemplo, o exercício de cargos de analista judiciário, estágios, bem como atividades privativas de bacharéis em direito[12].

Constata-se que a prática jurídica deve ser analisada de forma ampla, sem as amarras estipuladas à prática forense, qual seja, atividade de foro, privativa de bacharéis em Direito, seja como advogados, seja como promotores, defensores ou magistrados.

Ademais, deve ser aferida caso a caso, de acordo com as especificidades da situação concreta. Segundo Agapito Machado Júnior, a classificação do que é atividade jurídica é atribuição do Poder Judiciário ao analisar as minúcias do caso em litígio. Caberia ao juiz, por meio da proporcionalidade e razoabilidade, determinar se a atividade objeto do processo seria ou não considerada como jurídica para fins de concurso público[13].

Ainda segundo o autor, ao interpretar o artigo 93, inciso I, da Constituição Federal, a exigência dos três anos de atividade jurídica para o cargo de magistrado, mesmo diante de uma interpretação literal, é possível chegar a um conceito amplo do que seja prática jurídica. Veja-se:

Contudo, mesmo diante de uma interpretação literal, pode-se chegar a outro entendimento, o que se conformaria com a jurisprudência nacional, além de ser mais razoável, qual seja: “quando a emenda passa a exigir ‘do bacharel em Direito’ os três anos de atividade jurídica, não está dizendo que ele há de ter três anos de atividade jurídica enquanto bacharel em Direito, e, sim, que ele precisa ser um bacharel em Direito com três anos de experiência jurídica”. Dessa forma, a atividade jurídica seria computada mesmo antes da conclusão do curso de Direito.

É mais razoável tal interpretação, pois o que o legislador quer é a experiência do candidato em si na atividade jurídica e não a experiência após a colação de grau em Direito, até porque a experiência jurídica, enquanto tal, não se distingue pelo fato de o candidato ser ou não bacharel em Direito[14].

José dos Santos Carvalho Filho também diferencia atividade jurídica de prática forense, sendo aquela mais ampla, abrangendo todos aqueles que, impedidos de exercer prática do foro em si, atuam em setores indiscutivelmente ligados à área jurídica:

“O art. 93, I, da Constituição, com a alteração introduzida pela EC nº 45/2004 (Reforma do Judiciário), passou a estabelecer que para o ingresso na carreira da Magistratura será exigido, dentre outros requisitos, que o bacharel em direito tenha, no mínimo, três anos de atividade jurídica . Idêntico requisito é exigido para o ingresso na carreira do Ministério Público, como dispõe o art. 129, § 3º , da CF, também alterado pela aludida EC nº 45/2004. A expressão, sem dúvida, é mais precisa que a de “prática forense” , adotada em algumas leis e regulamentos de concurso. É mais ampla também, visto que englobará grande universo de interessados que, impedidos de exercer a prática do foro em si, atuam em setores indiscutivelmente ligados à área jurídica, não sendo justo, realmente, que ficassem alijados do certame”[15].

que se concluir, portanto, pela distinção entre atividade ou prática jurídica e prática forense, sendo aquela mais ampla, gênero do qual esta é espécie.

Assim, pode-se conceituar atividade jurídica como toda e qualquer atividade que tenha como requisito para o seu exercício o conhecimento jurídico, pouco importante se é exercida por bacharel em Direito. O que se deve considerar para fins de atividade jurídica é a experiência jurídica da atividade propriamente dita e não a colação de grau em curso de Direito.

Entender de modo diverso ocasionaria desarrazoada interpretação, violando o princípio do livre acesso aos cargos públicos consolidado no artigo 37, inciso I, da Constituição Federal, pois limitaria sobremaneira o acesso aos cargos daqueles que, embora tenham experiência jurídica, ainda não possuem tempo suficiente decorrido a partir da colação de grau.

É certo, portanto, que a atividade jurídica deve abranger não só atividade privativa de bacharel em Direito, mas de todo e qualquer cargo, emprego ou função que demande conhecimentos jurídicos para o seu exercício, como é o caso do estágio acadêmico, dos cargos de técnico judiciário, dentre outros.

1.2.3 Estágio acadêmico

O estágio é conceituado no artigo 1º da lei 11.788 como o ato educativo que visa à preparação para o trabalho.

“Art. 1o Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos. 

§ 1o O estágio faz parte do projeto pedagógico do curso, além de integrar o itinerário formativo do educando. 

§ 2o O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho”. (grifos nossos)

Segundo o referido dispositivo, o estágio tem por objetivo o aprendizado de atribuições próprias da atividade profissional a ser exercida pelo educando em futuro próximo, bem como o desenvolvimento desde para o trabalho.

Para Maurício Godinho Delgado, o estágio é a relação de trabalho lato sensu que mais se aproxima da relação de emprego tradicional, pois reúne os cinco elementos da relação empregatícia, mas, por uma questão de política educacional, não foi equiparada àquela.

Situação curiosa ocorre com a figura do estudante estagiário, embora não se trate de excludente com as mesmas características e força da hipótese acima analisada. É que não obstante o estagiário possa reunir, concretamente, todos os cinco pressupostos da relação empregatícia (caso o estágio seja remunerado), a relação jurídica que o prende ao tomador de serviços não é legalmente considerada empregatícia, em virtude dos objetivos educacionais do pacto instituído.

Esse vinculo sociojurídico foi pensado e regulado para favorecer o aperfeiçoamento e complementação da formação acadêmico-profissional do estudante. São seus relevantes objetivos sociais e educacionais em prol do estudante, que justificaram o favorecimento econômico embutido na Lei do Estágio, isentando o tomador de serviços, participe da realização de tais objetivos, dos custos de uma relação formal de emprego. Em face, pois, da nobre causa de existência do estágio e de sua nobre destinação – e como meio de incentivar esse mecanismo de trabalho tido como educativo -, a ordem jurídica suprimiu a configuração e efeitos justrabalhistas a essa relação de trabalho lato sensu. (…)

Repita-se que o estagiário traduz-se em um dos tipos de trabalhadores que mais se aproximam ela figura jurídica do empregado – sem que a legislação autorize, porém, sua tipificação como tal. De fato, no estágio remunerado, esse trabalhador intelectual reúne, no contexto concreto de sua relação com o concedente do estágio, todos os elementos fático-jurídicos da relação empregatícia (trabalho por pessoa tísica, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação ao tomador dos serviços). Não obstante, a ordem jurídica, avaliando e sopesando a causa e objetivos pedagógicos e educacionais inerentes à relação de estágio – do ponto de vista do prestador de serviços -, nega caráter empregatício ao vinculo formado. Essa negativa legal decorre, certamente, de razões metajurídicas, ou seja, trata-se de artifício adotado com o objetivo de efetivamente alargar as perspectivas de concessão de estágio no mercado de trabalho[16]. (grifos nossos)

É certo portanto que o estágio configura faticamente relação empregatícia, reunindo os cinco elementos desta, razão pela qual não devem ser diferenciadas quanto aos seus efeitos práticos, ou seja, no que pese o estágio não ser relação de emprego juridicamente, em razão de uma política educacional, não se distancia desta no mundo fático, razão pela qual têm efeitos idênticos no que concerte à “prática”.

Diante disso, assim como a relação de emprego gera o que se denomina de “prática”, contato com a atividade da profissão, a relação de estágio não pode ser distanciada deste efeito, pois, ao buscar a formação profissional do educando, induz a realização de atividades inerentes à profissão a ser exercida posteriormente.

Nesse diapasão, tanto a relação empregatícia quanto o estágio produzem prática no plano fático, haja vista ambos se darem no âmbito do exercício profissional de uma determinada atividade.

Assim, o advogado (aqui entendido em sentido amplo englobando os profissionais autônomos, os advogados empregados e os advogados públicos), por exemplo, realiza atividades jurídicas, tais como elaboração de peças processuais, audiências judiciais, pareceres etc. O estagiário, dentro de uma das carreiras que englobam o exercício da advocacia, também realiza atividades jurídicas, por óbvio com supervisão.

Ora, se realiza atividades idênticas, por que atribuir efeitos distintos quanto à prática. Se a relação de estágio não se trata de relação de emprego por uma questão de política educacional, sendo igual quanto aos elementos materiais daquela, por qual motivo o seu exercício não gera os mesmo efeitos práticos da relação de emprego.

A verdade é que interpretar a prática jurídica sem incluir nela o estágio acadêmico desvirtuaria o seu conceito epistemológico. Assim, um conceito restrito de prática jurídica não clarifica o que esta realmente é.

Francisco Lobello de Oliveira Rocha conclui com maestria tal entendimento: “A conclusão não poderia ser outra, já que o importante quando se fala em experiência são aos funções exercidas e o enriquecimento pessoal que proporcionaram, não o título dado à atividade exercida ou o momento de exercício”[17].

Não se pode, portanto, definir atividade jurídica pela denominação da profissão ou pelo lapso temporal em que foi exercida, razão pela qual o estágio acadêmico deve ser considerado como atividade jurídica, pois esta não é auferida com a simples colação de grau de bacharelado em Direito, muito menos pelo exercício da profissão efetiva de advogado, mas pelas experiências alcançadas durante o exercício de uma atividade, sendo esta supervisionada ou não.

2 A PRÁTICA JURÍDICA NO ÂMBITO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Feita a devida abordagem introdutória sobre a história do concurso público, bem como delimitação dos conceitos iniciais indispensáveis para o entendimento dos tópicos seguintes, passa-se ao estudo do atual entendimento dos Tribunais Superiores sobre o que vem a ser prática jurídica.

2.1 OS REQUISITOS PARA INGRESSO NA CARREIRA PÚBLICA E O PRINCÍPO DA LEGALIDADE.

O artigo 37, inciso I, da Constituição Federal, prescreve o princípio do amplo acesso aos cargos, empregos e funções públicas.

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:   

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;” (…)

De acordo com o dispositivo acima, é assegurado a todos o livre acesso aos cargos, empregos e funções públicas, observado o regramento inerente ao concurso público, meio adequado de seleção de pessoal para o serviço público, em atendimento aos princípios que regem a atividade administrativa do Estado.

A regra, portanto, é o acesso amplo a todos aqueles que queiram seguir a carreira pública, desde que atendida as disposições inerentes ao concurso público, sendo excepcional a exigência de requisitos outros para o mencionado ingresso, razão pela qual demanda a existência de lei que viabilize tal exigência.

O princípio da legalidade é conceituado por Celso Antônio Bandeira de Melo da seguinte forma:

“Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídico – administrativo, já que o Direito Administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: é uma conseqüência (sic) dele. É o fruto da submissão do Estado à lei. É, em suma: a consagração da ideia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei”[18].

Desse modo, o princípio da legalidade, exposto no artigo 37, diferente daquele previsto no artigo 5º da Constituição Federal, consubstancia-se na reserva legal, vale dizer, ao Estado só é dado fazer aquilo que a lei expressamente permite, nos dizeres de Maria Sylvia Zanela Di Pietro[19].

Quanto ao princípio da legalidade aplicável ao regime jurídico dos concurso públicos, previsto no artigo 37, inciso I, da Constituição, deve ser interpretado de modo que somente serão lícitos os requisitos exigidos pela lei, não havendo discricionariedade administrativa na aplicação ou não de um elemento que mitiga a regra do amplo acesso aos cargos públicos.

Percebe-se, portanto, que a regra é o livre acesso à carreira pública, sendo exceção a exigência de requisitos outros que reduzem o acesso pelos candidatos aos cargos, empregos e funções públicas, motivo pelo qual somente serão lícitos se previsto pela lei e não apenas isso, desde que também seja atendido o princípio da razoabilidade.

2.1.1 Exame psicotécnico e limite de idade

Em atendimento ao exposto acima, o Supremo Tribunal Federal Elaborou a súmula vinculante 44, segundo a qual “só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público”.

Tal enunciado expressa a necessidade do atendimento à reserva legal para o estabelecimento de novos requisitos necessários ao ingresso em cargos, empregos e funções públicas, sob pena de violar o princípio da legalidade e do amplo acesso aos cargos públicos.

Por conta da legalidade estrita, o regramento trazido pelas resoluções 75 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ – e 40 do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP – tem sua constitucionalidade questionada por parcela da doutrina[20], tendo em vista que não são lei em sentido estrito, mas atos normativos dos referidos órgãos integrantes do Poder Judiciário.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal, na súmula 683, prescreve a necessidade de atender a legalidade, bem como a razoabilidade quanto ao limite de idade para ingresso no serviço público: “o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da CF/88, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.

Ora, muito mais do que a própria legalidade, o atendimento ao princípio da razoabilidade é pressuposto do Estado Democrático de Direito, pois, além de ser legal, a previsão de novos limites ao acesso a cargos públicos deve ser legítima.

Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o princípio da razoabilidade não tem por finalidade compatibilizar causa e efeito, estabelecendo uma decisão racional, mas de compatibilizar interesses e razões[21]. Não se trata de uma mera subsunção da regra ao caso concreto, mas da análise dos valores postos em xeque no plano fático.

Para Rafael Carvalho Oliveira Rezende, o princípio da razoabilidade subdivide-se em três vertentes, a adequação ou idoneidade, a necessidade ou exigibilidade e a proporcionalidade em sentido estrito:

“a) Adequação ou idoneidade: o ato estatal será adequado quando contribuir para a realização do resultado pretendido (…);

b) Necessidade ou exigibilidade: em razão da proibição do excesso, caso existam duas ou mais medidas adequadas para alcançar os fins perseguidos (interesse público), o Poder Público deve adotar a medida menos gravosa aos direitos fundamentais (…);

c) Proporcionalidade em sentido estrito: encerra uma típica ponderação, no caso concreto, entre o ônus imposto pela atuação estatal e o benefício por ela produzido (relação de custo e benefício da medida), razão pela qual a restrição ao direito fundamental deve ser justificada pela importância do princípio ou direito fundamental que será efetivado (…)”[22].

Assim, deve ser analisado no caso concreto se a exigência editalícia, além de previsão legal, possui: adequação, ou seja, se contribui de forma determinante para o fim almejado pelo interesse público; necessidade, se diante da possibilidade de não haver a exigência, ela é necessária à realização da finalidade pública; e proporcionalidade em sentido estrito, se diante da ponderação do caso concreto, o bônus da exigência sobrepõe-se ao ônus acarretado por ela.

No caso da idade, é necessária a justificativa da exigência pela natureza do cargo, emprego ou função público, como é o caso das carreiras policiais, vale dizer, o limite de idade é adequado, necessário e proporcional ao exercício da atividade policial. Parece ser, haja vista a constante necessidade de condicionamento físico para tais carreiras, já que exercem atividade externa, em sua maioria, o que demanda maior rigor físico, qualidade inerente à juventude humana, via de regra.

Nota-se, portanto, a necessidade, quando da exigência de requisitos que limitam o amplo acesso aos cargos públicos, da observância dos princípios da legalidade e da razoabilidade, que compõem o princípio da legitimidade, corolário do Estado Democrático de Direito.

2.2 A LEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA DE PRÁTICA JURÍDICA

Do mesmo modo como foi abordado acima, a exigência de prática jurídica como requisito para ingresso nos cargos, empregos e funções públicas necessita ser estabelecida nos ditames da legalidade e da razoabilidade, vale dizer, somente será lícita sua exigência quando estipulada por lei em sentido formal, bem como atender aos pressupostos da razoabilidade.

2.2.1 A omissão constitucional e o “silêncio eloquente”

Originariamente, a prática jurídica foi estabelecida pela Constituição Federal no artigo 93, inciso I, modificado pela Emenda Constitucional 45 de 2004. Referido artigo trata especificamente da carreira da magistratura.

No que concerte à carreira da advocacia pública, nela incluída as esferas federal, estadual e municipal, os artigos 131 e 132 da Constituição da República nada dispuseram sobre atividade jurídica.

Luís Roberto Barroso acredita haver o que se denomina pela doutrina constitucional alemã de “silêncio eloquente”, segundo o qual a Constituição não especificou a exigência de prática jurídica para a carreira da advocacia pública pelo fato de o constituinte não ter achado pertinente tal exigência. Verbis:

A omissão, lacuna ou silêncio da lei consiste na falta de regra positiva para regular determinado caso. A ordem jurídica, todavia, tem uma pretensão de completude, e não se concebe a existência de nenhuma situação juridicamente relevante que não encontre uma solução dentro do sistema. O processo de preenchimento de eventuais vazios normativos recebe o nome de ‘integração.

[…] é preciso distinguir, como faz com proveito a doutrina alemã, entre lacuna e ‘silêncio eloquente. Em palavras do Ministro Moreira Alves: “Sucede, porém, que só se aplica a analogia, quando, na lei, haja lacuna, e não o que os alemães denominam de ‘silêncio eloquente(‘beredtes Schweigen), que é o silêncio que traduz que a hipótese contemplada é a única a que se aplica o preceito legal, não se admitindo, portanto, aí o emprego da analogia”[23]

Para o Ministro do Supremo Tribunal Federal, diante da completude do ordenamento jurídico, não há que se falar em omissão constitucional no caso em questão. Na verdade, a Constituição foi omissa propositalmente, tendo em vista acreditar não ser relevante a exigência de prática jurídica para outros cargos públicos diferentes dos de juízes e de promotores.

É preciso compreender que, a limitação do acesso aos cargos públicos não é a regra do ordenamento jurídico, mas exceção, devendo sempre observar o conjunto de princípios englobados por aquele. Não se nega, portanto, o atendimento ao princípio da eficiência no caso, vale dizer, a exigência de prática jurídica atende ao referido princípio quando exige candidatos com mais experiência para preencherem os cargos públicos.

Contudo, tornar a exigência de prática jurídica como a regra no ordenamento brasileiro violaria não só a regra do amplo acesso aos cargos públicos, como também o princípio da razoabilidade, caro ao Estado Democrático de Direito.

Ora, se a Constituição resolveu por bem exigir três anos de atividade jurídica exclusivamente para magistrado e membros do Ministério Público, o fez com razão, acreditando que a responsabilidade inerente a tais cargos justifica maior rigidez ao seu acesso.

Não se questiona a grande responsabilidade inerente aos cargos da advocacia pública, que merece grande importância ao lado das demais carreiras jurídicas que integram as Funções Essenciais à Justiça, mas o constituinte houve por bem não exigir a atividade jurídica prévia como requisito para ingresso nessa carreira. Manteve-se omisso não por equívoco, mas por vontade consubstanciada em valores maiores, quais sejam, o princípio do amplo acesso aos cargos públicos e da razoabilidade.

2.2.2 O Superior Tribunal de Justiça e a exigência de prática jurídica

A exigência de atividade jurídica já foi objeto de questionamento perante o Judiciário brasileiro. Para o Superior Tribunal de Justiça – STJ – tal exigência é legítima, atende aos postulados da Constituição da República. Contudo, a atividade jurídica não pode ser entendida de forma restrita, limitada a certo lapso temporal ou a certas atividades.

Para a Corte, prática jurídica deve ser vista em seu sentido mais amplo possível, alcançando qualquer atividade que demande conhecimentos jurídicos para o seu exercício e gere experiências jurídicas para o indivíduo.

“ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRÁTICA FORENSE. CONCEITO. INTERPRETAÇÃO ABRANGENTE. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.

1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, para provimento de cargos públicos mediante concurso, o conceito de "prática forense" deve ser compreendido em um sentido mais amplo, não comportando apenas as atividades privativas de bacharel em direito, mas todas aquelas de natureza eminentemente jurídica.

2. Recurso especial conhecido e improvido”[24].

Não se trata de julgado isolado, mas de verdadeiro entendimento consolidado na jurisprudência do STJ, como é possível observar em outros julgados da Corte[25].

Assim, atividade jurídica deve ser interpretada de forma ampla, não devendo ser limitada ao período pós colação de grau de bacharelado em Direito, mas alcançando também o exercício do estágio acadêmico, tendo em vista a sua natureza ser idêntica a própria atividade profissional, mas que por uma questão de política educacional não foi equiparada formalmente àquela.

2.2.3 O Supremo Tribunal Federal e a exigência de prática jurídica

Em julgado recente, o Supremo Tribunal Federal – STF – afirmou que o conceito de atividade jurídica não se limita aos cargos privativos de bacharel em Direito.

“CONCURSO – ATIVIDADE JURÍDICA – ESPECIFICIDADE – ARTIGO 129, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ALCANCE. A expressão “três anos de atividade jurídica”, contida no artigo 129 da Constituição Federal, não encerra vinculação a atividade privativa de bacharel em direito”[26].

O caso aborda a viabilidade de comprovação de atividade jurídica no cargo de técnico judiciário. Para o STF, é possível que o detentor de cargo de técnico judiciário adquira prática jurídica, desde que reste demonstrada, por meio das atividades inerentes ao cargo, a aquisição de experiência jurídica.

Segundo a Suprema Corte, a prática jurídica está nas atividades exercidas pelo detentor do cargo e não na denominação deste ou nos requisitos para o seu exercício. Assim, um técnico judiciário que realiza audiências, elabora sentenças e outras peças processuais, por óbvio, com a supervisão do magistrado responsável, exerce atividade jurídica suscetível de gerar prática jurídica.

Assim, não é necessário o grau de bacharel em Direito, sendo suficiente, para adquirir prática jurídica, o exercício da atividade gere experiência jurídica ou seja inerente à atividade jurídica.

2.3 O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A SUA APLICAÇÃO AO ESTÁGIO ACADÊMICO

Feitas as devida considerações sobre a decisão do STF no Mandado de Segurança 27.601, o que se pretende com o presente trabalho é aplicar tal entendimento ao estágio acadêmico em Direito. No que concerne à exigência de grau de bacharel em Direito, ambos são semelhantes, com a maior rigidez do estágio que exige do educando estar cursando Direito, enquanto que o técnico, não.

O cargo de técnico judiciário demanda o grau de nível médio completo, com base no artigo 8, inciso II, da lei 11.416, aplicável no âmbito da União Federal. Já o exercício do estágio acadêmico, com base no artigo 3º, inciso I, da lei 11.788, tem por requisito a matrícula e a frequência escolar do educando em curso de educação superior.

Segundo o STF, para que o exercício do cargo de técnico judiciário seja reconhecido como atividade jurídica, é necessário que o técnico exerça atribuições que gerem experiência jurídica, conforme mencionado acima. Se a essência do estágio em Direito é o exercício de atividades jurídicas inerentes ao curso, objetivando a aquisição de experiência profissional, não haveria lógica em distinguir as duas atividades.

Nesse diapasão, aceitar o estágio acadêmico como atividade jurídica seria o mais sensato a ser feito, pois se o cargo de técnico judiciário, que exige apenas o nível médio, desde que o detentor do cargo exerça atividades que demandem conhecimentos jurídicos, pode ser enquadrado como atividade jurídica, qual seria o motivo para não se aplicar tal entendimento ao estágio acadêmico, que além de exigir a matrícula e frequência escolar em curso de Direito, pela própria natureza é atividade jurídica.

Parece que entender a proposição acima em sentido negativo não seria a melhor decisão a ser tomada. O STF ainda não possui julgado sobre o tema, mas acredita-se que deva seguir o mesmo raciocínio do STJ, acolhendo o estágio como atividade jurídica, entendendo esta em seu sentido mais amplo possível.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No que concerne à evolução história do concurso público, foi possível extrair que o referido procedimento, no que pese as falhas inerentes aos institutos humanos, é o que mais se aproximas dos valores englobados pelo Estado Democrático de Direito, sendo a regra do ordenamento jurídico brasileiro para ingresso nos cargos, empregos e funções públicas.

Em relação à atividade ou prática jurídica, trata-se de conceito mais abrangente que a mera prática forense, visto que esta é inerente à atividade desenvolvida em foro processual, restrita aos sujeitos e atos processuais.

Ademais, observou-se que a prática jurídica como requisito de ingresso aos cargos públicos deve ser entendida da forma mais ampla possível, de modo a não violar o princípio da razoabilidade e do amplo acesso aos cargos públicos, valores presentes na Constituição da República.

Quanto ao estágio acadêmico, observou-se que a finalidade deste é aproximar o educando da atividade profissional a ser exercida em futuro próximo. Viu-se que, conforme doutrina mais acertada, não foi equiparada à relação de emprego apenas no aspecto jurídico-formal, por questão de política educacional, haja vista preencher todos os elementos da relação empregatícia, o que garante a equiparação no plano fático.

Também extraiu-se a exigência de lei em sentido estrito a fim de estipular novas exigências para o ingresso nos cargos, empregos e funções públicas, porém não só isso, necessitando também de atendimento ao princípio da razoabilidade em suas três vertentes, princípios inerentes ao Estado Democrático de Direito, conforme observado na análise da súmula vinculante 44 e súmula 683 do Supremo Tribunal Federal.

A exigência de prática jurídica como requisito de ingresso no serviço público, no que pese argumentação contrária relevante sobre o tema para os cargos que não exigiram constitucionalmente tal requisito, é válida, desde que atenda aos postulados da legalidade e da razoabilidade.

O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência sobre o tema. Para a Corte, é legítima a exigência de prática jurídica, devendo esta ser entendida em seu sentido amplo, englobando toda e qualquer atividade que requeira conhecimentos jurídicos e gere experiência jurídica. Além disso, não havendo julgados recentes da Corte sobre o tema, há que se depreender que o entendimento continua nesta vertente.

No Supremo Tribunal Federal há recente julgado tratando da exigência de prática jurídica e sua comprovação com relação ao cargo de técnico judiciário, no sentido de que a atividade jurídica não é privativa dos cargos de bacharel em Direito.

Diante disso, pelo estudo feito sobre o estágio acadêmico neste trabalho no que concerte a sua finalidade, qual seja, garantir que o educando tenha contato com a profissão, bem como adquira experiência prática inerente à esta profissão, tentou-se demonstrar que não há razão para distinguir os efeitos da relação jurídica do cargo de técnico judiciário e do estágio acadêmico em Direito, sendo certo que este, com mais razão, por exigir a matrícula e frequência escolar do educando em curso de Direito, gera prática jurídica.

Assim, a prática jurídica deve ser acatada em seu sentido mais abrangente, incluindo nela o estágio acadêmico em Direito, de modo que este possa suprir a exigência de “anos de atividade jurídica” como requisito para ingresso em cargos, empregos e funções públicas. Entender de modo diverso acabaria por violar a razoabilidade, bem como o amplo acesso aos cargos públicos, valores albergados pelo ordenamento jurídico brasileiro.

 

Referências
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora . 5. ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Atlas, 2015.
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. 4. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14 ed. São Paulo. LTR: 2015.
DE MELO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 30 ed. São Paulo. Malheiros: 2013.
DINIZ. Antônio. Atividade Jurídica x Prática Forense. Disponível em: <http://dinizdicas.blogspot.com.br/2015/05/atividade-juridica-x-pratica-forense.html> Acesso em: 21 ago. 2016
MACHADO JÚNIRO. Agapito. Concursos Públicos. São Paulo: Atlas, 2008.
MAIA, Márcio Barbosa. O regime jurídico dos concursos Públicos e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007.
DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25 ed. São Paulo. Atlas: 2012.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo (ebook). 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
MOREIRA, Diogo de Figueiredo Neto. Curso de Direito Administrativo. 16 ed. Rio de Janeiro. Forense: 2014.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 4 ed. São Paulo: Método, 2016.
ROCHA, Francisco de Oliveira. Regime Jurídico dos Concursos Públicos. São Paulo. Dialética: 2006..
SOUSA, Alice Ribeiro. O Processo Administrativo do Concurso Público. 2011. 161 f. Dissertação de Mestrado em Direito – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2011.
Notas
[1] MAIA, Márcio Barbosa. O regime jurídico dos concursos Públicos e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 3.
[2] MACHADO JÚNIRO. Agapito. Concursos Públicos. São Paulo: Atlas, 2008, p. 8.
[3] MAIA, Márcio Barbosa. O regime jurídico dos concursos Públicos e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 4.
[4] MACHADO JÚNIRO. Agapito. Concursos Públicos. São Paulo: Atlas, 2008, p. 8.
[5] CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. 4. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 2176
[6] SOUSA, Alice Ribeiro. O Processo Administrativo do Concurso Público. 2011. 161 f. Dissertação de Mestrado em Direito – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2011, p. 23.
[7] MAIA, Márcio Barbosa. O regime jurídico dos concursos Públicos e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 8.
[8] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Atlas, 2015, pg. 651
[9] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 4 ed. São Paulo: Método, 2016, pg. 338
[10] MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo (ebook). 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2016, pg. 1844
[11] DINIZ. Antônio. Atividade Jurídica x Prática Forense. Disponível em: <http://dinizdicas.blogspot.com.br/2015/05/atividade-juridica-x-pratica-forense.html> Acesso em: 21 ago. 2016
ROCHA, Francisco de Oliveira. Regime Jurídico dos Concursos Públicos. São Paulo. Dialética: 2006, pg. 84.
[13] MACHADO JÚNIOR, Agapito. Concursos Públicos. São Paulo. Atlas: 2008, pg. 128.
[14] MACHADO JÚNIOR, Agapito. Concursos Públicos. São Paulo. Atlas: 2008, pg. 134 e 135.
[15] CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo. Atlas: 2015, pg. 676.
[16] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14 ed. São Paulo. LTR: 2015, pg. 335.
[17] ROCHA, Francisco de Oliveira. Regime Jurídico dos Concursos Públicos. São Paulo. Dialética: 2006, pg. 84.
[18] DE MELO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 30 ed. São Paulo. Malheiros: 2013, pg. 103.
[19] DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25 ed. São Paulo. Atlas: 2012, pg 63.
[20] ROCHA, Francisco de Oliveira. Regime Jurídico dos Concursos Públicos. São Paulo. Dialética: 2006, pg. 86.
[21] MOREIRA, Diogo de Figueiredo Neto. Curso de Direito Administrativo. 16 ed. Rio de Janeiro. Forense: 2014, pg. 173.
[22] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 3 ed. São Paulo. Método: 2015, pgs. 172 e 173.
[23] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora . 5. ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 141
[24] REsp 547.270/PE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, julgamento em 17/10/2006, DJ 06/11/2006.
[25] MS 10.122/DF, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Terceira Seção, DJ 14/9/2005, p. 190; RMS 18.513/BA, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, Sexta Turma, DJ 10/10/2005, p. 435; STJ – AgRg no RMS: 26816 CE 2008/0088697-0, Relator: MIN. JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 18/08/2011, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/09/2011; STJ – RMS: 23362 BA 2006/0278554-0, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 16/06/2009, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/08/2009; STJ – RMS: 21133 BA 2005/0209877-1, Relator: Ministro NILSON NAVES, Data de Julgamento: 20/05/2010, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/06/2010
[26] STF. 1ª Turma. MS 27601/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 22/9/2015.

Informações Sobre o Autor

Caio Valença de Sousa

Graduado em Direito pelo Centro Universitário Christus UNICHRISTUS; Pós-graduando em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera/Uniderp; Advogado


Equipe Âmbito Jurídico

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