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O Conselho Nacional de Justiça e a prestação de contas

Apesar de já estar atuante há quatro meses, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ainda não foi objeto de estudos da maioria dos teóricos e operadores do Direito.

Um dos poucos textos que encontrei sobre o assunto é de PIERPAOLO CRUZ BOTTINI, Secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, publicado na Internet inicialmente no site Migalhas (www.migalhas.com.br) e, posteriormente, no site Projeto Justiça Sem Papel (www.justicasempapel.org.br).

O artigo merece ser transcrito:

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O Conselho Nacional de Justiça, criado pela Emenda Constitucional 45 (reforma do Judiciário), é reflexo do amadurecimento da sociedade brasileira, especialmente dos operadores do direito, que perceberam a necessidade de organizar e racionalizar a gestão da máquina judicial através de uma instituição plural e heterogênea, da qual participam representantes de todos os setores da Justiça, do Ministério Público, da advocacia, e da sociedade civil.

A importância do Conselho Nacional de Justiça não decorre de suas competências disciplinares, ou de sua capacidade de aplicar sanções diversas aos magistrados descumpridores dos preceitos normativos que regem a carreira. É evidente que esta função tem sua relevância, no sentido de reforçar o papel já realizado pelas corregedorias de acompanhar as atividades de juizes e desembargadores. No entanto, um modelo de funcionamento de Justiça mais rápido e eficiente não será construído através da atividade repressiva, mas de um sistema de racionalização da gestão dos tribunais, do qual faz parte o Conselho Nacional de Justiça e os demais órgãos judiciais.

O principal problema do Judiciário hoje se encontra na gestão. Não se quer, com isso, afastar a relevância de outros gargalos que dificultam a atividade de prestação jurisdicional, como a legislação processual, que deve ser reformulada a fim de suprimir entraves na tramitação processual, sem ferir os instrumentos de contraditório e ampla defesa. Porém, é necessário ressaltar a insuficiência de qualquer reforma legislativa diante de um sistema de gestão da Justiça lento e ultrapassado, que mantém procedimentos burocráticos desnecessários, responsáveis pela procrastinação de feitos e resultados.

Os problemas de administração judicial são acentuados pelo caráter federativo do Estado brasileiro, que implica na existência de diversas Justiças no país, nos âmbitos estadual e federal, para tratar de matéria comum, trabalhista, eleitoral, militar e outras. Se por um lado tal diversidade se faz necessária para atender às peculiaridades de cada região de um país continental como o Brasil, por outro é necessário organizar a troca de informações entre os órgãos judiciais, sob pena de manter a fragmentação da Justiça em ilhas incomunicáveis e impedir a resolução dos litígios de maneira satisfatória. Atualmente, as Justiças estaduais não se comunicam entre si, nem com a Justiça federal, e não trocam informações com órgãos e entidades de outros Poderes, não por falta de iniciativa ou vontade política, mas por falta de regulamentação que padronize os sistemas de transmissão de dados e de gestão organizacional.

Até dezembro de 2004, não existia um órgão capaz de fixar regras comuns para a organização administrativa do Judiciário como um todo. Caberá agora ao Conselho Nacional de Justiça determinar regras que racionalizem a organização de todas as instâncias do Poder Judiciário, no intuito de padronizar determinadas condutas e possibilitar a prestação de Justiça através de critérios uniformes.

Diante do novo texto constitucional, fica evidente a importância do Conselho Nacional de Justiça para dinamizar a gestão da Justiça e possibilitar a integração dos sistemas judiciais do país, facilitar a prestação jurisdicional e garantir a transparência dos órgãos públicos que desempenham tarefas judicantes. Os atos recentemente aprovados pelo Conselho vão nesse sentido, como a resolução nº 4/05, que institui o Sistema de Estatística do Poder Judiciário, padronizando a forma de sistematização de dados em toda a Justiça brasileira, e a resolução nº 5/05, que determina a inadmissibilidade de férias coletivas na Justiça de primeiro e segundo graus, conferindo aplicabilidade imediata ao dispositivo constitucional que trata do tema.

Por outro lado, é importante ressaltar que o sistema federativo brasileiro impõe que a autonomia administrativa e financeira dos tribunais seja preservada. Desta forma, a competência do Conselho Nacional de Justiça ficará limitada à determinação de normas gerais administrativas, cuja aplicação uniforme em todo o território nacional seja fundamental para a racionalidade da gestão judicial, e não implique violação à realidade regional de funcionamento de cada tribunal. Desta forma, a expedição de regras que, por exemplo, tratem da informatização da Justiça, ou da comunicação de atos judiciais por via eletrônica, devem atentar para os diferentes aspectos de desenvolvimento social e econômico das regiões do país e para a diversidade de contextos culturais vivenciados em cada porção do território nacional. O bom senso e a razoabilidade serão fundamentais para a construção de um sistema integrado e racional de prestação jurisdicional em todo país.

O Conselho Nacional de Justiça deve ser instigado pelos operadores do direito, que vivenciam na prática do cotidiano os problemas gerenciais do Poder Judiciário, a manifestar-se sobre procedimentos e sobre o modus operandi do sistema judicial. Sem dúvida, a atividade de regulamentação administrativa do Conselho será a atribuição mais importante deste órgão, e a que mais trará benefícios para a atividade de distribuição de Justiça no país.

Uma frase de BOTTINI me parece a mais importante do texto: O principal problema do Judiciário hoje se encontra na gestão.

No entanto, refletindo sobre o assunto, aponto dois outros ângulos da questão CNJ: primeiro, a necessidade moderna do Judiciário prestar contas ao povo da sua atuação não-jurisdicional; segundo, do Judiciário prestar contas a si próprio de sua atuação nessa área.

Para explicar melhor, acredito que um pouco de Direito Comparado possa ajudar a analisar o assunto.

Vejamos o exemplo francês.

A Constituição francesa não dá ao Judiciário, Executivo e Legislativo o status de poder, acredito que pelo desgaste que a expressão foi sofrendo no decurso dos séculos. Naquele país, poder só se atribui ao povo. Todos que agem, por força de delegação legal, em nome do Estado são servidores públicos. Os agentes dos três segmentos do Estado, sejam de que nível forem, são servidores públicos. Lá nós, os representantes do Judiciário, Executivo ou Legislativo, não seríamos um poder, mas servidores públicos.

Importante notar que a própria França, criadora dessa ficção, através da genialidade de Montesquieu, já a julgou ultrapassada e nela não mais acredita.

Mas, para comparação, é interessante verificarmos o exemplo do Direito norte-americano.

Nos EUA se consideram, não mais os três tradicionais poderes, mas outros tantos, dentre os quais a CIA.

Em nosso país, ao contrário, além dos reconhecidos três poderes, há ainda outras instituições que pleiteiam esse status, como sejam o Ministério Público e as Forças Armadas.

Realmente, há fundamentos justos para esse alargamento, pois o Ministério Público se mostra cada vez importante para o estabelecimento do Estado de Direito, enquanto que as Forças Armadas desempenham um papel vital na segurança interna e externa do país.

Todavia, acredito que, qualquer que seja a opção adotada teoricamente, já é tempo de reconhecermos que: primeiro, o único poder tem de estar nas mãos do povo e, segundo, somos servidores públicos.

E, nessas condições, cumpre-nos o dever de prestar contas de nossa atuação, como dito, o Judiciário prestar contas ao povo e a si mesmo.

Para tanto, vem em boa hora o CNJ, que significa a presença popular dentro do Judiciário, não só pela forma democrática de recrutamento de sua composição, mas também pela publicidade que vem trazer ao debate e julgamento das questões não-juriscidionais do Judiciário.

O Judiciário, na verdade, não tem medo da publicidade, pois age honestamente tanto nas questões jurisdicionais quanto nas não-jurisdicionais. Quanto às primeiras habituou-se a prestar contas desde que se criaram os recursos, mas, nas outras tem sido mais reservado. Todavia já é tempo de ocorrer essa exposição pública em todas as áreas, inclusive porque hoje em dia não se admite mais, nem teórica nem praticamente, nada que não passe por essa exposição pública.

O Judiciário brasileiro segue o modelo francês no que pertine ao recrutamento de seus membros, ou seja, os concursos públicos. Só isso já é uma coisa questionável, pois muitas pessoas gostariam de eleger os juízes, segundo o modelo norte-americano.

Sendo, dessa forma, um tanto distantes dos anseios populares, pela forma de ingresso na carreira, acredito que devemos compensar essa, digamos, não-popularidade pela maior aproximação que devemos ter em relação ao povo.

O Judiciário não tem nenhuma caixa preta. É uma instituição honesta e acreditável, composta de homens e mulheres que procuram viver na sua vida particular e no trabalho de acordo com os melhores padrões de correção. Não tem receio de prestar contas nem externa nem internamente.

Essa exposição pública tem de ser intensa para passarmos pelo crivo da credibilidade e, felizmente, é o que já começou a acontecer.

A propósito merece destaque um fato memorável que vem noticiado no site da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) (www.amb.com.br):

TJ-PE realiza primeira sessão de promoção e remoção de juízes com voto aberto e fundamentado

O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE) realizou nesta quarta-feira, dia 14 de setembro, a primeira sessão de promoção e remoção de juízes por meio de voto nominal, aberto e motivado. A grande participação de juízes de primeiro grau e de desembargadores na sessão evidenciou que o novo sistema de promoção foi muito bem recebido pela magistratura local.

Segundo o presidente do TJ-PE, desembargador José Antônio Macêdo Malta, “a repercussão no tribunal foi a melhor possível. Esse é o sistema ideal para todos”.

O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE) realizou nesta quarta-feira, dia 14 de setembro, a primeira sessão de promoção e remoção de juízes por meio de voto nominal, aberto e motivado. A grande participação de juízes de primeiro grau e de desembargadores na sessão evidenciou que o novo sistema de promoção foi muito bem recebido pela magistratura local.

Segundo o presidente do TJ-PE, desembargador José Antônio Macêdo Malta, “a repercussão no tribunal foi a melhor possível. Esse é o sistema ideal para todos”.

O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE) realizou nesta quarta-feira, dia 14 de setembro, a primeira sessão de promoção e remoção de juízes por meio de voto nominal, aberto e motivado. A grande participação de juízes de primeiro grau e de desembargadores na sessão evidenciou que o novo sistema de promoção foi muito bem recebido pela magistratura local.

Segundo o presidente do TJ-PE, desembargador José Antônio Macêdo Malta, “a repercussão no tribunal foi a melhor possível. Esse é o sistema ideal para todos”.

O vice-presidente de Interiorização da AMB, juiz Mozart Valadares Pires, que participou da sessão, conta que nenhum desembargador se posicionou contrariamente ao novo sistema durante a sessão. “Um chegou a dizer: ´agora, o juiz que for trabalhar somente nos gabinetes não será promovido. Tem de trabalhar no processo´.”

Ainda segundo Mozart, a sessão foi longa, durou aproximadamente cinco horas porque os critérios objetivos ainda não foram fixados. Pela resolução editada nesta terça-feira, dia 13 de setembro, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os tribunais têm um prazo de 120 dias para editar atos administrativos fixando os critérios.

Do total de 37 desembargadores do Tribunal Pleno, 34 votaram. Os três que não puderam estar presentes à sessão enviaram justificativas.

Para Mozart, o momento foi ímpar. “Fiquei emocionado. Para mim foi o dia mais feliz de política associativa que vivi até hoje. Sei que é um início, mas dá para começar a acreditar que partimos para a construção de um novo Judiciário”, comemora ele.

Para o desembargador José Antônio, a iniciativa da AMB atendeu a um reclame antigo dos magistrados de 1º grau. “O novo sistema é um estímulo aos juízes, já que, na votação, são levados em conta os critérios de produtividade e presteza no exercício da jurisdição”, avalia.

Agora, só resta aguardar que os acontecimentos felizes se sucedam rapidamente, para a valorização da instituição e do povo brasileiro, que merecem todos essa verdadeira festa da Democracia e do Estado de Direito.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Luiz Guilherme Marques

 

Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora – MG

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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