Resumo: O presente artigo apresenta um estudo sobre o tipo de entidade que o Conselho Federal de Medicina representa para o direito administrativo, qual o grau de hierarquia das suas resoluções na Órbita Jurídica Nacional, qual o tipo de controle que ele sofre. Analisa especificamente as orientações da Resolução 1.995/2012 acerca da possibilidade do ato de eutanásia e o termo de consentimento informado prestado por paciente diagnosticado com doença terminal e irreversível,e a responsabilidade de todos os envolvidos no ato piedoso da boa morte consentida.
Palavras-chave: eutanásia, consentimento informado, direito à vida, direito à morte, responsabilidades
Abstract: This article presents a study about the type of entity that the Federal Council of Medicine represents to the public and administrative law, what degree of hierarchy of its resolutions on national legal Orbit, what type of control that he suffers. Examines specifically the guidelines of Resolution 1.995/2012 about the possibility of the Act of euthanasia and the informed consent form provided by patient diagnosed with terminal illness and irreversible, and the responsibility of all those involved in the pious Act of Bangar consented.
Keywords: euthanasia, informed consent, the right to life, right to die, responsibilities.
Sumário. Considerações iniciais. 1. Eutanásia e orientações à abreviação da vida. 1.2. Conceito de eutanásia. 1.3. Aspectos históricos da eutanásia ou da eugenia. 1.4. Eutanásia e filosofia existencialista. 1.5. Humanizar e o direito de morrer. 1.6. A face paradoxal do princípio da autonomia. 2. Consentimento Informado. 3. Conselho Federal de Medicina e Resoluções. 3.1. CFM: Autarquias reguladoras de categorias profissionais. 3.1.1. Responsabilidade objetiva da autarquia CFM. 3.2. Tipos de Controle sobre o CFM e seus agentes médicos. 3.3. Orientações prevista na Resolução 1.995/2012 do CFM. Considerações derradeiras. Referências.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O operador do direito, ao representar o paciente ou familiares deste, para poder responsabilizar os médicos vinculados ao Conselho Federal de Medicina necessita compreender o que é, ou que tipo de órgão é constituído pelo Conselho Federal de Medicina, seu Código de ética profissional, seus ritos e processos administrativos.
O pesquisador de Direito Administrativo e Direito Constitucional, por analogia, faz um estudo comparativo entre o Conselho Federal de Medicina e o Conselho Federal dos Advogados. Este último, hodiernamente, tem sido considerado um órgão sui generis, pois é considerado às vezes, por ser um ente privado de função especialmente pública, já que a própria Constituição Federal o determina como sendo essencial à justiça.
A final, o Conselho Federal de Medicina é um órgão de direito público? Ou é um órgão de direito privado? Ou um órgão de função delegada? Se trata de uma autarquia? Ou não? O Conselho Federal de Medicina através das suas resoluções tem poderes para orientar condutas profissionais acima das normativas do Ordenamento Jurídico Nacional? Quais são os limites destes poderes? Faz-se necessário analisar detalhadamente a quem cada parte de uma relação controvertida se submete para poder responsabilizá-las.
Se o Conselho Federal tem poderes, quais são estes poderes? Qual a extensão territorial que se aplicam e se efetivam as suas determinações? E, em se tratando de paciente diagnosticado com doença incurável e terminal, qual o papel do Conselho Federal diante da vontade livre e expressa deste paciente? O Consentimento Informado firmado em termo de conduta, ele está sendo observado pelos médicos nos hospitais e clínicas do Brasil?
A sociedade é um complexo sistema, onde tudo deve funcionar na mais perfeita harmonia, não podendo, dentro do direito, as regras serem modificadas sem uma ampla discussão de todos, sem uma ampla participação democrática do povo. Assim para que o Conselho Federal de Medicina possa ter suas decisões garantidas, estas devem coadunar com a lei.
1. Eutanásia e orientações à abreviação da vida
A discussão acerca do enunciado da Resolução 1.995 do Conselho Nacional de Medicina, ou melhor, Conselho Federal de Medicina tem divido opiniões. Eis que surge a questão da hierarquia entre uma lei e uma resolução de um órgão de classe, o CFM (órgão administrativo que é uma autarquia). Outra questão relevante é a que discute sobre a temática abordada na resolução, pois para os médicos ela se refere a “orientação à antecipação da morte do paciente terminal”, para os operadores do direito, ela se refere a eutanásia, e conforme a circunstância poderá ser considerada homicídio assistido, suicídio, ou morte piedosa.
Entretanto, para Luiz Flávio Gomes, o novo Código De Ética Médica nada disse acerca da eutanásia, da ortotanásia e da morte assistida[1].
1.2. Conceito de eutanásia
Para sanar esta dúvida, buscou-se no Vocabulário Jurídico[2] o esclarecimento sobre o conceito de eutanásia, que:
“Derivado do grego eu (bom) e thanatos (morte) quer significar, vulgarmente, a boa morte, a morte calma, a morte doce e tranquila. Juridicamente, entende-se o direito de matar ou o direito de morrer, em virtude de razão que possa justificar semelhante morte, em regra,provocada para término de sofrimentos, ou por medida de seleção, ou de eugenia. A eutanásia provocada por outrem, ou a morte realizada por misericórdia ou piedade, constitui o homicídio ou crime eutanásico, considerado como a suprema caridade. Não é, entanto, a eutanásia admitida pelo nosso Direito Penal. Mas, admitem-na outras legislações.”
Percebe-se neste conceito uma abordagem apenas do direito penal, não adentrando nas questões de ordem civil e administrativa, como por exemplo, a responsabilidade civil do médico, ou de terceiros por danos ao paciente, como sofrimento além do previsto, danos morais, danos materiais. Responsabilidade do CEPSH e do hospital ou clínica pessoa jurídica.
Na parte final desta citação direta in bloco acima, quando se fala em admissão da eutanásia em outras legislações, está se referindo a legislações alienígenas, ou seja, de outros Estados. A Holanda, a Áustria, a Espanha, já se decidiram a favor da eutanásia. Entretanto a Associação de Médicos Mundial já se posicionou contrária através de Declaração sobre a eutanásia. Abaixo se verifica a Declaração sobre Eutanásia da World Medical Association in Madrid/Espanha em 1987. Eutanásia, que é o ato de deliberadamente terminar com a vida de um paciente, mesmo com a solicitação do próprio paciente ou de seus familiares próximos, é eticamente inadequada. Isto não impede o médico de respeitar o desejo do paciente em permitir o curso natural do processo de morte na fase terminal de uma doença. Esta declaração está conforme o World Psychiatric Association. Physicians, patients, society: human rigths and professional responsabilities of physicians. Amsterdam: WPA, 1996:30.
É possível observar o grave equívoco, pois não há que se consentir no ato da eutanásia sem o consentimento informado do paciente em estado terminal, nem mesmo quando autorizado por familiares, isso seria uma afronta a dignidade da pessoa humana do doente, e um ato criminoso de eugenia.
O termo eutanásia passa por uma evolução semântica ao longo dos séculos, sengundo Barchifontaine[3] a partir de Tomás Morus e Roger Bacon, no século XVII:
“o termo “eutanásia” adquire o significado que faz referência ao ato de pôr fim à vida de uma pessoa enferma. O debate sobre eutanásia não se concentra na legitimação de dispor da vida de qualquer pessoa, mas de a pessoa enferma, para a qual não existem esperanças de vida em condições que possam ser qualificadas como humanas, pedir e obter a eutanásia. A palavra “eutanásia” significou a ajuda oferecida ao moribundo por parte do médico consciencioso e atento aos sofrimentos e angústias do enfermo. O conceito clássico de eutanásia é tirar a vida do ser humano por considerações “humanitárias” para a pessoa ou para a sociedade, no caso de deficientes, anciãos, enfermos incuráveis… distingue-se entre eutanásia ativa (positiva ou direta), de um lado, e passiva, de outro. No primeiro caso, trata-se de uma ação médica pela qual se põe fim à vida de uma pessoa enferma, por um pedido do paciente ou a sua revelia. O exemplo típico seria a administração de uma superdose de morfina com a intencionalidade de pôr fim à vida do enfermo. É também chamada de morte piedosa ou suicídio assistido. A eutanásia passiva ou negativa não consistiria numa ação médica, mas na omissão, isto é, na não-aplicação de uma terapia médica com a qual se poderia prolongar a vida da pessoa enferma. Por exemplo, a não-aplicação ou desconexão do respirador num paciente terminal sem esperanças de vida. Tendo em vista a complexidade da questão, alguns autores, entre os quais o eticista Javier Gafo (Espanha), propõem discutir a questão em torno dos termos “deixar morrer em paz” e “eutanásia”. Deixar morrer em paz: seriam aquelas situações em que se toma a decisão de não continuar mantendo a vida, suprimindo determinadas terapias ou não as aplicando a um enfermo em que não existem possibilidades de sobrevivência, porque ele próprio expressou sua vontade explicitamente ou porque se pode pressupor”. (grifo nosso).
Lepargneur[4] trata da eutanásia como “intervenção que almeja, com sucesso, pôr fim simultaneamente à vida biológica e aos sofrimentos julgados intoleráveis de um ser humano que assim o quer (ou o queria, sem ter anulado seu pedido ou sua intenção anterior)”. Entretanto, esta definição não é se restringe a casos estrito senso, mas sim lato senso, pois a sua causa se determina quando o indivíduo “não vê sentido humano no prolongamento da própria existência biológica e nem outro meio mais idôneo para pôr fim a seu desconforto, concretamente, em seu contexto. Tal ser humano deve tomar (ou ter tomado) essa decisão com lucidez e não em estado transitório de depressão”. Para o eminente doutrinador, três são as causas para a eutanásia: “extrema velhice sem perspectiva de rejuvenescimento, excepcionalidade negativa, pesada e incurável, doença previsivelmente terminal”. A orientação à antecipação da morte do indivíduo, no Brasil, conforme a Resolução 1.195 de 2012 do CFM, restringe-se ao paciente que foi diagnosticado com doença grave, terminal e irreversível. Não se trata, por exemplo, de um paciente com problema cardíaco, que é diagnosticado como terminal, mas que se sofrer um transplante eficaz e eficiente, poderá sobreviver. Neste caso o estado terminal não é absoluto, mas relativo, pois vai depender das circunstâncias, como ter o doador, retirar após a morte do doador o coração, mover toda uma equipe qualificada para transportar o coração, enquanto o paciente e sua equipe de médicos e enfermeiros já está pronta para a cirurgia.
1.3. Aspectos históricos da eutanásia ou da eugenia
Segundo o Professor Genival Veloso de França in o direito de matar ou de morrer, em algumas passagens da existência humana se configurou na eugenia, é o que se constata no relato a seguir.
“O "direito de matar" ou o "direito de morrer" sempre teve em todas as épocas seus mais extremados defensores. Na Índia de antigamente, os incuráveis eram jogados no Ganges, depois de se lhes vedar a boca e as narinas com a lama sagrada. Os espartanos, conta Plutarco em Vidas Paralelas, do alto do monte Taijeto, lançavam os recém-nascidos deformados e até anciãos, pois "só viam em seus filhos futuros guerreiros que, para cumprirem tais condições deveriam apresentar as máximas condições de robustez e força". Os Brâmanes eliminavam os velhos enfermos e os recém-nascidos defeituosos por considerá-los imprestáveis aos interesses do grupo . Em Atenas, o Senado tinha o poder absolutos de decidir sobre a eliminação dos velhos e incuráveis, dando-lhes o conium maculatum – bebida venenosa, em cerimônias especiais. Na Idade Média, oferecia-se aos guerreiros feridos um punhal muito afiado, conhecido por misericórdia, que lhes servia para evitar o sofrimento e a desonra. O polegar para baixo dos césares era uma indulgente autorização à morte, permitindo aos gladiadores feridos evitarem a agonia e o ultraje. Há até quem afirme que o gesto dos guardas judeus de darem a Jesus uma esponja embebida em vinagre, antes de constituir ato de zombaria e crueldade, teria sido uma maneira piedosa de amenizar seu sofrimento, pois o que lhe ofereceram, segundo consta, fora simplesmente o vinho da morte, numa atitude de extrema compaixão. Segundo Dioscorides, esta substância "produzia um sono profundo e prolongado, durante o qual o crucificado não sentia nem os mais cruentos castigos, e por fim caía em letargo passando à morte insensivelmente". Assim admitida na antiguidade, a eutanásia só foi condenada a partir do judaísmo e do cristianismo, em cujos princípios a vida tinham o caráter sagrado. No entanto, foi a partir do sentimento que cerca o direito moderno que a eutanásia tomou caráter criminoso, como proteção irrecusável do mais valioso dos bens: a vida. Até mesmo nos instantes mais densos, como nos conflitos internacionais, quando tudo parece perdido, face as condições mais precárias e excepcionais, ainda assim o bem da vida é de tal magnitude que a consciência humana procura protegê-la contra a insânia, criando regras para impedir a prática de crueldades irreparáveis. Outras vezes, a ciência, de forma desesperada, intima os cientistas do mundo inteiro a se debruçar sobre as mesas de seus laboratórios, na procura dos meios salvadores da vida.”
Esclarece José Roberto Goldin[5] o equívoco da expressão eutanásia quando se trata eugenia praticada na Alemanha Nazista:
“Em outubro de 1939, a Alemanha Nazista implantou a "Aktion T 4", que era um programa de eliminação de recém-nascidos e crianças pequenas, até 3 anos, que tinham uma "vida que não merecia ser vivida". Os médicos e parteiras tinham o dever de notificar a autoridade sanitária de casos de retardo mental, deformidades físicas e outras condições limitantes. Uma junta médica de três profissionais examinava cada caso e a eliminação somente era realizada quando houvesse unanimidade. O programa logo se extendeu para adultos e velhos. Os pacientes que deveriam ser notificados eram portadores de esquizofrenia, epilepsia, desordens senis, paralisias que não respondiam a tratamento, sífilis, retardos mentais, encefalite, doença de Huntington e outras patologias neurológicas. Eram também incluídos os pacientes internados a mais de 5 anos ou criminalmente insanos. Foram acrescidos os critérios de não possuir cidadania alemã, ou ascendência alemã, discriminando especialmente negros, judeus e ciganos. Em seis centros de extermínio foram executadas cerca de 100.000 pessoas em menos de dosi anos que o Programa foi mantido. Um sermão do bispo católico Clemens von Galen, feito em 3 de agosto de 1941 denunciou de forma contundente e definitiva este extermínio. Em 23 de agosto, Hitler suspendeu a Aktion T 4, devido as repercussões deste sermão. A tecnologia de extermínio desenvolvida neste Programa foi utilizada nos campos de concentração para a eliminação em massa, não mais de doentes, mas com finalidade de "purificação racial". A designação Eutanásia para esse tipo de procedimento é incorreta, pois não havia o interesse de minorar o sofrimento de uma pessoa capaz e informada de sua condição de saúde.”
O fato da eugenia ter sido um aspecto histórico, na antiguidade, e muitas vezes ter na filosofia a contemplação da morte ou da vida, nada justifica a eliminação dos seres vivos, sejam humanos, ou animais, sem que isso seja, no caso do ser humano, conforme a sua vontade, e no caso dos animais, à sua proteção, ou redução do sofrimento.
1.4. Eutanásia e filosofia existencialista
Para Alvaro L.M. Valls[6] in a que se saber quando é chegada a hora de morrer, e que a filosofia é quem sempre analisou o saber morrer, o morrer através de uma boa morte ou morte doce.
“A filosofia já foi considerada, no passado, o aprendizado da morte. Desde Sócrates, filósofo era aquele que sabia morrer. Função da filosofia seria preparar-nos para uma “boa morte”, e o termo grego genérico, no caso, era mesmo “eutanásia”. Supunha-se que aquele que sabe morrer aprendeu a viver, e assim a vida e a morte se iluminavam reciprocamente. No século XIX, época dos grandes sistemas, a morte saiu da temática central dos textos filosóficos, e foi talvez Kierkegaard quem inaugurou uma nova perspectiva, chamada depois “existencial”, descrevendo a morte como algo que para cada um de nós é certo, mas cuja hora é bem incerta. Os filósofos da existência, no século XX, aprenderam esse dado sob a fórmula mais genérica da experiência da “finitude humana”. Para Heidegger, um dos “existenciais” que caracterizariam o homem é o “ser-para-a-morte”: “Zum-Tode-sein”. Isto significaria que entre as diversas possibilidades do homem há uma que representa “a possibilidade da impossibilidade”, ou seja, quando esta ocorre, todas as demais possibilidades ficam excluídas. Não é preciso ser nenhum filósofo para constatar, hoje em dia, que a gente não morre mais como antigamente. A hospitalização, as unidades de terapia intensiva e a invenção dos transplantes caracterizam três grandes tendências do século XX que alteraram totalmente o horizonte da morte e do morrer. A perspectiva de ir terminar seus dias num leito de hospital, preso a uma série de tubos e aparelhos, e como um eventual doador de órgãos a serem retirados ainda vivos quando o paciente estiver legalmente morto (aliás, numa definição de morte legal para fins precípuos de transplantes), não existia antes da última grande guerra mundial. Técnicas extremamente artificiais que nos pareciam adequadas quando aplicadas a um jovem e forte soldado ferido gravemente no Vietnã e que só precisava de algumas horas para chegar ao Hospital de Frankfurt, de onde teria grandes perspectivas de sair capacitado a uma reintegração à vida normal dos cidadãos, chocaram terrivelmente os brasileiros quando aplicadas ao presidente eleito Tancredo Neves, com um quadro clínico totalmente diferente. Técnicas e procedimentos que dão aos profissionais da saúde novos poderes de retardar ao máximo a hora da morte implicam obviamente um acréscimo de responsabilidade na grave questão de definir afinal quando então seria preciso desistir, aceitando o irreversível. A tentativa de definir a “ortotanásia” como um “justo meio termo” entre a eutanásia (apressada), e a distanásia (obstinada), parece ser antes um sintoma do problema do que uma verdadeira e definitiva solução. Aliás, para quem aceitar um pluralismo de definições da morte, entendida de várias maneiras como “um processo”, parece que o conceito genérico da “irreversibilidade” continuará como o mais proveitoso ou operacional nos diversos casos. Nem todos preferem, é claro, a definição enunciada por H. Tristam Engelhardt, Jr. (Fundamentos da Bioética, 1998, p. 296) da pessoa que se consideraria morta “quando seu corpo começasse a cheirar mal sob o sol do verão do Texas”. E se os mais obstinados na recusa da hora da morte chegam a pedir para serem congelados, há um dado que mesmo eles deveriam levar em conta: ninguém, a rigor, pode dar garantia absoluta de que daqui a 50 ou 100 anos, quando a medicina tiver descoberto a cura da doença que os condenou, haverá lugar no planeta para (o retorno de) mais um indivíduo, na hipótese da superpopulação. De modo que o projeto da “conservação criônica” lembra a muitos filósofos o conceito da “má infinitude”, que lança para o puramente quantitativo algo que teria de ser resolvido em termos qualitativos”.
Ao encontro de todo o exposto, em relação ao prolongamento da vida por técnicas médicas, José Heck[7] observa que:
“A sacralidade da existência revela-se no projeto de vida do indivíduo e não está descolada do conjunto de valores que o paciente adota antes de a morte ser iminente e inevitável, de a pessoa entrar em coma, de ficar demente ou de sofrer de uma doença incurável. Os seres humanos determinam a qualidade de suas vidas por meio de um conjunto de interesses valorativos que dão integridade ao todo da existência. A integralidade diretiva da vida humana é o critério básico contra a inumanidade da obstinação terapêutica, dos tratamentos fúteis e inúteis, do prolongamento da agonia e do adiamento sem sentido da morte lenta, marcada por ansiedade e por muito sofrimento (distanásia), e a favor da morte digna, no tempo certo, sem abreviação e prolongamentos abusivos, sensíveis ao alívio das dores e ao processo de humanização da morte (ortotanásia). A estrutura valorativa da biografia do indivíduo, com o leque das opções feitas ao longo de sua existência, justifica o pedido de abreviação da vida (eutanásia) para o caso de manipulação da morte, ou seja, para as intervenções em seu corpo que adiam indefinidamente a morte e, portanto, negam indevidamente a finitude da condição mortal do paciente” (PESSINI, 2003, p.389-408).
Assim percebe-se que a doutrina do existencialismo considera o prolongamento da vida por técnicas médicas como sendo um atentado a dignidade da pessoa humana, no seu direito a finitude da vida através da doce morte.
1.5. Humanizar e o direito de morrer
Lepargneur[8] analisando a obra Jacques Pohier sobre a eutanásia constata que se faz necessário humanizar a vida até a morte de forma inclusiva, ou seja, incluir a morte nos direitos humanos. Se há para o indivíduo o direito à vida como sendo um direito fundamental e humano, há, também o direito à morte, com o mesmo fundamento, pois também é um direito humano. Assim como não se defende o direito a qualquer vida, mas sim o direito à vida com qualidade de vida, se defende, nesta monografia, o direito à morte com qualidade profissional de se abster da vida sem sofrimento.
Quando Lepargneur elucida que há um tempo para tudo, ele quer se referir que não se deve prolongar a vida além do seu tempo, permitindo que através da tecnologia a medicina prolongue a vida de um moribundo que agoniza um sofrimento eterno, nem que se deva antecipar a morte para quem está em estado de saúde. Ter saúde é ter ausência de doença, de dor, de desequilíbrio mental e espiritual. Ter saúde é viver em equilíbrio, em harmonia, de forma tranquila e serena. Quando os familiares pedem aos médicos para usarem de todo o seu conhecimento científico para prolongar ao máximo a vida do doente terminal, eles estão agindo de forma egocêntrica, pois não estão respeitando o direito do doente terminal de ser respeitado na sua dignidade humana, pois todo ser humano, assim como nasceu, ele irá morrer. A questão é como ele irá morrer? O conhecimento científico do médico e da sua equipe poderá vir ao encontro do direito a imagem, a honra, a dignidade do paciente terminal, e da sua privacidade, desde que solicitado pelo próprio interessado.
Chama atenção a observação que Lepargneur faz em relação ao conhecimento do médico. Não basta este conhecimento científico, não basta o saber profissional, faz se necessário o saber introspectivo do paciente. O médico tem que ter o dom, a sensibilidade para interpretar o saber do paciente sobre a sua própria doença. É o paciente que sabe o quanto sofre, qual o grau da sua dor física e moral. Isso é humanizar o querer do paciente que deseja morrer, que deseja antecipar a sua biológica hora final. Assim, Lepargneur ao elucidar Jacques Pohier salienta que “ninguém deve substituir a consciência do outro e o destino de ninguém; isso é respeitar as pessoas e a vida humana que só existe em pessoas concretas”. Ele declara que o saber do paciente deve ser buscado pelo profissional da saúde. Logo, a autonomia da vontade do paciente deve ser observada e respeitada. Cumpre observar, conforme Lepargneur, que Pohier colaborou e participou da Associação para o Direito de Morrer na Dignidade (ADMD). E respeitar a autonomia, livre, sem pressão, sem coação, sem indução, e consentida do paciente lúcido, mas que se encontra em estado terminal irreversível, é respeitar a sua dignidade de pessoa humana, é respeitar o seu direito à vida quanto à morte.
1.6. A face paradoxal do princípio da autonomia
O princípio da autonomia da vontade do indivíduo é correlato ao princípio da dignidade humana, quando a bioética proclama como sendo um direito do paciente e um dever do médico. Assim sendo, um direito do paciente terminal, quando em posse das sua faculdade mental, portanto com capacidade civil de se autodeterminar conforme a sua vontade, sem sofrer esta vontade nenhum tipo de intervenção, nem direta, nem indireta. Não pode a vontade do paciente lúcido sofrer ingerência direta como coação, pressão, indução, nem ingerência indireta como sugestão programada para ser cumprida através de estado hipnótico.
Se um profissional da saúde, como um psiquiatra ou um psicólogo sugestionar o paciente no transe hipnótico estará ferindo a ética profissional e violando o direito à liberdade do paciente, em através da autonomia da sua própria vontade, se autodeterminar conforme o seu próprio interesse. Além disso tratar-se-á de um flagrante desrespeito ao princípio da dignidade humana.
A autonomia da vontade do paciente deve ser manifestada de forma segura, através de instrumento que lhe dê garantias de que a sua vontade não será manipulada. O instrumento que registra de forma cabal os anseios e desejos do paciente é o Termo de Consentimento informado.
Entretanto essa adesão a este instrumento deve se dar após o paciente ter recebido todas as informações científicas sobre a sua doença, informações necessárias à tomada de decisão acerca da sua própria vida, ou morte. Logo, o médico deve prestar todos os esclarecimentos e paradigmas à tomada de decisão, e ele deve se expressar de forma clara e concisa. Não deve obscurecer nenhum dado, nem consultar a família do paciente. Não deve agir conforme a vontade dos familiares, mas sim conforme a vontade do paciente. Para que o paciente terminal possa dar o seu consenso, as informações claras e precisas sobre a sua doença devem lhe ser prestadas bem antes da doença se agravar, pois para ele exercer o direito à liberdade com fundamento no princípio da autonomia da vontade livre, ele deve estar com capacidade absoluta de se autodeterminar.
Contudo, eis que surge o paradoxo do princípio da autonomia nos casos de bioética, segundo algumas circunstâncias. Verifica Lepargneur[9] que muitas vezes o consentimento informado é impossível de ser concedido, pois “na realidade, nos serviços de reanimação, se se recusa o simulacro e a impostura, tal consentimento é geralmente impossível de ser re colhido…”. Lepargneur enfrenta a questão da incapacidade relativa momentânea do paciente ao questionar sobre o seu estado para tomar decisões. Ele se refere a inadequação de um quase impossível consentimento informado, esclarecido, mas não compreendido. Perquire Lepargneur sobre a concessão deste tipo de consentimento, no que tange a compreensão e interpretação do paciente, pois para ele nestes casos o médico estaria mais preparado para decidir:
“(…)“consentimento esclarecido e perfeitamente livre” de um doente, ser humano que não está na sua melhor forma cultural e emocionalmente incapaz, talvez, de fornecer esta adesão limpa, é tão agudamente percebida por certos médicos norte-americanos que eles pedem, antes de certas intervenções arriscadas, a caução de um tribunal. O médico-reanimador Mantz confessa: “Afinal, a pessoa mais bem situada para resolver estas opções delicadas é o próprio médico: tem na mão os elementos técnicos, psicológicos e legais… O negócio não é tanto de direito jurídico ou de estrita deontologia quanto de percepção equitativa”.
Com todo o respeito que merece as arguições proferidas por este eminente doutrinador e sua experiência profissional acerca da cura no processo terapêutico de uma sinergia, mas se o médico agir pensando na cura, e que o seu saber profissional é essencial para lhe salvar a vida ou para lhe garantira a morte, ele estará desrespeitando o direito individual do paciente de decidir sobre a sua própria vida. Ousa-se discordar destas arguições, pois se o médico agir conforme o seu juramento profissional e o seu conhecimento científico salvando, ou melhor prolongando a vida de um paciente terminal, por sua vez, prolongando o seu sofrimento, estará agindo de boa-fé? Ou estará agindo de forma egocêntrica, ou a pedido de interesse de terceiros? Ele estará violando o princípio da dignidade humana, e violando o direito à liberdade de se autodeterminar através do princípio da autonomia do paciente, neste caso, paciente terminal.
O que o médico deve fazer é dar novos paradigmas para o paciente. O médico deve explicar qual é a doença, em que grau evolutivo ela se encontra, e os possíveis tratamentos que lhe serão propiciados ou para uma possível cura, ou para prolongar a sua vida. Não é uma decisão do médico. É um direito subjetivo do paciente, enquanto capaz, de se autodeterminar. Todavia, se este não mais tiver capacidade plena de se autodeterminar, então o representante legal o fará, assinando o termo de consentimento informado, e assumindo todos os riscos ou, ao menos, compartilhando esta responsabilidade com o médico e o hospital.
2. Consentimento Informado
O termo de consentimento informado deve ser assinado pelo paciente, conforme interpretação deste artigo, no hospital deve passar pelo crivo do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, no judiciário deve ser autenticado em cartório para ter eficácia, e, ainda, assinatura de duas testemunhas como em qualquer outro instrumento particular. O presente trabalho demonstra não ser exata a orientação da resolução 1.995 de 2012 do CFM, pois esta acena à possibilidade do paciente, no prontuário médico autorizar a antecipação da sua morte apondo a sua assinatura (seja ortotanásia, ou não). Isso é imoral. O prontuário é prova frágil, podendo facilmente ser alterado por forças e interesses estranhos ao do doente.
Faz-se necessário a presença de testemunhas, que poderão profissionais da saúde, ou ser familiares, que na hora da notícia da doença estavam juntos para lhes dar um apoio moral. E, ainda, ou para juntas atestarem que o médico explicou tudo de forma clara e compreensível ao paciente, e que ele agiu conforme as normativas internacionais e nacionais de bioética e biodireito. O primeiro documento que traz no seu bojo instruções à exigência do consentimento informado do paciente, de que forma ele deve ser aplicado e exigido, como deve o médico proceder, é o Código de Nüremberg. Este legado do Pós II Guerra Mundial visa coibir a eugenia e o desrespeito com a vida dos pacientes ou de etnias distintas.
Diante da Constituição da República Federativa do Brasil, o médico, mesmo agindo de boa fé, não poderá desrespeitar a vontade do paciente, não poderá decidir sobre a vida do paciente. É, sim, uma questão de direito subjetivo individual garantida pela Magna Carta brasileira. O médico não pode ser um deus que decide sobre a morte ou sobre a vida do paciente, ele é um instrumento de cura ou de alívio no sofrimento alheio que poderá ou não ser chamado para prestar seus serviços, e esse chamamento dependerá única e exclusivamente do paciente, seja ele terminal ou não. Entretanto, o médico que apenas seguiu as orientações dúbias do Conselho Federal de Medicina, cujas interpretações respaldam ao atendimento da última vontade do paciente, movido por compaixão e por sentimento de solidariedade não pode ser tratado como se fosse um homicida. Este profissional tem que ter um amparo do ente de classe diante da lei penal, administrativa e cível.
3. Conselho Federal de Medicina e Resoluções
O Conselho Federal de Medicina é uma instituição que foi criada pela Lei 3.268 de 1957, Art. 1º O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina, instituídos pelo Decreto-lei nº 7.955, de 13 de setembro de 1945, passam a constituir em seu conjunto uma autarquia, sendo cada um deles dotado de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira. Este decreto foi revogado naquilo que lhe contradiz.
Segundo Meirelles[10] autarquias são distintas de autonomias:
“Autarquias são entes administrativos autônomos, criados por lei específica, com personalidade jurídica de Direito Público interno, patrimônio próprio e atribuições estatais específicas. São entes autônomos, mas não são autonomias. Inconfundível é autonomia com autarquia: aquela legisla para si; esta administra-se a si própria, segundo as leis editadas pela entidade que a criou. O conceito de autarquia é meramente administrativo; o de autonomia é precipuamente político. Daí estarem as autarquias sujeitas ao controle da entidade estatal a que pertencem, enquanto as autonomias permanecem livres desse controle e só adstritas à atuação política das entidades maiores a que se vinculam, como ocorre com os Municípios brasileiros (autonomias), em relação aos Estados-membros e à União. Autarquia é pessoa jurídica de Direito Público, com função pública própria e típica, outorgada pelo Estado. A autarquia não age por delegação; age por direito próprio e com autoridade pública, na medida do jus imperii que lhe foi outorgado pela lei que a criou. Como pessoa jurídica de Direito Público interno, a autarquia traz ínsita, para a consecução de seus fins, uma parcela do poder estatal que lhe deu vida. Sendo um ente autônomo, não há subordinação hierárquica da autarquia para com a entidade estatal a que pertence, porque, se isto ocorresse, anularia o seu caráter autárquico. Há mera vinculação à entidade-matriz, que, por isso, passa a exercer um controle legal, expresso no poder de correção finalística do serviço autárquico.”
Assim se percebe que o Estado (Administração centralizada) cria a Autarquia (administração descentralizada) por lei específica, elas são sujeitos auxiliares do Estado, mas não se subordinam a ele, pois não há hierarquia entre eles, mas há controle dos seus atos administrativos.
Portanto, se o Estado tem o Poder de Controle dos atos administrativos da Autarquia que ele criou, e este Estado tem bor base jurídica a Constituição Federal, isso significa que os atos administrativos da Autarquia não poderão violar a Magna Carta brasileira, pois estes se sujeitarão ao Controle Constitucional do Supremo Tribunal Federal, que é o guardião da Constituição da República Federativa do Brasil.
Se a Autarquia Conselho Federal de Medicina cria uma Resolução que orienta a antecipação da morte do paciente com doença terminal, essa orientação tem eficácia entre os membros desta instituição, ou seja, entre os médicos, mas será ineficaz no Ordenamento Jurídico Nacional. Ela não será eficaz por que fere os direitos constitucionais individuais e coletivos fundamentais recepcionados na Constituição Federal.
E, se não ferisse um direito fundamental, assim mesmo, os atos políticos e administrativos são classificados dentro de uma pirâmide com hierarquia, hoje conhecida por blocos de constitucionalização: uma resolução de um regulamento administrativo está na base do Ordenamento Jurídico estando abaixo da Constituição Federal.
Então, se o CFM[11] é uma autarquia, é simples desdobramento administrativo do Poder Público. Os atos administrativos desta autarquia, antes de sofrerem Controle Jurídico constitucional visando a anulação do ato administrativo, poderão sofrer um controle administrativo, através de um processo administrativo que poderá anular ou convalidar os atos administrativos praticados pela autarquia.
Os servidores desta autarquia são servidores públicos, são agentes públicos, e como tal só poderão agir conforme a lei. Meirelles [12] leciona que: “Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”. Desta maneira, quando o médico agir conforme a Resolução 1.995 de 2012 do Conselho Federal de Medicina, não importa se o conteúdo desta se refere a eutanásia, ou a orientação à antecipação da morte, de qualquer jeito, estará agindo contra a Lei, pois não existe uma lei autorizando tal conduta, e como agente público, o médico vinculado ao CFM, não poderá agir diante de lacunas, ou diante da ausência de lei ordinária ou complementar.
O médico não poderá agir por falta de disposição expressa em lei que lhe autorize agir a favor da eutanásia, da ortotanásia, da distanásia. Logo, mesmo que o seu ato não se concretize, não tenho eficácia, assim mesmo o médico responderá. E, esta responsabilidade poderá ser administrativa, civil ou penal, individual ou compartilhada. Mas se o médico não é concursado, não é estatutário como poderá responder como se fosse agente público? Ele está exercendo uma função essencial ao interesse público e coletivo, então responde pela função exercida e não pelo cargo. O CFM induz o médico a erro, há possibilidade de sofrer uma denúncia ao Ministério Público e ação civil pública.
3.1. CFM: Autarquias reguladoras de categorias profissionais
Para Marçal Justen Filho[13] os órgão ou entes reguladores de atividades profissionais são entes de direito privado, que tem autorização legislativa, que lhes delega o poder de policia, como se fossem entes públicos, eles exercem a fiscalização daqueles profissionais que lhe são vinculados.
“Os entes reguladores de atividades profissionais exercem o poder de polícia da profissão e são investidos no poder de instituir, arrecadar e gerir contribuições de natureza compulsória. Em rigor, no entanto, atribuir a esses entes a natureza autárquica gera problemas jurídicos relevantes. Essas entidades não se subordinam ao poder de tutela jurídica do Estado brasileiro. A escolha, indicação e investidura nas funções de administradores dessas entidades decorre de escolhas dos integrantes da categoria. Por isso, afirma-se que essas entidades não eram propriamente integrantes da estrutura administrativa estatal, mas manifestações da própria sociedade civil, ainda que exercitassem competências tipicamente estatais.”
Justen Filho compreende que estes entes reguladores de profissão, não são propriamente autarquias, e que designá-los como autarquia não corresponde ao processo admitido para o regime de contratação de pessoal, pois este é celetista, enquanto nas autarquias o regime é estatutário. A função de agente público é a mesma, a mesma responsabilidade pela prestação de serviço diante de terceiros, mas a responsabilidade contratual é diferenciada.
Em se tratando de responsabilidade, da prestação de serviço ofertada pelos servidores, ou seja pelos médicos vinculados ao CFM, se este for considerado uma autarquia, a responsabilidade é objetiva, e a aplicação da lei, ao servidor (privado ou público) que exerce função pública é rígida. A tutela se dará no âmbito do direito administrativo, podendo agir somente dentro dos limites impostos pela lei.
A polêmica do art. 58 da lei 9.649 de 1998, fez com que se reafirma-se a submissão dos órgãos reguladores de profissão, conforme Justen Filho[14], ao regime jurídico de direito público inerente ao seu cunho autárquico. Compreende-se então que a lei 8.112 de 1990 é aplicada aos médicos vinculados ao CFM, se esse é uma autarquia.
3.1.1. Responsabilidade objetiva da autarquia CFM
Quando se fala de responsabilidade compartilhada está se falando de responsabilidade objetiva do ente que criou a autarquia e que não a fiscalizou. Também se fala de responsabilidade objetiva quando o agente, o médico, mesmo sendo terceirizado, no exercício da função pública, de interesse público e coletivo causar prejuízo a terceiro, neste caso a autarquia, responderá objetivamente, ou seja, ressarcindo todo o dano e prejuízo, porém poderá através de ação regressiva, responsabilizar subjetivamente o médico negligente, imprudente e imperito, artigo 37, §6º da Constituição Federal de 1988. Ter responsabilidade objetiva é ter o máximo de responsabilidade, a parte mais forte arcará com todo o ônus, independentemente de existir, ou não, culpa. Entre o paciente e o médico a relação é subjetiva, mas a parte mais forte é o médico; entre o médico e o hospital ou clínica a parte mais forte é a pessoa jurídica, entre esta e o Estado, a parte mais forte é o Estado. O Estado responderá pelo funcionamento inadequado do hospital, este pelo procedimento irregular do médico, e o médico pelo dano causado ao paciente. Entretanto, o paciente poderá responsabilizar diretamente o hospital ou o Estado por falta de fiscalização da conduta ética do médico.
3.2.Tipos de controle sobre o CFM e seus agentes médicos
Há tipos de controle dependendo do tipo de atos administrativos, se eles são vinculados, o agente só pode agir conforme a lei, se eles são discricionário dependerão dos critérios da oportunidade e da conveniência para poder flexibilizar a ação do ato administrativo.
Leciona Mello[15], que as Autarquias são fiscalizadas pelo ente que lhe criou e seus respectivos órgãos:
“O controle das autarquias, às vezes designado, sobretudo na doutrina estrangeira, como tutela, é o poder que assiste à Administração Central de influir sobre elas com o propósito de conformá-las ao cumprimento dos objetivos públicos em vista dos quais, harmonizando-as com a atuação administrativa global do Estado. De acordo com o citado Decreto-lei 200, portanto, na órbita federal, este controle é designado “supervisão ministerial”. Todas as entidades da Administração indireta encontram-se sujeitas ou à supervisão do Ministro a cuja Pasta estejam vinculadas- que a exercerá auxiliado pelos órgãos superiores do Ministério- ou da Presidência da República, tratando-se de autarquia diretamente vinculada a ela. Dado que as autarquias são pessoas jurídicas distintas do Estado, o Ministro superior não é autoridade de alçada para conhecer de recurso contra seus atos, pois inexiste relação hierárquica entre este e aquelas, mas apenas os vínculos de controle legalmente previstos. Assim só poderia caber o chamado recurso hierárquico impróprio, isto é, quando previsto na lei própria da autarquia (ou em alguma outra lei).”
Queiroz[16] alerta sobre a não supervisão do Ministério, em se tratando de autarquias especiais, a não descaracterização destas pela simples ausência deste, haja vista a flexibilização na sua autonomia. Para ele:
“o Supremo Tribunal Federal já tinha enfrentado o tema no Mandado de Segurança n.º 22.643-9-SC, Relator Ministro Moreira Alves, por votação unânime, em que se decidiu que: "(…) – Os Conselhos Regionais de Medicina, como sucede com o Conselho Federal, são autarquias federais sujeitas à prestação de contas ao Tribunal de Contas da União por força do disposto no inciso II do artigo 71 da atual Constituição…. "Esses Conselhos – o Federal e os Regionais – foram, portanto, criados por lei, tendo cada um deles personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira. Ademais, exercem eles a atividade de fiscalização de exercício profissional que, como decorre do disposto nos artigos 5º, XIII, 21, XXIV, e 22, XVI, da Constituição Federal, é atividade tipicamente pública. Por preencherem, pois, os requisitos de autarquia, cada um deles é uma autarquia, embora a Lei que os criou declare que todos, em seu conjunto, constituem uma autarquia, quando, em realidade, pelas características que ela lhes dá, cada um deles é uma autarquia distinta.".
Assim, constata-se que se o Conselho Federal de Medicina, tanto quanto os Conselhos Regionais de Medicina são autarquias. E, como autarquias, geralmente, por força de lei, sofrem Controle Administrativo da Administração Direta. No caso do Conselho Federal de Medicina, este sofre controle do Ministério da Saúde e seus órgãos. Sendo-lhes cabível o recurso hierárquico impróprio.
Contudo, além deste tipo de controle tanto à Administração Direta quanto Indireta, é possível, em especial, às autarquias o Controle dos atos administrativos. Se o ato administrativo for um ato vinculado à lei, este ato não tem nenhum tipo de flexibilidade, ele deve estar afetado a lei. Se ele for praticado com poderes que extrapolam o limite imposto por lei, ele será considerado ilegal, e nulo. Neste caso, tanto a Administração poderá declarar que o ato é nulo desde o seu nascimento, ou seja, desde a sua prática e resultado efetivo, quanto poderá ser declarado nulo pelo Poder Judiciário. Assim há dois tipos de controle para o ato administrativo vinculado, o controle feito pela Administração Indireta, ou melhor, pela Autarquia, por processo administrativo, ou pelo judiciário, por processo judicial.
Por outro lado, se o ato administrativo, praticado por agente público, for praticado com uma certa dose de discricionariedade, este ato não é vinculado a lei, e neste caso o agente público poderá agir conforme os critérios exigidos pela Administração. Entre estes tem-se os tradicionais critérios da oportunidade e da conveniência. Neste caso, o judiciário não poderá intervir, cabendo apenas um controle administrativo. Desta forma o controle da administração poderá revogar ou convalidar o ato que foi impugnado. O judiciário não pode analisar o mérito do ato discricionário. Todavia, se o agente não necessitava motivar o porquê agiu de tal forma, e o fez, abriu mão da sua liberdade conquistada por uma certa flexibilização, e vinculou o ato ao motivo. Portanto, o judiciário, agora, nesta situação poderá analisar se o motivo está conforme a lei.
Outro tipo de controle é o praticado pelo TCU. O Tribunal de Contas da União é um órgão do Poder Executivo que auxilia o Poder Legislativo, não é um tribunal, mas que tem o importante papel de fiscalizar as contas e a transparências dos atos de gestão administrativa. O próprio Poder Legislativo pode fiscalizar os atos do Poder Executivo, e em relação aos atos praticados contra a Administração, qualquer cidadão é parte interessada na defesa e proteção do patrimônio público, na moralidade administrativa, na proteção ambiental, cabendo impetrar a Ação Popular, que é gratuita. E, ainda, no caso de direito difuso ou coletivo, cujo interesse é mais amplo do que o público, pois o interesse é comum de todos, é possível denunciar a ilegalidade do ato administrativo ao Ministério Público.
Por derradeiro, em se tratando de eutanásia, ortotanásia e distanásia o ato praticado fere o direito fundamental à vida (direito humano), neste caso, o ato praticado pelo médico poderá sofrer Controle Constitucional, seja difuso ou concentrado, dependendo das circunstâncias. O guardião da Constituição da República Federativa do Brasil é o Supremo Tribunal Federal (STF), este poderá praticar o Controle Concentrado, enquanto o Controle Difuso poderá ser praticado por tribunais de outras instâncias. Talvez caiba modulação dos efeitos da decisão, talvez a decisão tenha efeito de súmula vinculante, tudo dependerá do caso in concreto.
3.3. Orientação prevista na Resolução 1.995/2012 do CFM
A análise que se faz nesta resolução sobre a orientação sobre a antecipação da vontade do paciente expressa nos artigos 1º e 2º, por analogia, e na lacuna desta resolução, percebe-se que existem novos paradigmas à ortotanásia e para a eutanásia.
“Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade. Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.”
Se o paciente não quiser receber nenhum tipo de tratamento, neste caso se caracteriza a ortotanásia, e se ele quiser como tratamento o auxílio do médico para o desligamento dos aparelhos que lhe manterão vivo no estado de dor e sofrimento, caso de eutanásia.
Esta resolução tanto em caso, quanto no outro, apesar deste trabalho de monografia simpatizar com o direito à morte digna, alerta tanto o médico, quanto qualquer profissional da saúde, que uma resolução pode sofrer o controle judiciário ou administrativo dos atos praticados pelo médico. E neste caso o próprio judiciário vai se confrontar diante do conflito de interesses, ou conflito entre princípios de mesmo grau de hierarquia e importância: a liberdade individual (autonomia do paciente) versos o direito à vida; a responsabilidade subjetiva versos a responsabilidade objetiva; os atos administrativos do médico e o controle do CESPH.
Para que a Constituição Federal seja modificada e venha a legalizar o ato de (eutanásia) administrativo praticado pelo médico enquanto agente vinculado ao CFM, que é órgão público de interesse público, o que se faz iminente é a compreensão da sociedade, enquanto agente de transformação, fazer pressão e exigir do Congresso Nacional uma lei que venha a delimitar as condições à prática da eutanásia no Brasil, sem que isso seja uma discussão só moral, conforme a religião, mas uma discussão ética, conforme o direito. O direito sagrado que cada cidadão tem de se autodeterminar conforme a sua própria vontade, sobre a sua própria vida, sem que o preconceito dos outros, a falta de coragem de falar e tratar da morte sem tabus, seja um obstáculo para o bem morrer, o morrer com dignidade, com respeito ao direito humano de se morrer, pois a única circunstância que é certa para o ser vivo é a morte.
CONSIDERAÇÕES DERRADEIRAS
O direito à vida, que é relativo, não pode ser imposto a outrem, assim como não pode a morte ser imposta ao paciente terminal, contra a sua própria vontade. Se o paciente terminal deseja optar pela morte, pela eutanásia, não pode o Estado intervir nesta decisão de ordem privada, individual, de primeira dimensão. O que o Estado pode e deve fazer é intervir no sentido de fiscalizar, de garantidor da assistência qualificada, de fiscalizar os procedimentos para impedir homicídios, impedir abusos de poder, impedir interesses de rapina sobre o espólio do doente, impedir a eugenia, impedir a violação de direitos como venda de órgãos. O Estado deve garantir que os pressupostos da Resolução 1.995/2012, condizentes com o direito constitucional e com a bioética, sejam considerados para fundamentar a legalidade do ato. Urge ao Congresso Nacional escutar a voz que vem do povo, no interesse difuso, de todos os doentes terminais, de forma indeterminada, atemporal, transindividual, em decidir livremente, conforme a sua autonomia, sobre a sua vida, ou sobre a sua morte, no mesmo patamar de direitos, na mesma isonomia, fundamentada na equidade da prestação de serviço do Sistema Unificado da Saúde, ou de instituições privadas, na otimização de custos hospitalares. O direito constitucional, os direitos humanos, o biodireito, a bioética, todos devem juntos transformar o direito privado à vida e o direito social à saúde que estão a mercê da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do ato de eutanásia quando respeitadas ou desrespeitadas as considerações da resolução 1.995/2012. Desta forma, respeitando a vontade de morrer do paciente terminal, ou de viver, estar-se-á respeitando a liberdade de expressão do paciente, assegurada por um documento cabal, o Consentimento Informado, que excluirá da responsabilidade penal, civil e administrativa o médico assistente da morte piedosa. Muito embora se perceba, que se deve dar o direito ao arrependimento, ao médico, que poderá renunciar ao ato de auxílio e acompanhamento profissional à eutanásia, quanto o direito ao arrependimento do paciente, a qualquer tempo, sem delongas formais, do pedido à morte assistida. Por outro lado, no ato de solicitação da própria morte todos os pressupostos, não revogados, ou já modificados, da resolução deverão ser preenchidos, no mais alto grau de formalidade, consignando por expresso, em termo escrito, e com duas testemunhas de cada parte da relação médico-paciente, o desejo cabal, habitual, harmônico e persistente de morrer sem dor, de forma eficaz e eficiente. O Conselho Federal de Medicina e o Estado não podem ficar à margem desta discussão, nem se omitir de fiscalizar todos os atos do médico agente público, sob pena de responder objetivamente. O que se pretende neste trabalho é que haja uma harmonia sistemática entre o querer do paciente, o executar do médico, e o fiscalizar do ente de classe e do Estado, todos juntos em prol do direito fundamental à liberdade do paciente, em Termo de Consentimento Informado, decidir sobre a sua própria vida.
Docente de Direito da Universidade Federal da Fronteira Sul; pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Saneamento Ambiental-GEPESA/UFFS; Grupo de Estudos e Pesquisa em Administração- GEPAD/UFFS; Mestre em Direito da Integração do MILA-UFSM; Especialista em Educação Ambiental da UFSM, Bacharel em Direito da UFSM; Formanda de Direito Constitucional Aplicado do Curso Damásio de Jesus; OAB/SC
Acadêmico do Curso de Letras Inglês da Unochapecó; bolsista do programa de atendimento de adolescentes e jovens entre 15 e 17 anos do projeto LABLIN Social em inglês na Escola Tancredo Neves-Efapi de Chapecó, SC
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